AGRAVO DE INSTRUMENTO – Documento:7078815 ESTADO DE SANTA CATARINA TRIBUNAL DE JUSTIÇA Agravo de Instrumento Nº 5093670-90.2025.8.24.0000/SC DESPACHO/DECISÃO Trata-se de agravo de instrumento, interposto por Itaú Unibanco S.A., em face da decisão proferida pelo magistrado Marcelo Volpato de Souza no evento 172, DESPADEC1, no curso do "procedimento de repactuação de dívidas" autuado sob o n. 5045324-05.2023.8.24.0930, que tramita na Vara Estadual de Direito Bancário, e que, por seus fundamentos, impôs o plano judicial compulsório. Em suma, o agravante argumenta que: (i) "A decisão Agravada reconhece expressamente que o mínimo existencial corresponde a R$ 600,00 (seiscentos reais) por pessoa, nos termos do art. 3º do Decreto nº 11.150/2022, com redação do Decreto nº 11.567/2023"; (ii) "ao aplicar o limite de 40% da renda líquida, o juízo não assegurou a preservação do mínimo existencial legalmente garantido, o qu...
(TJSC; Processo nº 5093670-90.2025.8.24.0000; Recurso: Agravo de Instrumento; Relator: ; Órgão julgador: ; Data do Julgamento: 19 de dezembro de 2006)
Texto completo da decisão
Documento:7078815 ESTADO DE SANTA CATARINA TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Agravo de Instrumento Nº 5093670-90.2025.8.24.0000/SC
DESPACHO/DECISÃO
Trata-se de agravo de instrumento, interposto por Itaú Unibanco S.A., em face da decisão proferida pelo magistrado Marcelo Volpato de Souza no evento 172, DESPADEC1, no curso do "procedimento de repactuação de dívidas" autuado sob o n. 5045324-05.2023.8.24.0930, que tramita na Vara Estadual de Direito Bancário, e que, por seus fundamentos, impôs o plano judicial compulsório.
Em suma, o agravante argumenta que: (i) "A decisão Agravada reconhece expressamente que o mínimo existencial corresponde a R$ 600,00 (seiscentos reais) por pessoa, nos termos do art. 3º do Decreto nº 11.150/2022, com redação do Decreto nº 11.567/2023"; (ii) "ao aplicar o limite de 40% da renda líquida, o juízo não assegurou a preservação do mínimo existencial legalmente garantido, o que viola o requisito disposto no art. 54-A, § 1º, do CDC"; (iii) "No caso concreto, a análise da renda líquida mensal do Autor Agravado, de R$ R$ 24.866,61 (vinte e quatro mil oitocentos e sessenta e seis reais e sessenta e um centavos), revela que, ao comprometer 40% para o pagamento dos credores, lhe restará mensalmente o valor de R$ 14.919,96 (quatorze mil novecentos e dezenove reais e noventa e seis centavos), QUANTIA SUPERIOR A MAIS DE VINTE E QUATRO VEZES O VALOR NECESSÁRIO PARA GARANTIA DO MÍNIMO EXISTENCIAL"; (iv) "A Lei nº 14.181/2021 visa assegurar o direito fundamental à dignidade e à subsistência mínima do consumidor superendividado, de modo que o plano de pagamento deve ser construído em torno desse valor mínimo, e não limitado de forma genérica a percentual de remuneração"; (v) "O Magistrado adotou, como critério para elaboração do Plano, o art. 1º, §1º, da Lei nº 10.820/2003, que trata exclusivamente dos empréstimos consignados em folha de pagamento"; (vi) "A analogia é indevida e desprovida de amparo legal, visto que a Lei nº 14.181/2021 não prevê limitação percentual uniforme para o plano judicial compulsório"; (vii) "O art. 104-A, §4º, do CDC determina que o plano deve contemplar medidas proporcionais à capacidade de pagamento do devedor, consideradas as condições específicas do caso, e não a fixação automática de um teto genérico de 40%"; (viii) "Conforme reconhecido pelo próprio Juízo de origem, o valor das parcelas não será suficiente para a quitação total do débito no prazo de 5 anos"; (ix) "A LEI Nº 14.181/2021 NÃO PREVÊ EXTINÇÃO AUTOMÁTICA DO SALDO REMANESCENTE APÓS O PRAZO DE CUMPRIMENTO DO PLANO"; (x) "O art. 104-A, §4º, apenas faculta dilação, redução de encargos e adequação de prazos, mas não autoriza o perdão parcial da dívida, o que representaria enriquecimento sem causa do devedor e violação ao direito de crédito das instituições financeiras"; (xi) "A repactuação compulsória deve observar o equilíbrio entre as partes, e não pode implicar extinção forçada de crédito legítimo, sob pena de violação ao direito de propriedade e à segurança jurídica"; (xii) "deve ser determinada a expedição de ofício, pelo Juízo, aos respectivos órgãos de proteção ao crédito em substituição à multa coercitiva, pois se afigura mais adequada à situação concreta. Mesma coisa com relação à suspensão dos descontos das parcelas dos empréstimos consignados, que cujo ofício deve ser direcionado ao Órgão Pagador"; (xiii) "alternativamente, deve a r. decisão ser reformada para reduzir o quantum fixado a título de multa, limitando-se seu valor a um patamar razoável e proporcional".
