STJ – RECURSO ESPECIAL Nº 2196792 - RS (2025/0044395-2)
C, por englobar juros de mora e correção monetária, evita a cumulação de índices distintos, garantindo maior previsibilidade e alinhamento com o sistema econômico nacional. 8. Tese para os fins do art. 1.040 do CPC/2015: Tema 1368. O art. 406 do Código Civil de 2002, antes da entrada em vigor da Lei n° 14.905/2024, deve ser interpretado no sentido de que é a SELIC a taxa de juros de mora aplicável às dívidas de natureza civil, por ser esta a taxa em vigor para a atualização monetária e a mora no pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional. 9. Definição do caso concreto: Recurso especial provido. (REsp n. 2.199.164/PR, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Corte Especial, julgado em 15/10/2025, DJEN de 20/10/2025. ) Ante o exposto, conheço em parte do recurso e, nessa extensão, dou-lhe provimento unicamente para fixar a taxa SELIC para cálculo dos juros de mora e correção monetária. Deixo de majorar os honorários nos termos do art. 85, § 11, do CPC, tendo em vista que o recurso especial obteve provimento, o que faz incidir os preceitos do Tema n. 1.059/STJ: "A majoração dos honorários de sucumbência prevista no art. 85, § 11, do CPC pressupõe que o recurso tenha sido integralmente desprovido ou não conhecido pelo tribunal, monocraticamente ou pelo órgão colegiado competente. Não se aplica o art. 85, § 11, do CPC em caso de provimento total ou parcial do recurso, ainda que mínima a alteração do resultado do julgamento e limitada a consectários da condenação". Publique-se. Intimem-se. Brasília, 05 de novembro de 2025. Ministro Humberto Martins Relator
Decisão completa:
RECURSO ESPECIAL Nº 2196792 - RS (2025/0044395-2)
RELATOR : MINISTRO HUMBERTO MARTINS
RECORRENTE : KELLER NAUTICA PRESTACAO DE SERVICO PARA
EMBARCACAO DE LAZER LTDA
RECORRENTE : JORGE ANDRE FERNANDES KELLER
RECORRENTE : MAIRA BETINA FERNANDES KELLER
ADVOGADOS : CICERO HARTMANN - RS025840
GUSTAVO SCHELL NEUMANN - RS067058
RECORRIDO : FINANCA PARTICIPACAO E EMPREENDIMENTOS LTDA
ADVOGADA : ANDREIA WITT COELHO - RS054528
DECISÃO
Cuida-se de recurso especial interposto por KELLER NAUTICA
PRESTACAO DE SERVICO PARA EMBARCACAO DE LAZER LTDA., JORGE
ANDRE FERNANDES KELLER e MAIRA BETINA FERNANDES KELLER, com
fundamento no artigo 105, inciso III, alíneas "a" e "c", da Constituição Federal, contra
acórdão proferido pelo TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO
SUL nos termos da seguinte ementa (fls.1.053-1.054):
APELAÇÃO. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO
INDENIZATÓRIA. INCÊNDIO NA MARINA DA
CONGA. DANOS MATERIAIS CAUSADOS À
EMBARCAÇÃO DA PARTE AUTORA QUE LÁ SE
ENCONTRAVA ANCORADA POR OCASIÃO DO FATO.
PARTE DEMANDADA QUE NÃO LOGROU
DEMONSTRAR AUSÊNCIA DE DEFEITO NA
PRESTAÇÃO DO SERVIÇO OU A OCORRÊNCIA DE
CULPA EXCLUSIVA DO CONSUMIDOR OU DE
TERCEIRO. DANOS MATERIAIS EVIDENCIADOS A
SEREM DEVIDAMENTE QUANTIFICADOS EM
LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA. PROCEDÊNCIA QUE
MERECE MODIFICAÇÃO UNICAMENTE NO TOCANTE
AO ÍNDICE DE CORREÇÃO MONETÁRIA INCIDENTE
SOBRE A CONDENAÇÃO. IPCA-E. APLICABILIDADE.
APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA.
Os embargos de declaração opostos foram acolhidos para sanar omissão, sem
efeitos infringentes (fl. 1.490).
No presente recurso especial, a parte recorrente alega, preliminarmente,
ofensa ao art. 1.022 do CPC, porquanto, apesar da oposição dos embargos de declaração, o
Tribunal de origem não se pronunciou sobre pontos necessários ao deslinde da controvérsia.
