STJ – RECURSO ESPECIAL Nº 2211137 - SP (2025/0154149-0)
de prestação alimentícia). 3. Recurso especial provido. (REsp n. 1.954.382/SP, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Corte Especial, julgado em 5/6/2024, DJe de 17/9/2024. ) A decisão do Tribunal de origem, embora reconheça a tese firmada, contorna sua aplicação ao invocar uma relativização genérica da regra de impenhorabilidade. Tal fundamentação, contudo, cria uma exceção não prevista no julgado paradigma e contraria a sua ratio decidendi, que foi justamente diferenciar a "verba de natureza alimentar" da "prestação alimentícia" para fins da exceção legal, de interpretação restritiva. O precedente vinculante é claro ao afastar a possibilidade de penhora de verbas remuneratórias e de valores em poupança para a satisfação de crédito de honorários advocatícios com base na exceção do § 2º do art. 833 do CPC. A tentativa de aplicar uma mitigação da regra geral para alcançar o mesmo resultado vedado pela tese repetitiva representa afronta à sistemática dos precedentes obrigatórios. Assim, ao manter a penhora para pagamento de honorários sucumbenciais com base em uma relativização da regra de impenhorabilidade, o acórdão recorrido criou exceção não prevista no julgado paradigma do Tema 1.153, violando a tese firmada por esta Corte Superior. Ante o exposto, dou provimento ao recurso especial para reformar o acórdão recorrido e negar provimento ao agravo de instrumento interposto pelos ora recorridos, a fim de restabelecer a decisão de primeiro grau que determinou o desbloqueio integral dos valores constritos. Condeno a parte recorrida ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, que fixo em 15% (quinze por cento) sobre o valor atualizado da causa, nos termos do art. 85, § 2º, do CPC, observada a gratuidade de justiça deferida aos exequentes. Publique-se. Intimem-se. Brasília, 04 de novembro de 2025. Ministro Humberto Martins Relator
Decisão completa:
RECURSO ESPECIAL Nº 2211137 - SP (2025/0154149-0)
RELATOR : MINISTRO HUMBERTO MARTINS
RECORRENTE : JORGE LUIS STANO
ADVOGADOS : ELISÂNGELA COSTA BUCK - SP364475
TARCIO VINICIUS ORMON GOMES FERREIRA - SP394159
RECORRIDO : MARIA APARECIDA TIAGO
RECORRIDO : SEBASTIAO CUSTODIO DA SILVA
ADVOGADO : PAULO JOSÉ BRITO XAVIER - SP126738
DECISÃO
Cuida-se de recurso especial interposto por JORGE LUIS STANO, com
fundamento no artigo 105, inciso III, alínea a, da Constituição Federal, contra acórdão
proferido pelo TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO, nos termos da
seguinte ementa (fl. 257):
AGRAVO DE INSTRUMENTO. LOCAÇÃO DE IMÓVEL.
AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C. C. PEDIDO DE
REPETIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR
DANO MORAL. Fase de cumprimento de sentença. Crédito
decorrente de verba honorária advocatícia. Penhora
autorizada pelo V. Acórdão que ora se revisita, nos termos do
Art. 1.030, II, do CPC. Recursos Especiais nºs 1.954.380/SP
e 1.954.382/SP, julgados sob o rito dos recursos
representativos de controvérsias. Honorários advocatícios
sucumbenciais, que não se inserem na hipótese de exceção
prevista no § 2º, art. 833 do CPC. Jurisprudência, no entanto,
que tem admitido a mitigação do § 2º do artigo 833 do
Código de Processo Civil, observadas as peculiaridades de
cada caso. Princípios colidentes direito do credor em
satisfazer seu crédito exequendo versus o direito do devedor
em manter a sua dignidade e a de sua família. Aplicação da
teoria da ponderação. Valores bloqueados significativos,
admitindo a constrição de parte deles equivalente a dez por
cento (10%) que garante ao executado a manutenção da sua
subsistência e, de outro lado, propicia aos agravantes a
percepção de seus créditos. Resultado do V. Acórdão mantido.
