Trecho útil da decisão:

STJ – RECURSO ESPECIAL Nº 2165718 - PR (2024/0316067-7)

ntes de ser entregue ao recorrente e de sua posterior queima após sair de sua loja, não havendo comprovação por parte do fornecedor de que sua conduta não contribuiu para o dano. A modificação dessa conclusão demandaria nova valoração de fatos e provas, absolutamente vedada. No tocante à alegação de inversão indevida do ônus da prova ou de suposta “decisão surpresa”, igualmente não assiste razão ao recorrente. Isso porque o Tribunal local, ao examinar a apelação, não promoveu nova distribuição do ônus probatório, mas apenas aplicou a regra legal própria das demandas que envolvem fato do serviço, prevista no art. 14 do CDC, segundo a qual incumbe ao fornecedor demonstrar a inexistência do defeito. Trata-se de mera aplicação da lei ao caso concreto, e não de alteração das regras de instrução. Para infirmar tal conclusão seria necessário reconhecer, diversamente do que registrou o acórdão recorrido, que não houve prova do fato constitutivo pela consumidora e que a responsabilidade do fornecedor estaria afastada – novamente exigindo revolvimento de matéria probatória, o que é inviável. Assim, estando o acórdão lastreado em fundamentação fática insuscetível de revisão nesta via, e não se verificando a alegada violação do art. 1.022 do CPC, impõe-se a manutenção da decisão recorrida. Ante o exposto, nego provimento ao recurso especial. Deixo de majorar os honorários advocatícios, visto que já foram fixados na origem no patamar máximo de 20% (fl. 162). Publique-se. Intimem-se. Brasília, 04 de novembro de 2025. Ministro Humberto Martins Relator 

Decisão completa:

                                  RECURSO ESPECIAL Nº 2165718 - PR (2024/0316067-7)

          RELATOR                          : MINISTRO HUMBERTO MARTINS
          RECORRENTE                       : ROBERTO DE SOUZA LIMA
          ADVOGADOS                        : FELIPE LASKAWSKI - PR122068
                                             GABRIEL VARGAS RIBEIRO DA FONSECA - PR072221
          RECORRIDO                        : ANGELA MARIA DE OLIVEIRA
          ADVOGADA                         : MICHELLE DE OLIVEIRA RAIMUNDO - PR056735

                                                                         DECISÃO


                                Cuida-se de recurso especial interposto por ROBERTO DE SOUZA LIMA,
          com fundamento no artigo 105, inciso III, alínea "a", da Constituição Federal, contra
          acórdão proferido pelo TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ, nos autos
          da ação de indenização por danos materiais e morais ajuizada por Ângela Maria de
          Oliveira, envolvendo alegado defeito na prestação de serviços de assistência técnica em
          aparelho televisor.
                                O julgado deu parcial provimento ao recurso de apelação do recorrente nos
          termos da seguinte ementa (fls. 156 - 163):

                                                                "RESPONSABILIDADE CIVIL. DEFEITO DO SERVIÇO.
                                                                ÔNUS DA PROVA. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA
                                                                PARCIALMENTE REFORMADA. DANO MORAL NÃO
                                                                CARACTERIZADO. APELAÇÃO PROVIDA EM PARTE".

                                Rejeitados os embargos de declaração opostos por Roberto de Souza Lima
          (fls. 184 - 186).
                                O réu interpôs novos embargos de declaração (fls. 191-196), alegando
          contradição, omissão e, especialmente, ocorrência de “decisão surpresa” em razão da
          suposta inversão do ônus da prova em sede recursal, mas tais embargos foram novamente
          rejeitados (fls. 204 - 206).
                                No presente recurso especial, o recorrente alega que houve violação dos arts.
          6º, VIII, do CDC, e 373, §1º, do CPC, aduzindo que não houve inversão do ônus da prova
          pelo juízo de primeiro grau, que expressamente a indeferiu; e que o acórdão recorrido teria


 
          promovido redistribuição do ônus probatório em sede de julgamento de apelação,
          convertendo-o em ônus do réu sem prévia intimação, caracterizando inovação processual
          vedada (fls. 210 - 222).
                                Apresentadas as contrarrazões (fls. 226 - 231), sobreveio o juízo de
          admissibilidade positivo da instância de origem (fls. 232 - 235).
                                É, no essencial, o relatório.
                                Não prospera a insurgência.
                                Como se vê dos autos, o Tribunal de Justiça do Paraná, soberano na análise
          dos elementos probatórios, concluiu que: (i) a relação jurídica estabelecida entre as partes é
          de consumo; (ii) a autora comprovou haver entregue o televisor em funcionamento ao
          recorrente e tê-lo recebido, no mesmo dia, queimado; (iii) incumbia ao fornecedor
          demonstrar que não interveio no aparelho ou que eventual intervenção não teria relação
          com a queima; e (iv) tal prova não foi produzida pelo réu, sendo, portanto, devida a
          indenização pelos danos materiais apurados.
                                A pretensão recursal, contudo, busca justamente infirmar tais premissas
          fáticas – afirmando que não houve abertura do aparelho, que o dano decorreu do transporte
          feito por terceiro, que não haveria nexo causal e que a distribuição do ônus da prova teria
          sido incorreta – o que, evidentemente, exigiria revolvimento do conjunto fático-probatório,
          providência sabidamente vedada nesta instância especial, à luz do enunciado da
          Súmula 7/STJ.
                                A jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que a análise da
          necessidade de produção de provas, da existência ou não de dano, do nexo causal e da
          adequação da distribuição do ônus probatório demanda incursão no acervo probatório, o
          que é inviável em recurso especial.
                                Nesse sentido, cito:

                                                                DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO.
                                                                VIOLAÇÃO DO ART. 1.022 DO CPC. NÃO
                                                                OCORRÊNCIA. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA.
                                                                CONSUMIDOR.            VEROSSIMILHANÇA           DAS
                                                                ALEGAÇÕES. AUSÊNCIA. SÚMULA N. 83 DO STJ.
                                                                CERCEAMENTO DE DEFESA. AUSÊNCIA. REEXAME
                                                                DE PROVAS. SÚMULA N. 7 DO STJ. AGRAVO
                                                                INTERNO DESPROVIDO.
                                                                I. CASO EM EXAME
                                                                :
                                                                1. Agravo interno interposto contra decisão que negou
                                                                provimento ao agravo em recurso especial, o qual foi
                                                                interposto contra acórdão que afastou a preliminar de
                                                                nulidade de sentença por ausência de fundamentação e
                                                                cerceamento de defesa.



 
                                                                2. Ação deflagrada com a pretensão indenizatória por danos
                                                                materiais decorrentes de falha na orientação técnica prestada
                                                                pelas requeridas em relação à instalação de condutores em
                                                                plantadeira. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO
                                                                4. Há três questões em discussão: (i) saber se a inversão do
                                                                ônus da prova deve ser concedida em ação indenizatória,
                                                                considerando a relação de consumo e a alegada
                                                                hipossuficiência da parte agravante;
                                                                (ii) saber se há o ônus probatório e a inversão do ônus da
                                                                prova quando a parte não comprova a verossimilhança das
                                                                suas alegações;
                                                                (iii) saber se o Tribunal a quo examinou e decidiu, de modo
                                                                claro e objetivo e fundamentado, as questões que delimitam a
                                                                controvérsia, ocorrendo ou não a alegada violação do
                                                                disposto no art. 1.022 do CPC. III. RAZÕES DE DECIDIR
                                                                5. A jurisprudência do STJ estabelece que a inversão do ônus
                                                                da prova não é automática e depende da demonstração de
                                                                hipossuficiência ou verossimilhança das alegações, o que não
                                                                foi comprovado no caso concreto.
                                                                6. Não caracteriza cerceamento de defesa o julgamento
                                                                antecipado da lide sem a produção das provas requeridas pela
                                                                parte consideradas desnecessárias pelo juízo, desde que
                                                                devidamente fundamentado.
                                                                7. O óbice do enunciado n. 7 da Súmula do STJ impede o
                                                                reexame de fatos e provas para avaliar a necessidade de
                                                                inversão do ônus da prova no caso concreto.
                                                                8. Inexiste ofensa ao art. 1.022 do CPC quando a corte de
                                                                origem examina e decide, de modo claro e objetivo, as
                                                                questões que delimitam a controvérsia, não ocorrendo
                                                                nenhum vício que possa nulificar o acórdão recorrido. IV.
                                                                DISPOSITIVO E TESE
                                                                9. Agravo interno desprovido.
                                                                Tese de julgamento: "1. A inversão do ônus da prova em
                                                                relações de consumo não é automática e depende da
                                                                demonstração de hipossuficiência ou verossimilhança das
                                                                alegações. 2. Não há cerceamento de defesa quando o
                                                                julgamento antecipado da lide é fundamentado na suficiência
                                                                das provas já produzidas.3. Inexiste ofensa ao art. 1.022 do
                                                                CPC quando a corte de origem examina e decide, de modo
                                                                claro e objetivo, as questões que delimitam a controvérsia,
                                                                não ocorrendo nenhum vício que possa nulificar o acórdão
                                                                recorrido."
                                                                Dispositivos relevantes citados: CPC, art. 373; CPC, art. 932,
                                                                III;
                                                                CDC, art. 6º, VIII. Jurisprudência relevante citada: STJ,
                                                                AgInt no AREsp n. 2.457.480/SE, Ministro Raul Araújo,
                                                                Quarta Turma, julgado em 8/4/2024; STJ, AgInt no
                                                                AREsp n. 2.780.470/CE, Ministro Raul Araújo, Quarta
                                                                Turma, julgado em 26/5/2025.
                                                                (AgInt no AREsp n. 2.883.297/SC, relator Ministro João
                                                                Otávio de Noronha, Quarta Turma, julgado em 1/9/2025,
                                                                DJEN de 4/9/2025.)

