STJ – AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 2997170 - SP (2025/0270743-8)
cido pela parte apelante apenas ocorreu ante a promessa de que não haveria a aplicação do período de carência, sendo imposta, quando a parte apelada precisou fazer uso dos serviços, é de se reconhecer a falha na prestação de serviços da parte apelante e seu representante, nos termos do artigo 20 do Código de Defesa do Consumidor. Nesse contexto, a reforma do acórdão recorrido, no que tange à identificação de falha no dever de informação ao consumidor pela parte agravante e seu representante — circunstância que fundamentou o reconhecimento da responsabilidade da operadora de plano de saúde e do corretor, culminando na exigência indevida de cumprimento de período de carência pela parte agravada, prática considerada abusiva e passível de responsabilização — exige o reexame de fatos e provas e a interpretação de cláusulas contratuais, o que é vedado em recurso especial pelas Súmulas 5 e 7, ambas do STJ. Desse modo, não é possível que sejam revisitados fatos ou que seja conferida nova interpretação de cláusula contratual, uma vez que são matérias ligadas à demanda e alheias à função desta Corte Superior que é a uniformização da interpretação da legislação federal. Forte nessas razões, CONHEÇO do agravo e, com fundamento no art. 932, III e IV, “a”, do CPC, bem como na Súmula 568/STJ, CONHEÇO PARCIALMENTE do recurso especial e, nessa extensão, NEGO-LHE provimento. Deixo de majorar os honorários fixados anteriormente, porquanto já atingido o limite previsto no art. 85, § 2º, do CPC. Previno as partes que a interposição de recurso contra esta decisão, se declarado manifestamente inadmissível, protelatório ou improcedente, poderá acarretar sua condenação às penalidades fixadas nos arts. 1.021, § 4º, e 1.026, § 2º, do CPC. Publique-se. Intimem-se. Brasília, 05 de novembro de 2025. MINISTRA NANCY ANDRIGHI Relatora
Decisão completa:
AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 2997170 - SP (2025/0270743-8)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
AGRAVANTE : SERMED-SAUDE LTDA
ADVOGADOS : CLÁUDIO JOSÉ GONZALES - SP099403
NATASHA BIAGI PAGNANO - SP344560
GABRIELA CROSARA PRESOTTO - SP331011
AGRAVADO : MANUEL ESCALEIRA MARQUES
AGRAVADO : MARIA HELENA DOS SANTOS MARQUES
AGRAVADO : JOSE MANUEL DOS SANTOS MARQUES
AGRAVADO : ANDRE LUIZ DOS SANTOS MARQUES
AGRAVADO : ELISABETH APARECIDA DOS SANTOS MARQUES LOURENCO
AGRAVADO : FATIMA APARECIDA DOS SANTOS MARQUES MAIA
ADVOGADA : TÂNIA RAHAL TAHA - SP114347
EMENTA
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO COMINATÓRIA C/C
COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS E REPARAÇÃO DE DANOS MATERIAIS. PLANO DE
SAÚDE. VIOLAÇÃO DO ART. 489 DO CPC. INOCORRÊNCIA. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO
JURISDICIONAL. AUSÊNCIA. REEXAME DE FATOS. INTERPRETAÇÃO DE CLÁUSULAS
CONTRATUAIS. INADMISSIBILIDADE.
1. Ação cominatória c/c compensação por danos morais e reparação de danos
materiais.
2. Devidamente analisadas e discutidas as questões de mérito, e fundamentado
corretamente o acórdão recorrido, de modo a esgotar a prestação jurisdicional, não
há que se falar em violação do art. 489 do CPC.
3. Ausentes os vícios do art. 1.022 do CPC, rejeitam-se os embargos de declaração.
4. O reexame de fatos e a interpretação de cláusulas contratuais em recurso especial
são inadmissíveis.
5. Agravo conhecido. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, não
provido.
DECISÃO
Examina-se agravo em recurso especial interposto por SERMED-SAÚDE LTDA
contra decisão que inadmitiu recurso especial fundamentado, exclusivamente, na alínea
“a” do permissivo constitucional..
Agravo em recurso especial interposto em: 17/6/2025.
Concluso ao gabinete em: 9/9/2025.