Nas razões do recurso especial (fls. 46-55), a parte recorrente alega violação
do art. 833, IV e X, do Código de Processo Civil. Sustenta, em síntese, que o acórdão
recorrido decidiu em desacordo com a orientação firmada pelo Superior Tribunal de Justiça
no julgamento do Tema Repetitivo 1.153, ao permitir a penhora de verbas de natureza
salarial e de valores em conta poupança para satisfação de honorários advocatícios de
sucumbência, criando exceção não prevista no julgado paradigma.
Não foram apresentadas contrarrazões ao recurso especial (fl. 247).
Sobreveio o juízo de admissibilidade positivo na instância de origem (fls. 267-
268).
É, no essencial, o relatório.
Atendidos os pressupostos de admissibilidade, passo ao exame do recurso
especial.
A controvérsia tem origem em cumprimento de sentença, no bojo do qual
foram bloqueados valores de contas de titularidade do recorrente. Em impugnação (fls. 108-
119), o executado alegou a impenhorabilidade das quantias, por se tratar de proventos de
aposentadoria, ganhos como trabalhador autônomo e valores depositados em caderneta de
poupança.
O Juízo de primeiro grau acolheu a impugnação e determinou o desbloqueio
integral dos valores por reconhecer seu caráter alimentar e, portanto, sua
impenhorabilidade (fls. 155-156).
Inconformados, os exequentes interpuseram agravo de instrumento.
O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo deu parcial provimento ao
recurso, determinando a penhora de 10% do total bloqueado em favor dos credores
principais e da quantia suficiente à satisfação dos honorários sucumbenciais, equiparando-
os à prestação alimentícia para fins da exceção do art. 833, § 2º, do CPC (fls. 21-28).
Interposto recurso especial pelo executado, a Presidência da Seção de Direito
Privado do TJSP determinou a suspensão do feito até o julgamento do Tema 1.153/STJ (fl.
248). Após o julgamento do paradigma, os autos retornaram à Câmara julgadora para
eventual juízo de retratação, nos termos do art. 1.030, II, do CPC.
O órgão colegiado, contudo, manteve o resultado do julgado anterior, sob o
fundamento de que, embora o Tema 1.153 tenha afastado a equiparação dos honorários à
prestação alimentícia, a jurisprudência permite a mitigação da regra de impenhorabilidade
com base na ponderação de princípios, justificando, assim, a manutenção da constrição (fls.
256-264).
A propósito, transcrevo o teor da compreensão do tribunal de origem:
A questão a ser reapreciada diz respeito à possibilidade, ou
não, de se autorizar a penhora sobre numerário caracterizado
como verba salarial para satisfazer o crédito decorrente de
honorários advocatícios sucumbenciais.
O art. 833, IV, do diploma processual civil preceitua que:
"Art. 833. São impenhoráveis: (...) IV - os vencimentos, os
subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os
proventos de aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os
montepios, bem como as quantias recebidas por liberalidade
de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua
família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários
de profissional liberal, ressalvado o § 2º" .
E o § 2º do artigo acima mencionado dispõe que: "o disposto
no inciso IV do 'caput' deste artigo não se aplica no caso de
penhora para pagamento de prestação alimentícia,
independentemente de sua origem, bem como as importâncias
excedentes a 50 (cinquenta) salários mínimos mensais,
devendo a constrição observar o disposto no artigo 528, § 8º,
e no art. 529, § 3º".
Deste modo, ao estabelecer a disciplina para os efeitos da
penhora, o dispositivo mencionado tornou impenhoráveis os
valores recebidos a título de proventos, salários ou quaisquer
rendas provenientes de atividade laboral, exceto para
pagamento de prestação alimentícia e as quantias excedentes
a 50 (cinquenta) salários mínimos mensais.
Conquanto assim seja, o C. Superior Tribunal de Justiça,
recentemente, apreciou o tema sob a sistemática dos recursos
repetitivos, fixando a seguinte tese:
"RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. PROCESSUAL
CIVIL. VERBAS REMUNERATÓRIAS.
IMPENHORABILIDADE. ART. 833, IV, DO CPC/2015.
