RECURSO ESPECIAL – Documento:7076007 ESTADO DE SANTA CATARINA TRIBUNAL DE JUSTIÇA RECURSO ESPECIAL EM Apelação Criminal Nº 0014637-44.2000.8.24.0023/SC DESPACHO/DECISÃO C. C. interpôs recurso especial com fundamento no art. 105, III, "a", da Constituição Federal (evento 37, RECESPEC1). O recurso especial visa reformar o acórdão de evento 29, ACOR1. Quanto à primeira controvérsia, pela alínea "a" do permissivo constitucional, a parte recorrente alega violação aos arts. 483, inc. III e § 2º, e 593, inc. III, alínea "d", ambos do Código de Processo Penal, requerendo "provimento ao Recurso Especial, no sentido de se anular o acórdão recorrido, restabelecendo-se a decisão soberana dos jurados".
(TJSC; Processo nº 0014637-44.2000.8.24.0023; Recurso: RECURSO ESPECIAL; Relator: ; Órgão julgador: Turma; Data do Julgamento: 19 de dezembro de 2006)
Texto completo da decisão
Documento:7076007 ESTADO DE SANTA CATARINA TRIBUNAL DE JUSTIÇA
RECURSO ESPECIAL EM Apelação Criminal Nº 0014637-44.2000.8.24.0023/SC
DESPACHO/DECISÃO
C. C. interpôs recurso especial com fundamento no art. 105, III, "a", da Constituição Federal (evento 37, RECESPEC1).
O recurso especial visa reformar o acórdão de evento 29, ACOR1.
Quanto à primeira controvérsia, pela alínea "a" do permissivo constitucional, a parte recorrente alega violação aos arts. 483, inc. III e § 2º, e 593, inc. III, alínea "d", ambos do Código de Processo Penal, requerendo "provimento ao Recurso Especial, no sentido de se anular o acórdão recorrido, restabelecendo-se a decisão soberana dos jurados".
Foi cumprido o procedimento do caput do art. 1.030 do Código de Processo Civil.
É o relatório.
Passo ao juízo preliminar de admissibilidade do recurso.
Quanto à relatada controvérsia, o Ministério Público, em sua manifestação no evento 74, PROMOÇÃO1, bem esmiuçou a quaestio iuris sub examine:
"No julgamento do ARE n. 1.225.185/MG, ocorrido em 3-10-2024, de relatoria do Ministro Gilmar Mendes, afetado sob o rito dos recursos repetitivos, o STF assentou a seguinte tese:
1. É cabível recurso de apelação com base no artigo 593, III, d, do Código de Processo Penal, nas hipóteses em que a decisão do Tribunal do Júri, amparada em quesito genérico, for considerada pela acusação como manifestamente contrária à prova dos autos.
2. O Tribunal de Apelação não determinará novo Júri quando tiver ocorrido a apresentação, constante em Ata, de tese conducente à clemência ao acusado, e esta for acolhida pelos jurados, desde que seja compatível com a Constituição, os precedentes vinculantes do Supremo Tribunal Federal e com as circunstâncias fáticas apresentadas nos autos. (Tema n. 1.087/STF).
Por sua vez, no julgamento do Tribunal local, objeto do recurso extraordinário defensivo, acerca do assunto, se decidiu (EVENTO 29):
3. Por outro lado, cabe a anulação parcial do ato, para que sejam submetidas a novo julgamento pelo Tribunal do Júri as imputações da prática dos delitos de homicídio qualificado contra as Vítimas I. S. D. S. e O. D. S..
É que, no que tange a esses, as absolvições foram manifestamente contrárias à prova dos autos, sendo possível afirmar categoricamente que as conclusões adotadas pelo Conselho de Sentença do Tribunal do Júri não encontram nenhum amparo no conjunto probatório presente no feito, não havendo como corrigir-se o equívoco por simples alteração das decisões alcançadas, dada a soberania do Julgamento Popular.
Ambas as absolvições decorreram da resposta positiva, por maioria, ao quesito genérico obrigatório previsto no art. 483, III e § 2º, do Código de Processo Penal: 'O jurado absolve o acusado?'.