Pugna, nesses termos, pela concessão de efeito suspensivo ao recurso e, ao final, requereu o seu provimento.
É o relato do essencial.
Prossigo com o exame do pedido liminar.
Os requisitos legais de admissibilidade estão satisfeitos, de modo que conheço do recurso.
Com o advento da Lei n. 14.181/2021, uma série de inovações legislativas foram introduzidas no Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078/1990) a fim de enfrentar a problemática do superendividamento das pessoas naturais.
O referido diploma legal, por seu turno, define superendividamento como sendo "a impossibilidade manifesta de o consumidor pessoa natural, de boa-fé, pagar a totalidade de suas dívidas de consumo, exigíveis e vincendas, sem comprometer seu mínimo existencial, nos termos da regulamentação" (art. 54-A, § 1º).
A lex ainda prevê que tais dívidas "englobam quaisquer compromissos financeiros assumidos decorrentes de relação de consumo, inclusive operações de crédito, compras a prazo e serviços de prestação continuada" (art. 54-A, § 2º).
Para tanto, o legislador ordinário insculpiu um procedimento próprio para repactuação de tais dívidas, este que, por sua vez, subdivide-se em uma etapa conciliatória (que ocorre a requerimento do consumidor superendividado) e/ou uma etapa contenciosa.
Na etapa contenciosa, "o juiz, a pedido do consumidor, instaurará processo por superendividamento para revisão e integração dos contratos e repactuação das dívidas remanescentes mediante plano judicial compulsório e procederá à citação de todos os credores cujos créditos não tenham integrado o acordo porventura celebrado" (art. 104-B, caput, da Lei n. 14.181/2021).
Feito este breve delineamento normativo, passo a discorrer a respeito do caso vertente.
O magistrado singular, ao decidir no procedimento de repactuação de dívidas, impôs o plano judicial compulsório nos seguintes termos (evento 172, DESPADEC1):
Ante o exposto, imponho o plano judicial compulsório nos seguintes termos:
a) suspensão da exigibilidade das dívidas durante a vigência do plano, bem como de quaisquer ações de cobrança ou execução em curso;
b) limitação de pagamento mensal correspondente a 40% da remuneração bruta do autor, descontados apenas o imposto de renda e a contribuição previdenciária;
c) cessação imediata dos descontos referentes a empréstimos consignados em folha de pagamento, bem como proibição de débitos automáticos relativos às dívidas na conta bancária da autora, com prazo de 15 dias para que as instituições financeiras cumpram a ordem sob pena de multa de R$ 5.000,00 por desconto até o limite de R$ 50.000,00 para cada instituição;
d) alongamento da dívida pelo prazo necessário para quitação das obrigações considerando o percentual estabelecido no item "b" ou até o limite de 5 anos, o que ocorrer primeiro;
e) proibição de a parte autora contrair novos empréstimos ou promover qualquer outra conduta que importe no agravamento de sua situação de superendividamento.
f) oficie-se ao empregador do autor (evento 170, COMP7) para cessar os descontos de empréstimos consignados da folha de pagamento, promover o desconto de 40% da remuneração bruta do autor (deduzidos apenas o imposto de renda e a contribuição previdenciária) e depositar os valores em juízo mês a mês.
