Relator: José Agenor de Aragão, Data de Julgamento: 22/04/2021, Quarta Câmara de Direito Civil)
Órgão julgador: Turma, j. 02/06/2016).
Data do julgamento: 3 de junho de 1998
Ementa
AGRAVO DE INSTRUMENTO – RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. AUSÊNCIA. PLANO DE SAÚDE. NATUREZA TAXATIVA, EM REGRA, DO ROL DA ANS. TRATAMENTO MULTIDISCIPLINAR PRESCRITO PARA BENEFICIÁRIO PORTADOR DE TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA. MUSICOTERAPIA. COBERTURA OBRIGATÓRIA. REEMBOLSO INTEGRAL. EXCEPCIONALIDADE.
1. Ação de obrigação de fazer, ajuizada em 23/10/2020, da qual foi extraído o presente recurso especial, interposto em 06/04/2022 e concluso ao gabinete em 15/12/2022.
2. O propósito recursal é decidir sobre: (i) a negativa de prestação jurisdicional; (ii) a obrigação de a operadora do plano de saúde cobrir as terapias multidisciplinares prescritas para usuário com transtorno do espectro autista, incluindo a musicoterapia; e (iii) a obrigação de reembolso integral das despesas assumidas pelo beneficiário com o custeio do tratamento realizado fora da rede credenciad...
(TJSC; Processo nº 5081833-38.2025.8.24.0000; Recurso: Agravo de Instrumento; Relator: José Agenor de Aragão, Data de Julgamento: 22/04/2021, Quarta Câmara de Direito Civil); Órgão julgador: Turma, j. 02/06/2016).; Data do Julgamento: 3 de junho de 1998)
Texto completo da decisão
Documento:7073312 ESTADO DE SANTA CATARINA TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Agravo de Instrumento Nº 5081833-38.2025.8.24.0000/SC
DESPACHO/DECISÃO
Trata-se de agravo de instrumento interposto por J. F. em face da decisão que indeferiu tutela provisória de urgência na "ação de obrigação de fazer" proposta contra UNIMED GRANDE FLORIANÓPOLIS - COOPERATIVA DE TRABALHO MÉDICO.
Nas razões do recurso (evento 1, INIC1), a parte autora/agravante sustenta, em síntese, que: a) as terapias multidisciplinares prescritas pelo médico assistente para o tratamento de transtorno do espectro autista (TEA) são de cobertura obrigatória no âmbito da saúde suplementar e devem ser realizadas por profissionais qualificados, caso contrário, a operadora de plano de saúde deve fornecê-las mediante reembolso; b) as clínicas credenciadas sugeridas pela operadora de plano de saúde ré/agravante não atendem aos requisitos para realização do tratamento, que, à vista disso, deve ser realizado mediante reembolso.
Daí extrai os seguintes pedidos:
107. Ante o exposto, e não se conformando com a decisão prolatada pelo Juízo da 5ª Vara da Cível Comarca da Capital/SC interpõe-se o presente Agravo de Instrumento, com fundamento no artigo 1.015 e seguintes do Código Processual Civil, requerendo o provimento do recurso, em razão da relevância dos argumentos ora expendidos e para evitar danos iminentes à Agravante.
108. Requer a concessão da tutela antecipada para determinar a reforma da decisão interlocutória do juízo a quo, a fim de reconhecer tutela antecipada recursal para assegurar o fornecimento urgente das terapias pleiteadas, mediante reembolso na clínica comprovadamente apta aos atendimentos:
i. Terapia Ocupacional pela Integração Sensorial de Ayres, com profissional especializado em Autismo e Seletividade Alimentar, na frequência de 2 (duas) horas semanais, em atendimento individualizado pelo profissional capacitado, por tempo indeterminado;
ii. Fonoaudiologia com profissional pós-graduado em Intervenção ABA na deficiência intelectual, especialista em Motricidade Orofacial e Comunicação Aumentativa e Alternativa - CAA, na frequência de 2 (duas) horas semanais, em atendimento individualizado pelo profissional capacitado, por tempo indeterminado; e
iii. Psicologia, pela Análise do Comportamento Aplicada – ABA, na frequência de 10 (dez) horas semanais, em atendimento individualizado pelo profissional capacitado, por tempo indeterminado.
109. A intimação da Agravada nos termos do art. 1.019, II, do CPC;
110. A intimação do Representante do Ministério Público, na forma legal, para que responda, querendo, no prazo legal e proceda a juntada de peças que entender convenientes;
111. Ao final, processado regularmente o Agravo, requer a este Egrégio Tribunal, seja o presente recurso CONHECIDO e PROVIDO para reformar a decisão objurgada nos pontos aqui elencados, possibilitando assim a correta entrega da prestação jurisdicional, garantindo com isso a distribuição da Justiça.
A tutela provisória recursal foi deferida (evento 3, DESPADEC1).
Intimada, a parte ré/agravada não apresentou contrarrazões (evento 07).
O Ministério Público se manifestou pelo provimento (evento 16, PROMOÇÃO1).
É o relatório.
Decido.
1. Admissibilidade
Presentes os pressupostos legais, admite-se o recurso.
2. Mérito
Passa-se ao julgamento monocrático, com fundamento no art. 932 do CPC e no art. 132 do Regimento Interno do TJSC, que permitem ao Relator dar ou negar provimento ao recurso, sem necessidade de submissão ao órgão colegiado, destacando-se que a medida visa imprimir celeridade à entrega da prestação jurisdicional, em prestígio ao postulado da razoável duração do processo (arts. 5º, LXXVIII, da CF, 8.1 da CADH e 4º do CPC). Afinal, "se o relator conhece orientação de seu órgão colegiado, desnecessário submeter-lhe, sempre e reiteradamente, a mesma controvérsia" (STJ, AgInt no REsp 1.574.054/PR, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, j. 02/06/2016).
