Órgão julgador: Turma, j. 03.10.2022; TJSC, Apelação n. 0300801-32.2018.8.24.0141, Rel. Des. Álvaro Luiz Pereira de Andrade, 7ª Câmara de Direito Civil, j. 17.10.2024; TJSC, Apelação n. 5002508-38.2022.8.24.0026, Rel. Des. Antonio Carlos Junckes dos Santos, 5ª Câmara de Direito Civil, j. 08.07.2025; TJSP, Apelação Cível n. 1018641-84.2015.8.26.0554, Rel. Des. Edson Luiz de Queiróz, 9ª Câmara de Direito Privado, j. 22.08.2023; STJ, Tema 1.076. (TJSC, ApCiv 0027317-56.2012.8.24.0018, 8ª Câmara de Direito Civil, Relator para Acórdão MARCELO PONS MEIRELLES, D.E. 22/10/2025)
Data do julgamento: 19 de dezembro de 2006
Ementa
RECURSO – APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. INSURGÊNCIA DA RÉ. PRELIMINARES. ILEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM. TESE AFASTADA. DEMANDA DE NATUREZA POSSESSÓRIA (JUS POSSESSIONIS), SENDO IRRELEVANTE A DISCUSSÃO SOBRE O DOMÍNIO (JUS PROPRIETATIS). SUSPEIÇÃO DE TESTEMUNHAS. CONTRADITA REJEITADA NA ORIGEM E MANTIDA. PRINCÍPIO DA IMEDIATIDADE DA PROVA. VÍNCULOS FAMILIARES PRETÉRITOS (EX-COMPANHEIROS) QUE NÃO FORAM SUFICIENTES PARA COMPROMETER A ISENÇÃO DOS DEPOIMENTOS, MORMENTE APÓS A DISSOLUÇÃO DAS UNIÕES ESTÁVEIS. VALORAÇÃO DA PROVA MANTIDA. MÉRITO. REQUISITOS DO ART. 561 DO CPC COMPROVADOS. PROVA TESTEMUNHAL E INDÍCIOS DOCUMENTAIS QUE CONFIRMAM QUE O APELADO EXERCEU POSSE ANTERIOR SOBRE O TERRENO, ONDE JÁ EXISTIA UM CENTRO RELIGIOSO. A OCUPAÇÃO DA RESIDÊNCIA PELA APELANTE E SEU EX-COMPANHEIRO OCORREU POR ATO DE MERA TOLERÂNCIA E LIBERALIDADE DO APELADO, CARAC...
(TJSC; Processo nº 0300115-94.2019.8.24.0144; Recurso: Recurso; Relator: Desembargador JOSÉ AGENOR DE ARAGÃO; Órgão julgador: Turma, j. 03.10.2022; TJSC, Apelação n. 0300801-32.2018.8.24.0141, Rel. Des. Álvaro Luiz Pereira de Andrade, 7ª Câmara de Direito Civil, j. 17.10.2024; TJSC, Apelação n. 5002508-38.2022.8.24.0026, Rel. Des. Antonio Carlos Junckes dos Santos, 5ª Câmara de Direito Civil, j. 08.07.2025; TJSP, Apelação Cível n. 1018641-84.2015.8.26.0554, Rel. Des. Edson Luiz de Queiróz, 9ª Câmara de Direito Privado, j. 22.08.2023; STJ, Tema 1.076. (TJSC, ApCiv 0027317-56.2012.8.24.0018, 8ª Câmara de Direito Civil, Relator para Acórdão MARCELO PONS MEIRELLES, D.E. 22/10/2025); Data do Julgamento: 19 de dezembro de 2006)
Texto completo da decisão
Documento:7040254 ESTADO DE SANTA CATARINA TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Apelação Nº 0300115-94.2019.8.24.0144/SC
RELATOR: Desembargador JOSÉ AGENOR DE ARAGÃO
RELATÓRIO
Em atenção aos princípios da economia e da celeridade processual, adoto o relatório da sentença (evento 224 da origem):
Trata-se de "ação de usucapião" ajuizada por E. N., na qual a parte autora sustentou cuida do imóvel usucapiendo como se fosse seu dono há mais de trinta anos, bem como dele extrai o seu sustento e o de sua família através da agricultura, da plantação de mudas e do reflorestamento.
