STJ – HABEAS CORPUS Nº 1049248 - MS (2025/0430628-2)
vada por uma intenção livre e consciente e que, portanto, seria necessário que a ofensa fosse dirigida ao ofendido com a intenção de menosprezar e ofender a honra subjetiva" (e-STJ fl. 10). Conclui afirmando que, "sob a ótica desse Tribunal, não constitui ofensa palavras injuriosas quando proferidas em conversa telefônica com outra interlocutora onde a vítima só teve conhecimento por as ter ouvido, acidentalmente, pela extensão telefônica ou porque o celular estava no modo viva-voz" (e-STJ fl. 11). Dessa forma, requer o trancamento da Ação Penal n. 0000846- 79.2022.8.12.0052. É o relatório. Decido. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é uníssona no sentido de que não cabe a utilização de habeas corpus como sucedâneo de recurso próprio ou de revisão criminal, sob pena de desvirtuamento do objeto ínsito ao remédio heroico, qual seja, o de prevenir ou remediar lesão ou ameaça de lesão ao direito de locomoção. Nesse sentido: PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. [...] MANDAMUS IMPETRADO CONCOMITANTEMENTE COM RECURSO ESPECIAL INTERPOSTO NA ORIGEM. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA UNIRRECORRIBILIDADE. [...] AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. [...] 2. Não se conhece de habeas corpus impetrado concomitantemente com o recurso especial, sob pena de subversão do sistema recursal e de violação ao princípio da unirrecorribilidade das decisões judiciais. [...] (AgRg no HC n. 904.330/PR, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 2/9/2024, DJe de 5/9/2024.) AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. WRIT SUBSTITUTIVO DE RECURSO ESPECIAL, IMPETRADO QUANDO O PRAZO PARA A INTERPOSIÇÃO DA VIA RECURSAL CABÍVEL NA CAUSA PRINCIPAL AINDA NÃO HAVIA FLUÍDO. INADEQUAÇÃO DO PRESENTE REMÉDIO. PRECEDENTES. NÃO CABIMENTO DE CONCESSÃO DA ORDEM DE OFÍCIO. PETIÇÃO INICIAL INDEFERIDA LIMINARMENTE. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. É incognoscível, ordinariamente, o habeas corpus impetrado quando em curso o prazo para i
Decisão completa:
HABEAS CORPUS Nº 1049248 - MS (2025/0430628-2)
RELATOR : MINISTRO ANTONIO SALDANHA PALHEIRO
IMPETRANTE : ELCIMAR SERAFIM DE SOUZA
ADVOGADO : ELCIMAR SERAFIM DE SOUZA (EM CAUSA PRÓPRIA) -
MS009849
IMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MATO GROSSO DO
SUL
PACIENTE : ELCIMAR SERAFIM DE SOUZA
INTERES. : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO DO
SUL
DECISÃO
Trata-se de habeas corpus com pedido liminar impetrado em benefício de
ELCIMAR SERAFIM DE SOUZA no qual se aponta como autoridade coatora o
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL (Apelação
Criminal n. 0000846-79.2022.8.12.0052).
Depreende-se dos autos que o paciente foi condenado, como incurso nas
sanções do art. 140, § 3º, do Código Penal, à pena privativa de liberdade de 1 ano de
reclusão, além de 10 dias-multa.
A apelação defensiva foi desprovida pelo Tribunal de origem, em acórdão
cuja ementa foi assim definida (e-STJ fls. 234/235):
EMENTA – DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL – APELAÇÃO
CRIMINAL – RECURSO DEFENSIVO – CRIME DE INJÚRIA RACIAL (ART.