Cumpre observar que, além de agilizar a solução do conflito, o julgamento monocrático não acarreta prejuízos às partes, às quais é facultada a interposição posterior de agravo interno, nos termos do art. 1.021 do CPC, para controle do ato decisório unipessoal pelo órgão fracionário competente.
Sobre o tema, convém citar o entendimento do STJ, na condição de órgão constitucionalmente competente para dar a última palavra em matéria de interpretação da lei federal/processual (art. 105, III, da CF e AgRg na MC n. 7.328/RJ, Rel. Min. João Otávio de Noronha, Segunda Turma, j. 02/12/2003):
PROCESSO CIVIL. AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE RESOLUÇÃO DE CONTRATO DE COMPRA E VENDA. FASE DE LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA. ALUGUEL MENSAL. CONSIDERAÇÃO DE BENFEITORIAS. VERBA DE SUCUMBÊNCIA. OMISSÃO E NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. CONFIGURAÇÃO. NECESSIDADE DE RETORNO DOS AUTOS À ORIGEM PARA SUPRIMENTO DOS VÍCIOS APONTADOS. DECISÃO MANTIDA. AGRAVO NÃO PROVIDO. 1. Não há que se falar em usurpação de competência dos órgãos colegiados diante do julgamento monocrático do recurso, tampouco em risco ao princípio da colegialidade, tendo em vista que pode a parte interpor agravo interno, como de fato interpôs, contra a decisão agravada, devolvendo a discussão ao órgão competente, como de fato ocorreu, ratificando ou reformando a decisão. [...] (AgInt nos EDcl no AREsp n. 1.809.600/SP, relator Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, julgado em 13/5/2024, DJe de 15/5/2024).
"Consoante a jurisprudência deste STJ, a legislação processual (art. 557 do CPC/73, equivalente ao art. 932 do CPC/15, combinados com a Súmula 568 do STJ) permite ao relator julgar monocraticamente recurso inadmissível ou, ainda, aplicar a jurisprudência consolidada deste Tribunal. Ademais, a possibilidade de interposição de recurso ao órgão colegiado afasta qualquer alegação de ofensa ao princípio da colegialidade. Precedentes (AgInt no REsp n. 1.255.169/RJ, relator Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, j. 20/6/2022).
"A jurisprudência deste STJ, a legislação processual (932 do CPC/15, c/c a Súmula 568 do STJ) permite ao relator julgar monocraticamente recurso inadmissível ou, ainda, aplica a jurisprudência consolidada deste Tribunal. Ademais, a possibilidade de interposição de recurso ao órgão colegiado afasta qualquer alegação de ofensa ao princípio da colegialidade" (AgInt no AREsp 1.389.200/SP, Rel. Ministro MARCO BUZZI, Quarta Turma, julgado em 26/03/2019, DJe de 29/03/2019). [...] 5. Agravo interno improvido (AgInt no AREsp n. 2.025.993/PE, relator Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, j. 20/6/2022).
Assim, ausente perspectiva de que a solução a ser dada seria outra em caso de julgamento colegiado, torna-se cabível o exame monocrático.
Dito isso, antecipa-se que o caso é de provimento.
A parte autora/agravante pretende, em síntese, por meio do recurso, a reforma da decisão impugnada para que a tutela provisória de urgência pleiteada na petição inicial passe a ser deferida.
Para tanto, alega, resumidamente, que: a) as terapias multidisciplinares prescritas pelo médico assistente para o tratamento de transtorno do espectro autista (TEA) são de cobertura obrigatória no âmbito da saúde suplementar e devem ser realizadas por profissionais qualificados, caso contrário, a operadora de plano de saúde deve fornecê-las mediante reembolso; b) as clínicas credenciadas sugeridas pela operadora de plano de saúde ré/agravante não atendem aos requisitos para realização do tratamento, que, à vista disso, deve ser realizado mediante reembolso.
A pretensão, adianta-se, merece acolhimento.
Para justificar a conclusão, encampa-se, desde logo, a ratio decidendi da decisão sobre a tutela provisória recursal, que passa a fazer parte integrante da presente decisão, por refletir fielmente a situação dos autos e por equalizar adequadamente o conflito (evento 3, DESPADEC1):
Em agravo de instrumento, a antecipação da tutela recursal (arts. 932, II, e 1.019, I, do CPC) pressupõe a demonstração da probabilidade de provimento do recurso e, cumulativamente, do risco de dano grave, de difícil ou impossível reparação (arts. 300 e 995, parágrafo único, do CPC).
No caso, tais pressupostos estão evidenciados.
O juízo a quo indeferiu a tutela provisória de urgência pleiteada pela parte autora/agravante nos seguintes termos (evento 12, DESPADEC1):
J. F., representada pela genitora e sua curadora, A. G., almeja, a título de tutela de urgência, imposição à UNIMED GRANDE FLORIANÓPOLIS - COOPERATIVA DE TRABALHO MÉDICO da continuidade de cobertura do tratamento a si prescrito para TEA na clínica onde já existente "vínculo terapêutico" há anos, ao argumento de que a clínica credenciada indicada não está apta e os reembolsos foram negados.
À concessão do provimento jurisdicional initio litis, afigura-se imprescindível a conjugação dos pressupostos insertos no art. 300 do Código de Processo Civil.
Os autos estão acompanhados de evidência da contratação do plano "Unimed Uniflex Nacional" (evento 1, anexo 8).
