RECURSO – Documento:6926586 ESTADO DE SANTA CATARINA TRIBUNAL DE JUSTIÇA Apelação Criminal Nº 5003607-08.2024.8.24.0015/SC RELATOR: Desembargador SÉRGIO RIZELO RELATÓRIO Na Comarca de Canoinhas, o Ministério Público do Estado de Santa Catarina ofereceu denúncia contra F. A. E., imputando-lhe a prática dos crimes previstos nos arts. 48 e 60, ambos da Lei 9.605/98 (evento 1, DOC1). Concluída a instrução, o Doutor Juiz de Direito julgou improcedente a exordial acusatória e absolveu F. A. E. com fundamento no disposto no art. 386, V, do Código de Processo Penal (evento 69, DOC1). Insatisfeito, o Ministério Público Estadual deflagrou recurso de apelação (evento 76, DOC1).
(TJSC; Processo nº 5003607-08.2024.8.24.0015; Recurso: Recurso; Relator: Desembargador SÉRGIO RIZELO; Órgão julgador: ; Data do Julgamento: 18 de novembro de 2025)
Texto completo da decisão
Documento:6926586 ESTADO DE SANTA CATARINA TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Apelação Criminal Nº 5003607-08.2024.8.24.0015/SC
RELATOR: Desembargador SÉRGIO RIZELO
RELATÓRIO
Na Comarca de Canoinhas, o Ministério Público do Estado de Santa Catarina ofereceu denúncia contra F. A. E., imputando-lhe a prática dos crimes previstos nos arts. 48 e 60, ambos da Lei 9.605/98 (evento 1, DOC1).
Concluída a instrução, o Doutor Juiz de Direito julgou improcedente a exordial acusatória e absolveu F. A. E. com fundamento no disposto no art. 386, V, do Código de Processo Penal (evento 69, DOC1).
Insatisfeito, o Ministério Público Estadual deflagrou recurso de apelação (evento 76, DOC1).
Em suas razões, requer a condenação de F. A. E. nos exatos termos da denúncia (evento 76, DOC1).
F. A. E. ofereceu contrarrazões pelo conhecimento e desprovimento do reclamo (evento 95, DOC1).
A Procuradoria de Justiça Criminal, em parecer lavrado pelo Excelentíssimo Procurador de Justiça Rui Arno Richter, manifestou-se pelo conhecimento e provimento do apelo (evento 11, DOC1).
VOTO
O recurso preenche os pressupostos objetivos e subjetivos de admissibilidade, razão pela qual deve ser conhecido.
No mérito, cabe dar-lhe parcial provimento.
1. A materialidade dos fatos descritos na inicial, ao menos no que especifica "fazer funcionar" obra potencialmente poluidora sem licença e "impedir a regeneração natural de vegetação" (evento 1, DOC1), em que pese a insurgência defensiva, vem positivada no termo circunstanciado carreado ao processo 5001893-13.2024.8.24.0015/SC, evento 1, DOC1; no auto de infração ambiental, no relatório de fiscalização e no boletim de ocorrência, todos do processo 5001893-13.2024.8.24.0015/SC, evento 1, DOC2; e na prova oral, incluindo a confissão da Apelada F. A. E., que pretendia-se qualificada (por negar o desmatamento de vegetação à colocação em funcionamento de um açude, dizendo já existir, no local, um banhado, mas admitindo haver tirado "a terra para colocar ao lado", "limpando" a lama e depositando-a nas laterais do reservatório de água, no evento 62, DOC1), mas que, na prática, confirmou a intervenção humana em área de preservação permanente, tendo, ademais, reconhecido a presença antecedente de curso natural de água na localidade (tornando a região uma área de preservação permanente).
É ainda atestada a ocorrência dos referidos danos e potenciais danos ao meio ambiente pelas palavras dos Policiais Militares ambientais N. B. D. S. e M. S. O., que agregaram, em Juízo (evento 62, DOC1), a constatação dos citados delitos, a medição da área atingida e a inexistência de autorização à realização das ações descritas. Acrescentou, ademais, o segundo, que informalmente foi-lhe revelado que seria construído no local um "quiosque", evidenciando que a ação sobre a natureza deu-se dolosamente e com objetivo de ocupação humana (o que vem também inserido no relatório de fiscalização do processo 5001893-13.2024.8.24.0015/SC, evento 1, DOC2).