Aduz, no mérito, que o acórdão estadual contrariou as disposições contidas
nos artigos 831, 371 e 372, todos do CPC, 14, § 3º, inciso II, do CDC, 642, 186, 927, 944 e
406 do Código Civil e 28 do CDC.
Sustenta, outrossim, que "não teve qualquer culpa sobre o evento danoso,
uma vez que o incêndio teve origem em uma propriedade particular de terceiro (lancha
estacionada no box 150), sendo que nenhuma ação ou omissão, dolosa ou culposa, da
empresa Recorrente contribuiu para a ocorrência do evento danoso" (fl. 1.499).
Apresentadas as contrarrazões (fls. 1.536-1.569), sobreveio o juízo de
admissibilidade positivo da instância de origem (fls. 1.831-1.833).
É, no essencial, o relatório.
O recurso especial tem origem em ação de indenização por dano material
proposta por FINANÇA PARTICIPAÇÃO E EMPREENDIMENTOS LTDA. contra
KELLER NAUTICA LTDA. e seus sócios, em razão de incêndio ocorrido em 16/6/2019
na Marina da Conga, com destruição total da embarcação da autora. A sentença foi de
procedência, com liquidação do dano por três orçamentos, correção pelo IGP-M desde o
evento e juros de 1% ao mês desde a citação, e desconsideração da personalidade jurídica
(fls. 1.046-1.051).
Em apelação, a 10ª Câmara Cível manteve a responsabilidade e a liquidação,
apenas substituindo o IGP-M pelo IPCA-E e afastando a aplicação da taxa Selic por
entender inaplicável o art. 406 do Código Civil ao caso (fls. 1.051-1.052). Nos embargos,
integrou-se o acórdão para indeferir o cancelamento da averbação na matrícula n. 111.736
e afastar os enunciados n. 84/STJ e n. 375/STJ (fls. 1.488-1.489).
Inicialmente, não há falar em ofensa aos arts. 489 e 1.022 do CPC, uma vez
que o Tribunal de origem, ao dar provimento em parte à apelação, deixou claro que (fls.
1.048-1.049):
[...] quanto ao ônus probatório que lhe cabia, não se
desincumbiu a parte demandada a contento, pois logrou
a parte autora demonstrar a ocorrência do fato, a relação
entretida com a ré e os danos daí advindos, o que aliás é
incontroverso nos autos. A parte ré, de seu turno, em que
pese negue a culpa pela ocorrência do acidente,
sustentando fato de terceiro, não demonstrou o alegado
por meio dos laudos periciais e das demais provas vindas
ao processo. A tal respeito, oportuno aduzir que, após o
acidente, houve perícia oficial realizada pelo IGP (laudo15 do
evento 1 dos autos originários), que assim concluiu, in verbis:
[...]
A conduta da parte demandada contamina a prova produzida
não a torna hábil para confrontação do laudo pericial oficial,
que não evidencia a ocorrência do fato de terceiro. Em
havendo dúvida portanto sobre as causas do incêndio,
prepondera o direito da parte autora ante à disciplina da
responsabilidade objetiva aplicável ao caso. Da mesma
forma, os laudos periciais trazido pela parte recorrente como
prova emprestada (laudo3 e laudo4, evento 192 dos autos
originários), quer por se tratarem de prova produzida de
modo indireto, quer por não terem sido produzidos de modo
específico e particularizado nestes autos, não lograram formar
juízo de convicção sobre a excludente de responsabilidade
invocada. Ademais disso, tal como referido pelo Magistrado
Sentenciante as más condições de manutenção da lancha
ancorada no box 150 já eram de conhecimento da ré, que não
agiu de forma diligente, fins de obstar o ocorrido.
Observa-se, portanto, que a lide foi solucionada em conformidade com o que
foi apresentado em juízo. Verifica-se que o acórdão recorrido possui fundamentação
suficiente, inexistindo omissão ou contradição.
O que a parte recorrente aponta como "omissão" ou "falta de fundamentação"
traduz, na verdade, mero inconformismo com a tese jurídica adotada. O julgador não está
obrigado a rebater, um a um, todos os argumentos e dispositivos legais invocados pelas
partes, quando já encontrou motivo suficiente para fundamentar sua decisão. O Poder
Judiciário não funciona como um órgão consultivo, obrigado a responder a um
"questionário" das partes.
A propósito, cito os seguintes precedentes:
PROCESSUAL CIVIL. DESAPROPRIAÇÃO DIRETA.