Conforme desponta do documento do anexo 9, há Transtorno do Espectro Autista nível 3 com necessidade, em razão disso, de atendimento:
"1) Terapia Ocupacional pela Integração Sensorial de Ayres, com profissional especializado em Autismo e Seletividade Alimentar, na frequência de 2 (duas) horas semanais, em atendimento individualizado pelo profissional capacitado, por tempo indeterminado
2) Fonoaudiologia com profissional pós-graduado em Intervenção ABA na deficiência intelectual, especialista em Motricidade Orofacial e Comunicação Aumentativa e Alternativa - CAA, na frequência de 2 (duas) horas semanais, em atendimento individualizado pelo profissional capacitado, por tempo indeterminado
3) Psicologia, pela Análise do Comportamento Aplicada – ABA, na frequência de 10 horas semanais, em atendimento individualizado pelo profissional capacitado, por tempo indeterminado".
Segundo a causa de pedir, após informação de que os reembolsos seriam suspensos, a demandada apresentou uma única clínica credenciada, mas que não atendem adultos, apenas crianças, além de os profissionais não estarem aptos às necessidades da autora.
Com efeito, nos termos do 12 da Lei 9.656/98, o reembolso do plano de saúde tem lugar, em casos de urgência ou emergência, quando não for possível a utilização dos serviços próprios, contratados, credenciados ou referenciados pelas operadoras.
Na regulamentação desse dispositivo legal, a Agência Nacional de Saúde Suplementa (ANS), através da Resolução nº 566/2022, estabeleceu ainda:
Art. 2º A operadora deverá garantir o acesso do beneficiário aos serviços e procedimentos definidos no Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da ANS para atendimento integral das coberturas previstas nos arts. 10, 10-A, 10-B, 10-C e 12 da Lei n˚ 9.656, de 3 de junho de 1998, no município onde o beneficiário os demandar, desde que seja integrante da área geográfica de abrangência e da área de atuação do produto.
Art. 3º A operadora deverá garantir o atendimento integral das coberturas referidas no art. 2º nos seguintes prazos: [...] § 2º Para fins de cumprimento dos prazos estabelecidos neste artigo, será considerado o acesso a qualquer prestador da rede assistencial, habilitado para o atendimento no município onde o beneficiário o demandar e, não necessariamente, a um prestador específico escolhido pelo beneficiário.
Com esse norte, descabe ao beneficiário do plano de saúde a escolha de profissional não ligado à respectiva operadora, quando ofertados serviços por profissionais a ela vinculados, na área de abrangência.
No caso, certificados foram apresentados pela clínica e demonstram aptidão dos profissionais (evento 1, anexos 12 e 13), enquanto a UNIMED asseverou a possibilidade de atendimento a adultos (evento 1, anexo 10).
A gravação do anexo 11 é insuficiente à consideração de circunstância diversa, até porque desconhecidas as pessoas registradas. Nenhuma negativa formal ao atendimento, aliás, veio aos autos.
Logo, falta configuração da plausibilidade do direito, ao menos por ora.
Em caso semelhante, assim já decidiu o egrégio :
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C TUTELA DE URGÊNCIA. DECISÃO INTERLOCUTÓRIA QUE INDEFERIU A LIMINAR REQUERIDA COM A FINALIDADE DE CUSTEAR TRATAMENTO PARA AUTISMO POR PROFISSIONAIS NÃO CREDENCIADOS. RECURSO DO AUTOR. AVENTADO O PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS AUTORIZADORES DA ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA. INSUBSISTÊNCIA. PROBABILIDADE DO DIREITO NÃO EVIDENCIADA. EXISTÊNCIA DE PROFISSIONAIS APTOS NA REDE CREDENCIADA. LIVRE ESCOLHA DO AGRAVANTE VEDADA. NECESSIDADE DE SE ATENTAR AO EQUILÍBIO ATUARIAL DO PLANO DE SAÚDE. PRECEDENTES DESTA CORTE. DECISÃO MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJSC, Agravo de Instrumento n. 5045755-84.2021.8.24.0000, do , rel. André Carvalho, Sexta Câmara de Direito Civil, j. 13-09-2022 - texto grifado agora).
Valho-me, ainda, deste precedente:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C PEDIDO DE RESSARCIMENTO E TUTELA DE URGÊNCIA. PLANO DE SAÚDE. REQUERENTE COM DIAGNÓSTICO DE TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA E APRAXIA DA FALA. DECISÃO INTERLOCUTÓRIA QUE DETERMINOU QUE A OPERADORA DE SAÚDE CUSTEIE TODO O TRATAMENTO NA COMARCA ONDE RESIDE O PACIENTE. INSURGÊNCIA DA REQUERIDA. PRETENDIDO QUE O TRATAMENTO PELO PACIENTE SEJA REALIZADO EM CLÍNICA CREDENCIADA EM MUNICÍPIO LIMÍTROFE, ONDE DISPONIBILIZA LOCAL COM PROFISSIONAIS CONVENIADOS E CAPACITADOS NA ÁREA DE ATUAÇÃO QUE NECESSITA O PACIENTE, DISCORDANDO QUE O CUSTEIO DO TRATAMENTO TENHA QUE SER FEITO NA CIDADE ONDE RESIDE O REQUERENTE, MAS QUE A OPERADORA NÃO POSSUI PROFISSIONAIS CREDENCIADOS. ACOLHIMENTO. OPERADORA QUE DEMONSTRA A EXISTÊNCIA DE REDE CREDENCIADA E PROFISSIONAIS CAPACITADOS PARA REALIZAR O PROCEDIMENTO DENTRO DA ÁREA ABRANGIDA PELO PLANO, EM MUNICÍPIO LIMÍTROFE. SITUAÇÃO QUE AFASTA A OBRIGATORIEDADE DE ATENDIMENTO EM CLÍNICA E ATENDIMENTO PELA VIA PARTICULAR. RESPONSABILIDADE DE REEMBOLSO AFASTADA. EXEGESE DO ART. 4º, RESOLUÇÃO NORMATIVA 259/11 DA ANS. DECISÃO REFORMADA Os "atendimentos fora da rede credenciada, e o respectivo reembolso, só são obrigatórios em situações de urgência ou emergência (art. 12, VI, da Lei n. 9.656/98) que não permitam o acesso a estabelecimento credenciado em tempo hábil, ou, ainda, no caso de inexistência ou indisponibilidade de serviço credenciado no município de residência do beneficiário, desde que observados os procedimentos da Resolução Normativa n. 259/ANS" (TJSC, Agravo de Instrumento n. 4006979-08.2016.8.24.0000, de Rio do Sul, rel. Marcus Tulio Sartorato, Terceira Câmara de Direito Civil, j. 20-06-2017). RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. (TJ-SC - AI: 50403751720208240000 5040375-17.2020.8.24.0000, Relator: José Agenor de Aragão, Data de Julgamento: 22/04/2021, Quarta Câmara de Direito Civil)
ANTE O EXPOSTO, indefiro a tutela de urgência.