140, § 3º, DO CÓDIGO PENAL) – PRELIMINAR DE INÉPCIA DA INICIAL
ACUSATÓRIA – REJEITADA – MÉRITO – PLEITO ABSOLUTÓRIO – NÃO
ACOLHIMENTO – PROVAS SUFICIENTES DA AUTORIA E MATERIALIDADE
– DEMONSTRAÇÃO E COMPROVAÇÃO DO DOLO ESPECÍFICO DE
INJURIAR, UTILIZANDO-SE ELEMENTOS REFERENTES A RAÇA E IDADE
DA VÍTIMA – CONDENAÇÃO MANTIDA – PEDIDO DE EXCLUSÃO OU
DIMINUIÇÃO DA INDENIZAÇÃO MÍNIMA FIXADA – INCABÍVEL –
REQUERIMENTO FORMULADO NA DENÚNCIA – VALOR CORRETAMENTE
ARBITRADO – PRETENSÃO DE MODIFICAÇÃO DA ESPÉCIE DE PENA
RESTRITIVA DE DIREITO APLICADA – IMPOSSIBILIDADE – SENTENÇA
CONDENATÓRIA MANTIDA – COM O PARECER, RECURSO CONHECIDO
E DESPROVIDO.
I- CASO EM EXAME:
1. Recurso defensivo contra sentença que condenou o Réu pela prática do
crime previsto no art. 140, § 3º, do Código Penal.
II- QUESTÕES EM DISCUSSÃO:
2. Há três questões em discussão: 2.1. Definir se a denúncia é inepta e se há
insuficiência de provas para a condenação; 2.2. Verificar a legalidade e
razoabilidade da indenização mínima fixada na sentença; 2.3. Analisar a
possibilidade de substituição da pena restritiva de direitos por prestação
pecuniária.
III- RAZÕES DE DECIDIR:
3. A denúncia atende aos requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal,
descrevendo suficientemente o fato criminoso e permitindo o pleno exercício
do contraditório e da ampla defesa. Não há inépcia.
4. O conjunto probatório é robusto e consistente, composto especialmente
pelos depoimentos da Vítima e informante, que foram coerentes e confirmaram
a prática da injúria racial, razão pela qual é imperioso a manutenção do decreto
condenatório.
5. A indenização mínima está fundamentada no art. 387, inciso IV, do Código
de Processo Penal e encontra respaldo na jurisprudência do Superior Tribunal
de Justiça, que admite a fixação de reparação por dano moral in re ipsa em
crimes que atingem a dignidade da Vítima.
6. O valor de R$ 3.000,00 (três mil reais) mostra-se razoável e proporcional,
considerando a gravidade da ofensa e a condição socioeconômica do Réu.
7. A escolha da espécie de pena restritiva de direitos é atribuição do juízo
sentenciante, conforme o art. 44, § 2º, do Código Penal. Eventual necessidade
de substituição por prestação pecuniária pode ser ajustada na fase de
execução penal, caso necessário, conforme os arts. 148 e 149 da Lei de
Execução Penal.
IV- DISPOSITIVO E TESE:
8. Com o parecer, recurso conhecido e desprovido. Teses de julgamento: a) a
denúncia que descreve suficientemente o fato criminoso e permite o exercício
da ampla defesa não é inepta. b) a condenação penal pode se fundamentar
em depoimentos da vítima e testemunhas quando coerentes e corroborados
por outros elementos probatórios. c) a indenização mínima fixada na sentença
penal condenatória pode abranger os danos experimentados pela vítima,
desde que haja pedido expresso na denúncia. d) a escolha da espécie de pena
restritiva de direitos cabe ao Juízo sentenciante, podendo ser ajustada na
execução penal. Dispositivos relevantes citados: art. 140, § 3º, e art. 44, § 2º;
Código de Processo Penal, arts. 155 e 387, IV; Lei de Execução Penal, arts.
148 e 149. Jurisprudência relevante citada: STJ, R Esp 1819504/MS, Rel. Min.
Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em 10/09/2019, D Je 30/09/2019.
Daí o presente writ, no qual a defesa sustenta a inépcia da denúncia em
razão da atipicidade da conduta.
Alega que "para a caracterização desse delito é necessário a presença do
dolo, não se admitindo injúria culposa, portanto, é indispensável que as ofensas sejam
conscientemente dirigidas à vítima, não sendo admitida a caracterização do dolo quando
a ofensa chegue a ela de forma acidental, conforme melhor explicado logo adiante" (e-
STJ fl. 9).