Alegou que nunca houve impugnação ao seu animus domni sobre o bem de raiz até a manifestação do inventariante do processo de autos n. 0000361-13.2012.8.24.0144, cujo autor da herança era o proprietário registral do bem, impugnar a sua posse.
Asseverou que a prescrição aquisitiva se consolidou muito tempo antes da manifestação do inventariante nos autos indicados, de modo que, presentes todos os pressupostos necessários à usucapião, ela deve ser reconhecida.
Requereu, portanto, a procedência do pedido para declarar a sua propriedade sobre o imóvel usucapiendo e inscrever, mediante a expedição de mandado, a sentença no Ofício de Registro de Imóveis.
Pleiteou, ainda, a concessão da Gratuidade da Justiça em seu favor.
No despacho de evento 3, foi determinada a intimação da parte autora para incluir e qualificar os réu no polo passivo da demanda.
No evento 4, a parte ativa emendou à petição inicial nos termos exigidos pelo juízo.
Na decisão de evento 8, foi deferida à parte autora a Gratuidade da Justiça e foram determinadas a citação pessoal dos réus e confrontantes e por edital dos eventuais interessados e a intimação das Fazendas Públicas para que manifestassem eventual interesse no feito.
No evento 20, certificou-se a afixação do edital de citação dos eventuais interessados.
Na certidão de evento 26, a Oficiala de Justiça comunicou ter realizado a citação de todos os integrantes do polo passivo, com a exceção do cônjuge de A. N..
Devidamente citados (evento 26) e com a inclusão do não citado E. W., cônjuge de A. W., os réus apresentaram resposta na forma de contestação no evento 34, oportunidade na qual aduziram, preliminarmente, que A. A. N. é parte passiva ilegítima, pois vendeu a sua quota parte sobre o imóvel de matrícula n. 15.256 a A. C. N. em 14/02/2008.
Ainda como preliminar, a parte passiva aventou a ilegitimidade ativa da parte ativa, pois, como ela própria havia mencionado na petição inicial, o autor não reside no imóvel usucapiendo.
No mérito, argumentou que não foram preenchidos os requisitos para a usucapião na hipótese, pois a parte ativa nunca utilizou o imóvel como residência ou para a sua manutenção e subsistência.
Arguiu que um dos proprietários da parcela de terra, Rosalino Getúlio Nasato, faleceu em 28/03/2011, sendo que, até aquela data, era o proprietário e legítimo possuidor do bem de raiz, onde tinha plantações de eucalipto, e que somente após a morte dele é que o autor e seu filho Gabriel Nasato passaram a retirar indevidamente os eucaliptos plantados e obter o lucro advindo da venda para si.
Versou que não se há falar em posse ininterrupta, pois, em 01/10/2018, P. N. F. interpôs notificação extrajudicial ao autor para que interrompesse o uso indevido do imóvel.
Verberou que, em 27/11/2017, os réus A. C. N., A. N. e sua esposa Bernadete Bonacolsi Nasato e A. N. e seu esposo E. W. ingressaram com ação de divisão para extinguir o condomínio do imóvel de matrícula n. 15.256, na qual houve acordo e sentença homologatória, sendo que a área prejudicada pelo autor não prejudica nenhum deles.
Impugnou os documentos apresentados pela parte ativa, pois eles não condizem com os serviços realizados no imóvel usucapiendo.
Postulou, portanto, preliminarmente, o reconhecimento da ilegitimidade passiva de A. A. N. e da ilegitimidade ativa do autor.
Pugnou, no mérito, pela improcedência dos pedidos autorais.
Pediu, por fim, a concessão da Gratuidade da Justiça em seu favor.
Na peça de evento 35, a parte ativa requereu a citação dos herdeiros de Valdemiro Nasato no endereço indicado.
Na certidão de evento 38, a Oficiala de Justiça indicou ter citado o E. D. R. Nasato, mas não ter encontrado a inventariante do E. D. V. N., que, segundo as informações recebidas, residiria em Indaial.
Devidamente citado (evento 38), o E. D. R. Getúlio Nasato, conjuntamente com o ainda não citado E. D. V. N., apresentaram contestação no evento 43, oportunidade na qual suscitaram, preliminarmente, que a qualificação do autor não condiz com a realidade, pois ele omitiu a união estável que mantém com M. S., e que como os réus não foram qualificados, os integrantes do polo passivo não sabem se estão no feito como réus ou como confrontantes, o que causa prejuízo à defesa.