Concedo, porém, a tramitação prioritária, com base no art. 9º, inciso VII, da Lei n. 13.146/15.
Inexiste causa legal ao segredo de justiça (CPC, art. 189). Promova, o Cartório, a retirada da tarja.
A reclamada inversão do ônus da prova será apreciada depois da contestação ou réplica, caso necessário tal desdobramento.
Como a autora é incapaz, dê-se vista dos autos ao Ministério Público ao cabo da fase postulatória.
Cite-se, com prazo de quinze dias à resposta.
Intimem-se.
Ocorre que a decisão do juízo a quo está em aparente desconformidade com os precedentes acerca do tema.
Recentemente, sob o rito dos recursos especiais repetitivos (Tema Repetitivo n. 1.295), sem determinar a suspensão dos processos em trâmite nas instâncias ordinárias, o Superior Tribunal de Justiça afetou os REsps n. 2167050/SP e n. 2153672/SP para firmar tese a respeito da seguinte questão: possibilidade ou não de o plano de saúde limitar ou recusar a cobertura de terapia multidisciplinar prescrita ao paciente com transtorno global do desenvolvimento.
Em outros termos, significa dizer, que, até que a Corte solucione a controvérsia, prevalece o entendimento dominante do próprio Superior Tribunal de Justiça no sentido de que "se revela abusiva a recusa ou limitação de cobertura de tratamento multidisciplinar prescrito para paciente com transtorno global do desenvolvimento" (STJ, ProAfR no REsp n. 2.167.050/SP, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, Segunda Seção, j. 19/11/2024).
Nesse sentido:
AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. PLANO DE SAÚDE. HIDROTERAPIA E MUSICOTERAPIA. COBERTURA. NEGATIVA. ANS. ROL. MITIGAÇÃO. HIPÓTESES. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. MAJORAÇÃO. NÃO CABIMENTO.
1. Tratam os autos acerca da natureza do Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde, elaborado periodicamente pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), se exemplificativo ou taxativo.
2. A Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça uniformizou o entendimento de ser o Rol da ANS, em regra, taxativo, podendo ser mitigado quando atendidos determinados critérios. Precedente.
3. A ANS tornou obrigatória a cobertura, pela operadora de plano de saúde, de qualquer método ou técnica indicada pelo profissional de saúde responsável para o tratamento de Transtornos Globais do Desenvolvimento, entre os quais o Transtorno do Espectro Autista, Síndrome de Asperger e a Síndrome de Rett (RN-ANS nº 539/2022).
4. Autarquia Reguladora aprovou o fim do limite de consultas e sessões com psicólogos, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais e fisioterapeutas e revogou as Diretrizes de Utilização (DU) para tais tratamentos (RN-ANS nº 541/2022).
5. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento de ser incabível a majoração dos honorários recursais no julgamento do agravo interno e dos embargos de declaração oferecidos pela parte que teve seu recurso integralmente não conhecido ou não provido.
6. Agravo interno não provido. (STJ, AgInt no REsp n. 2.130.831/SP, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 16/12/2024, DJEN de 20/12/2024).
Além disso, conforme a normativa vigente, "Para a cobertura dos procedimentos que envolvam o tratamento/manejo dos beneficiários portadores de transtornos globais do desenvolvimento, incluindo o transtorno do espectro autista, a operadora deverá oferecer atendimento por prestador apto a executar o método ou técnica indicados pelo médico assistente para tratar a doença ou agravo do paciente" (art. 6º, § 4º, da RN n. 465/2021).
Sabe-se, ainda, que "O reembolso das despesas médico-hospitalaes efetuadas pelo beneficiário com tratamento/atendimento de saúde fora da rede credenciada pode ser admitido somente em hipóteses excepcionais, tais como a inexistência ou insuficiência de estabelecimento ou profissional credenciado no local e urgência ou emergência do procedimento" (STJ, EAREsp n. 1.459.849/ES, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Segunda Seção, julgado em 14/10/2020, DJe de 17/12/2020).
Na hipótese, a parte autora/agravante, que possui 25 (vinte e cinco) anos e que é beneficiária de plano de saúde coletivo por adesão ofertado pela parte ré/agravada (evento 1, CONTR7 e evento 1, APRES DOC8), foi diagnosticada com transtorno do espectro autista (TEA) nível 3 (três) (evento 1, LAUDO9).