Assevera que, "pela própria narrativa do Órgão Ministerial logo se vê que não
houve o dolo específico, pois a vítima não era interlocutora do Impetrante na conversa
telefônica e que para se configurar o crime de injúria se faz necessário que a ação de
denegrir a autoimagem da vítima seja motivada por uma intenção livre e consciente e
que, portanto, seria necessário que a ofensa fosse dirigida ao ofendido com a intenção
de menosprezar e ofender a honra subjetiva" (e-STJ fl. 10).
Conclui afirmando que, "sob a ótica desse Tribunal, não constitui ofensa
palavras injuriosas quando proferidas em conversa telefônica com outra interlocutora
onde a vítima só teve conhecimento por as ter ouvido, acidentalmente, pela extensão
telefônica ou porque o celular estava no modo viva-voz" (e-STJ fl. 11).
Dessa forma, requer o trancamento da Ação Penal n. 0000846-
79.2022.8.12.0052.
É o relatório.
Decido.
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é uníssona no sentido de que
não cabe a utilização de habeas corpus como sucedâneo de recurso próprio ou de
revisão criminal, sob pena de desvirtuamento do objeto ínsito ao remédio heroico, qual
seja, o de prevenir ou remediar lesão ou ameaça de lesão ao direito de locomoção.
Nesse sentido:
PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. [...]
MANDAMUS IMPETRADO CONCOMITANTEMENTE COM RECURSO
ESPECIAL INTERPOSTO NA ORIGEM. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA
UNIRRECORRIBILIDADE. [...] AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
[...] 2. Não se conhece de habeas corpus impetrado concomitantemente com o
recurso especial, sob pena de subversão do sistema recursal e de violação ao
princípio da unirrecorribilidade das decisões judiciais.
[...] (AgRg no HC n. 904.330/PR, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta
Turma, julgado em 2/9/2024, DJe de 5/9/2024.)
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. WRIT SUBSTITUTIVO DE
RECURSO ESPECIAL, IMPETRADO QUANDO O PRAZO PARA A
INTERPOSIÇÃO DA VIA RECURSAL CABÍVEL NA CAUSA PRINCIPAL
AINDA NÃO HAVIA FLUÍDO. INADEQUAÇÃO DO PRESENTE REMÉDIO.
PRECEDENTES. NÃO CABIMENTO DE CONCESSÃO DA ORDEM DE
OFÍCIO. PETIÇÃO INICIAL INDEFERIDA LIMINARMENTE. AGRAVO
REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. É incognoscível, ordinariamente, o habeas corpus impetrado quando em
curso o prazo para interposição do recurso cabível. O recurso especial
defensivo, interposto, na origem, após a prolação da decisão agravada, apenas
reforça o óbice à cognição do pedido veiculado neste feito autônomo.
[...] (AgRg no HC n. 834.221/DF, relatora Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma,
julgado em 18/9/2023, DJe de 25/9/2023.)
PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO "HABEAS
CORPUS". ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. DOSIMETRIA. INEXISTÊNCIA DE
ILICITUDE FLAGRANTE. RECURSO NÃO PROVIDO.
1. A Terceira Seção desta Corte, seguindo entendimento firmado pela Primeira
Turma do Supremo Tribunal Federal, sedimentou orientação no sentido de não
admitir habeas corpus em substituição a recurso próprio ou a revisão criminal,
situação que impede o conhecimento da impetração, ressalvados casos
excepcionais em que se verifica flagrante ilegalidade apta a gerar
constrangimento ilegal.
[...] (AgRg no HC n. 921.445/MS, relatora Ministra Daniela Teixeira, Quinta
Turma, julgado em 3/9/2024, DJe de 6/9/2024.)
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS.
ABSOLVIÇÃO. APLICAÇÃO DO IN DUBIO PRO REO. CONCESSÃO DE
HABEAS CORPUS DE OFÍCIO. POSSIBILIDADE. AGRAVO REGIMENTAL
IMPROVIDO.
