Trecho útil da decisão:

STJ – RECURSO ESPECIAL Nº 2206925 - SP (2025/0116474-8)

sonalidade. Precedente. 10. A disponibilização indevida de dados pessoais pelos bancos de dados para terceiros caracteriza dano moral presumido (in re ipsa) ao cadastrado titular dos dados, diante, sobretudo, da forte sensação de insegurança por ele experimentada. 11. O gestor de banco de dados que disponibiliza para terceiros consulentes o acesso aos dados do cadastrado que somente poderiam ser compartilhados entre bancos de dados – como as informações cadastrais – deve responder objetivamente pelos danos morais causados ao cadastrado, em observância aos arts. 16 da Lei nº 12.414/2011 e 42 e 43, II, da LGPD.[...] (REsp 2.133.261/SP, Terceira Turma, DJe .10/10/202). Desse modo, o recurso merece ser provido, e deve o pedido de obrigação de não fazer ser julgado parcialmente procedente para que a ré se abstenha de disponibilizar, de qualquer forma, os dados da autora (informações cadastrais e de adimplemento), sem a sua prévia autorização, para terceiros consulentes, com exceção de outros bancos de dados, aos quais é permitido tal compartilhamento. Ainda, diante da disponibilização indevida dos dados da autora, merece ser julgado procedente o pedido indenizatório, para condenar a ré a pagar a autora o valor de R$ 11.000,00 (onze mil reais), a título de danos morais. Ante o exposto, dou provimento em parte ao recurso especial, nos termos da fundamentação. Publique-se. Intimem-se. Brasília, 04 de novembro de 2025. Ministro Humberto Martins Relator 

Decisão completa:

                                  RECURSO ESPECIAL Nº 2206925 - SP (2025/0116474-8)

          RELATOR                          : MINISTRO HUMBERTO MARTINS
          RECORRENTE                       : FABIANA MARIA DE MELO
          ADVOGADO                         : RAFAEL DE JESUS MOREIRA - SP400764
          RECORRIDO                        : SERASA S.A
          ADVOGADOS                        : JORGE ANDRE RITZMANN DE OLIVEIRA - SC011985
                                             LUCAS DE MELLO RIBEIRO - SP205306
                                             LARISSA SENTO SÉ ROSSI - BA016330
                                             JORGE ANDRE RITZMANN DE OLIVEIRA - SP457356
                                             LARISSA SENTO SÉ ROSSI - SP505148


                                                                         DECISÃO

                                Cuida-se de recurso especial interposto por FABIANA MARIA DE MELO,
          com fundamento no artigo 105, inciso III, alíneas "a" e "c", da Constituição Federal, contra
          acórdão proferido pelo TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO, que
          julgou demanda relativa a suposta comercialização de seus dados.
                                O julgado negou provimento ao recurso de apelação da recorrente nos termos
          da seguinte ementa (fl. 620):

                                                                Ação de obrigação de fazer c.c. indenização por danos
                                                                morais. Pretensão de exclusão de dados pessoais mantidos
                                                                em cadastro de proteção ao crédito. Dados que não são
                                                                considerados sensíveis, sigilosos ou excessivos, cujo
                                                                tratamento é expressamente autorizado, dispensada a
                                                                comunicação prévia ao consumidor. Exegese dos arts. 7º, X,
                                                                e 11, II, 'g', da Lei nº 13.709/2018 LGPD. Inocorrência de
                                                                ofensa à privacidade, à intimidade, ou ao patrimônio imaterial
                                                                da parte requerente. Precedentes desta E. Corte.
                                                                Improcedência mantida. Recurso improvido.