g) determino que os credores providenciem, no prazo de 15 dias, a exclusão do nome do autor dos cadastros de inadimplentes, caso esteja inscrito, bem como se abstenham de realizar nova inscrição durante a vigência do plano, sob pena de multa diária de R$ 500,00, limitada a R$ 10.000,00, em caso de descumprimento;
h) intimem-se os credores para que, no prazo de 15 (quinze) dias, apresentem saldo devedor atualizado com base nos contratos firmados entre as partes, inclusive com a discriminação de eventuais encargos incidentes até a data da atualização.
i) Após o retorno das informações, voltem os autos conclusos para elaboração do cálculo proporcional, com a definição da porcentagem que será destinada a cada credor, observando-se o limite mensal de 40% do salário liquido do autor e o prazo máximo de 60 meses para cumprimento do plano.
Pois bem.
O procedimento de repactuação de dívidas tem como primeira fase tão somente o pleito de designação de audiência de conciliação, na qual o consumidor apresentará proposta de plano de pagamento a todos os seus credores, franqueada a eles a plena oportunidade de debater e negociar, nos termos do art. 104-A do Código de Defesa do Consumidor. Assim, não há pretensão declaratória ou condenatória.
Somente após a audiência conciliatória infrutífera surgirá a possibilidade de repactuação forçada e eventual revisão e integração contratual, desde que assim provoque a parte autora.
Desse modo, denota-se que o legislador criou dois procedimentos sucessivos e eventuais. Primeiro há tentativa de conciliação judicial ou administrativa (CDC, arts. 104-A e 104-C); somente depois se inicia a repactuação dos instrumentos contratuais (CDC, art. 104-B). Destaque-se, logo, que considerando a necessidade de audiência prévia, inexistem efeitos a antecipar antes de se dar oportunidade de manifestação aos credores.
Na hipótese em estudo, não obstante as valorosas teses apresentadas pela parte agravante, entendo que o efeito vindicado não deve ser concedido.
Isso porque, no presente caso, não se discute a legalidade dos descontos em si, tampouco eventuais abusividades nos contratos entabulados. A parte agravada, em verdade, intentou ação de repactuação de dívidas sob o fundamento de que se encontrava em situação de superendividamento.
Sobre o tema, convém gizar que a Lei n. 14.181/2021, ao promover alterações no Código de Defesa do Consumidor, prevê a possibilidade de ajuizamento de processo de repactuação ampla de dívidas de consumidor que se encontre em situação de superendividamento.
Trata-se, em verdade, da densificação legislativa do princípio constitucional da dignidade humana sob o viés do estatuto jurídico do mínimo existencial, que está intimamente atrelado à proteção de uma esfera patrimonial capaz de atender às necessidades básicas de uma vida digna.
Não merecem subsistir as teses do banco no sentido de que deve ser observado o teto de R$ 600,00 na medida em que tal parâmetro serve para caracterizar o consumidor em situação de superendividamento - o que não se confunde com a reserva a ser destinada ao consumidor no momento do plano judicial compulsório.
Em continuidade, o banco sustenta a impossibilidade de estipulação de astreintes na hipótese em comento na medida em que deve ser expedido ofício aos respectivos órgãos de proteção ao crédito. Sucessivamente, pugnou pela minoração do patamar estipulado.
Quanto à fixação da multa, em apertada síntese, é certo que a legislação processual civil assegura ao magistrado a imposição de multa para que as obrigações de fazer ou não fazer sejam prontamente atendidas sem danos à parte contrária.
É da norma:
Art. 536. No cumprimento de sentença que reconheça a exigibilidade de obrigação de fazer ou de não fazer, o juiz poderá, de ofício ou a requerimento, para a efetivação da tutela específica ou a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente, determinar as medidas necessárias à satisfação do exequente.
§ 1º Para atender ao disposto no caput, o juiz poderá determinar, entre outras medidas, a imposição de multa, a busca e apreensão, a remoção de pessoas e coisas, o desfazimento de obras e o impedimento de atividade nociva, podendo, caso necessário, requisitar o auxílio de força policial.
Igualmente assente nesta Corte de Justiça entendimento no sentido que "é adequada a imposição de multa diária como forma de compelir o adimplemento da medida antecipatória, na forma preconizada pelo art. 461, § 4º, do Código de Processo Civil" (Agravo de Instrumento nº 2013.016808-9, rel. Des. Fernando Carioni, j. em 01.10.2013).