Quanto à alegação de prévia existência, no terreno, de um "tanque" (ou seja, de barramento da área), sustentada pela Apelada (evento 62, DOC1), embora não corresponda precisamente à realidade (porque demonstrado na documentação de fiscalização que existia, em verdade, "vegetação esparsa, compatível com as características ecológicas da área úmida" até o início do ano de 2023, quando, aparentemente, iniciaram-se as intervenções antrópicas, como muito bem explanado nas razões recursais do evento 76, DOC1), vem apenas a confirmar que é incontroversa a existência de tal alagamento voluntário de área; o que é reforçado pelo reconhecimento, também por parte dela, em alegações finais (elaboradas por Excelentíssimo Defensor constituído), de haver efetuado, ao menos, a "limpeza de uma área de 543m² para fazer um tanque novo" (evento 66, DOC1), extensão esta que estaria inserida no total de 2.600m² referidos na denúncia.
Disso se extrai, também, a prova da autoria dos fatos. É que a efetiva construção de açude foi reconhecida parcialmente pela Defesa técnica (e não foi contrariada pelas palavras da Apelada), quanto à área de 543m²; e a interferência no restante da área considerada (totalizando 2.600m²) foi confessada por F. A. E. (evento 62, DOC1), ao descrever haver movido a lama do terreno, visando a ali fazer funcionar um "tanque" previamente instalado.
Mas ainda que F. A. E. alegue que não "construiu" a barragem para implementação do reservatório maior (admitindo haver promovido a construção do menor, sem dizer, tampouco, que tenha implementado barragem para tanto), isso foi desconstituído pela prova documental, elaborada a partir de avaliação de imagens de satélite (para levantamento do histórico da área), e pelo uso de aeronave remotamente pilotada (RPA), e de softwares de processamento de imagem, no evento 1, DOC2, atestando ser inexistente antes do ano de 2022 a alteração ambiental constatada (época em que o terreno já estava sob a responsabilidade da Acusada). Mais uma vez destaca-se argumento relevante trazido à luz pela Acusação:
Importante destacar que a ausência de vegetação arbórea densa na área demarcada em vermelho na imagem de 2012, ao contrário do que se observa nas bordas da propriedade, não indica, por si só, qualquer intervenção humana anterior, como remoção de vegetação ou drenagem. Ao contrário, essa configuração é típica de banhados, onde a vegetação é adaptada ao solo encharcado e composta predominantemente por espécies herbáceas, gramíneas, vegetação palustre e outras formas não arbóreas. Conforme expressamente dispõe o artigo 3º, inciso II, da Lei n. 12.651/2012, a Área de Preservação Permanente pode estar "coberta ou não por vegetação nativa". As imagens de 2023 já indicam o início de intervenções antrópicas, mas também revelam uma maior cobertura vegetal na área em comparação à imagem de 2012. Essa diferença de aspecto, mais verde e densa, reflete a própria dinâmica sazonal dos ambientes úmidos, cuja vegetação varia ao longo do tempo conforme o regime de chuvas e o nível de saturação do solo (evento 76, DOC1).
Acrescenta-se que a Apelada F. A. E., afora a simples alegação da existência de barragem/tanque anterior no terreno, que é eficazmente contraditada na documentação elaborada pelos Policiais Militares ambientais, não trouxe ao processo comprovação idônea de que fosse verídico seu relato quanto a isso, nem preocupou-se com a obtenção de autorizações públicas, se fosse o caso, para sua suposta reativação, que tampouco poderia ocorrer se instalado ilicitamente no local o barramento (mesmo que antes da aquisição da terra), diante da evidente retomada da área por vegetação nativa (configurando exatamente a ação de impedir ou dificultar a sua regeneração, prevista no art. 48 da Lei de Crimes Ambientais).
Logo, a autoria dos fatos delituosos é plenamente comprovada.
Tais fatos, além disso, correspondem perfeitamente à descrição constante na inicial acusatória, não havendo se falar, no presente, de prejuízo à correção ou à adstrição entre a denúncia e aquilo que foi comprovado na instrução.
É que, conforme a fundamentação dos tópicos que antecedem, identificou-se que F. A. E., voluntariamente, não só construiu (segundo confissão parcial e demonstração da prova documental), como fez funcionar (o que foi integralmente confessado) reservatório artificial em curso d'água, tipo tanque, inclusive com barramento artificial da área pelo deslocamento de solo, sem autorização ou licença de autoridade ambiental; e em fazendo-o, impediu a regeneração natural de vegetação em área de 2.600m², de preservação permanente.