                                Embargos de declaração rejeitados (fl. 637).
                                A parte recorrente alega violação dos arts. 5º, inciso X, da Constituição
          Federal; 21 do Código Civil; 7º, incisos I e X, 8º, e seus parágrafos, e 9º da
          Lei n. 13.709/2018 (Lei Geral de Proteção de Dados); 3º, §§ 1º e 3º, inciso I, 4º e 5º, inciso


 
          VII, da Lei n. 12.414/2011; e 43, §§ 1º e 2º, do Código de Defesa do Consumidor,
          sustentando a ilicitude da manutenção e comercialização de dados pessoais de
          consumidores em plataformas de proteção ao crédito sem consentimento e sem
          comunicação prévia, notadamente quando vinculados a débitos prescritos, com violação à
          privacidade e aos direitos da personalidade (fls. 645-649, 654-655).
                                Apresentadas as contrarrazões (fls.670-682), sobreveio o juízo de
          admissibilidade positivo da instância de origem (fls. 721-722).
                                É, no essencial, o relatório.
                                O recurso especial tem origem em demanda proposta por FABIANA MARIA
          DE MELO MACHADO contra SERASA S.A., na qual se discute a divulgação e
          comercialização de dados pessoais do consumidor sem consentimento e sem comunicação
          prévia, com pedido de exclusão dos dados e indenização por danos morais (fls. 649-655).
                                O propósito recursal consiste em definir se (i) os produtos oferecidos pela
          recorrida por meio do tratamento de informações cadastrais para finalidade de proteção do
          crédito configuram violação da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais e do Código de
          Defesa do Consumidor; (ii) a ausência de consentimento prévio e comunicação ao
          consumidor para o uso de seus dados caracteriza ato ilícito, ensejando o direito à
          indenização por danos morais in re ipsa.
                                As instâncias ordinárias julgaram o pedido improcedente.
                                Registre-se que a hipótese não se confunde com o uso e fornecimento de
          dados acerca do comportamento de crédito do consumidor, que englobam a dívidas objeto
          de inadimplemento e a formação de seu histórico de crédito e adimplemento, o chamado
          credit scoring, matéria analisada no Recurso Especial nº 1.419.697/RS - (Relator Ministro
          Paulo de Tarso Sanseverino, Segunda Seção, julgado em 12/11/2014, DJe de 17/11/2014).
                                Da mesma forma, também não versa sobre o dever do fornecedor de
          comunicar ao consumidor sobre a abertura de cadastro, positivo ou restritivo, conforme os
          arts. 42, §§ 2º e 3º, do Código de Defesa do Consumidor e 5º, V, da Lei nº 12.414/2011 -
          Lei do Cadastro Positivo.
                                Destacado o traço diferenciador da questão aqui tratada, é preciso esclarecer,
          também, a natureza dos dados pessoais objeto de tratamento pela recorrida e a finalidade
          do serviço oferecido.
                                Como reconhece o próprio recorrente, os dados pessoais oferecidos pela
          recorrida são estimativa de renda mensal, endereço, telefones e outras informações
          pessoais, os quais não constituem dados sensíveis, conforme os arts. 5º, II, da
          Lei nº 13.709/2018 - LGPD e 3º, § 3º, II, da Lei nº 12.414/2011.




 
                                A propósito, parte dessas informações são públicas, prestadas pelos próprios
          consumidores, ou obtidas por convênios com entes públicos distintos, como Poder
          Judiciário, Banco Central do Brasil e por instituições financeiras associadas.
                                A finalidade do serviço oferecido, por sua vez, está relacionada à proteção do
          crédito, porque o SCPC, por meio de sua base de dados, congrega informações cadastrais,
          positivas e negativas sobre consumidores da maior parte do território nacional e tem como
          objetivo central permitir que empresas e consumidores possam contar, nas transações
          comerciais das quais participam cotidianamente, com a maior segurança possível.
                                A proteção do crédito, como é sabido, não implica exclusivamente a análise
          do risco de crédito, mas se mostra relevante também na obtenção de informações
          destinadas à identificação do consumidor e aferição de sua real identidade, evitando-se, por
          exemplo, confusão entre pessoas homônimas e mesmo como um meio de evitar fraudes e
          para prevenção e mitigação de riscos.
                                O art. 43, § 4º, do Código de Defesa do Consumidor reconhece a importância
          desses serviços ao destacar que "os bancos de dados e cadastros relativos a consumidores,
          os serviços de proteção ao crédito e congêneres são considerados entidades de caráter
          público".
                                Assim, tanto sob a ótica da natureza dos dados pessoais objeto de tratamento
          pela recorrida quanto da finalidade do serviço oferecido pelo SCPC, por sua gestora ora
          recorrida, não há violação do art. 43 do Código de Defesa do Consumidor ou da
          Lei nº 12.414/2011, destacando-se que essas normas não proíbem os arquivos de consumo
          (cadastros ou bancos de dados), mas apenas estabelecem sua regulamentação.
                                O ponto trazido neste recurso, é definir a necessidade do consentimento pelo
          titular para todas as hipóteses em que autorizado o tratamento de dados pessoais. O art. 7º
          da Lei nº 13.709/2018 - LGPD, dispõe que:

                                                                "Art. 7º O tratamento de dados pessoais somente poderá ser
                                                                realizado nas seguintes hipóteses:
                                                                I - mediante o fornecimento de consentimento pelo titular;
                                                                II - para o cumprimento de obrigação legal ou regulatória
                                                                pelo controlador;
                                                                III - pela administração pública, para o tratamento e uso
                                                                compartilhado de dados necessários à execução de políticas
                                                                públicas previstas em leis e regulamentos ou respaldadas em
                                                                contratos, convênios ou instrumentos congêneres, observadas
                                                                as disposições do Capítulo IV desta Lei;
                                                                IV - para a realização de estudos por órgão de pesquisa,
                                                                garantida, sempre que possível, a anonimização dos dados
                                                                pessoais;
                                                                V - quando necessário para a execução de contrato ou de
                                                                procedimentos preliminares relacionados a contrato do qual
                                                                seja parte o titular, a pedido do titular dos dados;


 
                                                                VI - para o exercício regular de direitos em processo judicial,
                                                                administrativo ou arbitral, esse último nos termos da Lei nº
                                                                9.307, de 23 de setembro de 1996 (Lei de Arbitragem);
                                                                VII - para a proteção da vida ou da incolumidade física do
                                                                titular ou de terceiro;
                                                                VIII - para a tutela da saúde, exclusivamente, em
                                                                procedimento realizado por profissionais de saúde, serviços
                                                                de saúde ou autoridade sanitária; (Redação dada pela Lei nº
                                                                13.853, de 2019);
                                                                IX - quando necessário para atender aos interesses legítimos
                                                                do controlador ou de terceiro, exceto no caso de prevalecerem
                                                                direitos e liberdades fundamentais do titular que exijam a
                                                                proteção dos dados pessoais; ou
                                                                X - para a proteção do crédito, inclusive quanto ao disposto
                                                                na legislação pertinente.

                                A conjunção coordenativa alternativa "ou" indica que o tratamento de dados
          poderá se dar em uma das dez hipóteses elencadas nos incisos do referido artigo, dentre as
          quais consta o fornecimento de consentimento pelo titular (inciso I). Para os casos
          previstos nos incisos II a X, portanto, fica autorizado o tratamento de dados, mesmo sem a
          colheita do consentimento.
                                A Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais não se afasta de sua própria
          razão de existir, qual seja, a necessidade de proteção dos dados pessoais. Ao contrário,
          reconhece a função e os limites do consentimento, para que a autodeterminação
          informacional se opere de forma consentânea com a realidade, em contextos nos quais o
          consentimento não figura como base legal para o tratamento dos dados pessoais.
                                No entanto, como decidido pela Terceira Turma desta Corte, no julgamento
          dos REsp 2.115.461/SP e REsp 2.133.261/SP, o gestor de banco de dados regido pela
          Lei nº 12.414/2011,                  não pode disponibilizar para terceiros consulentes as informações
          cadastrais e de adimplemento da pessoa cadastrada e a disponibilização indevida desses
          dados gera dano moral indenizável e a pretensão de fazer cessar a ofensa aos direitos da
          personalidade.
                                Confira-se:
                                                                [...] 5. Todavia, o gestor de banco de dados regido pela
                                                                Lei nº 12.414/2011 somente pode disponibilizar a terceiros
                                                                consulentes (I) o score de crédito, sendo desnecessário o
                                                                consentimento prévio; e (II) o histórico de crédito, mediante
                                                                prévia autorização específica do cadastrado (nos moldes do
                                                                Anexo do Decreto nº 9.936/2019), conforme o art. 4º, IV, “a”
                                                                e “b” da referida lei.
                                                                6. Por outro lado, em observância o inciso III do art. 4º da
                                                                Lei nº 12.414/2011, as informações cadastrais e de
                                                                adimplemento armazenadas somente podem ser
                                                                compartilhadas com outros bancos de dados, que são geridos
                                                                por instituições devidamente autorizadas para tanto na forma
                                                                da lei e regulamento.


