AGRAVO DE INSTRUMENTO – Documento:7074382 ESTADO DE SANTA CATARINA TRIBUNAL DE JUSTIÇA Agravo de Instrumento Nº 5092579-62.2025.8.24.0000/SC DESPACHO/DECISÃO Trato de agravo por instrumento interposto por L. F. R. F., contra decisão proferida pelo Juízo da 3ª Vara da Fazenda Pública da comarca da Capital, que indeferiu o pedido liminar para suspender a instauração de sindicância acusatória decorrente da sindicância investigativa n. 163/2025, no mandado de segurança impetrado em face de ato acoimado de coator praticado pelo Delegado Corregedor-Geral da Polícia Civil do Estado de Santa Catarina (autos n. 5056473-32.2025.8.24.0023).
(TJSC; Processo nº 5092579-62.2025.8.24.0000; Recurso: Agravo de Instrumento; Relator: ; Órgão julgador: ; Data do Julgamento: 31 de outubro de 2025)
Texto completo da decisão
Documento:7074382 ESTADO DE SANTA CATARINA TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Agravo de Instrumento Nº 5092579-62.2025.8.24.0000/SC
DESPACHO/DECISÃO
Trato de agravo por instrumento interposto por L. F. R. F., contra decisão proferida pelo Juízo da 3ª Vara da Fazenda Pública da comarca da Capital, que indeferiu o pedido liminar para suspender a instauração de sindicância acusatória decorrente da sindicância investigativa n. 163/2025, no mandado de segurança impetrado em face de ato acoimado de coator praticado pelo Delegado Corregedor-Geral da Polícia Civil do Estado de Santa Catarina (autos n. 5056473-32.2025.8.24.0023).
Em suas razões recursais, o agravante sustentou o seguinte: a) ausência de justa causa e atipicidade da conduta, por se tratar do exercício do direito de petição assegurado constitucionalmente e pelo art. 160 da Lei n. 6.843/1986; b) violação aos princípios da publicidade e da legalidade, pois a norma interna utilizada como fundamento (Resolução n. 003/GAB/DGPC/SSP/2011) não foi publicada em meios oficiais, tornando impossível seu conhecimento pelo servidor; c) desvio de finalidade, evidenciado pelo uso do poder disciplinar como instrumento de retaliação, comprovado por mensagens ofensivas e intimidação por parte da autoridade máxima da instituição; d) animus persequendi demonstrado por provas documentais, como mensagens de WhatsApp e e-mails que revelam intenção de expor e constranger o agravante; e) violação à confiança legítima e ao princípio do venire contra factum proprium, pois conduta idêntica foi anteriormente tolerada e até elogiada pela Administração; f) inexistência de lesividade e aplicação do princípio da insignificância, dado que o envio de e-mail não causou prejuízo à Administração Pública; g) afronta aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, diante da instauração de procedimento punitivo por fato irrelevante; h) existência de provas robustas e pré-constituídas que demonstram vícios insanáveis no procedimento, como celeridade incomum, pressão sobre servidores e pesca probatória; i) risco de dano grave e irreparável à esfera moral e profissional do agravante, caracterizando o periculum in mora, além da plausibilidade do direito invocado (fumus boni iuris), conforme precedentes do STF, STJ e Tribunais estaduais sobre controle judicial de processos administrativos disciplinares.
No recurso, há pedido de efeito suspensivo ativo, com a finalidade de suspender imediatamente a sindicância acusatória n. 029/2025, proveniente da sindicância investigativa n. 163/2025, até o julgamento final do mandado de segurança, evitando prejuízos à carreira do agravante e constrangimento ilegal.
É o breve relatório.
Decido em regime de substituição de férias do eminente Desembargador Carlos Adilson Silva (Portaria GP n. 2132, de 31 de outubro de 2025)
Afigura-se cabível o presente recurso, porquanto tempestivo e preenchidos os requisitos de admissibilidade previstos nos arts. 1.015 a 1.017 do CPC/15.
Foi efetuado o recolhimento do preparo recursal, e, nos termos do art. 1.015, I, do CPC/15, admite-se a interposição de agravo por instrumento contra decisões interlocutórias que versarem sobre tutelas provisórias.
Passo à análise do pedido de antecipação dos efeitos da tutela recursal, com fulcro no art. 1.019, I, do CPC/15, sendo indispensável a demonstração dos pressupostos estampados, de uma forma geral, no art. 300 do CPC/15:
"Art. 1.019. Recebido o agravo de instrumento no tribunal e distribuído imediatamente, se não for o caso de aplicação do art. 932, incisos III e IV , o relator, no prazo de 5 (cinco) dias:
I - poderá atribuir efeito suspensivo ao recurso ou deferir, em antecipação de tutela, total ou parcialmente, a pretensão recursal, comunicando ao juiz sua decisão;
Art. 300. A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo."
Também dispõe o art. 995 do CPC/15:
"Art. 995. Os recursos não impedem a eficácia da decisão, salvo disposição legal ou decisão judicial em sentido diverso.
