RECURSO ESPECIAL – DIREITO CIVIL E CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. GOLPE POR TERCEIRO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.I. Caso em exame1. Apelação interposta contra sentença que julgou improcedentes os pedidos formulados em "ação de reconhecimento de inexistência de débitos c/c indenização por danos materiais e morais". O autor foi vítima de um golpe financeiro, com acesso dos fraudadores a suas contas, e almeja o reconhecimento da responsabilidade das instituições financeiras e a condenação ao pagamento de danos materiais e morais.II. Questão em discussão2. Há duas questões em discussão: (i) saber se as instituições financeiras respondem pelos danos decorrentes de golpe praticado por terceiro que teve acesso a informações sigilosas e contas do consumidor; e (ii) saber se o caso em tela enseja indenização por danos morais.III. Razões de decidir3. As instituiçõ...
(TJSC; Processo nº 5026648-85.2023.8.24.0064; Recurso: RECURSO ESPECIAL; Relator: ; Órgão julgador: Turma, j. em 11-12-2023).; Data do Julgamento: 19 de dezembro de 2006)
Texto completo da decisão
Documento:7087663 ESTADO DE SANTA CATARINA TRIBUNAL DE JUSTIÇA
RECURSO ESPECIAL EM Apelação Nº 5026648-85.2023.8.24.0064/SC
DESPACHO/DECISÃO
ITAÚ UNIBANCO S.A. interpôs recurso especial, com fundamento no art. 105, III, "a", da Constituição Federal (evento 47, RECESPEC1).
O apelo visa reformar acórdão proferido pela 6ª Câmara de Direito Civil, assim resumido (evento 19, ACOR2):
EMENTA: DIREITO CIVIL E CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. GOLPE POR TERCEIRO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
I. Caso em exame
1. Apelação interposta contra sentença que julgou improcedentes os pedidos formulados em "ação de reconhecimento de inexistência de débitos c/c indenização por danos materiais e morais". O autor foi vítima de um golpe financeiro, com acesso dos fraudadores a suas contas, e almeja o reconhecimento da responsabilidade das instituições financeiras e a condenação ao pagamento de danos materiais e morais.
II. Questão em discussão
2. Há duas questões em discussão: (i) saber se as instituições financeiras respondem pelos danos decorrentes de golpe praticado por terceiro que teve acesso a informações sigilosas e contas do consumidor; e (ii) saber se o caso em tela enseja indenização por danos morais.
III. Razões de decidir
3. As instituições financeiras possuem responsabilidade objetiva por fraudes de terceiros em operações bancárias (fortuito interno), conforme Súmulas 479 do STJ e 31 do TJSC. No caso, houve falha de segurança que permitiu aos fraudadores acessar dados sigilosos e as contas bancárias do autor, realizando operações atípicas e utilizando informações da gerente e habilitando telefone não autorizado.
4. A ausência de comprovação de culpa exclusiva da vítima implica a responsabilidade solidária das instituições financeiras pela falha na prestação do serviço. Assim, as transações fraudulentas devem ser anuladas, com restabelecimento do status quo ante, ou seja, com a repetição simples do indébito e a compensação do valor disponibilizado ao consumidor, depositado após o segundo requerido realizar o reembolso voluntário dos valores transferidos aos golpistas.
5. Os juros de mora e correção monetária devem seguir as disposições da Lei n. 14.905/2024 a partir de sua entrada em vigor (29/08/2024), com INPC e juros de 1% até essa data, e IPCA com juros Selic deduzido IPCA a partir de então.
6. Não há provas suficientes da existência de dano moral apto a ensejar reparação, pois os transtornos sofridos são reflexos do abalo econômico e não configuram constrangimento que afete a integridade psicológica ou moral da vítima, não havendo comprovação de comprometimento da subsistência ou exposição vexatória.