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. EXECUÇÃO. VERBA
DE NATUREZA ALIMENTAR E PRESTAÇÃO
ALIMENTÍCIA. DISTINÇÃO. ART. 833, § 2º, DO
CPC/2015. EXCEÇÃO NÃO CONFIGURADA. 1. Os autos
buscam definir se os honorários advocatícios de
sucumbência, em virtude da sua natureza alimentar, inserem-
se ou não na exceção prevista no § 2º do art. 833 do Código
de Processo Civil de 2015 - pagamento de prestação
alimentícia.
2. Tese para os fins do art. 1.040 do CPC/2015: a verba
honorária sucumbencial, a despeito da sua natureza alimentar,
não se enquadra na exceção prevista no § 2º do art. 833 do
CPC/2015 (penhora para pagamento de prestação
alimentícia) . 3. Recurso especial não provido" 2 (GN).
Isso não significa, porém, que é impossível haver a penhora
dos vencimentos do devedor.
A mitigação do disposto no art. 833, § 2º, do Código de
Processo Civil - a qual permite a constrição de verbas
oriundas de salário em casos em que não seja comprometida
a subsistência digna do executado - vem sendo admitida pela
jurisprudência.
Veja-se: "A regra geral da impenhorabilidade de salários,
vencimentos, proventos etc. (art. 649, IV, do CPC/73;
art. 833, IV, do CPC/2015), pode ser excepcionada quando
for preservado percentual de tais verbas capaz de dar guarida
à dignidade do devedor e de sua família" (GN).
E, ainda:
"PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO
AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RECURSO
MANEJADO SOB A ÉGIDE DO NCPC. AGRAVO DE
INSTRUMENTO. TÍTULO EXTRAJUDICIAL.
EXECUÇÃO. IMPENHORABILIDADE DE
VENCIMENTOS. MITIGAÇÃO. POSSIBILIDADE.
PRESERVAÇÃO DA SUBSISTÊNCIA DO DEVEDOR.
PRECEDENTES. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. 1.
A Corte Especial, no julgamento do REsp 1.815.055/SP, Rel.
Ministra NANCY ANDRIGHI, DJe 26/8/2020, consignou
que a impenhorabilidade do salário pode ser mitigada em
respeito ao princípio da máxima efetividade da execução,
desde que respeitada a dignidade da pessoa humana .
Precedentes. 2. Agravo interno não provido"4 (GN).
Como se verifica, tais precedentes não deixam a descoberto a
proteção fundamental às condições mínimas do devedor, não
permitindo que a constrição viole a sua dignidade, sendo o
caso de balizamento pelos critérios da razoabilidade e
proporcionalidade, à vista das peculiaridades de cada caso.
Há, notadamente, dois princípios conflitantes, de um lado, o
direito do credor em ver satisfeita a sua pretensão executiva,
e, de outro, o direito do devedor de ter protegidas a sua
dignidade e a de sua família.
Indubitável, pois, a aplicação da técnica de sopesamento e
ponderação para, assim, determinar qual princípio deve
prevalecer em detrimento do outro.
Para o caso dos autos, nota-se que o agravado alegou que o
numerário bloqueado (R$7.926,50 e R$3.023,22) tem
natureza alimentar por decorrer de sua atividade como
corretor de imóveis e de aposentadoria (essa última
correspondente a um salário mínimo).
Frise-se, que a decisão agravada considerou apenas o valor
devido a título de honorários advocatícios sucumbenciais,
qual seja, R$3.784,63 (três mil e setecentos oitenta e quatro
reais e sessenta e três centavos), calculado até 9 de abril de
2021.
Considerando, pois, a mitigação da norma pelos precedentes
mencionados, e o montante encontrado em suas contas
bancárias no total de R$10.949,72 (dez mil, novecentos e
quarenta e nove reais e setenta e dois centavos), não há que se
falar em impenhorabilidade, sob pena de manifesta violação
aos princípios da legalidade e da segurança jurídica, o que
não se admite.
Ressalte-se, entretanto, que a medida constritiva não pode
acarretar a penúria do devedor, em situação incompatível
com a dignidade humana, devendo o magistrado orientar-se
pelos critérios da razoabilidade e proporcionalidade, à vista
das peculiaridades de cada caso.