Apontaram que a parte autora não cumpriu a determinação de emenda à petição inicial para incluir os réus no polo passivo da lide e qualificá-los, que o valor da causa, de R$ 60.000,00 está incorreto, pois o valor da parte do imóvel usucapienda é de R$ 771.236,68, e que não há a autorização da companheira para o ajuizamento desta demanda, que versa sobre direito real imobiliário.
Impugnaram a concessão da Gratuidade da Justiça à parte ativa, ao argumento de que a hipossuficiência econômica alegada não foi comprovada, bem como que o réu utiliza o seu filho para mascarar o seu verdadeiro patrimônio e renda.
No mérito, gizaram que a parte ativa nunca exerceu a posse da área usucapienda, pois sempre foi público e notório que o imóvel pertencia a Rosalino Getúlio Nasato e a Valdemiro Nasato, bem como que os herdeiros dos proprietários tentaram intervir na dissipação do patrimônio e na injusta posse do autor sobre o imóvel, mas eram repelidos com constantes ameaças e coações.
Indicaram que a parte autora não exerce a posse do imóvel há mais de 10 anos, pois invadiu a área usucapienda apenas após o falecimento de Rosalino Getúlio Nasato.
Impugnaram os documentos juntados pela parte autora com a petição inicial.
Requereram, portanto, o acolhimento das preliminares para extinguir a ação sem a resolução do mérito, retificar o valor da causa para R$ 771.236,68 e revogar a Gratuidade da Justiça concedida à parte ativa.
Ao final, pugnaram pela improcedência dos pedidos autorais, pela condenação da parte ativa ao pagamento de multa por litigância de má-fé e pela concessão da Gratuidade da Justiça em seu favor.
Na mesma peça, os réus ajuizaram reconvenção, na qual alegaram que, como todos os coerdeiros possuem direito sobre a parte ideal do imóvel, que está sendo usufruído de maneira exclusiva pelo autor/reconvindo, é impositiva a condenação deste a pagar aluguéis, no valor de R$ 3.856,18, correspondente a 0,5% do valor líquido do imóvel, desde a data em que recebeu notificação extrajudicial acerca da posse injusta sobre o imóvel (08/10/2018).
Pediu, assim, a condenação da parte ativa/reconvinda ao pagamento de aluguéis mensais no valor de R$ 3.856,18, a ser reajustado anualmente pelo IGPM, desde 08/10/2018.
No evento 52, a parte ativa apresentou as réplicas e a contestação à reconvenção.
Na decisão de evento 54, foram determinadas a expedição de ofício ao INCRA e a intimação dos réus para comprovarem a hipossuficiência econômica alegada, sob pena de indeferimento dos pedidos de concessão da Gratuidade da Justiça, e a da parte autora/reconvinda acerca da reconvenção.
Na peça de evento 57, a parte ativa juntou documentos para comprovar o seu direito à Gratuidade da Justiça e apontou já ter se manifestado acerca da reconvenção no evento 52.
Na peça de evento 63., o INCRA afirmou não ter interesse de ingressar no feito.
No despacho de evento 73, foi determinada a intimação da parte autora para trazer aos autos a qualificação completa da sua companheira, o documento pessoal dela e o instrumento de mandato a ela relativo.
Na petição de evento 77, a parte ativa cumpriu a exigência do juízo.
Na decisão saneadora de evento 79, houve:
a) a definição dos réus (proprietários registrais do imóvel usucapiendo), quais sejam, A. W. e E. W., A. N. e Bernadete Bonacolsi Nasato, o E. D. R. Getúlio Nasato, o E. D. V. N. e A. C. N.;
b) a definição dos confrontantes, quais sejam, os mesmos litigantes que os apontados no item 'a', com a adição de A. A. A. e A. A.;
c) a rejeição de todas as questões preliminares arguidas pela parte passiva, com a exceção da ilegitimidade passiva de A. A. N. e da impugnação ao valor da causa;
d) a fixação dos pontos controvertidos da ação (existência de posse mansa, pacífica e ininterrupta pela parte autora sobre a área em litígio há mais de 15 anos ou, existência de posse mansa, pacífica e ininterrupta pela parte autora sobre a área em litígio há mais de 10 anos, se o local serve de moradia habitual ou se nele se tenha realizado obras e serviços de caráter produtivo);
e) a fixação dos pontos controvertidos da reconvenção (o dever da parte autora em pagar aluguel pelo uso do imóvel e o valor devido a título de aluguel);
f) a manutenção do ônus da prova nos moldes fixados pela lei;
g) o deferimento dos pedidos de produção da prova testemunhal e de tomada do depoimento pessoa da parte autora; e
h) a determinação de inclusão da esposa de E. N. no polo ativo da demanda, a intimação da parte ativa para retificar o valor da causa e a intimação dos réus para comprovarem a insuficiência econômica alegada.