IV. Dispositivo e tese
7. Recurso parcialmente provido para declarar a inexistência do débito, condenar os requeridos à repetição, em dobro, do indébito e redistribuir o ônus da sucumbência.
Teses de julgamento: “1. As Instituições financeiras são objetivamente responsáveis por fraudes de terceiros em operações bancárias, especialmente se houver falha de segurança e as transações destoarem do perfil do cliente. 2. inversão do ônus da prova não dispensa o consumidor de apresentar indícios mínimos do direito alegado, sendo o dano moral indenizável apenas se houver prejuízo que exceda o mero aborrecimento.”
Opostos embargos de declaração, foram rejeitados (evento 36, ACOR2).
Quanto à primeira controvérsia, a parte alega violação aos arts. 1022, II, e 1.025, caput, do Código de Processo Civil, no que concerne à ocorrência de omissão do Tribunal de origem quanto à apreciação de matérias essenciais para o deslinde do feito, especificamente em relação à culpa exclusiva do consumidor e à inexistência de falha na prestação do serviço bancário.
Quanto à segunda controvérsia, a parte alega violação aos arts. 14, § 3º, I e II, do Código de Defesa do Consumidor, e 186 e 927 do Código Civil, no que se refere à não aplicação das excludentes de responsabilidade, uma vez que a culpa exclusiva do titular, confessadamente configurada na espécie, e a ausência de defeito no serviço implicariam a exclusão da responsabilidade que se pretende impor ao recorrente.
Cumprida a fase do art. 1.030, caput, do Código de Processo Civil.
É o relatório.
Considerando que a exigência de demonstração da relevância das questões federais, nos termos do art. 105, § 2º, da Constituição Federal, ainda carece de regulamentação, e preenchidos os requisitos extrínsecos, passa-se à análise da admissibilidade recursal.
Quanto à primeira controvérsia, o apelo nobre não merece ser admitido. Em juízo preliminar de admissibilidade, verifica-se que o acórdão recorrido enfrentou adequadamente os pontos necessários à resolução da controvérsia, não se constatando, neste exame inicial, omissão, negativa de prestação jurisdicional ou deficiência de fundamentação. Dessa forma, a pretensão recursal, aparentemente, dirige-se ao reexame da matéria já apreciada.
Observa-se que a Câmara analisou expressamente as teses da parte recorrente, ao concluir que: a) os fraudadores já detinham acesso prévio a dados sigilosos e à conta digital do autor, utilizando inclusive informações privilegiadas como o nome da gerente e valores de empréstimo pré-aprovado e limite de cartão de crédito; b) as transações impugnadas destoavam significativamente do perfil financeiro do consumidor; c) houve flagrante falha nos mecanismos de proteção do banco, que permitiu o acesso de terceiro às contas digitais.
De acordo com o Superior Tribunal de Justiça, "não configura ofensa ao art. 1.022 do Código de Processo Civil de 2015 o fato de o Tribunal de origem, embora sem examinar individualmente cada um dos argumentos suscitados pela parte recorrente, adotar fundamentação contrária à pretensão da parte, suficiente para decidir integralmente a controvérsia" (AgInt no AREsp n. 2.415.071/SP, rel. Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, j. em 11-12-2023).
Quanto à segunda controvérsia, a admissão do apelo especial esbarra no veto da Súmula 7 do STJ.
Sustenta a parte recorrente, em síntese, que deve ser afastada a responsabilidade da instituição financeira pelos prejuízos decorrentes da operação questionada, pois a transação foi realizada pelo próprio titular da conta, diretamente do aplicativo do banco regularmente habilitado em seu aparelho de celular, o que configuraria culpa exclusiva do consumidor. Argumenta que se não houve defeito na segurança do serviço ofertado pelo banco, diante da regularidade das operações realizadas para conta de titularidade do próprio autor, corolário lógico seria o afastamento da responsabilidade do recorrente.