[...]
4. "Firmou-se nesta Corte o entendimento de que "[n]ão deve ser conhecido o
writ que se volta contra acórdão condenatório já transitado em julgado,
manejado como substitutivo de revisão criminal, em hipótese na qual não
houve inauguração da competência desta Corte" (HC n. 733.751/SP, relatora
Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em 12/9/2023, DJe de 20/9/2023).
Não obstante, em caso de manifesta ilegalidade, é possível a concessão da
ordem de ofício, conforme preceitua o art. 654, § 2º, do Código de Processo
Penal" (AgRg no HC n. 882.773/SP, relator Ministro Jesuíno Rissato -
Desembargador Convocado do TJDFT, Sexta Turma, julgado em 24/6/2024,
DJe de 26/6/2024).
[...] (AgRg no HC n. 907.053/SP, de minha relatoria, Sexta Turma, julgado em
16/9/2024, DJe de 19/9/2024.)
Ademais, em consulta aos registro eletrônicos do Superior Tribunal de Justiça,
verifico que houve a interposição do Agravo em Recurso Especial n. 2.991.665/MS, do
qual não foi conheci em decisão monocrática, posteriormente confirmada no julgamento
do agravo regimental pela Sexta Turma.
Assim, o proceder da defesa caracteriza mera reiteração de pedido já
apreciado, providência essa inviável, uma vez que já prestada a tutela jurisdicional por
esta Corte Superior, sendo inviável a dupla apreciação da matéria.
Outrossim, não se desconhece a orientação presente no art. 647-A, caput e
parágrafo único, do Código de Processo Penal, segundo a qual se permite a qualquer
autoridade judicial, no âmbito de sua competência jurisdicional e quando verificada a
presença de flagrante ilegalidade, a expedição de habeas corpus de ofício em vista de
lesão ou ameaça de lesão à liberdade de locomoção.
Entretanto, tal não é o caso do presente writ.
O trancamento da ação penal pela via estreita do remédio heroico consiste em
medida excepcional, justificando-se somente quando se revelar, de plano, a atipicidade
da conduta, causa extintiva da punibilidade, a evidente ausência de indícios de autoria e
de prova da materialidade e a inépcia da denúncia, em flagrante prejuízo à defesa, o que
não é a situação dos autos.
No caso, veja-se o que disse o Tribunal a quo ao julgar o recurso de apelação
(e-STJ fls. 237/239, grifei):
O Apelante foi denunciado, processado e ao final condenado pelo seguinte fato
narrado na inicial acusatória:
"Consta do Inquérito Policial n.0000846-79.2022.8.12.0052 que, no dia 06 de
junho de 2022, por volta das 09h20min, na rua Oito de Maio – em frente ao
Detran – Centro, em Anastácio/MS, o denunciado ofendeu a dignidade da vítima
Susana Santos da Cruz, valendo-se de injúria consistente na utilização de
elementos referentes à cor da pele. Conforme restou apurado, na data em
questão, a vítima estava em frente ao prédio do Detran/MS, juntamente com
seu marido, o senhor Marciel da Silva Rosendo, o qual efetuou uma ligação em
viva-voz para o denunciado com o objetivo de resolver alguns problemas acerca
de um negócio jurídico firmado entre eles. Ocorre que, em dado momento, o
acusado passou a injuriar a ofendida, dizendo "não vai na onda dessa nega
véia", fazendo referência à cor de sua pele como forma de inferiorização e
menosprezo. A ofendida manifestou expressamente o desejo de representar
contra o denunciado (fl. 05/IP). A materialidade do delito está patenteada no
Boletim de Ocorrência n. 486/2022 (fls. 04/IP), no Termo de Representação (fl.
05/IP) e nas declarações prestadas pela vítima e testemunha (fls. 06 e 07)".