A isso se pode somar, para que não restem dúvidas, que não existe especificação de área mínima atingida pelos delitos ambientais para que sejam configuradas as ações do agente infrator como crimes, na forma da Lei. Assim, mesmo que restasse comprovado que a Apelada houvesse instalado apenas um dos tanques em seu terreno, isso representaria a consumação delitiva, pouco importando que a área efetivamente atingida fosse menor do que aquela constante na incoativa, já que caracterizada mera hipótese de comprovação parcial dos fatos da denúncia (que igualmente insere-se no enquadramento jurídico lá apontado).
De mais a mais, a descrição da inicial permitiu à Apelada o exercício da ampla defesa, estando claros, pela leitura da narrativa da denúncia, os fatos imputados a ela. O princípio da congruência visa a garantir que o sujeito acusado de cometer um crime saiba a razão de ser processado, e possa disso defender-se; e é certo que, no presente, houve respeito pleno a essa garantia de F. A. E.. Daí porque, entende-se inteiramente superado o argumento que busca absolvição por incongruência.
2. Há, todavia, a necessidade da tomada, de ofício, de providência favorável à Apelada.
É que, embora comprovadas a autoria e a materialidade dos fatos descritos na denúncia, tem-se que aquele caracterizador do crime pormenorizado no art. 48 da Lei 9.605/98 ("Impedir ou dificultar a regeneração natural de florestas e demais formas de vegetação") configura post factum impunível (enquanto crime, embora torne o delito antecedente mais reprovável), porque consequência natural do crime anterior (que deu-lhe causa).
Ora, o impedimento da regeneração natural da vegetação local é nada menos do que consequência inevitável da construção e promoção do funcionamento de tanque artificial em curso d'água natural, ato este que constitui, em si, o primeiro delito descrito na denúncia (Lei 9.605/98, art. 60). E, por óbvio, tal funcionamento não era momentâneo, senão tinha a intenção de permanência, visto tratar-se de verdadeiro açude, à margem do qual, inclusive, poderia ser construído quiosque para utilização humana, de tal modo que a cobertura do solo com supressão mecânica da capacidade de regeneração vegetal, necessariamente, ocorreria.
Em caso muito similar, envolvendo os delitos aqui tratados, já decidiu o Superior TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Apelação Criminal Nº 5003607-08.2024.8.24.0015/SC
RELATOR: Desembargador SÉRGIO RIZELO
EMENTA
APELAÇÃO CRIMINAL. Construir E fazer funcionar obra potencialmente poluidora, sem licença ou autorização dos órgãos ambientais competentes (LEI 9.605/98, art. 60) E IMPEDIR OU DIFICULTAR A REGENERAÇÃO NATURAL DE FLORESTAS E DEMAIS FORMAS DE VEGETAÇÃO (LEI 9.605/98, art. 48). SENTENÇA ABSOLUTÓRIA. RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO.
1. PROVAS DA MATERIALIDADE E AUTORIA. RELATóRIOS DE FISCALIZAÇÃO. RELATOS DAS TESTEMUNHAS. 2. dificultar a regeneração natural de vegetação. barreira mecânica. INUNDAÇÃO DE TERRENO. 3. DOSIMETRIA. 3.1. CIRCUNSTÂNCIAS DO DELITO. EXTENSÃO DA ÁREA AFETADA. 3.2. CONSEQUÊNCIAS DO DELITO. IMPEDIR A REGENERAÇÃO DE VEGETAÇÃO. 3.3. AGRAVANTE DO ESPAÇO TERRITORIAL ESPECIALMENTE PROTEGIDO (LEI 9.605/98, ART. 15, II, "L"). LAUDO PERICIAL. 4. REMUNERAÇÃO DE DEFENSORA NOMEADA. ATUAÇÃO EM SEGUNDA INSTÂNCIA. PARÂMETROS DE FIXAÇÃO (RESOLUÇÃO 5/19-CM/TJSC).
1. A documentação de fiscalização, elaborada por agentes capacitados para tanto, e instruída com fotografias e imagens de satélite; e os relatos, de policiais militares ambientais, da construção e operação de obra potencialmente poluidora e capaz de prejudicar a regeneração natural de vegetação, não desconstituídos pela Defesa; fazem prova da materialidade e da autoria do cometimento de delito ambiental.