Contudo, a análise da pretensão deduzida nas razões recursais, que visa desconstituir a conclusão do órgão julgador de que houve falha na segurança do serviço bancário e ausência de culpa exclusiva da vítima, exigiria o revolvimento das premissas fático-probatórias delineadas pela Câmara, nos seguintes termos (evento 19, RELVOTO1):
Compulsando os autos, verifica-se que o autor busca a reparação de danos decorrentes de fraude financeira. Narra que o golpe teve início com ligação telefônica na qual os fraudadores se passaram por funcionária do Banco Itaú. Contudo, os estelionatários já detinham acesso às suas contas junto às instituições Itaú e Nubank, o que lhes permitiu, mediante simulações, realizar pagamento de boleto no valor de R$ 9.900,00 e contratar empréstimo de R$ 30.000,00 em seu nome, cujo montante foi integralmente transferido para conta de sua titularidade no Nubank. Ressalta-se, ainda, que, dias antes, fora realizada, sem sua autorização, a habilitação de novo aparelho telefônico vinculado a esta última instituição (evento 1, INIC1).
O enredo apresentado não é incomum. Na atualidade, mesmo operações eletrônicas que exigem o fornecimento de documentos pessoais e selfies, protegidas por dispositivos criptográficos, não estão imunes a falhas de segurança que viabilizam a atuação de fraudadores. Nessas circunstâncias, é pacífico o entendimento jurisprudencial no sentido de que as instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos decorrentes de atos ilícitos praticados por terceiros, em razão do risco da atividade desempenhada.
Com efeito, as fraudes e delitos praticados no âmbito de operações financeiras são fortuitos internos, sendo inerentes ao risco da atividade exercida pelos fornecedores, e pelos quais são objetivamente responsáveis, nos termos da Súmula 479 do Superior Tribunal de Justiça: "As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias".A jurisprudência desta Corte não destoa:
Súmula 31. É dever do fornecedor de produtos ou serviços demonstrar documentalmente, estreme de dúvidas, a efetiva contratação do produto/serviço pelo consumidor, com o fito de afastar eventual ação ilícita de terceiros, sob pena de responder objetivamente pelos danos oriundos da contratação fraudulenta.
No caso em apreço, a parte autora apresentou evidências consistentes de que os fraudadores já detinham acesso prévio a dados sigilosos e à sua conta digital junto ao Banco Itaú. Isso porque, durante a fraude, utilizaram o nome da gerente Ana Kato, demonstraram conhecimento exato sobre o valor do empréstimo pré-aprovado e do limite do cartão de crédito, além de efetuarem pagamento bancário no valor de R$ 9.900,00, o que evidencia pleno domínio da conta.
Ao que tudo indica, os golpistas apenas não conseguiam realizar transferências diretamente pela conta do Banco Itaú, razão pela qual se fez necessário o contato telefônico, com o intuito de induzir o consumidor a realizar a transferência ao Nubank. Diante da falsa sensação de segurança proporcionada pelo conhecimento detalhado das informações, o apelante efetuou a transação, sem suspeitar da fraude, sobretudo porque a conta de destino também estava em seu nome.
Trata-se, portanto, de golpe sofisticado e estruturado, que se tornou verossímil justamente pela obtenção indevida de dados confidenciais, sendo certo que os elementos constantes nos autos indicam que tais informações não foram fornecidas voluntariamente pelo apelante.
Não obstante as instituições financeiras adotem (ou devam adotar) todo um aparato de segurança em suas operações, na hipótese em voga houve flagrante falha nos mecanismos de proteção, pois permitiu o acesso de terceiro às contas digitais, inclusive com a habilitação de telefone não pertencente ao consumidor junto à conta Nubank, culminando na fraude cometida.
Importa destacar que os apelados não demonstraram quais fatores de autenticação foram utilizados para verificar a identidade do usuário antes de permitir o acesso à conta e a realização das transações impugnadas. Tal ônus probatório lhes incumbia, nos termos do art. 373, II, do CPC, e do art. 6º, VIII, do CDC.