Com efeito, na hipótese dos autos, as astreintes foram fixadas para eventual descumprimento de decisão vergastada, a qual determinou que os credores providenciassem, no prazo de 15 dias, a exclusão do nome do autor dos cadastros de inadimplentes, caso esteja inscrito, bem como se abstenham de realizar nova inscrição durante a vigência do plano, sob pena de multa diária de R$ 500,00, limitada a R$ 10.000,00,
Nesta toada, conquanto o banco réu-agravante afirme que o valor fixado é exacerbado, o quantum, por sua vez, não encontra limite normativo, seja mínimo ou máximo, cabendo ao Julgador fixá-lo no montante que melhor atende a situação vertente, sem olvidar a função precípua de persuadir o banco ao cumprimento da diligência.
Registre-se que o Superior Tribunal de Justiça sufraga entendimento no sentido que a revisão da multa cominatória só tem lugar em situações excepcionais, quando se mostrar exorbitante ou irrisória frente à dinâmica do caso em concreto, o que não é, obviamente, a situação dos autos.
No caso, é de mister considerar que se trata de instituição financeira de grande capacidade econômica.
Frisa-se que a finalidade precípua das astreintes é compelir o cumprimento imediato da medida judicial imposta sem, contudo, ensejar enriquecimento sem causa da parte que se beneficiará do cumprimento da decisão, não obstante o valor seja revertido em seu favor.
Por tal motivo, é salutar a fixação de um limite máximo da multa coercitiva, à critério de julgador, levando-se em conta as particularidades do caso concreto, sem olvidar dos critérios da razoabilidade e da proporcionalidade.
Neste sentido:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO CUMULADA COM COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS E OBRIGAÇÃO DE FAZER. TUTELA ANTECIPADA. REQUISITOS DO ARTIGO 273 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL/1973 ATENDIDOS.
A tutela antecipada pressupõe a prova inequívoca que conduza à verossimilhança das alegações, bem como fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação.
FIXAÇÃO DE ASTREINTES. OBRIGAÇÃO DE FAZER. CABIMENTO. VALOR DA MULTA. QUANTUM ARBITRADO. IMPOSIÇÃO DE LIMITE MÁXIMO. NECESSIDADE
Consagrou a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça a possibilidade de fixação de multa à instituição financeira para compeli-la a retirar o nome do autor do cadastro de inadimplentes, porém além de arbitrada com comedimento é necessário fixar o patamar máximo, a fim de evitar enriquecimento sem causa.
(Agravo de Instrumento n. 0155512.11.2015.8.24.0000, de Guaramirim. Relª Desª Janice Goulart Garcia Ubialli, j. em 14.07.2016). (grifos).
Além mais, convém gizar que "a periodicidade da penalidade não está atrelada, e nem poderia, ao fato de o desconto realizado pela recorrente ser mensal" (Agravo de Instrumento n. 4017290-58.2016.8.24.0000, da Capital, rel. Cláudio Valdyr Helfenstein, Quinta Câmara de Direito Comercial, j. 9-11-2017).
Frente a tais circunstâncias, considerando que o juiz singular fixou a multa diária em R$ 500,00, limitada a R$ 10.000,00, valores que entendo adequados para evitar eventual enriquecimento ilícito da parte autora e que estão em conformidade com os precedentes da Terceira Câmara de Direito Comercial deste egrégio Tribunal de Justiça, não há se falar em reforma da decisão agravada.
Por último, embora pareçam subsistir as teses de que a legislação aplicável não prevê a extinção automática do saldo remanescente após o cumprimento do plano, não vislumbro perigo de dano na medida em que o plano judicial foi estruturado no prazo de cinco anos.
Desta feita, indefiro o efeito suspensivo.
Comunique-se a origem.
No mais, abra-se o prazo do art. 1.019, II, do CPC, à agravada.
Após, retornem conclusos.
assinado por GILBERTO GOMES DE OLIVEIRA, Desembargador, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://2g.tjsc.jus.br//verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 7078815v4 e do código CRC 5ed0756c.
Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): GILBERTO GOMES DE OLIVEIRA
Data e Hora: 14/11/2025, às 15:17:28
5093670-90.2025.8.24.0000 7078815 .V4
Conferência de autenticidade emitida em 16/11/2025 08:44:04.
Identificações de pessoas físicas foram ocultadas