                                                                DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO.
                                                                CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. INVERSÃO


 
                                                                DO ÔNUS DA PROVA NÃO DISPENSA O AUTOR DE
                                                                DEMONSTRAR              MINIMAMENTE           OS     FATOS
                                                                CONSTITUTIVOS DO SEU DIREITO. DECISÃO
                                                                RECORRIDA EM CONFORMIDADE COM A
                                                                JURISPRUDÊNCIA DO STJ. RECURSO NÃO PROVIDO.
                                                                I. CASO EM EXAME
                                                                1. Agravo interno interposto contra decisão que não conheceu
                                                                do agravo em recurso especial, o qual foi interposto contra
                                                                acórdão que manteve decisão de indeferimento de inversão
                                                                do ônus da prova em ação indenizatória por danos materiais
                                                                contra instituição bancária.
                                                                2. Ação de indenização por danos materiais ajuizada em
                                                                razão de suposto estelionato, com subtração de smartphone,
                                                                informações sobre benefício de aposentadoria, cartão
                                                                magnético e senha, resultando em saques e empréstimos.
                                                                3. Decisão de primeiro grau indeferiu a inversão do ônus da
                                                                prova, decisão mantida pelo Tribunal de Justiça, que
                                                                considerou não demonstrada a hipossuficiência técnica da
                                                                parte agravante. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO
                                                                4. A questão em discussão consiste em saber se a inversão do
                                                                ônus da prova deve ser concedida em ação indenizatória,
                                                                considerando a relação de consumo e a alegada
                                                                hipossuficiência da parte agravante.
                                                                5. A questão também envolve a análise da decisão que não
                                                                conheceu do agravo em recurso especial, com base na
                                                                ausência de impugnação específica dos fundamentos da
                                                                decisão recorrida. III. RAZÕES DE DECIDIR
                                                                6. A decisão agravada foi mantida, pois a parte agravante não
                                                                impugnou especificamente todos os fundamentos da decisão
                                                                que inadmitiu o recurso especial, conforme exigido pelo
                                                                art. 932, III, do CPC e art. 253, parágrafo único, I, do
                                                                Regimento Interno do STJ.
                                                                7. A jurisprudência do STJ estabelece que a inversão do ônus
                                                                da prova não é automática e depende da demonstração de
                                                                hipossuficiência ou verossimilhança das alegações, o que não
                                                                foi comprovado no caso concreto.
                                                                8. O óbice do enunciado n. 7 da Súmula do STJ impede o
                                                                reexame de fatos e provas para avaliar a necessidade de
                                                                inversão do ônus da prova no caso concreto. IV. AGRAVO
                                                                INTERNO DESPROVIDO.
                                                                (AgInt no AREsp n. 2.748.184/RJ, relator Ministro Carlos
                                                                Cini Marchionatti (Desembargador Convocado TJRS),
                                                                Terceira Turma, julgado em 17/2/2025, DJEN de 20/2/2025.)

                                No caso concreto, o acórdão recorrido foi explícito ao afirmar que havia
          prova do funcionamento do aparelho antes de ser entregue ao recorrente e de sua posterior
          queima após sair de sua loja, não havendo comprovação por parte do fornecedor de que sua
          conduta não contribuiu para o dano. A modificação dessa conclusão demandaria nova
          valoração de fatos e provas, absolutamente vedada.
                                No tocante à alegação de inversão indevida do ônus da prova ou de suposta
          “decisão surpresa”, igualmente não assiste razão ao recorrente. Isso porque o Tribunal


 
          local, ao examinar a apelação, não promoveu nova distribuição do ônus probatório, mas
          apenas aplicou a regra legal própria das demandas que envolvem fato do serviço, prevista
          no art. 14 do CDC, segundo a qual incumbe ao fornecedor demonstrar a inexistência do
          defeito. Trata-se de mera aplicação da lei ao caso concreto, e não de alteração das regras de
          instrução.
                                Para infirmar tal conclusão seria necessário reconhecer, diversamente do que
          registrou o acórdão recorrido, que não houve prova do fato constitutivo pela consumidora e
          que a responsabilidade do fornecedor estaria afastada – novamente exigindo revolvimento
          de matéria probatória, o que é inviável.
                                Assim, estando o acórdão lastreado em fundamentação fática insuscetível de
          revisão nesta via, e não se verificando a alegada violação do art. 1.022 do CPC, impõe-se a
          manutenção da decisão recorrida.
                                Ante o exposto, nego provimento ao recurso especial.
                                Deixo de majorar os honorários advocatícios, visto que já foram fixados na
          origem no patamar máximo de 20% (fl. 162).
                                Publique-se. Intimem-se.

                               Brasília, 04 de novembro de 2025.



                                                            Ministro Humberto Martins
                                                                      Relator