Trecho útil da decisão:

STJ – RECURSO ESPECIAL Nº 2236105 - SP (2025/0380597-5)

 MINIMAMENTE, O DIREITO ALEGADO. PODER GERAL DE CAUTELA. 1. Delimitação da controvérsia: Possibilidade de o juiz, vislumbrando a ocorrência de litigância predatória, exigir que a parte autora emende a petição inicial com apresentação de documentos capazes de lastrear minimamente as pretensões deduzidas em juízo, como por exemplo: procuração atualizada, declaração de pobreza e de residência, cópias do contrato e dos extratos bancários. 2. Recurso especial afetado ao rito do art. 1.036 NCPC, com manutenção da suspensão dos processos pendentes determinada pelo Tribunal estadual. Ficou pacificado: Possibilidade de o juiz, vislumbrando a ocorrência de litigância predatória, exigir que a parte autora emende a petição inicial com apresentação de documentos capazes de lastrear minimamente as pretensões deduzidas em juízo, como procuração atualizada, declaração de pobreza e de residência, cópias do contrato e dos extratos bancários. Nota-se que, no que tange possibilidade do magistrado determinar a juntada de documentos com a finalidade precípua de proteger os interesses das partes e zelar pela regularidade dos pressupostos processuais, o fundamento da decisão encontra-se em consonância com a jurisprudência do STJ. Incide, portanto, o enunciado da Súmula n. 83/STJ. Nesse contexto, conheço do recurso interposto e, no mérito, nego-lhe provimento. Publique-se. Intimem-se. Brasília, 05 de novembro de 2025. Ministro Humberto Martins Relator 

Decisão completa:

                                  RECURSO ESPECIAL Nº 2236105 - SP (2025/0380597-5)

           RELATOR                         : MINISTRO HUMBERTO MARTINS
           RECORRENTE                      : JESSICA CRISTINA COELHO
           ADVOGADO                        : RAFAEL DE JESUS MOREIRA - SP400764
           RECORRIDO                       : BOA VISTA SERVICOS S.A.
           ADVOGADO                        : HÉLIO YAZBEK - SP168204


                                                                         DECISÃO


                                Cuida-se de recurso especial interposto por JESSICA CRISTINA COELHO,
           com fundamento no artigo 105, inciso III, alíneas "a" e "c", da Constituição Federal, contra
           acórdão proferido pelo TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO, que
           julgou demanda relativa a obrigação de fazer cumulada com dano moral.
                                O julgado negou provimento ao recurso de apelação regimental do recorrente
           nos termos da seguinte ementa (fl.249):

                                                                EMENTA Ação cominatória com pleito cumulado de
                                                                indenização por danos morais. Indícios de prospecção
                                                                irregular da parte autora pelo escritório que promove a ação.
                                                                Despacho que determinou medidas de modo a confirmar que
                                                                a autora tinha ciência da propositura e de seus fundamentos,
                                                                bem como apresentar documentos que permitiam concluir
                                                                que faz jus à gratuidade processual. Determinação não
                                                                impugnada, mas que tampouco foi atendida. Gratuidade que
                                                                não havia mesmo de ser concedida. Extinção do processo sem
                                                                julgamento de mérito autorizada. Medidas que pelos motivos
                                                                indicados no caso se justificavam e era compatíveis com o
                                                                poder geral de cautela conferido ao Juiz. Recurso improvido.


                                Embargos de declaração rejeitados (fls.270-273).

                                A recorrente interpôs recurso especial, com fundamento no artigo 105, inciso
           III, alíneas “a” e “c”, da Constituição Federal, articulando ofensa a lei federal e divergência
           jurisprudencial (fls. 276-290). Postulou a admissão e processamento do recurso nos termos


 
           do artigo 255 do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, bem como a remessa
           ao STJ e a intimação da parte recorrida (fl. 276).