Parágrafo único. A eficácia da decisão recorrida poderá ser suspensa por decisão do relator, se da imediata produção de seus efeitos houver risco de dano grave, de difícil ou impossível reparação, e ficar demonstrada a probabilidade de provimento do recurso."
Vale dizer, a concessão da providência almejada reclama, cumulativamente, "(...) a demonstração da probabilidade de provimento do recurso (probabilidade do direito alegado no recurso, o fumus boni iuris recursal) e do perigo da demora (periculum in mora)" (MARINONI, Luiz Guilherme et al. Código de processo civil comentado. 2ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 1.055).
O mandado de segurança impetrado na origem tem por objeto a alegada ofensa ao direito líquido e certo do impetrante consubstanciada na instauração de sindicância acusatória, visando a apuração de eventual infração disciplinar por quebra de hierarquia, em decorrência de ter enviado e-mail diretamente ao Delegado-Geral da Polícia Civil e à Vice-Governadora do Estado de Santa Catarina com a finalidade de ser removido para a Divisão de Investigação Criminal (DIC) de Balneário Camboriú.
De plano, esclareço que a análise deste recurso se dá em caráter verticalmente sumarizado e não exauriente, restrito ao acerto ou desacerto do ato judicial combatido, sob pena de indesejável supressão de instância.
Nessa tessitura, estes foram os fundamentos que motivaram o convencimento do Magistrado que conduz o feito na origem, no que importa para a solução deste recurso:
A instauração de sindicância punitiva é ato administrativo inserido no poder disciplinar da Administração, cuja legalidade deve ser aferida no curso do procedimento, não sendo possível, nesta fase, concluir pela ausência de justa causa ou desvio de finalidade com base apenas nas alegações do impetrante.
A motivação apresentada pela autoridade coatora encontra respaldo no poder disciplinar conferido pela legislação estadual e nas normas internas da Polícia Civil, razão pela qual goza da presunção de legitimidade e veracidade atribuída aos atos administrativos, nos termos do art. 37 da Constituição Federal.
Nesse cenário, impõe-se o respeito à autonomia técnico-administrativa da Corregedoria-Geral da Polícia Civil, não competindo ao Cumpre salientar que a atuação judicial em processos administrativos disciplinares deve restringir-se ao controle de legalidade dos atos, vedada a incursão no mérito administrativo, sob pena de indevida interferência na discricionariedade da Administração e comprometimento da regularidade do procedimento.
Com o fito de reformar a decisão guerreada, o agravante sustentou a existência de vícios insanáveis ao prosseguimento da sindicância investigativa, consubstanciados na ausência de justa causa e atipicidade da conduta, ofensa ao direito de petição, violação do princípio da publicidade e da legalidade e desvio de finalidade.
É consabido que a correção de ilegalidade ou abusividade de ato administrativo de competência do Poder Executivo não afronta o princípio da separação dos poderes, ao contrário, atende ao preceito fundamental da inafastabilidade da jurisdição (vide TJSC, Apelação Cível n. 2009.028433-5, Rel. Des. Luiz Cézar Medeiros, j. em 16.07.2009).
No caso vertente, porém, não verifico ser hipótese de controle judicial do mérito administrativo, na exata medida em que não vislumbro, de plano, flagrante ilegalidade ou eventual desvio de finalidade, pois, como bem pontuou a decisão guerreada, "a instauração de sindicância punitiva é ato administrativo inserido no poder disciplinar da Administração, cuja legalidade deve ser aferida no curso do procedimento".
Isso porque as questões trazidas neste agravo de instrumento estão relacionadas ao mérito da eventual quebra de hierarquia submetida ao crivo administrativo, e não à instauração da sindicância e ao caráter formal do seu desenrolar, no tocante a eventual inobservância de preceitos fundamentais a caracterizar ilegalidade ou abusividade.