UTILIDADE PÚBLICA. CONCESSIONÁRIA DE
VEÍCULOS. RECURSO ESPECIAL. OFENSA AO
ARTIGO 1022, II, DO CPC/15. INOCORRÊNCIA.
DEVOLUÇÃO TOTAL DA MATÉRIA EM REEXAME
NECESSÁRIO. SÚMULA 325/STJ. NECESSIDADE DE
ALUGAR IMÓVEL LINDEIRO PARA ALTERAR
ACESSO A LOJA. INDENIZAÇÃO AFASTADA PELO
TRIBUNAL DE ORIGEM. REVISÃO. SÚMULA 7/ STJ.
1. Os arts. 489, § 1º, e 1.022 do Código de Processo Civil não
foram ofendidos. A pretexto de apontar a existência de erros
materiais, omissão e premissas erradas, a parte agravante quer
modificar as conclusões adotadas pelo aresto vergastado a
partir das informações detalhadas do laudo pericial.
[...]
5. Agravo Interno não provido.
(AgInt no AREsp n. 1.974.188/RS, relator Ministro Herman
Benjamin, Segunda Turma, julgado em 17/10/2022, DJe de
4/11/2022. )
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. DANO
MORAL. SUSPENSÃO DO FORNECIMENTO DO
SERVIÇO DE ÁGUA . DEMORA INJUSTIFICADA NO
RESTABELECIMENTO DO SERVIÇO. ARTS. 489, § 1º, E
1022, II, DO CPC. OMISSÃO NÃO CONFIGURADA.
DEVER DE INDENIZAR. REQUISITOS PARA A
RESPONSABILIZAÇÃO DA CONCESSIONÁRIA.
ACÓRDÃO ANCORADO NO SUBSTRATO FÁTICO-
PROBATÓRIO DOS AUTOS. REVISÃO.
IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. VALOR DA
INDENIZAÇÃO. EXCESSO NÃO CARACTERIZADO.
1. Cuida-se de ação de procedimento ordinário ajuizada em
desfavor de SAMAR - Soluções Ambientais de Araçatuba,
com o fim de obter indenização pelos danos morais que alega
ter sofrido com suspensão do serviço de água na residência da
autora.
2. Verifica-se, inicialmente, não ter ocorrido ofensa aos
arts. 489, § 1º, e 1.022, II, do CPC, na medida em que o
Tribunal de origem dirimiu, fundamentadamente, as
questões que lhe foram submetidas e apreciou
integralmente a controvérsia posta nos autos.
[...]
6. Agravo interno não provido.
(AgInt no AREsp n. 2.118.594/SP, relator Ministro Sérgio
Kukina, Primeira Turma, julgado em 22/11/2022, DJe de
25/11/2022; grifo meu.)
No mérito, verifica-se que a pretensão do recorrente de alterar a conclusão
delineada no acórdão recorrido acerca dos fatos e da culpa pelo evento danoso pressupõe
uma inviável incursão pelo reexame de provas, o que esbarra no óbice da Súmula 7 do
STJ.
Por fim, quanto aos consectários da condenação, verifica-se que o acórdão
recorrido determinou que o valor da condenação fosse objeto de correção pelo IGP-M
desde o evento e juros de 1% ao mês desde a citação. A ora recorrente a pretende a
aplicação da taxa Selic de forma exclusiva, nos termos do art. 406 do Código Civil.
A Corte Especial do STJ, ao julgar oREsp n. 2.199.164/PR, relator Ministro
Ricardo Villas Bôas Cueva, apreciou a questão no Tema 1368 dos repetitivos, fixando a
tese de que o "art. 406 Código Civil de 2002, antes da entrada em vigor da Lei n° 14.905
/2024, deve ser interpretado no sentido de que é a SELIC a taxa de juros de mora aplicável
às dívidas de natureza civil, por ser esta a taxa em vigor para a atualização monetária e a
mora no pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional". Confira-se a ementa do
julgado:
RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. DIREITO CIVIL.
TEMA 1368. INTERPRETAÇÃO DO ART. 406 DO
CÓDIGO CIVIL. RELAÇÕES CIVIS. JUROS
MORATÓRIOS. TAXA LEGAL. APLICAÇÃO DA SELIC.
RECURSO PROVIDO.
1. A questão em discussão consiste em saber se a taxa
referencial do Sistema Especial de Liquidação e Custódia
(SELIC) deve ser considerada para a fixação dos juros
moratórios a que se referia o art. 406 do Código Civil antes
da entrada em vigor da Lei nº 14.905/2024.
