RECURSO – DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. PLANO DE SAÚDE. NEGATIVA DE COBERTURA DE TRATAMENTO PREVIAMENTE AUTORIZADO. MÁ-FÉ PROCESSUAL. DANO MORAL CONFIGURADO. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.
I. CASO EM EXAME: Apelação cível interposta por operadora de plano de saúde contra sentença que julgou procedentes os pedidos formulados em ação de obrigação de fazer cumulada com indenização por danos morais, determinando a continuidade de tratamento médico com medicamento antiangiogênico intravítreo, anteriormente autorizado pela operadora, bem como o pagamento de indenização por danos morais e a aplicação de penalidades por descumprimento de ordem judicial. A sentença também aplicou multas por ato atentatório à dignidade da justiça e litigância de má-fé em razão de reiterados descumprimentos da tutela de urgência deferida.
II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO: A questão em discussão consiste em verifica...
(TJSC; Processo nº 5012042-26.2023.8.24.0008; Recurso: Recurso; Relator: Desembargadora HAIDÉE DENISE GRIN; Órgão julgador: ; Data do Julgamento: 24 de fevereiro de 2023)
Texto completo da decisão
Documento:6941330 ESTADO DE SANTA CATARINA TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Apelação Nº 5012042-26.2023.8.24.0008/SC
RELATORA: Desembargadora HAIDÉE DENISE GRIN
RELATÓRIO
E. M. D. S. R. propôs "ação de obrigação de fazer c/c pedido de tutela de urgência", perante a 4ª Vara Cível da Comarca de Blumenau, inicialmente contra a SERVMED CLÍNICA MÉDICA DO TRABALHO LTDA. (evento 1, da origem). Posteriormente, houve modificação no polo passivo da demanda, passando a integrar a lide a empresa CLINIPAM – Clínica Paranaense de Assistência Médica Ltda. (evento 10, da origem).
Forte no princípio da celeridade e utilizando das ferramentas informatizadas, adota-se o relatório da sentença recorrida, por sintetizar o conteúdo dos autos (evento 129, da origem), in verbis:
Aduz a autora que é cliente desde 1990, quando adquiriu o plano de saúde empresarial. Alega que vinha fazendo o tratamento ocular quimiotegerápico com antigiogênio, com cobertura da requerida, quando, sem justificativa, em abril de 2023, a parte ré negou a cobertura do procedimento. Requer, assim, seja condenada a parte ré a custear o tratamento da parte autora.
A liminar foi concedida (ev. 18.1).
Citada, a parte ré apresentou contestação (ev. 30.1), argumentou que o contrato tinha cláusula expressa de exclusão dos procedimentos solicitados.
Houve notícia de reiterados descumprimentos da tutela concedida (ev. 34.1, ev. 44.1 e ev. 51.1).
Foi determinado o sequestro dos valores (ev. 56.1).
Houve réplica (ev. 81.1).
Saneado o feito, as partes foram intimadas das provas que pretendiam produzir (ev. 83.1).
Foi designada audiência de instrução e julgamento (ev. 94.1).
As partes apresentaram alegações finais remissivas (ev. 115.1).
A parte ré apresentou novas alegações finais (ev. 125.1).
Na parte dispositiva da sentença pelo MM. Juiz de Direito Iolmar Alves Baltazar, constou:
ISSO POSTO, JULGO PROCEDENTES os pedidos iniciais para:
(a) confirmando a liminar do evento 18, DETERMINAR que a parte ré autorize e custeie o tratamento médico indicado até o final do tratamento, sob pena de multa diária de R$ 10.000,00, limitada inicialmente ao valor total de R$ 100.000,00, sem prejuízo da possibilidade de sequestro de valores; e
(b) CONDENO a parte ré ao pagamento, em favor da parte autora, de indenização por danos morais, arbitrada na ordem de R$ 8.000,00, a ser corrigida monetariamente, pelo INPC, desde a data desta sentença, e acrescida de juros de mora à taxa 1% ao mês, contados do evento danoso - data da primeira negativa.
Diante da sucumbência, CONDENO a parte ré ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, os quais arbitro no patamar de 15% (quinze por cento) sobre o valor da condenação, nos termos do disposto no artigo 85, § 2º, do Código de Processo Civil.