Diante desse cenário, o médico assistente prescreveu as seguintes terapias multidisciplinares (evento 1, LAUDO9):
Atesto para os devidos fins que eu, Rogério Rodrigues Rita, médico com CRM-SC 4538, estou acompanhando e tratando a paciente J. F. que é portadora de TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA (CID-11 6A02.5 NÍVEL 3). Para melhorar seu neuro-desenvolvimento, o paciente precisa de terapias de estimulação para recuperar suas dificuldades de linguagem, atraso cognitivo e de aprendizado, distúrbios de integração sensorial e estereotipias. Deve ter acompanhamento multidisciplinar, com as seguintes terapias ou tratamentos:
1) Terapia Ocupacional pela Integração Sensorial de Ayres, com profissional especializado em Autismo e Seletividade Alimentar, na frequência de 2 (duas) horas semanais, em atendimento individualizado pelo profissional capacitado, por tempo indeterminado.
2) Fonoaudiologia com profissional pós-graduado em Intervenção ABA na deficiência intelectual, especialista em Motricidade Orofacial e Comunicação Aumentativa e Alternativa - CAA, na frequência de 2 (duas) horas semanais, em atendimento individualizado pelo profissional capacitado, por tempo indeterminado.
3) Psicologia, pela Análise do Comportamento Aplicada – ABA, na frequência de 10 horas semanais, em atendimento individualizado pelo profissional capacitado, por tempo indeterminado.
Estas terapias são indispensáveis para reabilitação da J. F., e devem ser realizadas por profissionais especializados e capacitados a trabalhar com crianças com TEA.
Consta dos autos que as referidas terapias multidisciplinares eram realizadas mediante reembolso fora da rede credenciada até que, em determinado momento, a parte autora/agravante foi informada que o tratamento deixaria de ser mediante reembolso fora da rede credenciada e passaria a ser realizado na própria rede credenciada da operadora de plano de saúde ré/agravada, sob a alegação de que, agora, há profissionais qualificados e com agenda disponível para tanto.
Verifica-se, todavia, que: a) a primeira clínica credenciada sugerida, ao que tudo indica, não demonstrou ter experiência na realização de terapias multidisciplinares com adultos e não demonstrou ter profissionais aptos a realizar as respectivas terapias multidisciplinares nos métodos prescritos (evento 1, APRES DOC10 e evento 1, VIDEO11); b) a segunda clínica credenciada sugerida, ao que tudo indica, não demonstrou possuir profissionais aptos a realizar "Terapia Ocupacional pela Integração Sensorial de Ayres, com profissional especializado em Autismo e Seletividade Alimentar" nem "Fonoaudiologia com profissional pós-graduado em Intervenção ABA na deficiência intelectual, especialista em Motricidade Orofacial e Comunicação Aumentativa e Alternativa - CAA", e, embora possua profissionais aptos a realizar "Psicologia, pela Análise do Comportamento Aplicada – ABA", tais profissionais não têm disponibilidade de realizar 10h (dez horas) de terapia por semana (evento 1, APRES DOC12 e evento 1, APRES DOC13).
Assim, ao menos por ora, em juízo de aparência, tem-se que não há elementos que demonstrem a existência e a disponibilidade de "prestador apto a executar o método ou técnica indicados pelo médico assistente para tratar a doença ou agravo do paciente" (art. 6º, § 4º, da RN n. 465/2021), estando presente a probabilidade de provimento do recurso.
Nesse sentido:
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. PLANO DE SAÚDE. ALEGAÇÃO DE OCORRÊNCIA DE ERRO DE PREMISSA FÁTICA. OCORRÊNCIA. INFORMAÇÃO EQUIVOCADA PRESTADA PELA PARTE AGRAVANTE. CERTIFICADOS CARREADOS AOS AUTOS QUE NÃO DEMONSTRAM PROFISSIONAIS COM A ESPECIALIDADE REQUERIDA PELO MÉDICO ASSISTENTE. ATRIBUIÇÃO DE EFEITOS INFRINGENTES. REFORMA DO ACÓRDÃO OBJURGADO PARA NEGAR PROVIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO. ACLARATÓRIOS CONHECIDOS E ACOLHIDOS. (TJAL, Número do Processo: 0805942-85.2019.8.02.0000; Relator (a): Des. Celyrio Adamastor Tenório Accioly; Comarca: Foro de Maceió; Órgão julgador: 3ª Câmara Cível; Data do julgamento: 26/10/2020; Data de registro: 02/11/2020).
Ademais, há manifesto risco de dano grave, irreparável ou de difícil reparação, na medida em que a ausência de implementação correta do tratamento pode acarretar prejuízos ao neurodesenvolvimento da parte autora/agravante.
Ante o exposto, concedo a antecipação da tutela recursal, a fim de obrigar a parte ré, enquanto perdurar a indisponibilidade ou inexistência de prestador apto na rede credenciada, a autorizar a realização das terapias multidisciplinares prescritas à parte autora, fora da rede credenciada, mediante reembolso integral, no prazo de 5 (cinco) dias, sob pena de multa diária de R$ 200,00 (duzentos reais), limitada a R$ 10.000,00 (dez mil reais).
Além disso, para reforçar a conclusão, encampa-se, desde logo, o parecer da Procuradoria-Geral de Justiça, que também passa a fazer parte integrante da presente decisão, por refletir fielmente a situação dos autos e por equalizar adequadamente o conflito (evento 16, PROMOÇÃO1):
A agravante, de vinte e cinco anos, acometida do “Transtorno do Espectro Autista nível 3” (CID 11: 6A02), e, conforme laudo1 emitido pelo profissional de saúde que a acompanha, necessita de estímulos multidisciplinares pelo método de Análise do Comportamento Aplicada (ABA), consistentes em Fonoaudiologia, na frequência de duas horas semanais; Psicologia, em 10 horas semanais; e Terapia Ocupacional pelo método de Integração Sensorial (Ayres), duas horas por semana.