Sobre a atuação judicial quando envolver o mérito administrativo, colhe-se da jurisprudência iterativa desta Corte:
ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO MUNICIPAL OCUPANTE DO CARGO DE MOTORISTA. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. PENALIDADE DE RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. PREVISÃO NO ESTATUTO DOS SERVIDORES PÚBLICOS MUNICIPAIS. ADMINISTRAÇÃO QUE AGIU EM OBSERVÂNCIA AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. ARBITRARIEDADES E ILEGALIDADES NÃO DEMONSTRADAS. ÔNUS QUE INCUMBIA AO AUTOR, CONFORME O ART. 373, I, DO CPC/15. ATUAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO RESTRITA AO CONTROLE DE LEGALIDADE DO PAD. INVIABILIDADE DE ATRIBUIR NOVA VALORAÇÃO ÀS PROVAS CONFECCIONADAS ADMINISTRATIVAMENTE, SOB PENA DE VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES. PRECEDENTES. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJSC, ApCiv 0803329-42.2013.8.24.0113, 2ª Câmara de Direito Público, Relator para Acórdão FRANCISCO JOSÉ RODRIGUES DE OLIVEIRA NETO, D.E. 07/12/2022) (grifou-se)
E, do Supremo Tribunal Federal:
DIREITO ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. SERVIDOR PÚBLICO. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. CONTROVÉRSIA DECIDIDA COM BASE NO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO CONSTANTE DOS AUTOS. SÚMULA 279/STF. AUSÊNCIA DE QUESTÃO CONSTITUCIONAL. 1. Dissentir do entendimento firmado pelo Tribunal de origem demandaria o reexame dos fatos e provas constantes dos autos, bem como a análise da legislação infraconstitucional aplicada ao caso, providências vedadas em recurso extraordinário. 2. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal assentou o entendimento de que o exame de legalidade e abusividade dos atos administrativos pelo Outrossim, no que concerne à instauração do procedimento, o Estatuto da Polícia Civil (Lei Estadual n. 6843/1986), que institui normas sobre o regime jurídico dos policiais civis, prevê em seu art. 6º que "a atividade policial, por suas características e finalidades, fundamenta-se nos princípios da hierarquia e disciplina" e "a estrutura hierárquica constitui valor moral e técnico-administrativo e é instrumento de controle e eficácia dos atos operacionais." (art. 7º) (grifei)
Além disso, ao estabelecer as infrações e penalidades do regime disciplinar, assim prevê:
Constitui infração disciplinar toda ação ou omissão do policial civil que possa comprometer a dignidade e o decoro da função pública, ferir a disciplina ou a hierarquia, prejudicar a eficiência dos serviços públicos ou causar prejuízo de qualquer natureza à administração. (grifei)
A apuração de eventual infração disciplinar, por seu turno, será por meio de sindicância, exatamente como ocorrido no caso dos autos, conforme estabelece o art. 224 da Lei n. 6.843/1986, segundo o qual:
As autoridades policiais, Diretores de órgãos policiais e Corregedores, que tiverem notícia de irregularidade cometidas pôr policial civil, são obrigados a promover sua apuração imediata pôr meio de sindicância, no prazo de 15 (quinze) dias, prorrogáveis mediante despacho fundamentado da autoridade sindicante, se tratar-se de subordinado seu, ou comunica-la dentro de 48 (quarenta e oito) horas a autoridade competente sob pena de se tornar conivente.
Como se vê, é plenamente possível por autorização legal a instauração de sindicância para apurar suposta quebra de hierarquia.
Demais isso, ainda que não tenha sido objeto do recurso ou do mandado de segurança, dentro do contexto da regularidade do procedimento instaurado, em obiter dictum, não passou despercebido que a sindicância punitiva evoluiu de não aceitação pelo agravante de termo de ajustamento de conduta proposto em sindicância investigativa, com a observância do princípio da ampla defesa e do contraditório, e, ainda assim, tem por objeto apurar a eventual infração atribuída ao recorrente, estando em fase embrionária, de modo que não verifico risco concreto de prejuízo à carreira do agravante até o presente momento, conforme sugere a pretensão recursal.
Assim, diante do cenário desenhado nos autos, vejo que a tutela jurisdicional vindicada invade o mérito administrativo ao clamar que o Estado-Juiz decida se a conduta praticada pelo agravante viola a cadeia hierárquica, o que não é permitido sob pena de ofensa ao princípio da separação dos poderes, como dito exaustivamente, pois se trata de prerrogativa do Poder Executivo, nos termos legais, apurar eventual conduta que possa ser caracterizada como infração disciplinar.
Desse modo, em que pesem as alegações de eventual abalo moral e psicológico causado ao agravante, o fato é que a carreira escolhida por ele estabelece as normas que regrarão o regime jurídico, delas não podendo alegar desconhecimento.
Evidentemente, por consectário lógico, eventual caracterização de ilegalidade, teratologia ou ofensa a princípios constitucionais na conclusão do procedimento poderá ser submetida ao crivo judicial, em estrita observância ao princípio da inafastabilidade da jurisdição, pois é justamente nesse contexto em que se estabelece o sistema de freios e contrapesos, mecanismo de controle recíproco entre os três poderes.
Por ora, todavia, não vislumbro probabilidade do direito suficiente, ainda mais em caráter precário e sem o necessário contraditório na fase recursal, a ensejar a tutela pretendida.
Inexistente o fumus boni iuris, desnecessário aferir-se acerca do periculum in mora, pois os pressupostos são cumulativos.
Ante o exposto indefiro o pedido de antecipação dos efeitos da tutela recursal.
Comunique-se ao Juízo de origem.
Intime-se o agravado para, querendo, apresentar contrarrazões no prazo legal, conforme determina o art. 1.019, II, do CPC/15, observada a necessidade de recolhimento das custas postais eventualmente incidentes.
Após, voltem conclusos.
Publique-se. Intimem-se.
assinado por RICARDO ROESLER, Desembargador, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://2g.tjsc.jus.br//verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 7074382v30 e do código CRC e7092bbf.
Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): RICARDO ROESLER
Data e Hora: 14/11/2025, às 15:02:17
5092579-62.2025.8.24.0000 7074382 .V30
Conferência de autenticidade emitida em 16/11/2025 08:53:24.
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