Na peça de evento 85, os réus A. C. N. e outros apresentaram o seu rol de testemunhas e os esclarecimentos quanto à sua hipossuficiência econômica.
Na petição de evento 86, a parte ativa/reconvinda apresentou o seu rol de testemunhas e requereu a retificação do valor da causa para R$ 362.500,00.
No evento 91, os réus E. D. R. Getúlio Nasato e E. D. V. N. esclareceram o pedido de concessão da Gratuidade da Justiça e apresentaram também os seus testigos.
No despacho de evento 97, foi designada data para a realização de audiência de instrução e julgamento.
Houve audiência de instrução e julgamento (eventos 153 e 154), na qual foram ouvidos oito testemunhos mais o depoimento pessoal da parte ativa. No mais, diante da ausência da testemunha Nilton Avi por motivo de saúde, a parte ativa insistiu na sua oitiva.
Na peça de evento 161, a parte autora revelou que a testemunha Nilton Avi está impossibilitado de falar em razão de paralisia nas pregas vocais, razão pela qual requereu a sua substituição por José Picolin.
Na decisão de evento 164, o pedido da parte ativa foi acolhido, com a designação de nova data para a oitiva da pessoa arrolada.
A audiência de instrução e julgamento para a oitiva da última testemunha foi realizada nos eventos 203 e 204.
A parte ativa apresentou as suas alegações finais no evento 208, na qual deduziu haver prova robusta acerca da sua posse sobre o imóvel usucapiendo e da realização de serviços produtivos sobre ele há pelo menos 10 anos.
Os réus E. D. R. Getúlio Nasato e E. D. V. N. apresentaram suas alegações finais escritas no evento 221, reiterando o pleito pela improcedência dos pedidos iniciais.
Os réus A. C. N. e outros apresentaram seus memoriais no evento 222, nos quais também repetiram o requerimento pela improcedência dos pedidos formulados pela parte autora.
Sentenciando, a Magistrada a quo julgou a lide nos seguintes termos:
Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTE o pedido autoral.
Condeno a parte ativa ao pagamento das despesas processuais pendentes, conforme arts. 86 e 87 do CPC.
O litigante está obrigado a indenizar as despesas adiantadas no curso do processo pela parte adversa, consoante art. 82, § 2º, do CPC.
Fixo os honorários sucumbenciais devidos ao(s) advogado(s) no percentual de 10% sobre o valor da causa (devidamente corrigido pelo INPC/IBGE desde a data da propositura da demanda), conforme art. 85 do CPC.
No mais, julgo IMPROCEDENTES os pedidos reconvencionais (art. 487, I, do CPC).
Condeno a parte reconvinte ao pagamento das despesas processuais pendentes, conforme arts. 86 e 87 do CPC.
Fixo os honorários sucumbenciais devidos pela parte antes referida ao(s) advogado(s) do(s) litigante(s) vencedor(es) no percentual de 10% sobre o valor da causa (devidamente corrigido pelo INPC/IBGE desde a data da propositura da demanda), conforme art. 85 do CPC.
A exigibilidade das despesas processuais e dos honorários advocatícios está suspensa com relação à parte ativa e aos réus A. W., E. W., A. N. e Bernadete Bonalcolsi Nasato, durante o prazo extintivo de 5 (cinco) anos, em face da concessão dos benefícios da Gratuidade da Justiça, nos termos dos arts. 98 a 102 do CPC.
Indefiro a benesse aos réus A. C. N., E. D. R. Getúlio Nasato e E. D. V. N., porquanto não trouxeram aos autos documentos para demonstrar a sua insuficiência de recursos para estar em Juízo mesmo após determinação para tanto do juízo na decisão de evento 79.