O laudo e os demais juntados aos autos de origem são capazes de demonstrar a necessidade do fornecimento dos tratamentos pleiteados pela agravante, acometida do distúrbio do neurodesenvolvimento que gera diversos reflexos prejudiciais ao desenvolvimento e às atividades de qualquer natureza, sendo os métodos de tratamento multidisciplinares indicados pela profissional de saúde a forma de auxiliar na melhora do quadro apresentado.
Inconteste, de igual forma, a obrigatoriedade da operadora do seguro-saúde de custear o atendimento conforme o método ou a técnica indicada pelos médicos e outros profissionais de saúde que assistem ao portador do Transtorno do Espectro do Autista (TEA), com amparo na Resolução Normativa n. 539 da ANS, aprovada em 23 de junho de 2022, e em vigor desde 1º de julho de 2022, que regulamenta o atendimento aos portadores de transtornos globais, no qual se inclui o autismo2.
Determinada a obrigação de fornecimento do tratamento multidisciplinar pleiteado, cabe à operadora ofertá-lo, mediante sua rede referenciada.
Na eventualidade de o plano de saúde não possuir especialista referenciado para realizar as consultas nos termos em que prescritas, pode ser autorizado o reembolso, a fim de garantir o tratamento ao paciente.
Nesse ponto repousa a insurgência da agravante, que sustenta ser indevida a interrupção do reembolso dos atendimentos realizados em clínica particular, pois na rede credenciada da agravada não há profissionais qualificados para tratarem de pessoa autista adulta.
A Resolução Normativa ANS n. 566/2022, que dispõe sobre a garantia de atendimento dos beneficiários de plano privado de assistência à saúde, sujeita o reembolso à indisponibilidade ou inexistência de prestador na rede assistencial do plano de saúde na municipalidade de residência do beneficiário ou município limítrofe, tal qual preceituam seus arts. 4º e 5º.
O Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial n. 2.043.0003/SP, embora tenha decidido pela cobertura ampla pelo plano de saúde do tratamento multidisciplinar dispensado aos portadores do TEA, firmou entendimento no sentido da excepcionalidade do reembolso das despesas médico-hospitalares decorrentes de atendimentos realizados fora da rede credenciada, cabível quando inexistente ou insuficiente o tratamento fornecido pelos prestadores credenciados.
Em todo caso, foi reconhecida nessa hipótese de reembolso a sua limitação aos preços e às tabelas efetivamente contratados com o plano de saúde, enquanto que o reembolso integral foi resguardado somente às situações de inobservância de prestação assumida no contrato, descumprimento de ordem judicial que determina a cobertura do tratamento, ou violação de atos normativos da ANS.
Eis o teor da ementa:
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. AUSÊNCIA. PLANO DE SAÚDE. NATUREZA TAXATIVA, EM REGRA, DO ROL DA ANS. TRATAMENTO MULTIDISCIPLINAR PRESCRITO PARA BENEFICIÁRIO PORTADOR DE TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA. MUSICOTERAPIA. COBERTURA OBRIGATÓRIA. REEMBOLSO INTEGRAL. EXCEPCIONALIDADE.
1. Ação de obrigação de fazer, ajuizada em 23/10/2020, da qual foi extraído o presente recurso especial, interposto em 06/04/2022 e concluso ao gabinete em 15/12/2022.
2. O propósito recursal é decidir sobre: (i) a negativa de prestação jurisdicional; (ii) a obrigação de a operadora do plano de saúde cobrir as terapias multidisciplinares prescritas para usuário com transtorno do espectro autista, incluindo a musicoterapia; e (iii) a obrigação de reembolso integral das despesas assumidas pelo beneficiário com o custeio do tratamento realizado fora da rede credenciada.
3. Devidamente analisadas e discutidas as questões de mérito, e suficientemente fundamentado o acórdão recorrido, de modo a esgotar a prestação jurisdicional, não há falar em violação do art. 1.022, II, do CPC/15.
4. Embora fixando a tese quanto à taxatividade, em regra, do rol de procedimentos e eventos em saúde da ANS, a Segunda Seção negou provimento ao EREsp 1.889.704/SP da operadora do plano de saúde, para manter acórdão da Terceira Turma que concluiu ser abusiva a recusa de cobertura de sessões de terapias especializadas prescritas para o tratamento de transtorno do espectro autista (TEA).
5. Ao julgamento realizado pela Segunda Seção, sobrevieram diversas manifestações da ANS, no sentido de reafirmar a importância das terapias multidisciplinares para os portadores de transtornos globais do desenvolvimento, dentre os quais se inclui o transtorno do espectro autista, e de favorecer, por conseguinte, o seu tratamento integral e ilimitado.
6. A musicoterapia foi incluída à Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC) no Sistema Único de Saúde, que visa à prevenção de agravos e à promoção e recuperação da saúde, com ênfase na atenção básica, voltada para o cuidado continuado, humanizado e integral em saúde (Portaria nº 849, de 27 de março de 2017, do Ministério da Saúde), sendo de cobertura obrigatória no tratamento multidisciplinar, prescrito pelo médico assistente e realizado por profissional de saúde especializado para tanto, do beneficiário portador de transtorno do espectro autista.
7. Segundo a jurisprudência, o reembolso das despesas médico-hospitalares efetuadas pelo beneficiário com tratamento/atendimento de saúde fora da rede credenciada pode ser admitido somente em hipóteses excepcionais, tais como a inexistência ou insuficiência de estabelecimento ou profissional credenciado no local e urgência ou emergência do procedimento, e, nessas circunstâncias, poderá ser limitado aos preços e às tabelas efetivamente contratados com o plano de saúde.