Ação: cominatória c/c compensação por danos morais e reparação de danos
materiais, ajuizada por MANUEL ESCALEIRA MARQUES, MARIA HELENA DOS SANTOS
MARQUES e JOSÉ MANUEL DOS SANTOS MARQUES, em face de SERMED-SAÚDE LTDA e
CORRETORA DANILO RAMOS NOGUEIRA BRANCO, na qual requer a portabilidade de
carências com cobertura dos serviços sem período de carência e o reembolso da despesa
com exame.
Sentença: julgou parcialmente procedentes os pedidos, para: i) determinar que
a requerida permita a utilização dos serviços oriundos do plano de saúde,
independentemente de carência; ii) condenar a requerida ao pagamento de R$ 5.000,00
(cinco mil reais) a título de compensação por danos morais em favor de MANUEL
ESCALEIRA MARQUES e dos sucessores de MARIA HELENA DOS SANTOS MARQUES.
Acórdão: negou provimento ao recurso de apelação interposto por SERMED-
SAÚDE LTDA, nos termos da seguinte ementa:
Preliminar. Cerceamento de defesa inexistente. Inversão do ônus da prova requerido
pela autora e eventual omissão que não lhe prejudica. Verossimilhança e
hipossuficiência. Primazia do julgamento do mérito. Preliminar afastada. Plano de
saúde. Ação cominatória cumulada com pedido de indenização por danos materiais e
danos morais. Sentença de parcial procedência, condenando a parte ré a realizar a
portabilidade das carências do plano de saúde anterior e à indenização por danos
morais. Insurgência do réu. 1. Alegação de que a autora não cumpre os requisitos
legais e não realizou os procedimentos necessários para portabilidade. Portabilidade
de carência prometida por corretor não efetivada. Ausência de demonstração de que
os beneficiários foram corretamente informados sobre as carências a serem
cumpridas. Cadeia de fornecimento. Operadora do plano de saúde e corretora
integram a cadeia de consumo e, portanto, respondem solidariamente. 2. Dano moral
configurado. Quantum mantido em R$5.000,00. 3. Sentença mantida. Recurso não
provido. (e-STJ fl. 316)
Embargos de Declaração: opostos por SERMED-SAÚDE LTDA, foram rejeitados.
Recurso especial: alega violação dos arts. 373, I, § 1º, § 2º, e 489, § 1º, II e IV, do
CPC, 1º e 3º, 4º, II, XXIV, XXVIII, XXXII e XLI, e 10, II, da Lei 9.961/2000, 1º, § 1º, da
Lei 9.656/98, e 6º, VIII, do CDC. Além da negativa de prestação jurisdicional, sustenta que
houve inversão do ônus da prova sem decisão fundamentada prévia, causando
cerceamento de defesa. Argumenta que foi imposto encargo de produzir prova negativa,
tornando impossível a desincumbência do ônus probatório. Assevera que o acórdão
desconsidera a competência normativa da ANS para disciplinar a portabilidade,
flexibilizando requisitos técnicos sem respaldo legal.
RELATADO O PROCESSO, DECIDE-SE.
- Da violação do art. 489 do CPC
Do exame do acórdão recorrido, constata-se que as questões de mérito foram
devidamente analisadas e discutidas, de modo que a prestação jurisdicional foi esgotada.
É importante salientar que a ausência de manifestação a respeito de
determinado ponto não deve ser confundida com a adoção de razões contrárias aos
interesses da parte. Logo, não há contrariedade ao art. 489 do CPC, pois o Tribunal de
origem decidiu de modo claro e fundamentado.
No mesmo sentido: AgInt nos EDcl no AREsp n. 1.547.208/SP, Terceira Turma,
DJe de 19/12/2019 e AgInt no AREsp n. 1.480.314/RJ, Quarta Turma, DJe de 19/12/2019.
- Da violação do art. 1.022 do CPC
É firme a jurisprudência do STJ no sentido de que não há ofensa ao art. 1.022 do
CPC quando o Tribunal de origem, aplicando o direito que entende cabível à hipótese
soluciona integralmente a controvérsia submetida à sua apreciação, ainda que de forma
diversa daquela pretendida pela parte.
A propósito, confira-se: REsp n. 2.095.460/SP, Terceira Turma, DJe de 15/2/2024
e AgInt no AREsp n. 2.325.175/SP, Quarta Turma, DJe de 21/12/2023.