                                Nas razões, sustentou:

                                a) violação dos artigos 105, § 1º, e 425, IV, do Código de Processo Civil de
           2015 (CPC/2015); dos §§ 1º, 2º e 3º do artigo 5º da Lei nº 8.906/1994 (Estatuto da
           Advocacia); e do artigo 654, § 1º, do Código Civil de 2002 (CC/2002), por entender que a
           assinatura digital em procuração é válida, que não há obrigatoriedade de procuração
           específica e que o reconhecimento de firma não é exigido pela legislação processual (fls.
           277-280, 283-284);


                       b) cabimento do Recurso Especial por contrariedade de lei federal e por divergência
           interpretativa, com fundamento nas alíneas “a” e “c” do inciso III do artigo 105 da CF/88
           (fls. 278-283, 285-286);

                                c) tempestividade, considerando a publicação do acórdão em 07/05/2025 e a
           interposição do recurso em 28/05/2025, em razão de atos de suspensão (fls. 277-278);

                                d) dispensa de preparo, por versar o objeto do recurso sobre hipossuficiência,
           à luz do artigo 98, § 7º, do CPC/2015 (fls. 278);

                                e) prequestionamento, afirmando que a matéria foi suscitada desde a petição
           inicial e no apelo, e que o acórdão teria imputado invalidade à assinatura digital e exigido
           procuração específica (fls. 279).

                                No mérito, a recorrente desenvolveu os seguintes argumentos e indicou as
           normas aplicáveis:

                                i) Quanto ao artigo 654, § 1º, do CC/2002, afirmou que a procuração
           atendeu aos requisitos legais de lugar, qualificação das partes, data, objetivo da outorga e
           extensão dos poderes conferidos (fls. 280-281).

                                ii) Quanto ao artigo 5º, §§ 1º e 2º, da Lei nº 8.906/1994, defendeu que o
           advogado, em razão de sua fé pública e prerrogativas profissionais, pode autenticar
           documentos e atuar sem a exigência de utilização de plataforma credenciada no ICP-Brasil,
           inexistindo necessidade de procuração específica nas hipóteses abrangidas pelo mandato
           (fls. 282-283).



 
                                iii) Quanto aos artigos 425, IV, e 105, § 1º, do CPC/2015, sustentou que as
           cópias declaradas autênticas pelo advogado fazem prova dos originais e que a procuração
           pode ser assinada digitalmente “na forma da lei”, sem exigência de reconhecimento de
           firma, inexistindo base normativa que imponha a outorga de procuração específica (fls. 283-
           284).

                                iv) Invocou precedentes e entendimentos do Tribunal de Justiça de São
           Paulo, bem como doutrina pertinente, a fim de afastar excessos de formalismo, em
           observância aos princípios da boa-fé, da cooperação e da primazia do julgamento de mérito
           (fls. 284-285).

                                No capítulo dos pedidos, requereu a admissão do recurso especial pelas
           alíneas “a” e “c” do artigo 105, III, da CF/88, e o provimento para anular o acórdão
           recorrido por contrariedade à lei federal e por interpretação divergente em relação a outros
           tribunais (fls. 289-290).

                                Contrarrazões apresentadas (fls. 300-313), sobreveio o juízo de
           admissibilidade positivo, realizado pelo juízo de origem (fls. 314-316).

                                É, no essencial, o relatório.

                                O recorrente alega, no presente feito, que o juiz de primeiro grau determinou
           a ida pessoal da autora ao fórum, com documentos, a fim de ratificar procuração ou
           apresentar procuração com firma reconhecida.

                                As instâncias inferiores alegaram que há possibilidade concreta de advocacia
           abusiva, detectada pelo núcleo de monitoramento de perfis de demanda da corregedoria
           geral de justiça (NUMOPEDE).

                                A verdade é que há hoje uma preocupação cada vez mais frequente de
           localizar demandas com risco de abusividade. Há uma premissa fática estabelecida pelo
           Tribunal de origem, em que deixam claro que, nesse intuito, apreciaram notícias de uso
           abusivo do Poder Judiciário por partes e advogados, observadas especialmente em ações
           com pedidos de                revisão de contratos, de exibição de documentos, de revisional de
           empréstimo, de declaração de inexistência de débito, de consignação em pagamento ou
           atinentes ao dever de informar.