Pela prática de Ato Atentatório à Dignidade da Justiça, confirmando a decisão evento 56, CONDENO a parte ré ao pagamento de multa equivalente a 10% (dez por cento) do valor atualizado da causa, em favor do Fundo de Modernização do Pelo descumprimento da ordem judicial, reconheço a litigância de má-fé da ré e a CONDENO ao pagamento de multa em favor da autora equivalente a 5% (cinco por cento) sobre o valor atualizado da causa.
P.R.I. Cumpra-se.
Transitada em julgado, arquivem-se.
Irresignada, a operadora do plano de saúde ré interpôs o presente apelo (evento 136, da origem).
Nas suas razões recursais, afirmou que a autora ajuizou ação de obrigação de fazer cumulada com pedido de indenização por danos morais, sob alegação de negativa de cobertura para tratamento com medicamento antiangiogênico intravítreo, apesar de autorização anterior.
Relatou que a autora é beneficiária de plano de saúde contratado antes da vigência da Lei nº 9.656/1998 e que o referido contrato continha cláusulas expressas de exclusão de cobertura, entre as quais se incluía o tratamento requerido. Que a negativa de cobertura se baseou em cláusula contratual válida e vigente, de amplo conhecimento da beneficiária, e que jamais houve negativa quanto aos procedimentos contratualmente previstos.
Ponderou que foi oferecida à beneficiária a possibilidade de migração para plano adaptado à nova legislação, com cobertura ampliada, o que foi recusado. Que a sentença recorrida não observou os limites contratuais válidos à época da contratação, tampouco a legislação aplicável aos contratos anteriores à Lei nº 9.656/1998, citando o art. 35 da referida norma e a Resolução Normativa nº 254/2011 da ANS.
Arrazoou que, ausente cobertura contratual, não poderia ser compelida judicialmente a autorizar o tratamento, tampouco sofrer condenações por descumprimento contratual.
Defendeu que a condenação ao pagamento de indenização por danos morais não se sustentava, haja vista a inexistência de ato ilícito, nexo causal e dano efetivamente comprovado, e que eventuais dissabores decorrentes da negativa de cobertura não se enquadravam nos critérios caracterizadores do dano moral indenizável.
Por fim, pugnou pelo provimento do recurso com a reforma da sentença para julgar improcedente a pretensão autoral, ou, alternativamente, para que fosse reduzido o valor da indenização por danos morais.
Sem contrarrazões (evento 145, da origem), os autos ascenderam a esta Corte de Justiça.
Este é o relatório.
VOTO
Preenchidos os requisitos extrínsecos/intrínsecos de admissibilidade, o recurso merece ser conhecido.
A controvérsia recursal cinge-se à legalidade da negativa de cobertura de tratamento médico com aplicação de medicamento antiangiogênico intravítreo para edema macular diabético, sob a alegação de cláusula contratual excludente e da inaplicabilidade da Lei nº 9.656/1998 ao contrato celebrado anteriormente à sua vigência, bem como à configuração e à quantificação do dano moral decorrente da interrupção indevida do tratamento autorizado.
Segundo consta dos autos, a autora é beneficiária de plano de saúde celebrado originariamente com a operadora SERVMED na década de 1990, e posteriormente sucedido pela CLINIPAM. Foi comprovado que, em 24 de fevereiro de 2023, a paciente iniciou o tratamento prescrito pelo oftalmologista Dr. Marcus Grigato Campos, com a realização da primeira aplicação do fármaco (evento 1, LAUDO16, da origem). O procedimento foi autorizado e custeado pela operadora de saúde, conforme indicado no campo “convênio” do referido documento. Veja-se:
Todavia, após a prescrição de continuidade do tratamento com mais duas aplicações do mesmo medicamento (evento 1, LAUDO18, da origem), a operadora negou a cobertura, alegando exclusão contratual.
A questão central, portanto, reside na legitimidade da recusa posterior ao início de um tratamento previamente autorizado, considerando a expectativa legítima criada na beneficiária pela anuência inicial da operadora.
A conduta adotada pela ré revela contradição injustificada entre a autorização da primeira aplicação e a negativa das aplicações subsequentes do mesmo protocolo terapêutico. Ressalta-se que a continuidade do tratamento não configurou procedimento novo ou desvinculado da primeira etapa, mas sim prolongamento necessário para eficácia clínica, conforme demonstrado pelos documentos médicos emitidos pelo profissional responsável. Veja-se:
Nesse contexto, impõe-se a incidência do princípio do venire contra factum proprium, que veda comportamento contraditório e protege a legítima confiança depositada por uma parte em conduta anterior da outra. Ao autorizar a primeira aplicação, a operadora assumiu postura que gerou na autora a expectativa de continuidade do tratamento, não sendo admissível que, sem qualquer modificação do quadro clínico ou alteração no contrato, venha posteriormente negar a cobertura das aplicações subsequentes com base em cláusula contratual que não foi oposta anteriormente.