8. Distinguem-se, da hipótese tratada na orientação jurisprudencial sobre o reembolso nos limites do contrato, as situações em que se caracteriza a inexecução do contrato pela operadora, causadora de danos materiais ao beneficiário, a ensejar o direito ao reembolso integral das despesas realizadas por este, a saber: inobservância de prestação assumida no contrato, descumprimento de ordem judicial que determina a cobertura do tratamento ou violação de atos normativos da ANS.
9. Hipótese em que deve ser mantido o tratamento multidisciplinar prescrito pelo médico assistente para o tratamento de beneficiário portador de transtorno do espectro autista, inclusive as sessões de musicoterapia, sendo devido o reembolso integral apenas se demonstrado o descumprimento da ordem judicial que deferiu a antecipação dos efeitos da tutela, observados os limites estabelecidos na sentença e no acórdão recorrido com relação à cobertura da musicoterapia e da psicopedagogia.
10. Recurso especial conhecido e desprovido3.
Na espécie, a agravante realizava os tratamentos de forma particular, com reembolso pela agravada, uma vez que a própria operadora do plano assim autorizou. Ocorre que essa modalidade de reembolso foi suspensa pela recorrida em maio de 2025, inviabilizando a continuidade do tratamento pela incapaz, uma vez não há na rede credenciada profissionais aptos ao tratamento de pessoa autista adulta.
Assim, na esteira do entendimento do Superior Tribunal de Justiça, o custeio de tratamento fora da rede credenciada pelo plano de saúde é admissível quando não houver disponibilidade de atendimento adequado na rede própria, o que ocorre no caso, tendo em vista que as clínicas credenciadas não atendem plenamente às exigências terapêuticas prescritas para a condição da agravante.
Isso porque, a primeira clínica sugerida não demonstrou experiência nem profissionais qualificados para terapias multidisciplinares com adultos, e a segunda carece de profissionais especializados nos métodos específicos de Terapia Ocupacional e Fonoaudiologia exigidos, possuindo apenas equipe habilitada em Psicologia ABA, mas sem disponibilidade para oferecer as dez horas semanais de atendimento necessárias4.
Desse modo, nessa fase de cognição sumária, deve ser reformada a decisão recorrida, para que seja reconhecida à operadora de saúde a obrigação de custear integralmente os tratamentos realizados de forma particular pela agravante, diante da ausência de demonstração de profissionais qualificados na rede credenciada da agravada, uma vez que as terapias prescritas são necessárias para o desenvolvimento da recorrente, sob pena de retrocesso irreparável em seu quadro clínico.
Nesse sentido, com as adaptações à espécie:
APELAÇÕES CÍVEIS – AÇÃO COMINATÓRIA – SAÚDE SUPLEMENTAR – TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA – ATENDIMENTO MULTIDISCIPLINAR – MÉTODOS ABA E DENVER – CUSTEIO DE PROFISSIONAL FORA DA REDE CREDENCIADA – IMPOSSIBILIDADE – AUSÊNCIA DE ATENDIMENTO PELA REDE CREDENCIADA – REEMBOLSO INTEGRAL – DANOS MORAIS PELA RECUSA A FORNECER O TRATAMENTO – VALOR DA INDENIZAÇÃO.
1. É direito da pessoa com transtorno do espectro autista o acesso a ações e serviços de saúde, com vistas à atenção integral de suas necessidades de saúde, incluindo-se o atendimento multiprofissional - art. 3º, III, b, Lei n. 12.764/2012. 2. A partir da Resolução Normativa ANS n. 539, de 23 de junho de 2022, é obrigatória a cobertura para qualquer método ou técnica indicado pelo médico assistente para o tratamento de paciente portador de transtorno do espectro autista. 3. A obrigação de custeio de profissional fora da rede credenciada pelo plano de saúde limita-se à hipótese de inexistência de estabelecimento ou profissional apto ao fornecimento do tratamento na rede credenciada. 4. Na ausência de prestadores na rede credenciada, o reembolso deve ser realizado de forma integral - art. 4º e 9ª da Resolução Normativa da ANS n. 259/2011. [...]5.
Desse modo, demonstrada a probabilidade do direito da agravante, pois, como observou o Relator, “ao menos por ora, em juízo de aparência, tem-se que não há elementos que demonstrem a existência e a disponibilidade de ‘prestador apto a executar o método ou técnica indicados pelo médico assistente para tratar a doença ou agravo do paciente’ (art. 6º, § 4º, da RN n. 465/2021)”.
Por fim, não pode haver limitação ao número de sessões fornecidas ao paciente, devendo ser observados os exatos termos da prescrição médica, na medida em que se reveste de “abusividade da recusa de cobertura e da limitação do número de sessões de terapia multidisciplinar para os beneficiários com diagnóstico de Transtorno do Espectro Autista (EREsp n. 1.889.704/SP, relator o Ministro Luis Felipe Salomão, Segunda Seção, julgado em 8/6/2022, DJe de 3/8/2022)” (STJ, AgInt no AREsp n. 2.489.290/SP, Rel. Min. Humberto Martins, j. 23/9/2024).
Em razão do exposto, é o parecer no sentido do provimento do recurso para que seja reconhecida à operadora do plano de saúde a obrigação de custear o tratamento multidisciplinar da agravante fora da rede credenciada, em clínica com profissionais qualificados ao atendimento de adulto acometido do TEA, mediante reembolso integral e sem limitação de número de sessões, de acordo com a prescrição médica apresentada pela recorrente na inicial dos autos originários.
Cumpre observar que "a utilização da fundamentação per relationem, seja para fim de reafirmar a fundamentação de decisões anteriores, seja para incorporar à nova decisão os termos de manifestação ministerial anterior, não implica vício de fundamentação" (STJ, AgRg no AREsp 1.790.666/SP, Rel. Min. Felix Fischer, Quinta Turma, j. 20/04/2021), conforme reconhecido pela Corte Especial do STJ, em tese de observância obrigatória (art. 927, III, do CPC) firmada no julgamento do Tema Repetitivo 1.306.