                                Segundo relatado, a parte autora, mesmo intimada por duas vezes, por meio
           do seu patrono, não compareceu em cartório para ratificação dos termos do instrumento de


 
           mandato, tampouco foi acostada procuração nos termos em que determinado em decisão.
           Tampouco a parte apresentou qualquer justificativa para não fazê-lo. Registre-se que é
           pacífica jurisprudência desta corte a entender que, de fato, o juiz tem poder geral de cautela
           e pode tomar providências para resguardar tanto o direito da parte , quanto do seu
           advogado, bem como do próprio poder judiciário.

                                A inércia da parte autora em confirmar a outorga da procuração, seja
           comparecendo em juízo, seja realizando o reconhecimento de firma da procuração, traz
           indícios suficientes para concluir-se acerca de seu desconhecimento e/ou desinteresse no
           prosseguimento da demanda, já que o comando judicial foi taxativo no sentido de que o
           não cumprimento da determinação no prazo legal importaria em extinção da ação.

                                Este também é o entendimento desta Corte:


                                                                CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL.
                                                                AÇÃO DECLARATÓRIA C/C OBRIGAÇÃO DE FAZER E
                                                                COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS. NEGATIVA DE
                                                                PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. AUSÊNCIA. MULTA
                                                                DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. AFASTAMENTO.
                                                                PROCURAÇÃO AD JUDICIA ASSINADA 5 MESES
                                                                ANTES DO AJUIZAMENTO DA AÇÃO. VALIDADE E
                                                                EFICÁCIA. PRAZO MÁXIMO LEGAL. AUSÊNCIA.
                                                                DETERMINAÇÃO DE EMENDA DA INICIAL.
                                                                EXIGÊNCIA DE PROCURAÇÃO ATUALIZADA.
                                                                EXCEPCIONAL POSSIBILIDADE. PODER GERAL DE
                                                                CAUTELA. CIRCUNSTÂNCIAS AUTORIZADORAS.
                                                                AUSÊNCIA          NA      HIPÓTESE           DOS     AUTOS.
                                                                INDEFERIMENTO DA INICIAL. IMPOSSIBILIDADE.
                                                                RECURSO PROVIDO.
                                                                1. Ação declaratória c/c obrigação de fazer e compensação
                                                                por danos morais ajuizada em 28/2/2022, da qual foi extraído
                                                                o presente recurso especial, interposto em 16/5/2023 e
                                                                concluso ao gabinete em 13/7/2023.
                                                                2. O propósito recursal é decidir se (I) houve negativa de
                                                                prestação jurisdicional; (II) deve ser afastada a multa no
                                                                julgamento dos embargos de declaração; e (III) o juiz pode
                                                                exigir a juntada de nova procuração ad judicia atualizada, sob
                                                                pena de indeferimento da petição inicial, quando esta é
                                                                instruída com procuração assinada meses antes do
                                                                ajuizamento da ação.
                                                                3. Não há ofensa aos arts. 489 e 1.022 do CPC/2015, quando
                                                                o Tribunal de origem examina, de forma fundamentada, a
                                                                questão submetida à apreciação judicial na medida necessária
                                                                para o deslinde da controvérsia, ainda que em sentido
                                                                contrário à pretensão da parte. Precedentes.
                                                                4. Afasta-se a multa do art. 1.026, § 2º, do CPC/2015 quando
                                                                não se caracteriza o intento protelatório na oposição dos
                                                                embargos de declaração.