Pois bem.
[...]
Especificamente tratando do caso da Vítima I. S. D. S., tem-se que a absolvição no quesito genérico não é fundada em nenhuma tese deduzida pela Defesa. O único argumento defensivo, presente tanto nos documentos e debates protagonizados pela Defesa técnica quanto na autodefesa de C. C., é de que a morte de I. S. D. S. decorreu de erro na execução (CP, art. 73) quando dos disparos efetuados pelo Apelado e que resultaram na morte de J. D. S.. Não houve alegação de arrependimento, de consequências exageradas que o ato tenha causado à vida do Recorrido, nem pedido por clemência, expresso ou implícito em outros dizeres, sendo impossível, portanto, deduzi-lo.
No mais, aproveitariam a C. C., relativamente a esta acusação, as teses defensivas aplicáveis no caso envolvendo a morte de J. D. S.; por exemplo, poderia o Apelado ser beneficiado pela discriminante da legítima defesa também no tocante a I. S. D. S., se esta houvesse sido aplicada quando da avaliação do homicídio de Jeferson, porque é evidente que, se houvesse matado este a fim de se defender, e por erro na execução houvesse também atingido à Vítima Iderzina, caberia sua absolvição em ambas as séries de quesitos.
Não foi o que ocorreu, no entanto, porquanto a versão da legítima defesa não foi acolhida no caso do homicídio de J. D. S.; logo, não há como admitir que tenha servido à absolvição no tocante à morte de I. S. D. S. (ora, senão haveria contradição insuperável no ponto).
Ou seja, a absolvição não decorreu nem da alegação de legítima defesa e nem de algum outro argumento expresso nos autos; nessa hipótese, como a única tese defensiva não deu suporte à decisão absolutória, é evidente que esta contraria de todo a instrução processual, não podendo ser mantida. Nesse sentido, observem-se as seguintes decisões do Superior Tribunal de Justiça:
[...]
É dizer que, embora seja bastante ampla a possibilidade de absolvição com base no quesito genérico, e que não haja limitação legal que impeça que os Juízes Populares decidam ser indevida a condenação do Acusado, porque não decidem apenas com base em argumentos estritamente jurídicos, ela precisa fundar-se em elementos constantes nos autos.
Como no caso nada há no processo que dê sustento à absolvição, deve dar-se procedência ao recurso da Assistente de Acusação neste tópico, para que C. C. volte a ser julgado pelo possível homicídio de I. S. D. S..
[...]
4. Igual é a conclusão quanto ao julgamento das condutas de C. C. voltadas à Vítima O. D. S..
Dadas as alegações constantes nos autos, sejam as sustentadas pela Defesa técnica, sejam as retiradas das palavras do próprio Apelado em seus interrogatórios, o fundamento da absolvição (único existente no feito) foi o acatamento da incidência da discriminante da legítima defesa.
[...]
Repita-se: assim como no tocante a I. S. D. S., nenhuma outra tese defensiva existe que não a de absolvição por legítima defesa.
Também como sobredito, havendo versões conflitantes, mas satisfatoriamente amparadas em elementos probatórios, sobre o desenrolar dos fatos, podem os Senhores Jurados escolher qualquer delas, sem que a opção marque o julgamento como contrário à prova dos autos.
Acontece que, no presente caso, basta observar o relato defensivo dos acontecimentos para que se perceba que mesmo o seu integral acatamento não permite que se conclua que o Apelado C. C. agia em legítima defesa quando matou a Vítima O. D. S.. Ou seja, mesmo que haja pedido de absolvição por legítima defesa, ele não vem fundado em nenhum elemento dos autos e, portanto, não pode validar a absolvição procedida pelos Juízes Leigos.
[...]
Na espécie, mesmo segundo a narrativa defensiva, não é possível dizer, primeiro, que houve injusta agressão, e segundo que tenha havido o emprego moderado dos meios necessários de defesa por parte do Apelado.
[...]