Inconformados, os autores interpuseram recurso de apelação alegando, em síntese, que exercem posse sobre a área usucapienda desde a década de 1970, com investimentos e serviços de caráter produtivo, como cultivo de mudas e plantas ornamentais, sempre com animus domini. Sustentam que nunca houve divisão física entre o imóvel de sua propriedade e o usucapiendo, formando ambos uma unidade de fato, e que comprovam a posse por meio de pagamentos de taxas e impostos desde 2003, além de contas de luz e contribuição sindical.
Argumentam que o proprietário registral abandonou o imóvel muito antes de seu falecimento em 2011, fato corroborado por testemunhas que afirmaram que apenas os autores trabalhavam na área e que sempre pareceram ser os donos. Destacam que os réus não apresentaram provas de divisão física ou de cuidados do proprietário registral com a terra, e que a notificação ocorreu apenas em 2018, sete anos após o falecimento, revelando a fragilidade da alegação de invasão.
Por fim, afirmam que o depoimento pessoal do autor, interpretado como permissão, na verdade indica uma doação informal das terras, reforçando a intenção de domínio. Assim, requerem a reforma da sentença para declarar a propriedade do imóvel usucapiendo e a condenação dos réus ao pagamento das despesas processuais e honorários (evento 239 da origem).
Com contrarrazões (eventos 257 e 258 da origem).
Os autos, então, ascenderam a esta Corte de Justiça.
É o relatório.
VOTO
Ab initio, o reclamo em voga comporta conhecimento, porquanto preenchidos os requisitos de admissibilidade.
A controvérsia gira em torno da alegação do autor de que exerce posse mansa, pacífica e ininterrupta sobre a área descrita na inicial há mais de trinta anos, com animus domini, pleiteando a declaração de domínio nos termos do art. 1.238 do Código Civil.
A sentença de primeiro grau julgou improcedente o pedido, sob o fundamento de ausência dos requisitos legais para a prescrição aquisitiva, especialmente quanto à demonstração da posse qualificada pelo prazo exigido, além de reconhecer que a área integra patrimônio hereditário objeto de inventário, circunstância que descaracteriza a posse exclusiva e autônoma.
Em sede recursal, o apelante sustenta, em síntese, que a prova dos autos demonstra a exploração econômica do imóvel desde longa data, mediante cultivo e manutenção, bem como o pagamento de encargos e tributos, afirmando que jamais houve oposição até a notificação extrajudicial ocorrida em 2018, quando já consolidada a prescrição aquisitiva.
Argumenta que a sentença interpretou equivocadamente seu depoimento pessoal, pois a referência à autorização do antigo proprietário não descaracteriza o animus domini, mas revela a origem da posse, que se tornou autônoma com o decurso do tempo. Requer, assim, a reforma integral da decisão para reconhecer a usucapião.
Contudo, adianto que a prova dos autos não permite concluir pelo preenchimento dos requisitos necessários à pretensão autoral.
O próprio depoimento do autor, mencionado na sentença, indica que a origem da ocupação decorreu de permissão do antigo proprietário, Rosalino Getúlio Nasato, circunstância que revela posse derivada e precária, não convertida em autônoma antes da abertura da sucessão.
A jurisprudência é firme no sentido de que atos de mera tolerância não induzem posse, conforme disciplina o art. 1.208 do Código Civil, e que a usucapião exige exercício de poderes inerentes à propriedade em nome próprio, o que não se verifica quando há vínculo familiar e ausência de oposição apenas por condescendência.