Essa, aliás, é a orientação do Supremo Tribunal Federal:
RECURSO ORDINÁRIO. ALEGADA NULIDADE DECORRENTE DE IMPROPRIEDADE NO USO DA FUNDAMENTAÇÃO PER RELATIONEM. INEXISTÊNCIA. 1. A jurisprudência deste SUPREMO TRIBUNAL já se consolidou no sentido da validade da motivação per relationem nas decisões judiciais, inclusive quando se tratar de remissão a parecer ministerial constante dos autos (cf. HC 150.872-AgR, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, DJe de 10/6/2019; ARE 1.082.664-ED-AgR, Rel. Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, DJe de 6/11/2018; HC 130.860-AgR, Rel. Min. ALEXANDRE DE MORAES, Primeira DJe de 27/10/2017; HC 99.827-MC, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, DJe de 25/5/2011). 2. Recurso Ordinário a que se nega provimento (STF, RHC n. 113308, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, Rel. p/ Acórdão ALEXANDRE DE MORAES, Primeira Turma, j. 29/03/2021).
AGRAVO INTERNO EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. OBSERVÂNCIA DO DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS. TEMA N. 339/RG. ADMISSIBILIDADE DA FUNDAMENTAÇÃO PER RELATIONEM. 1. Uma vez observado o dever de fundamentação das decisões judiciais, inexiste contrariedade ao art. 93, IX, da Constituição Federal (Tema n. 339/RG). 2. É constitucionalmente válida a fundamentação per relationem. 3. Agravo interno desprovido (STF, ARE 1346046 AgR, Rel. Min. NUNES MARQUES, Segunda Turma, j. 13/06/2022).
Outrossim, não se verifica a presença de circunstâncias que justifiquem a adoção de posicionamento diverso por este órgão jurisdicional. Afinal, embora intimada, a parte ré/agravada sequer apresentou contrarrazões, dando-se por satisfeita, ainda que implicitamente, com a decisão que concedeu a tutela provisória recursal.
Daí o provimento do recurso.
Cumpre observar, por fim, que, na fase cognitiva do processo, as decisões proferidas pelo Tribunal em agravo de instrumento, quando pautadas em cognição sumária, podem ser revistas posteriormente pelo juízo de primeira instância, por meio de decisão interlocutória, diante de circunstâncias supervenientes (art. 296 do CPC), ou por meio da sentença de mérito, de cognição exauriente (STJ, AgRg no Ag n. 686.714/SP, e TJSC, AC n. 0014276-79.2013.8.24.0020).
3. Advertência
A fim de evitar a prática de atos protelatórios ou infundados, capazes de retardar a entrega da prestação jurisdicional em prazo razoável (arts. 5º, LXXVIII, da CF e 139, II, do CPC), adverte-se, na mesma linha dos Tribunais Superiores (STF, ARE n. 1.497.385, Rel. Min. Cristiano Zanin, j. 19/06/2024, e STJ, AREsp n. 2.689.732, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 19/11/2024), que a interposição de novos recursos contra a presente decisão poderá ensejar a aplicação de multa, de ofício (arts. 77, II, 80, I, IV, VI e VII, 81, 139, I e II, 1.021, § 4º, e 1.026, § 2º, do CPC). Esclarece-se, ainda, que eventual deferimento da gratuidade da justiça não impede a imposição da multa e a exigência do respectivo pagamento (art. 98, § 4º, do CPC).
DISPOSITIVO
Ante o exposto, conheço do recurso e dou-lhe provimento, a fim de confirmar a decisão que versou sobre a tutela provisória recursal.
Intimem-se.
Arquivem-se os autos após o trânsito em julgado.
assinado por MARCELO PONS MEIRELLES, Desembargador Substituto, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://2g.tjsc.jus.br//verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 7073312v6 e do código CRC 2c39ea34.
Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): MARCELO PONS MEIRELLES
Data e Hora: 14/11/2025, às 11:41:36
1. Autos originários. Evento 1. Laudo 9.
2. Resolução Normativa ANS n. 465/2021, Art. 6º Os procedimentos e eventos listados nesta Resolução Normativa e em seus Anexos poderão ser executados por qualquer profissional de saúde habilitado para a sua realização, conforme legislação específica sobre as profissões de saúde e regulamentação de seus respectivos conselhos profissionais, respeitados os critérios de credenciamento, referenciamento, reembolso ou qualquer outro tipo de relação entre a operadora e prestadores de serviços de saúde. […] § 4º Para a cobertura dos procedimentos que envolvam o tratamento/manejo dos beneficiários portadores de transtornos globais do desenvolvimento, incluindo o transtorno do espectro autista, a operadora deverá oferecer atendimento por prestador apto a executar o método ou técnica indicados pelo médico assistente para tratar a doença ou agravo do paciente. (Alterado pela RN n. 539, de 2022).
3. STJ, REsp n. 2.043.003/SP, Relª. Minª. Nancy Andrighi, Terceira Turma, j. 21-03-2023, DJe. 23-03-2023 (grifou-se).
4. Autos originários. Evento 1. Docs. 10, 12 e 13; e vídeo 11.
5. TJMG. Apelação Cível n. 5027950-18.2022.8.13.0024, Rel. Des. Carlos Henrique Perpétuo Braga, j. 22/8/2024, j. 29/8/2024.
5081833-38.2025.8.24.0000 7073312 .V6
Conferência de autenticidade emitida em 16/11/2025 08:56:24.
Identificações de pessoas físicas foram ocultadas