 
                                                                5. A procuração ad judicia é outorgada para que o advogado
                                                                represente o constituinte até o desfecho do processo e, diante
                                                                da ausência de prazo máximo legal, mantém a sua validade e
                                                                eficácia até que sobrevenha eventual revogação ou outra
                                                                causa de extinção, na forma do art. 682 do CC/2002.
                                                                6. Segundo a jurisprudência desta Corte, em razão do poder
                                                                geral de cautela, o juiz pode, diante das peculiaridades da
                                                                hipótese concreta, determinar a juntada de procuração ad
                                                                judicia atualizada, com a finalidade precípua de proteger os
                                                                interesses das partes e zelar pela regularidade dos
                                                                pressupostos processuais. Trata-se de medida excepcional
                                                                que demanda fundamentação idônea por parte do juiz.
                                                                7. O mero transcurso de alguns meses entre a assinatura da
                                                                procuração ad judicia e o ajuizamento da ação não justifica,
                                                                por si só, a aplicação excepcional do poder geral de cautela
                                                                pelo juiz para exigir a juntada de nova procuração atualizada,
                                                                tampouco consiste em irregularidade a ensejar o
                                                                indeferimento da petição inicial e a extinção do processo sem
                                                                resolução de mérito.
                                                                8. Hipótese em que o Juízo (I) determinou a emenda da
                                                                inicial, exigindo a juntada de nova procuração, limitando-se a
                                                                fundamentar que a apresentada está datada de 5 meses antes
                                                                do ajuizamento da ação, sem consignar qualquer outra
                                                                circunstância para tal exigência;
                                                                (II) em razão do descumprimento da medida, indeferiu a
                                                                petição inicial e julgou o processo extinto sem resolução de
                                                                mérito, o que foi mantido pelo acórdão recorrido.
                                                                9. Recurso especial conhecido e provido para (I) afastar a
                                                                multa aplicada à recorrente no julgamento dos embargos de
                                                                declaração; e (II) anular o acórdão e a sentença e determinar
                                                                o retorno dos autos ao Juízo de primeiro grau, a fim de que o
                                                                processo tenha o seu regular prosseguimento.
                                                                (REsp n. 2.084.166/MA, relatora Ministra Nancy Andrighi,
                                                                Terceira Turma, julgado em 7/11/2023, DJe de 13/11/2023.)

                                Além disso, o tema também foi apreciado em recurso repetitivo, Tema 1198.
           Veja-se:

                                                                PROPOSTA DE AFETAÇÃO. RECURSO ESPECIAL
                                                                INTERPOSTO CONTRA ACÓRDÃO PROFERIDO NO
                                                                JULGAMENTO DE IRDR. RITO DOS RECURSOS
                                                                ESPECIAIS REPETITIVOS. CONTRATOS BANCÁRIOS.
                                                                AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE
                                                                RELAÇÃO JURÍDICA COM REPETIÇÃO DE VALORES
                                                                INDEVIDAMENTE DESCONTADOS E INDENIZAÇÃO
                                                                POR DANOS MORAIS. INDÍCIOS DE LITIGÂNCIA
                                                                PREDATÓRIA. EXIGÊNCIA DE DOCUMENTOS
                                                                CAPAZES DE EVIDENCIAR, MINIMAMENTE, O
                                                                DIREITO ALEGADO. PODER GERAL DE CAUTELA.
                                                                1. Delimitação da controvérsia: Possibilidade de o juiz,
                                                                vislumbrando a ocorrência de litigância predatória, exigir que
                                                                a parte autora emende a petição inicial com apresentação de
                                                                documentos capazes de lastrear minimamente as pretensões
                                                                deduzidas em juízo, como por exemplo: procuração


 
                                                                atualizada, declaração de pobreza e de residência, cópias do
                                                                contrato e dos extratos bancários.
                                                                2. Recurso especial afetado ao rito do art. 1.036 NCPC, com
                                                                manutenção da suspensão dos processos pendentes
                                                                determinada pelo Tribunal estadual.

                                Ficou pacificado:


                                                                Possibilidade de o juiz, vislumbrando a ocorrência de
                                                                litigância predatória, exigir que a parte autora emende a
                                                                petição inicial com apresentação de documentos capazes de
                                                                lastrear minimamente as pretensões deduzidas em juízo,
                                                                como procuração atualizada, declaração de pobreza e de
                                                                residência, cópias do contrato e dos extratos bancários.

                                Nota-se que, no que tange possibilidade do magistrado determinar a juntada
           de documentos com a finalidade precípua de proteger os interesses das partes e zelar pela
           regularidade dos pressupostos processuais, o fundamento da decisão encontra-se em
           consonância com a jurisprudência do STJ. Incide, portanto, o enunciado da
           Súmula n. 83/STJ.

                                Nesse contexto, conheço do recurso interposto e, no mérito, nego-lhe
           provimento.

                                Publique-se. Intimem-se.

                               Brasília, 05 de novembro de 2025.



                                                            Ministro Humberto Martins
                                                                      Relator