No particular, verifica-se que o acórdão recorrido decidiu, fundamentada e
expressamente acerca das provas apresentadas pelas partes, as quais indicavam que houve
falha no dever de informação ("[...] Ainda, a alegada ausência de documentos para a
realização de portabilidade se deu exclusivamente em razão de negligência da própria ré e
de seu corretor intermediário. Verifica-se que a parte apelada apresentou documentos ao
corretor, crendo que se tratava de portabilidade de planos, indicando, inclusive, todas as
suas doenças preexistentes. A parte apelante não foi capaz de afastar a alegação de que o
corretor assegurou às partes que tomaria as medidas necessárias para efetivação da
portabilidade, sequer comprovou ter havido a correta prestação de informações aos
autores sobre a necessidade de seguir procedimentos específicos e as implicações da
simples modalidade de redução de carências em detrimento de uma portabilidade.", e-STJ
fls. 322-323), de maneira que os embargos de declaração opostos pela parte agravante, de
fato, não comportavam acolhimento.
Assim, observado o entendimento dominante desta Corte acerca do tema, não
há que se falar em violação do art. 1.022 do CPC, incidindo, quanto ao ponto a
Súmula 568/STJ.
- Da fundamentação deficiente
Na sentença, o Juiz do Primeiro Grau de Jurisdição aplica a regra do art. 373, I,
do CPC, registrando que cabe à parte autora comprovar os fatos constitutivos de seu
direito, sem determinar inversão do ônus da prova (e-STJ fl. 243). Dessa forma, os
argumentos invocados pela parte agravante não demonstram como o acórdão recorrido
violou os arts. 369 e 373, I, § 1º, § 2º, do CPC (tese de cerceamento de defesa em razão de
inversão do ônus da prova em favor do consumidor, sem que houvesse decisão
fundamentada neste sentido), o que importa na inviabilidade do recurso especial ante a
incidência da Súmula 284/STF. Nesse sentido: AgInt no AREsp 1.947.682/SP, Terceira
Turma, DJe 20/12/2023; e AgInt no AREsp 2.138.858/SP, Quarta Turma, DJe 15/6/2023.
- Do reexame de fatos e provas e da interpretação de cláusulas contratuais
O TJ/SP ao analisar o recurso interposto pela parte agravante, concluiu o
seguinte (e-STJ fls. 320-325):
De acordo com o Código de Defesa do Consumidor, as cláusulas
contratuais devem ser interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor (artigo
47), caracterizando-se como abusivas aquelas que o coloquem em desvantagem
exagerada ou que sejam incompatíveis com a boa-fé e a equidade (artigo 51, IV).
A portabilidade da carência encontra-se regulamentada pela Resolução
Normativa nº 438/2018 da ANS, que assim prevê em seu artigo 3º: [...]
O Sr. Manuel era titular de plano de saúde há mais de 20 anos, tendo
como sua dependente, sua esposa, Sr. Helena e, por questões econômicas, procurou,
através de corretor, um novo plano de saúde e requereu a portabilidade da carência.
Nota-se que, tanto o Sr. Manuel, quanto a Sra. Helena, contavam à época da
assinatura do contrato com mais de 80 anos de idade.
Constata-se que, ao contrário do que afirma a apelante, não há qualquer
evidência de tentativa da parte autora em contratar um novo plano de saúde, tratava-
se de uma portabilidade, e não de um novo contrato.
Essa questão fica ainda mais evidente considerando que o titular e a
beneficiária são idosos, fato que, por si só, requer maiores cuidados quanto à saúde,
além de contar com doenças preexistentes, como se depreende a fls. 38.
O mesmo racional é aplicável à alegação da parte apelante de que não
seria possível a portabilidade, de toda forma, pois as partes apeladas mantinham
contrato de segmentação ambulatorial-hospitalar e houve a contratação de dois
novos planos diferentes, que impediria o deferimento da portabilidade da carência.
Não é razoável imaginar que um casal de idosos, que já possuía cobertura
médica há mais de 20 anos, teria interesse em contratar um novo plano de saúde,
conscientes de que haveria novo período de carência, sobretudo pelo histórico de
doenças preexistentes.
Frisa-se que não foram juntados aos autos quaisquer indícios mínimos
capazes de afastar as alegações das partes autoras.