Nesse sentido, é inviável acatar a absolvição fundada na legítima defesa porque manifestamente discordante da prova coligida aos autos, razão pela qual o caso deve ser encaminhado novamente a julgamento pelo Tribunal do Júri, anulada a decisão dos Integrantes de seu Conselho de Sentença tomada em 4.4.23.
Como se percebe, o Tribunal de Justiça assentou que não foi apresentada tese conducente à clemência, bem como a única tese utilizada pela defesa com relação à vítima I. S. D. S., foi de erro da execução que não foi acolhida pelos jurados, assim como a única tese de defesa em relação à vítima O. D. S., qual seja, legítima defesa, não possui qualquer respaldo probatório nos autos.
Assim, forçoso reconhecer que o acórdão recorrido está em conformidade com a orientação do STF exarado no rito dos recursos repetitivos, notadamente considerando que 'é cabível recurso de apelação com base no artigo 593, III, d, do Código de Processo Penal, nas hipóteses em que a decisão do Tribunal do Júri, amparada em quesito genérico, for considerada pela acusação como manifestamente contrária à prova dos autos' e que, quando tiver ocorrido a apresentação, constante em Ata, de tese conducente à clemência e esta for acolhida pelos jurados, o Tribunal de Apelação não determinará novo Júri somente quando a absolvição for compatível com a Constituição, os precedentes vinculantes do Supremo Tribunal Federal e com as circunstâncias fáticas apresentadas nos autos (trecho e interpretação do Tema n. 1.087/STF)". (Negritei e sublinhei)
A propósito, vejamos a ementa do acórdão vergastado (evento 29, ACOR1):
"APELAÇÃO CRIMINAL. HOMICÍDIOS SIMPLES (CP, ART. 121, CAPUT). SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DA ASSISTENTE DE ACUSAÇÃO.
1. JULGAMENTO CONTRÁRIO À PROVA DOS AUTOS. INTERROGATÓRIO. DEPOIMENTOS DE TESTEMUNHAS. QUALIFICADORAS. MOTIVO FÚTIL. 2. JULGAMENTO CONTRÁRIO À PROVA DOS AUTOS. EMPREGO DE MEIO QUE DIFICULTOU OU IMPOSSIBILITOU A DEFESA DO OFENDIDO. PROVA ORAL. LAUDO PERICIAL. VERSÃO DEFENSIVA. 3. JULGAMENTO CONTRÁRIO À PROVA DOS AUTOS. ABSOLVIÇÃO POR CLEMÊNCIA. LEGÍTIMA DEFESA. ERRO NA EXECUÇÃO. AUSÊNCIA DE TESE DEFENSIVA OU DE PEDIDO. QUESITO ABSOLUTÓRIO GENÉRICO.
1. Não é manifestamente contrária à prova dos autos a decisão do Conselho de Sentença do Tribunal do Júri que afasta a incidência da qualificadora do motivo fútil se a versão defensiva, respaldada ao menos parcialmente pela prova oral, é de que o crime deu-se porque a vítima, que era amigo próximo do acusado, relacionou-se com a esposa deste, no interior de sua casa, na presença da filha menor, o que ele houvera recém-descoberto, circunstância que afasta a desproporção extrema do seu ato de agressão e impede a anulação do julgamento.
2. Não é manifestamente contrária à prova dos autos a decisão do Conselho de Sentença do Tribunal do Júri que afasta a incidência da qualificadora de emprego de meio que impossibilitou ou dificultou a defesa do ofendido, se a versão defensiva, respaldada ao menos parcialmente pela prova oral e por laudo pericial particular, é de que o ofendido fora avisado da chegada do acusado à sua residência e, inclusive, estaria acompanhado do pai, armado com uma faca, para recebê-lo, bem como teria atacado o denunciado logo antes de ser atingido.
3. Se a única tese defensiva, no tocante à vítima do crime de homicídio, é de erro na execução por parte do acusado, o qual é reconhecido pelos Senhores Jurados, mas, mesmo assim, ele é absolvido no quesito genérico, sem que haja outras teses passíveis de acolhimento, por ausência de pedido explícito ou implícito de clemência e incompatibilidade da absolvição por legítima defesa com a condenação pela morte da vítima pretendida pelo agente, a decisão absolutória dos jurados é manifestamente contrária à prova dos autos, nos termos do disposto no art. 593, III, 'd', do Código de Processo Penal.