 
                                                                7. Portanto, se um terceiro consulente tem interesse em obter
                                                                as informações cadastrais do cadastrado, ainda que sejam
                                                                dados pessoais não sensíveis, deve ele obter o prévio e
                                                                expresso consentimento do titular, com base na autonomia da
                                                                vontade, pois não há autorização legal para que o gestor de
                                                                banco de dados disponibilize tais dados aos consulentes.
                                                                8. Em relação à abertura do cadastro pelo gestor de banco de
                                                                dados, embora não seja exigido o consentimento prévio, é
                                                                necessária a comunicação ao cadastrado, inclusive quanto aos
                                                                demais agentes de tratamento, podendo exigir o cancelamento
                                                                do seu cadastro a qualquer momento, nos termos do art. 4º, I
                                                                e § 4º, da Lei nº 12.414/2011, além de exercer os demais
                                                                direitos previstos em lei quanto aos seus dados.
                                                                9. A inobservância dos deveres associados ao tratamento (que
                                                                inclui a coleta, o armazenamento e a transferência a terceiros)
                                                                dos dados do titular – dentre os quais se inclui o dever de
                                                                informar – faz nascer para este a pretensão de indenização
                                                                pelos danos causados e a de fazer cessar, imediatamente, a
                                                                ofensa aos direitos da personalidade. Precedente.
                                                                10. A disponibilização indevida de dados pessoais pelos
                                                                bancos de dados para terceiros caracteriza dano moral
                                                                presumido (in re ipsa) ao cadastrado titular dos dados, diante,
                                                                sobretudo, da forte sensação de insegurança por ele
                                                                experimentada.
                                                                11. O gestor de banco de dados que disponibiliza para
                                                                terceiros consulentes o acesso aos dados do cadastrado que
                                                                somente poderiam ser compartilhados entre bancos de dados
                                                                – como as informações cadastrais – deve responder
                                                                objetivamente pelos danos morais causados ao cadastrado,
                                                                em observância aos arts. 16 da Lei nº 12.414/2011 e 42 e 43,
                                                                II, da LGPD.[...]
                                                                (REsp 2.133.261/SP, Terceira Turma, DJe .10/10/202).


                                Desse modo, o recurso merece ser provido, e deve o pedido de obrigação de
          não fazer ser julgado parcialmente procedente para que a ré se abstenha de disponibilizar,
          de qualquer forma, os dados da autora (informações cadastrais e de adimplemento), sem a
          sua prévia autorização, para terceiros consulentes, com exceção de outros bancos de dados,
          aos quais é permitido tal compartilhamento.
                                Ainda, diante da disponibilização indevida dos dados da autora, merece ser
          julgado procedente o pedido indenizatório, para condenar a ré a pagar a autora o valor de
          R$ 11.000,00 (onze mil reais), a título de danos morais.
                                Ante o exposto, dou provimento em parte ao recurso especial, nos termos da
          fundamentação.
                               Publique-se. Intimem-se.
                               Brasília, 04 de novembro de 2025.




 
                                                            Ministro Humberto Martins
                                                                      Relator