A propósito:
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. INSURGÊNCIA DA RÉ. PRELIMINARES. ILEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM. TESE AFASTADA. DEMANDA DE NATUREZA POSSESSÓRIA (JUS POSSESSIONIS), SENDO IRRELEVANTE A DISCUSSÃO SOBRE O DOMÍNIO (JUS PROPRIETATIS). SUSPEIÇÃO DE TESTEMUNHAS. CONTRADITA REJEITADA NA ORIGEM E MANTIDA. PRINCÍPIO DA IMEDIATIDADE DA PROVA. VÍNCULOS FAMILIARES PRETÉRITOS (EX-COMPANHEIROS) QUE NÃO FORAM SUFICIENTES PARA COMPROMETER A ISENÇÃO DOS DEPOIMENTOS, MORMENTE APÓS A DISSOLUÇÃO DAS UNIÕES ESTÁVEIS. VALORAÇÃO DA PROVA MANTIDA. MÉRITO. REQUISITOS DO ART. 561 DO CPC COMPROVADOS. PROVA TESTEMUNHAL E INDÍCIOS DOCUMENTAIS QUE CONFIRMAM QUE O APELADO EXERCEU POSSE ANTERIOR SOBRE O TERRENO, ONDE JÁ EXISTIA UM CENTRO RELIGIOSO. A OCUPAÇÃO DA RESIDÊNCIA PELA APELANTE E SEU EX-COMPANHEIRO OCORREU POR ATO DE MERA TOLERÂNCIA E LIBERALIDADE DO APELADO, CARACTERIZANDO COMODATO VERBAL (ART. 579 DO CC). FATO NOVO REFORÇADOR: IMÓVEL EXCLUÍDO DA PARTILHA DE BENS NA AÇÃO DE DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL DA APELANTE, CORROBORANDO A AUSÊNCIA DE ANIMUS DOMINI POR PARTE DO CASAL. ADEMAIS, A RECUSA DA APELANTE EM DESOCUPAR O IMÓVEL APÓS SER DEVIDAMENTE NOTIFICADA ENCERRA O COMODATO, TRANSMUDANDO A POSSE PRECÁRIA EM POSSE INJUSTA, CARACTERIZANDO O ESBULHO POSSESSÓRIO (ART. 1.200 DO CC). EXCEÇÃO DE USUCAPIÃO (ART. 1.238 DO CC). IMPOSSIBILIDADE DE ACOLHIMENTO. A POSSE ORIUNDA DE COMODATO É, POR SUA NATUREZA, POSSE PRECÁRIA E DESPROVIDA DE ANIMUS DOMINI, ELEMENTO ESSENCIAL PARA A CONFIGURAÇÃO DE QUALQUER MODALIDADE DE USUCAPIÃO. SENTENÇA MANTIDA. HONORÁRIOS RECURSAIS CABÍVEIS. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJSC, ApCiv 5013401-78.2024.8.24.0039, 1ª Câmara de Direito Civil, Relator para Acórdão FLAVIO ANDRE PAZ DE BRUM, julgado em 30/10/2025)
EMENTA: DIREITO CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE USUCAPIÃO. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. RECURSO DA PARTE AUTORA. DESPROVIMENTO. I. CASO EM EXAME 1. Apelação cível interposta pela parte autora contra sentença de improcedência proferida em ação de usucapião. Pretende-se o reconhecimento de domínio por posse alegadamente mansa, pacífica, contínua e com animus domini, desde a década de 1980. A sentença reputou a ocupação como precária (comodato verbal), afastando a posse ad usucapionem. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. A questão em discussão consiste em saber se a ocupação do imóvel configura posse com animus domini por interversio possessionis. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. No caso, a ocupação se deu por ato de mera permissão/tolerância dos proprietários, caracterizando posse precária por comodato verbal, que não permite aquisição por usucapião (CC, art. 1.208), ausente o animus domini. 4. A situação concreta não permite verificar a alegada interversio possessionis, o que legitima a conclusão adotada na sentença impugnada, no sentido de que a posse não ostenta a qualidade ad usucapionem. IV. DISPOSITIVO 5. Recurso conhecido e desprovido. Dispositivos relevantes citados: CC/1916, art. 550; CC/2002, arts. 2.028, 1.196, 1.208 e 579; CPC/2015, arts. 85, §§ 2º, 8º e 11, 98, § 3º, e 373, II. Jurisprudência relevante citada: STJ, AgInt no AREsp 2008958/GO, Rel. Min. Raul Araújo, 4ª Turma, j. 03.10.2022; TJSC, Apelação n. 0300801-32.2018.8.24.0141, Rel. Des. Álvaro Luiz Pereira de Andrade, 7ª Câmara de Direito Civil, j. 17.10.2024; TJSC, Apelação n. 5002508-38.2022.8.24.0026, Rel. Des. Antonio Carlos Junckes dos Santos, 5ª Câmara de Direito Civil, j. 08.07.2025; TJSP, Apelação Cível n. 1018641-84.2015.8.26.0554, Rel. Des. Edson Luiz de Queiróz, 9ª Câmara de Direito Privado, j. 22.08.2023; STJ, Tema 1.076. (TJSC, ApCiv 0027317-56.2012.8.24.0018, 8ª Câmara de Direito Civil, Relator para Acórdão MARCELO PONS MEIRELLES, D.E. 22/10/2025)
Ademais, os documentos juntados pelo autor não comprovam a posse exclusiva sobre a área matriculada sob n. 15.256. As faturas de energia elétrica referem-se a imóvel diverso, de matrícula n. 36.286, pertencente ao próprio autor, conforme reconhecido na contestação. As notas fiscais e comprovantes de serviços de terraplanagem e cultivo também se relacionam à propriedade confrontante, não ao bem objeto da lide.