Cumpre destacar que a operadora, embora tenha alegado a existência de cláusula de exclusão, não apresentou nos autos justificativa concreta para a mudança de entendimento, tampouco demonstrou qualquer fato novo que justificasse a nova interpretação contratual.
No tocante à alegação de inaplicabilidade da Lei nº 9.656/1998 aos contratos anteriores à sua vigência, embora não se desconheça tratar-se de orientação consolidada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do Tema 1234 da Repercussão Geral, tal orientação não exime a operadora da obrigação de observar os princípios fundamentais do Código de Defesa do Consumidor, notadamente os da boa-fé objetiva, da função social do contrato e da vedação ao comportamento contraditório.
A propósito, a própria conduta adotada pela operadora no caso concreto colide com a orientação que invoca, uma vez que, ainda que o contrato não esteja adaptado às disposições da Lei nº 9.656/98, houve autorização expressa do tratamento pela ré, com custeio da primeira aplicação do medicamento antiangiogênico intravítreo, fato que configura renúncia voluntária à cláusula de exclusão contratual anteriormente invocada.
Dessa forma, ao negar a continuidade do tratamento previamente autorizado — sem apresentar nenhuma justificativa técnica ou contratual superveniente — a operadora incorreu em comportamento contraditório, vedado pelo princípio do venire contra factum proprium. Não se pode admitir que uma operadora de plano de saúde, após criar legítima expectativa de cobertura e induzir a beneficiária à continuidade do tratamento, altere unilateralmente sua conduta, causando ruptura na assistência médica já iniciada.
Esse proceder revela violação à boa-fé contratual e caracteriza prática abusiva, passível de controle judicial independentemente do regime legal aplicável ao contrato.
No que tange ao dano moral, restou demonstrado nos autos que a autora, paciente portadora de edema macular diabético, teve seu tratamento essencial à preservação da visão interrompido por ato da operadora, que anteriormente havia autorizado o mesmo procedimento. A frustração da legítima expectativa, aliada à natureza do tratamento e ao risco de agravamento da condição clínica, excede os limites do mero aborrecimento, configurando lesão a direito da personalidade.
Dessa forma, a sentença não merece reparo ao reconhecer que a autora, ao ter seu tratamento subitamente interrompido, sofreu dano extrapatrimonial que ultrapassa o mero dissabor. A situação é agravada pelo fato de se tratar de paciente diabética, em tratamento oftalmológico voltado à preservação da visão, conferindo especial sensibilidade e relevância ao contexto.
Quanto ao valor arbitrado, de R$ 8.000,00, não se mostra desproporcional, nem excessivo, diante das circunstâncias do caso - lamentável postura adotada pela operadora ré ao longo do processo, com os reiterados e injustificáveis descumprimentos da medida de urgência concedida -, observando os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, razão pela qual deve ser mantido.
Portanto, configurado o dano moral e adequada sua quantificação, não merece acolhida a pretensão recursal nesse aspecto.
Dos honorários recursais
Em arremate, a sentença ora analisada e mantida por este e. Órgão fracionário, foi prolatada sob a égide do novo ordenamento processual civil, impondo o arbitramento de honorários sucumbenciais recursais, nos termos do art. 85, § 11, do Código de Processo Civil, obedecendo os requisitos pelo Superior TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Apelação Nº 5012042-26.2023.8.24.0008/SC
RELATORA: Desembargadora HAIDÉE DENISE GRIN
EMENTA
EMENTA: DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. PLANO DE SAÚDE. NEGATIVA DE COBERTURA DE TRATAMENTO PREVIAMENTE AUTORIZADO. MÁ-FÉ PROCESSUAL. DANO MORAL CONFIGURADO. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.
I. CASO EM EXAME: Apelação cível interposta por operadora de plano de saúde contra sentença que julgou procedentes os pedidos formulados em ação de obrigação de fazer cumulada com indenização por danos morais, determinando a continuidade de tratamento médico com medicamento antiangiogênico intravítreo, anteriormente autorizado pela operadora, bem como o pagamento de indenização por danos morais e a aplicação de penalidades por descumprimento de ordem judicial. A sentença também aplicou multas por ato atentatório à dignidade da justiça e litigância de má-fé em razão de reiterados descumprimentos da tutela de urgência deferida.