2. Praticados no mesmo contexto e por meio do mesmo ato, o delito de impedir a regeneração natural da flora por barreira mecânica configura pós-fato impunível do crime de construir e fazer funcionar obra potencialmente poluidora, consistente em reservatório artificial d'água, tipo tanque.
3.1. É cabível a exasperação da pena-base da infração penal de construção e promoção de obra potencialmente poluidora, na fração de 1/6, por haver atingido área de considerável extensão, qual seja, de 2.600m².
3.1. É cabível a exasperação da pena-base do delito de construção e promoção de obra potencialmente poluidora, na fração de 2/3, por haver impedido a regeneração natural da vegetação por ela diretamente afetada.
3.3. Sendo cometido o crime de construção e promoção de obra potencialmente poluidora em área de preservação permanente, deve incidir, na dosimetria da pena, a agravante prevista por haver a agente cometido o delito no interior de espaço territorial especialmente protegido.
4. A defensora nomeada que atua em Segunda Instância, em favor de acusada em ação penal, faz jus à remuneração arbitrada conforme o item 10.4 da tabela anexa à Resolução 5/19-CM/TJSC.
RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. DE OFÍCIO, FIXADA REMUNERAÇÃO À DEFENSORA NOMEADA.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 2ª Câmara Criminal do decidiu, por unanimidade, conhecer do recurso e dar-lhe parcial provimento para condenar F. A. E. à pena de 1 mês e 15 dias de detenção, a ser resgatada no regime inicialmente aberto, substituída a privativa de liberdade por uma restritiva de direitos, consistente na prestação pecuniária de valor equivalente ao do salário mínimo, e ao pagamento de R$ 5.900,00 a título de compensação mínima pelo dano ambiental ocasionado, pela prática do crime previsto no art. 60 da Lei 9.605/98; e fixar remuneração à Excelentíssima Defensora nomeada no valor de R$ 409,11, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 18 de novembro de 2025.
assinado por SÉRGIO RIZELO, Desembargador Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://2g.tjsc.jus.br//verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 6926587v19 e do código CRC 7c2df5fb.
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Signatário (a): SÉRGIO RIZELO
Data e Hora: 11/11/2025, às 15:30:49
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Extrato de Ata EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL - RESOLUÇÃO CNJ 591/24 DE 11/11/2025 A 18/11/2025
Apelação Criminal Nº 5003607-08.2024.8.24.0015/SC
RELATOR: Desembargador SÉRGIO RIZELO
PRESIDENTE: Desembargadora HILDEMAR MENEGUZZI DE CARVALHO
PROCURADOR(A): ARY CAPELLA NETO
Certifico que este processo foi incluído como item 67 na Pauta da Sessão Virtual - Resolução CNJ 591/24, disponibilizada no DJEN de 27/10/2025, e julgado na sessão iniciada em 11/11/2025 às 00:00 e encerrada em 11/11/2025 às 15:27.
Certifico que a 2ª Câmara Criminal, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 2ª CÂMARA CRIMINAL DECIDIU, POR UNANIMIDADE, CONHECER DO RECURSO E DAR-LHE PARCIAL PROVIMENTO PARA CONDENAR F. A. E. À PENA DE 1 MÊS E 15 DIAS DE DETENÇÃO, A SER RESGATADA NO REGIME INICIALMENTE ABERTO, SUBSTITUÍDA A PRIVATIVA DE LIBERDADE POR UMA RESTRITIVA DE DIREITOS, CONSISTENTE NA PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA DE VALOR EQUIVALENTE AO DO SALÁRIO MÍNIMO, E AO PAGAMENTO DE R$ 5.900,00 A TÍTULO DE COMPENSAÇÃO MÍNIMA PELO DANO AMBIENTAL OCASIONADO, PELA PRÁTICA DO CRIME PREVISTO NO ART. 60 DA LEI 9.605/98; E FIXAR REMUNERAÇÃO À EXCELENTÍSSIMA DEFENSORA NOMEADA NO VALOR DE R$ 409,11.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador SÉRGIO RIZELO
Votante: Desembargador SÉRGIO RIZELO
Votante: Desembargador NORIVAL ACÁCIO ENGEL
Votante: Desembargadora HILDEMAR MENEGUZZI DE CARVALHO
RAMON MACHADO DA SILVA
Secretário
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