Como bem salientado na r. sentença, de acordo com as provas
apresentadas no feito, não foi possível verificar se houve a correta prestação de
informação aos consumidores a propósito das carências a serem cumpridas (fls. 242):
“Ocorre que competia ao corretor, que oferecia o serviço e detinha
conhecimento técnico específico, diligenciar corretamente os trâmites
necessários para a operação requerida, o que não foi observado. Além disso, a ré
não comprova o descumprimento dos requisitos estipulados pela Resolução
Normativa nº 438/2018, os quais poderiam eventualmente excluir o direito à
portabilidade. Vale ressaltar que, uma vez atendidos os requisitos legais, o
procedimento de portabilidade deve ser efetuado, independentemente do
disposto no art. 17 da mencionada resolução (fls. 156/157). Ainda, a alegada
ausência de documentos para a realização de portabilidade se deu
exclusivamente em razão de negligência da própria ré e de seu corretor
intermediário.”
Verifica-se que a parte apelada apresentou documentos ao corretor,
crendo que se tratava de portabilidade de planos, indicando, inclusive, todas as suas
doenças preexistentes.
A parte apelante não foi capaz de afastar a alegação de que o corretor
assegurou às partes que tomaria as medidas necessárias para efetivação da
portabilidade, sequer comprovou ter havido a correta prestação de informações aos
autores sobre a necessidade de seguir procedimentos específicos e as implicações da
simples modalidade de redução de carências em detrimento de uma portabilidade.
Assim, houve clara violação ao dever de informação, direito básico do
consumidor, nos termos do artigo 6º, inciso II e III, do Código de Defesa do
Consumidor: “Art. 6º São direitos básicos do consumidor: (...) II - a educação e
divulgação sobre o consumo adequado dos produtos e serviços, asseguradas a
liberdade de escolha e a igualdade nas contratações; III - a informação adequada e
clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de
quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem
como sobre os riscos que apresentem”.
Falhou a parte apelante no dever de informação ao consumidor, uma vez
que a parte apelada deveria ter sido suficientemente advertida a respeito dos
procedimentos necessários para a devida portabilidade de carência, visto que o
corretor intermediário assegurou que atuaria neste sentido, mas não o fez,
inviabilizando à parte apelada o exercício de direito que não tinha qualquer motivo
plausível para renunciar.
Considerando que a contratação do plano de saúde oferecido pela parte
apelante apenas ocorreu ante a promessa de que não haveria a aplicação do período
de carência, sendo imposta, quando a parte apelada precisou fazer uso dos serviços, é
de se reconhecer a falha na prestação de serviços da parte apelante e seu
representante, nos termos do artigo 20 do Código de Defesa do Consumidor.
Nesse contexto, a reforma do acórdão recorrido, no que tange à identificação
de falha no dever de informação ao consumidor pela parte agravante e seu representante
— circunstância que fundamentou o reconhecimento da responsabilidade da operadora de
plano de saúde e do corretor, culminando na exigência indevida de cumprimento de
período de carência pela parte agravada, prática considerada abusiva e passível de
responsabilização — exige o reexame de fatos e provas e a interpretação de cláusulas
contratuais, o que é vedado em recurso especial pelas Súmulas 5 e 7, ambas do STJ.
Desse modo, não é possível que sejam revisitados fatos ou que seja conferida
nova interpretação de cláusula contratual, uma vez que são matérias ligadas à demanda e
alheias à função desta Corte Superior que é a uniformização da interpretação da legislação
federal.
Forte nessas razões, CONHEÇO do agravo e, com fundamento no art. 932, III e
IV, “a”, do CPC, bem como na Súmula 568/STJ, CONHEÇO PARCIALMENTE do recurso
especial e, nessa extensão, NEGO-LHE PROVIMENTO.
Deixo de majorar os honorários fixados anteriormente, porquanto já atingido o
limite previsto no art. 85, § 2º, do CPC.
Previno as partes que a interposição de recurso contra esta decisão, se
declarado manifestamente inadmissível, protelatório ou improcedente, poderá acarretar
sua condenação às penalidades fixadas nos arts. 1.021, § 4º, e 1.026, § 2º, do CPC.
Publique-se. Intimem-se.
Brasília, 05 de novembro de 2025.
MINISTRA NANCY ANDRIGHI
Relatora