Conforme relatado, busca o Apelante a declaração de inépcia da inicial, assim
como ser absolvido por insuficiência de provas ou, alternativamente, modificar
a pena restritiva de direito para prestação pecuniária e afastar a indenização
ou reduzir o quantum arbitrado.
Desse modo, passa-se ao exame das pretensões recursais por ordem de
prejudicialidade.
II- Da preliminar de inépcia da inicial e do pleito absolutório.
Esclarece-se, de início, que a preliminar suscitada resolve-se com o próprio
mérito e com ele, portanto, será analisada.
Examinando-se com profundidade e bastante critérios os elementos existentes
nos autos, verifica-se que a preliminar, assim como o pedido de absolvição,
não comportam acolhimento.
A expedição de um decreto condenatório deve basear-se em elementos de
provas que sejam capazes de demonstrar indubitavelmente a existência do
crime e quem seria o seu autor, ou seja, provas contundentes e robustas da
materialidade e autoria do fato criminoso.
Logo, o magistrado deverá formar o seu convencimento a partir das provas
legalmente produzidas pelas partes, em especial atendimento ao contraditório
judicial.
Neste sentido, inclusive, é a regra prevista no art. 155, do CPP:
Art. 155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida
em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente
nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas
cautelares, não repetíveis e antecipadas.
Ademais, vigora no Processo Penal o sistema do livre convencimento motivado
ou persuasão racional, reconhecendo-se, assim, liberdade ao julgador para
apreciar e valorar as provas livremente produzidas, fundamentando e expondo
com clareza as razões de seu convencimento.
No presente caso, denota-se que agiu corretamente o Juízo sentenciante ao
condenar o Apelante, uma vez que o conjunto probatório produzido no
processo é robusto e autoriza a expedição de um decreto condenatório.
As provas produzidas são suficientes para manter o édito condenatório,
especialmente com base nas provas orais produzidas, dentre elas, inclusive,
destaca-se o depoimento prestada pela Ofendida.
Nesse sentido, merece registro especial as declarações prestadas pela Vítima,
que em todas as oportunidades em que foi ouvida, relatou o fato sem
alterações e inovações.
A propósito, confira-se o quanto declarado pela ofendida na fase extrajudicial
ao registrar o boletim de ocorrência (f. 15):
"(...) na data de hoje encontrava-se em frente à Agência do Detran deste
Município juntamente com seu marido, Marciel da Silva Rosendo. Que em dado
momento Marciel efetuou uma ligação telefônica para ELCIMAR (67-99641-
9605) e durante a conversa marciel solicitou que Elcimar realizasse a
transferência do veículo que está na posse de Elcimar e em nome de Maicel.
Que durante a conversa o aparelho telefônico estava no viva-voz, sendo que a
declarante ouviu Elcimar dizer para Maciel: 'NÃO VAI NA ONDA DESSA NEGA
VÉIA', referindo-se à declarante. Que Elcimar referiu-se à declarante, tendo em
vista, sua cor de pele alegando que a declarante estaria pressionando Maciel a
realizar a transferência do veículo".
Em juízo (f. 108-109 – gravação audiovisual), a Vítima confirmou a versão
exarada na Delegacia de Polícia, vindo a novamente afirmar que o Réu lhe
injuriou, utilizando elementos referente a raça e idade.
Como se observa, a narrativa da Vítima em ambas as fases é segura e
coerente.
Aliás, no tocante a validade do depoimento da Vítima, como prova para a
condenação, não há nada que desacreditasse suas declarações. Logo, devem
ser utilizadas para embasar um decreto condenatório, mesmo porque ela não
teria nenhum motivo para incriminar o Recorrente injustamente.
Além disso, impende-se ressaltar que as declarações prestadas pela Vítima,
tanto na fase extrajudicial como judicial, não se encontra isolada nos autos, já
que é plenamente corroborada pelo testemunho prestado pelo seu esposo, que
ouvido na condição de informante, esclareceu, com riqueza de detalhes os
fatos (f. 108-109 – gravação audiovisual), vindo, inclusive, a afirmar que
realmente o Apelante chamou a Vítima de "nega véia e que isso pra mim é
racista" (sic).