II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO: A questão em discussão consiste em verificar: (i) a legalidade da negativa de continuidade do tratamento médico previamente autorizado pela operadora de plano de saúde; e (ii) a caracterização do dano moral decorrente da interrupção do tratamento, bem como a manutenção das penalidades aplicadas por descumprimento de decisão judicial.
III. RAZÕES DE DECIDIR: 3.1. Comprovada a autorização da primeira aplicação do medicamento prescrito e a posterior negativa injustificada das aplicações subsequentes, resta configurado comportamento contraditório da operadora, vedado pelo princípio do venire contra factum proprium. 3.2. A expectativa legítima da continuidade do tratamento, criada pela autorização inicial, não pode ser frustrada sem fundamentação técnica ou contratual superveniente, ainda que o contrato seja anterior à Lei nº 9.656/1998. 3.3. A conduta da operadora violou os princípios da boa-fé objetiva e da função social do contrato, caracterizando prática abusiva passível de controle judicial. 3.4. A interrupção abrupta do tratamento essencial à preservação da visão, somada à condição clínica da beneficiária e à lamentável postura adotada pela ré ao longo do processo, com os reiterados e injustificáveis descumprimentos da medida de urgência concedida, extrapola o mero aborrecimento, configurando dano moral indenizável. 3.5. O valor fixado a título de danos morais (R$ 8.000,00) observa os critérios da razoabilidade e proporcionalidade. 3.6. Diante do desprovimento do recurso, aplica-se a majoração dos honorários advocatícios recursais, conforme § 11 do art. 85 do CPC.
IV. DISPOSITIVO E TESE: Recurso desprovido.
Tese de julgamento:“1. É indevida a negativa de continuidade de tratamento médico previamente autorizado pela operadora de plano de saúde, por configurar comportamento contraditório e ofensa à boa-fé objetiva. 2. A interrupção de tratamento essencial à saúde do beneficiário, somado a negativa de cumprimento de ordem judicial, enseja indenização por danos morais.”
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 7ª Câmara de Direito Civil do decidiu, por unanimidade, conhecer do recurso e negar-lhe provimento, mantendo-se integralmente a sentença de primeiro grau, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 13 de novembro de 2025.
assinado por HAIDÉE DENISE GRIN, Desembargadora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://2g.tjsc.jus.br//verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 6941331v3 e do código CRC 296f0097.
Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): HAIDÉE DENISE GRIN
Data e Hora: 14/11/2025, às 16:02:50
5012042-26.2023.8.24.0008 6941331 .V3
Conferência de autenticidade emitida em 16/11/2025 09:10:31.
Identificações de pessoas físicas foram ocultadas
Extrato de Ata EXTRATO DE ATA DA SESSÃO ORDINÁRIA FÍSICA DE 13/11/2025
Apelação Nº 5012042-26.2023.8.24.0008/SC
RELATORA: Desembargadora HAIDÉE DENISE GRIN
PRESIDENTE: Desembargador OSMAR NUNES JÚNIOR
PROCURADOR(A): ALEX SANDRO TEIXEIRA DA CRUZ
SUSTENTAÇÃO ORAL POR VIDEOCONFERÊNCIA: JAMES DA CUNHA RIBEIRO BARROS por CLINIPAM - CLINICA PARANAENSE DE ASSISTENCIA MEDICA LTDA
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Ordinária Física do dia 13/11/2025, na sequência 31, disponibilizada no DJe de 27/10/2025.
Certifico que a 7ª Câmara de Direito Civil, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 7ª CÂMARA DE DIREITO CIVIL DECIDIU, POR UNANIMIDADE, CONHECER DO RECURSO E NEGAR-LHE PROVIMENTO, MANTENDO-SE INTEGRALMENTE A SENTENÇA DE PRIMEIRO GRAU.
RELATORA DO ACÓRDÃO: Desembargadora HAIDÉE DENISE GRIN
Votante: Desembargadora HAIDÉE DENISE GRIN
Votante: Desembargador CARLOS ROBERTO DA SILVA
Votante: Desembargador OSMAR NUNES JÚNIOR
TAIARA MONIQUE BARBOSA SANTOS
Secretária
Conferência de autenticidade emitida em 16/11/2025 09:10:31.
Identificações de pessoas físicas foram ocultadas