Por outro lado, as imagens de satélite apresentadas pelos réus, constantes do evento 34, corroboram que até 2011 a área era ocupada por plantação de eucalipto pertencente ao espólio, sendo que apenas após o falecimento do titular registral houve retirada das árvores pelo autor, fato que não configura posse qualificada, mas ato de esbulho. Soma-se a isso a notificação extrajudicial encaminhada em 2018, que interrompe eventual contagem de prazo, evidenciando oposição expressa à ocupação.
Importa destacar que, com a abertura da sucessão, os bens do de cujus transmitem-se aos herdeiros em condomínio, nos termos do art. 1.784 do Código Civil, de modo que não há como reconhecer animus domini exclusivo em favor de um dos herdeiros sem prova inequívoca de oposição aos demais e exercício de posse exclusiva pelo prazo legal.
Também não procede a alegação de que a exploração econômica do imóvel desde 2008 seria suficiente para caracterizar a prescrição aquisitiva. Além de não haver prova robusta dessa exploração na área usucapienda, o prazo decorrido entre 2008 e a notificação de 2018 é inferior ao mínimo legal, mesmo na hipótese de redução para dez anos, que pressupõe moradia habitual ou obras de caráter produtivo, circunstâncias não comprovadas. O autor reside em imóvel diverso, conforme confessado na inicial e confirmado pelas provas, afastando a aplicação do parágrafo único do art. 1.238 do Código Civil.
Quanto à alegação de que a ausência de oposição até 2018 implicaria consolidação da usucapião, cumpre observar que a tolerância familiar não se confunde com animus domini, e que a oposição pode ser manifestada a qualquer tempo, desde que não transcorrido o prazo legal. No caso, mesmo que se considere a ocupação a partir de 2012, após o falecimento do proprietário, não se completou o lapso temporal exigido, razão pela qual não há como acolher a pretensão.
Por fim, não se verifica nulidade na sentença por suposta má interpretação do depoimento pessoal do autor. A fundamentação adotada pelo juízo a quo está em consonância com as provas dos autos e com a legislação aplicável, não havendo elementos que justifiquem sua reforma. A decisão observou os princípios da razoabilidade e da segurança jurídica, evitando a transferência de domínio sem comprovação dos requisitos legais, o que preserva a estabilidade das relações patrimoniais, de modo que deve ser mantida.
Por fim, dispõe o art. 85, § 11, do Código de Processo Civil que, ao julgar o recurso, deverá o Tribunal majorar os honorários advocatícios fixados anteriormente em favor do causídico vitorioso na instância superior. É defeso à Corte, porém, no cômputo geral da fixação da verba, ultrapassar os limites estabelecidos nos §§ 2º e 3º do aludido dispositivo para a fase de conhecimento.
Dito isso, considerando o desprovimento do recurso da parte autora, necessária a fixação de honorários recursais em proveito do causídico da parte demandada, os quais arbitro em 2% sobre o valor da causa (STJ, EDcl no AgInt no REsp 1.573.573/RJ). Todavia, a exigibilidade dos encargos de sucumbência fica suspensa em relação à parte apelante, porquanto beneficiária da gratuidade da justiça.
Ante o exposto, voto no sentido de conhecer do recurso e negar-lhe provimento.
assinado por JOSÉ AGENOR DE ARAGÃO, Desembargador, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://2g.tjsc.jus.br//verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 7040254v6 e do código CRC b22d59a2.