4. Ainda que haja pedido de absolvição por legítima defesa, se nenhuma das versões dos fatos contidas nos autos, incluindo a defensiva, dá conta da ocorrência de injusta agressão por parte da vítima, ou do emprego de meio moderado e necessário para repeli-la por parte do acusado, é manifestamente contrária à prova dos autos, nos termos do disposto no art. 593, III, 'd', do Código de Processo Penal, a decisão absolutória dos Integrantes do Conselho de Sentença do Tribunal do Júri, com base nesse fundamento.
RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO".
Pois bem!
In casu, incide a Súmula 83 do STJ ("Não se conhece do recurso especial pela divergência, quando a orientação do Tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida"), já que o tal acórdão é compatível com a jurisprudência da Corte Superior de Justiça.
Aliás:
"DIREITO PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL. TRIBUNAL DO JÚRI. ABSOLVIÇÃO POR CLEMÊNCIA. CONTRARIEDADE À PROVA DOS AUTOS. AGRAVO DESPROVIDO.
[...]
Tese de julgamento: '1. A soberania dos veredictos do Tribunal do Júri não é absoluta, permitindo a anulação de sentença absolutória por clemência quando manifestamente contrária à prova dos autos. 2. A decisão dos jurados deve encontrar respaldo na prova dos autos, sob pena de anulação'" (AgRgREsp n. 2.182.762, Min. Carlos Cini Marchionatti, Quinta Turma, DJEN de 25.08.2025).
"DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO. TRIBUNAL DO JÚRI. ABSOLVIÇÃO POR CLEMÊNCIA. QUESITO GENÉRICO. DECISÃO MANIFESTAMENTE CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS. AUSÊNCIA DE TESE DEFENSIVA OU CIRCUNSTÂNCIA FÁTICA JUSTIFICADORA. TEMA 1.087 DE REPERCUSSÃO GERAL DO STF. CONTROLE JUDICIAL CABÍVEL. VIOLAÇÃO DO ART. 593, III, D, E § 3º, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. RECURSO PROVIDO.
[...]
Tese de julgamento: '1. A absolvição por clemência pelo Tribunal do Júri pode ser revista pelo Tribunal de Justiça quando a decisão dos jurados for manifestamente contrária à prova dos autos. 2. O controle judicial de decisões absolutórias do Tribunal do Júri não viola a soberania dos veredictos quando há dissociação total entre a decisão e as provas apresentadas'" (REsp n. 2.074.060, Min. Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, DJEN de 18.08.2025).
Portanto, vai inadmitido o presente Recurso Especial.
Ante o exposto, com fundamento no art. 1.030, V, do Código de Processo Civil, NÃO ADMITO o recurso especial do evento 37, RECESPEC1.
Anoto que, contra a decisão que não admite recurso especial, o único recurso cabível é o agravo em recurso especial, previsto no art. 1.042 do Código de Processo Civil (e não o agravo interno previsto no art. 1.021 c/c 1.030, § 2º, do Código de Processo Civil). Ademais, conforme entendimento pacífico das Cortes Superiores, a oposição de embargos de declaração contra a decisão de Vice-Presidente do Tribunal de origem que realiza o juízo de admissibilidade de recurso especial ou extraordinário não suspende ou interrompe o prazo para a interposição do agravo cabível na hipótese.
Intimem-se.
assinado por JÚLIO CÉSAR MACHADO FERREIRA DE MELO, 2° Vice-Presidente, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://2g.tjsc.jus.br//verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 7076007v9 e do código CRC 5f65439c.
Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): JÚLIO CÉSAR MACHADO FERREIRA DE MELO
Data e Hora: 13/11/2025, às 17:05:37
0014637-44.2000.8.24.0023 7076007 .V9
Conferência de autenticidade emitida em 16/11/2025 09:05:20.
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