Neste contexto, razoável a manutenção da penhora outrora
determinada em dez por cento (10%) o total bloqueado em
favor dos agravantes e da quantia suficiente à satisfação da
obrigação referente aos honorários sucumbenciais,
determinando o levantamento do excedente, o que não
prejudica a sua subsistência tampouco a de sua família, e
garante a satisfação da obrigação, ainda que parcial.
Por conseguinte, a luz do art. 1.030, II, do Código de
Processo Civil, mantém-se o resultado do V. Acórdão, agora
prolatado com fulcro na tese de relativização da regra da
impenhorabilidade dos rendimentos.
Com efeito, constata-se que o acórdão recorrido, ao manter a penhora sobre
parte dos proventos e da poupança do devedor para satisfação de honorários advocatícios,
mesmo após o julgamento do Tema 1.153, decidiu em manifesto descompasso com a
jurisprudência consolidada desta Corte Superior.
O Superior Tribunal de Justiça, ao julgar os Recursos Especiais n. 1.954.380
/SP e n. 1.954.382/SP sob o rito dos recursos repetitivos (Tema 1.153), fixou a seguinte
tese, de observância obrigatória: "a verba honorária sucumbencial, a despeito da sua
natureza alimentar, não se enquadra na exceção prevista no § 2º do art. 833 do CPC/2015
(penhora para pagamento de prestação alimentícia)".
Confira-se a ementa do referido paradigma:
RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. PROCESSUAL
CIVIL. VERBAS REMUNERATÓRIAS.
IMPENHORABILIDADE. ART. 833, IV, DO CPC/2015.
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. EXECUÇÃO. VERBA
DE NATUREZA ALIMENTAR E PRESTAÇÃO
ALIMENTÍCIA. DISTINÇÃO. ART. 833, § 2º, DO
CPC/2015. EXCEÇÃO NÃO CONFIGURADA.
1. Os autos buscam definir se os honorários advocatícios de
sucumbência, em virtude da sua natureza alimentar, inserem-
se ou não na exceção prevista no § 2º do art. 833 do Código
de Processo Civil de 2015 - pagamento de prestação
alimentícia.
2. Tese para os fins do art. 1.040 do CPC/2015: a verba
honorária sucumbencial, a despeito da sua natureza alimentar,
não se enquadra na exceção prevista no § 2º do art. 833 do
CPC/2015 (penhora para pagamento de prestação
alimentícia).
3. Recurso especial provido.
(REsp n. 1.954.382/SP, relator Ministro Ricardo Villas Bôas
Cueva, Corte Especial, julgado em 5/6/2024, DJe de
17/9/2024. )
A decisão do Tribunal de origem, embora reconheça a tese firmada, contorna
sua aplicação ao invocar uma relativização genérica da regra de impenhorabilidade. Tal
fundamentação, contudo, cria uma exceção não prevista no julgado paradigma e contraria a
sua ratio decidendi, que foi justamente diferenciar a "verba de natureza alimentar" da
"prestação alimentícia" para fins da exceção legal, de interpretação restritiva.
O precedente vinculante é claro ao afastar a possibilidade de penhora de
verbas remuneratórias e de valores em poupança para a satisfação de crédito de honorários
advocatícios com base na exceção do § 2º do art. 833 do CPC. A tentativa de aplicar uma
mitigação da regra geral para alcançar o mesmo resultado vedado pela tese repetitiva
representa afronta à sistemática dos precedentes obrigatórios.
Assim, ao manter a penhora para pagamento de honorários sucumbenciais
com base em uma relativização da regra de impenhorabilidade, o acórdão recorrido criou
exceção não prevista no julgado paradigma do Tema 1.153, violando a tese firmada por
esta Corte Superior.
Ante o exposto, dou provimento ao recurso especial para reformar o acórdão
recorrido e negar provimento ao agravo de instrumento interposto pelos ora recorridos, a
fim de restabelecer a decisão de primeiro grau que determinou o desbloqueio integral dos
valores constritos.
Condeno a parte recorrida ao pagamento das custas processuais e dos
honorários advocatícios, que fixo em 15% (quinze por cento) sobre o valor atualizado da
causa, nos termos do art. 85, § 2º, do CPC, observada a gratuidade de justiça deferida aos
exequentes.
Publique-se. Intimem-se.
Brasília, 04 de novembro de 2025.
Ministro Humberto Martins
Relator