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Signatário (a): JOSÉ AGENOR DE ARAGÃO
Data e Hora: 14/11/2025, às 08:14:12
0300115-94.2019.8.24.0144 7040254 .V6
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Documento:7040255 ESTADO DE SANTA CATARINA TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Apelação Nº 0300115-94.2019.8.24.0144/SC
RELATOR: Desembargador JOSÉ AGENOR DE ARAGÃO
EMENTA
DIREITO CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. POSSE DERIVADA DE PERMISSÃO. AUSÊNCIA DE ANIMUS DOMINI. REQUISITOS LEGAIS NÃO COMPROVADOS. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.
I. CASO EM EXAME
Ação de usucapião extraordinária proposta com alegação de posse mansa, pacífica e ininterrupta sobre imóvel rural por mais de trinta anos, com animus domini, visando à declaração de domínio. A sentença julgou improcedentes os pedidos autorais e reconvencionais, reconhecendo ausência dos requisitos para prescrição aquisitiva. Interposto recurso de apelação pela parte autora, sustentando exploração econômica do imóvel, pagamento de tributos e tolerância prolongada dos proprietários, requerendo reforma da decisão para reconhecimento da usucapião.
II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO
A questão em discussão consiste em saber se a ocupação do imóvel, originada por permissão do antigo proprietário, configura posse qualificada com animus domini apta a ensejar usucapião.
III. RAZÕES DE DECIDIR
A prova dos autos indica que a ocupação decorreu de mera tolerância do proprietário registral, caracterizando posse precária, não convertida em autônoma antes da abertura da sucessão. Atos de permissão não induzem posse ad usucapionem (art. 1.208 do CC). Não há demonstração de exercício exclusivo dos poderes inerentes à propriedade nem de moradia habitual ou obras de caráter produtivo na área litigiosa. A jurisprudência consolidada veda usucapião fundada em comodato ou tolerância familiar.
IV. DISPOSITIVO E TESE
Recurso conhecido e desprovido.
Tese de julgamento: “1. A posse oriunda de mera permissão ou tolerância não induz usucapião, por ausência de animus domini. 2. A abertura da sucessão estabelece condomínio entre herdeiros, afastando a exclusividade necessária à prescrição aquisitiva.”
Dispositivos relevantes citados: CC, arts. 1.208, 1.238, 1.784.
Jurisprudência relevante citada: TJSC, ApCiv 5013401-78.2024.8.24.0039, Rel. Flavio Andre Paz de Brum, 1ª Câmara de Direito Civil, j. 30.10.2025; TJSC, ApCiv 0027317-56.2012.8.24.0018, Rel. Marcelo Pons Meirelles, 8ª Câmara de Direito Civil, D.E. 22.10.2025.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 4ª Câmara de Direito Civil do decidiu, por unanimidade, conhecer do recurso e negar-lhe provimento, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 13 de novembro de 2025.
assinado por JOSÉ AGENOR DE ARAGÃO, Desembargador, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://2g.tjsc.jus.br//verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 7040255v4 e do código CRC e3a7fdee.
Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): JOSÉ AGENOR DE ARAGÃO
Data e Hora: 14/11/2025, às 08:14:12
0300115-94.2019.8.24.0144 7040255 .V4
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Identificações de pessoas físicas foram ocultadas
Extrato de Ata EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL - RESOLUÇÃO CNJ 591/24 DE 13/11/2025 A 21/11/2025
Apelação Nº 0300115-94.2019.8.24.0144/SC
RELATOR: Desembargador JOSÉ AGENOR DE ARAGÃO
PRESIDENTE: Desembargador JOSÉ AGENOR DE ARAGÃO
PROCURADOR(A): PAULO CEZAR RAMOS DE OLIVEIRA
Certifico que este processo foi incluído como item 14 na Pauta da Sessão Virtual - Resolução CNJ 591/24, disponibilizada no DJEN de 27/10/2025, e julgado na sessão iniciada em 13/11/2025 às 00:00 e encerrada em 13/11/2025 às 17:45.
Certifico que a 4ª Câmara de Direito Civil, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 4ª CÂMARA DE DIREITO CIVIL DECIDIU, POR UNANIMIDADE, CONHECER DO RECURSO E NEGAR-LHE PROVIMENTO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador JOSÉ AGENOR DE ARAGÃO
Votante: Desembargador JOSÉ AGENOR DE ARAGÃO
Votante: Desembargador SELSO DE OLIVEIRA
Votante: Desembargadora ERICA LOURENCO DE LIMA FERREIRA
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