Desse modo, uma vez comprovada que o Réu utilizou elementos
referente a raça e idade, agindo com dolo específico de injuriar a Vítima,
não prospera a tese defensiva sustentada referente a inépcia da denúncia
ou absolvição do Réu, razão pela qual fica mantida a sentença
condenatória.
Da atenta leitura dos autos, verifico ser inviável o trancamento da ação penal,
porquanto o alegado constrangimento ilegal não se verifica de plano. Como bem
destacado pelo acórdão recorrido, a peça ministerial aponta elementos referentes à
materialidade delitiva e também aos indícios de autoria, podendo se verificar com clareza
a conduta delituosa imputada ao paciente.
Ainda, da leitura do excerto acima transcrito, tem-se que foi devidamente
demonstrada a tipicidade da conduta de injúria, pois o paciente utilizou elementos
referente a raça e idade, agindo com dolo específico de injuriar a vítima.
Nesse contexto, para infirmar as conclusões da Corte de origem, nos moldes
em que trazida a demanda pelo impetrante, seria imprescindível o revolvimento do
material fático-probatório dos autos, providência sabidamente incompatível com os
estreitos limites de cognição da via eleita.
Nesse sentido:
PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS
CORPUS. INJÚRIA RACIAL. ABSOLVIÇÃO. DOLO. WRIT SUBSTITUTIVO.
NÃO CABIMENTO. REVOLVIMENTO DO MATERIAL FÁTICO PROBATÓRIO
DOS AUTOS. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE FLAGRANTE. HABEAS
CORPUS INDEFERIDO LIMINARMENTE. AGRAVO REGIMENTAL
DESPROVIDO.
1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é uníssona no sentido de
que não cabe a utilização de habeas corpus como sucedâneo de recurso
próprio ou de revisão criminal, sob pena de desvirtuamento do objeto ínsito ao
remédio heroico, qual seja, o de prevenir ou remediar lesão ou ameaça de
lesão ao direito de locomoção.
2. Não se desconhece a orientação presente no art. 647-A, caput e parágrafo
único, do CPP, segundo a qual se permite a qualquer autoridade judicial, no
âmbito de sua competência jurisdicional e quando verificada a presença de
flagrante ilegalidade, a expedição de habeas corpus de ofício em vista de lesão
ou ameaça de lesão à liberdade de locomoção; contudo, no caso não está
configurada a flagrante ilegalidade sustentada.
3. A Corte local, ao manter a condenação da ora agravante, destacou que "o
contexto em que as ofensas foram proferidas e as palavras utilizadas pela ré
evidenciam um claro intento de atingir a dignidade da vítima, subestimá-la e
humilhá-la em razão de sua cor e origem, elementos que são inerentes à
tipificação do crime de injúria racial"; que "as palavras ditas o foram em tom
suficientemente alto para que pudessem ser ouvidas por pessoas que estavam
nas proximidades, conforme relato da testemunha [...]"; e que "as alegativas no
sentido de que os dizeres não foram direcionados à vítima, que foram uma
invocação de símbolo religioso em momento de desequilíbrio emocional, não
encontra guarida, por divorciadas dos demais elementos carreados". Nesse
sentido, para infirmar as conclusões da instância ordinária, quanto à presença
de especial fim de agir da agravante em relação à conduta imputada, nos
moldes em que trazida a demanda, seria necessária ampla incursão na seara
fático-probatória dos autos, desiderato incompatível com os limites de cognição
da via eleita, cumprindo asseverar, ademais, que a esta Corte compete apenas
a revisão de seus próprios julgados.
4. Agravo regimental desprovido.
(AgRg no HC n. 980.459/GO, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta
Turma, julgado em 14/4/2025, DJEN de 24/4/2025.)
Ante o exposto, denego a ordem de habeas corpus.
Publique-se. Intimem-se.
Brasília, 05 de novembro de 2025.
Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO
Relator