Logo, a situação apresentada configura um "fortuito interno" e, portanto, não exime as instituições de responder objetivamente pelos prejuízos sofridos pelo consumidor, conforme previsto no artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor.
[...]
Demais disso, as transações impugnadas destoam significativamente do perfil financeiro do consumidor, uma vez que o autor possui renda líquida mensal de apenas R$ 1.700,00 (mil e setecentos reais) (evento 1, COMP6), não sendo habitual, conforme demonstram seus extratos bancários e faturas, a realização de operações em valores tão expressivos (evento 1, FATURA8, evento 1, Extrato Bancário11 e evento 1, Extrato Bancário12).
[...]
Diante da ausência de excludente de responsabilidade associada à culpa exclusiva da vítima, a contratação fraudulenta é invariavelmente atribuída a uma falha na prestação do serviço oferecido pela instituição financeira, o que acarreta o reconhecimento da responsabilidade objetiva.
É imperativo, portanto, declarar a nulidade das transações realizadas pelo terceiro golpista em face do ato violador do direito (Código Civil, arts. 186 e 927).
Por consequência, impõe-se o restabelecimento das partes ao status quo ante, com a devolução do valor despendido com o pagamento de boleto via cartão de crédito (R$ 9.900,00), de forma simples, pelo Itaú Unibanco.
Conforme relatado pelo consumidor (evento 30, PET1 e evento 30, DOC2), a instituição financeira Nubank procedeu, de forma administrativa, o reembolso dos valores transferidos indevidamente via Pix de sua conta (R$ 15.000,00 e R$ 15.727,15), cumprindo voluntariamente a obrigação que lhe competia no curso do presente processo.
Determina-se, ainda, o cancelamento da operação de empréstimo pessoal no valor de R$ 30.000,00, com a consequente condenação do Itaú Unibanco à restituição simples dos valores indevidamente pagos pelo consumidor, nos termos da regra geral prevista no art. 876 do Código Civil, uma vez que se trata de hipótese de engano justificável, o que afasta a aplicação do art. 42, parágrafo único, do CDC (grifou-se).
Cumpre enfatizar que "o recurso especial não se destina ao rejulgamento da causa, mas à interpretação e uniformização da lei federal, não sendo terceira instância revisora" (AREsp n. 2.637.949/SP, relatora Ministra Daniela Teixeira, Quinta Turma, j. em 17-12-2024).
Registre-se, ainda, que a parte recorrida requereu, em contrarrazões, a majoração dos honorários advocatícios recursais (evento 56, CONTRAZRESP1). Nos termos dos §§ 1º e 11 do art. 85 do Código de Processo Civil, a fixação da verba honorária em grau recursal é competência exclusiva do órgão jurisdicional encarregado do julgamento do mérito. Assim, considerando que a competência do Superior Tribunal de Justiça apenas se perfectibiliza após a admissão do recurso especial, mostra-se incabível a análise do pedido em sede de juízo prévio de admissibilidade. Nesse sentido: EDcl nos EDcl no AgInt no RE nos EDcl no AgInt nos EDcl no AREsp n. 2.333.920/SP, rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Corte Especial, j. em 29-4-2025.
Ante o exposto, com fundamento no art. 1.030, V, do Código de Processo Civil, NÃO ADMITO o recurso especial do evento 47, RECESPEC1.
Intimem-se.
assinado por JANICE GOULART GARCIA UBIALLI, 3° Vice-Presidente, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://2g.tjsc.jus.br//verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 7087663v7 e do código CRC 5167443d.
Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): JANICE GOULART GARCIA UBIALLI
Data e Hora: 15/11/2025, às 08:16:30
5026648-85.2023.8.24.0064 7087663 .V7
Conferência de autenticidade emitida em 16/11/2025 08:42:37.
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