2. A taxa SELIC é a única taxa atualmente em vigor para a
mora no pagamento de impostos federais, conforme previsto
em diversas legislações tributárias (Leis 8.981/95, 9.065/95,
9.250/95, 9.393/96, 10.522/2002, Decreto 7.212/2010, entre
outras), possuindo também status constitucional a partir da
Emenda Constitucional n. 113.
3. Outra conclusão, levaria a um cenário paralelo em que o
credor civil passaria a fazer jus a uma remuneração superior a
qualquer aplicação financeira bancária, pois os bancos são
vinculados à SELIC. Não há falar em função punitiva dos
juros moratórios, eis que para isso existem as previsões
contratuais de multa moratória, sendo a sua função apenas a
de compensar o deságio do credor.
Segundo o art. 404 do Código Civil, se os juros não cobrem o
prejuízo, o juiz pode inclusive conceder indenização
suplementar.
4. Fixar juros civis de mora diferentes do parâmetro nacional
viola o art. 406 do CC e causa impacto macroeconômico. A
lei prevê que os juros moratórios civis sigam a mesma taxa
aplicada à mora de impostos federais, garantindo harmonia
entre obrigações públicas e privadas. Como esses índices
oficiais são ajustados conforme a macroeconomia, o valor
aplicado nas relações privadas não deve superar o nível
básico definido para toda a economia.
5. Nos temas 99, 112 e 113 fixados em recursos especiais
repetitivos, a Primeira Seção desta Corte definiu as teses no
sentido de ser a SELIC a taxa legal referenciada na redação
original do art. 406 do Código Civil.
6. A jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de
Justiça e do Supremo Tribunal Federal reconhece a validade
da SELIC como índice de correção monetária e juros
moratórios, aplicável às condenações cíveis em geral,
conforme já decidido por esta Corte Especial em 2008, por
ocasião do julgamento do EREsp 727.842/SP (Rel. Min.
Teori Albino Zavascki, julgado em 8/9/2008 e publicado no
DJe de 20/11/2008), e reafirmada em 2024 no julgamento do
REsp 1.795.982/SP (Rel. p/ acórdão Min. Raul Araújo,
julgado em 21/8/2024 e publicado no DJe de 22/10/2024),
sendo este último confirmado pelo Supremo Tribunal
Federal, ao desprover o RE 1.558.191/SP (Rel. Min. André
Mendonça, Segunda Turma, Sessão Virtual de 05/09/2025 a
12/09/2025 e publicado no DJe de 08/10/2025).
7. A SELIC, por englobar juros de mora e correção
monetária, evita a cumulação de índices distintos, garantindo
maior previsibilidade e alinhamento com o sistema
econômico nacional.
8. Tese para os fins do art. 1.040 do CPC/2015: Tema 1368. O
art. 406 do Código Civil de 2002, antes da entrada em vigor
da Lei n° 14.905/2024, deve ser interpretado no sentido de
que é a SELIC a taxa de juros de mora aplicável às dívidas de
natureza civil, por ser esta a taxa em vigor para a atualização
monetária e a mora no pagamento de impostos devidos à
Fazenda Nacional.
9. Definição do caso concreto: Recurso especial provido.
(REsp n. 2.199.164/PR, relator Ministro Ricardo Villas Bôas
Cueva, Corte Especial, julgado em 15/10/2025, DJEN de
20/10/2025. )
Ante o exposto, conheço em parte do recurso e, nessa extensão, dou-lhe
provimento unicamente para fixar a taxa SELIC para cálculo dos juros de mora e correção
monetária.
Deixo de majorar os honorários nos termos do art. 85, § 11, do CPC, tendo
em vista que o recurso especial obteve provimento, o que faz incidir os preceitos do Tema
n. 1.059/STJ: "A majoração dos honorários de sucumbência prevista no art. 85, § 11, do
CPC pressupõe que o recurso tenha sido integralmente desprovido ou não conhecido pelo
tribunal, monocraticamente ou pelo órgão colegiado competente. Não se aplica o art. 85, §
11, do CPC em caso de provimento total ou parcial do recurso, ainda que mínima a
alteração do resultado do julgamento e limitada a consectários da condenação".
Publique-se. Intimem-se.
Brasília, 05 de novembro de 2025.
Ministro Humberto Martins
Relator