Órgão julgador: Turma Cível, unânime, rel. Des. James Eduardo Oliveira, j. em 29.4.2015).
Data do julgamento: 19 de dezembro de 2006
Ementa
RECURSO ESPECIAL – Documento:7073381 ESTADO DE SANTA CATARINA TRIBUNAL DE JUSTIÇA Apelação Nº 5069191-56.2025.8.24.0930/SC DESPACHO/DECISÃO I. D. S. interpôs APELAÇÃO contra a sentença proferida nos autos da ação revisional, que tramitou no Juízo de Direito da Unidade Estadual de Direito Bancário, na qual foi julgado procedente, em parte, o intento autoral, com a ordem para descaracterização da mora, redução dos juros remuneratórios à média de mercado, acrescida de 50%, bem como a condenação da ré na repetição simples do que foi pago em excesso. Aduziu a recorrente que os juros remuneratórios devem ser reduzidos à média de mercado, sem acréscimo, que os ônus sucumbenciais comportam redistribuição e os honorários advocatícios majoração.
(TJSC; Processo nº 5069191-56.2025.8.24.0930; Recurso: Recurso Especial; Relator: ; Órgão julgador: Turma Cível, unânime, rel. Des. James Eduardo Oliveira, j. em 29.4.2015).; Data do Julgamento: 19 de dezembro de 2006)
Texto completo da decisão
Documento:7073381 ESTADO DE SANTA CATARINA TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Apelação Nº 5069191-56.2025.8.24.0930/SC
DESPACHO/DECISÃO
I. D. S. interpôs APELAÇÃO contra a sentença proferida nos autos da ação revisional, que tramitou no Juízo de Direito da Unidade Estadual de Direito Bancário, na qual foi julgado procedente, em parte, o intento autoral, com a ordem para descaracterização da mora, redução dos juros remuneratórios à média de mercado, acrescida de 50%, bem como a condenação da ré na repetição simples do que foi pago em excesso.
Aduziu a recorrente que os juros remuneratórios devem ser reduzidos à média de mercado, sem acréscimo, que os ônus sucumbenciais comportam redistribuição e os honorários advocatícios majoração.
Na sequência, CREFISA S/A – CRÉDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTOS interpôs APELAÇÃO aventando, de início, a nulidade da sentença por falta de fundamentação e por cerceamento de defesa porque, na sua ótica, além de faltar substância ao veredito, a aferição das abusividades ventiladas na inicial depende de dilação probatória. Disse também que o patrono que representa a autora pratica advocacia predatória, o que deveria levar à expedição de ofício ao NUMOPEDE, à OAB e à intimação pessoal da outorgante a fim de checar se foi espontânea a contratação do advogado.
Incursionando no mérito, defendeu que a taxa média de mercado divulgada pelo Banco Central do Brasil não pode ser utilizada como único parâmetro para aferição de abusividades. Por isso, com apego no brocardo jurídico pacta sunt servanda, asseverou que os juros remuneratórios não comportam revisão porque, além de terem sido expressamente aceitos, não revelam abusividade diante do perfil de alto risco da contratante, que apresenta histórico de negativações. Requereu, caso venha a ser confirmada a alteração das taxas de juros previstas nos contratos, que o índice não seja inferior a 1,5 vezes a média de mercado. Pleiteou a redução do valor arbitrado a título de honorários sucumbenciais devidos ao patrono que representa a autora e, por fim, alegou que não cabe a devolução do que já foi pago.
Após apresentadas as contrarrazões, os autos ascenderam a esta Corte de Justiça.
1. Somente a total ausência de fundamentação acarreta a nulidade do decisum. A economia dela, não. Se está justificada, ainda que de passagem, a revisão contratual e a mitigação da taxa compensatória, a decisão está suficientemente fundamentada, não podendo ser acoimada nula (TJSC – Apelação Cível nº 0303637-12.2016.8.24.0023, da Capital, Sétima Câmara de Direito Civil, unânime, rel. Des. Carlos Roberto da Silva, j. em 13.10.2022).
Objetivamente, "não há falar em nulidade da sentença por falta de fundamentação se dela constam as razões de decidir, permitindo o exercício do direito à ampla defesa e ao contraditório. Eventual ausência de enfrentamento, ponto a ponto, de argumentos impertinentes ou incabíveis à discussão, não a torna nula" (TJMG – Apelação Cível nº 1.0000.19.133312-9/001, de Governador Valadares, 2ª Câmara Cível, unânime, relatora Desembargadora Maria Inês Souza, j. em 04.10.2022).
2. A controvérsia invocada em grau de recurso hospeda discussão acerca da (i)legalidade das disposições contratuais pactuadas no negócio jurídico sacramentado entre as partes. A solução disso independe da produção de prova porque se trata de matéria exclusivamente de direito, de modo que a documentação arregimentada aos autos é suficiente para estabelecer vetores de orientação ao desate da quaestio.
"Longe de traduzir cerceamento de defesa, o julgamento antecipado da lide é uma exigência legal quando o cenário do litígio descortina o predomínio da matéria de direito e a suficiente elucidação da matéria de fato" (TJDFT – Apelação Cível nº 20140510043097, de Planaltina, Quarta Turma Cível, unânime, rel. Des. James Eduardo Oliveira, j. em 29.4.2015).
Indo além, "inocorre cerceamento de defesa quando o juiz, fundamentado no livre convencimento motivado, dispensa prova inútil, protelatória ou desnecessária ao deslinde da quaestio" (TJSC – Apelação Cível nº 0302656-79.2017.8.24.0012, de Caçador, Segunda Câmara de Direito Civil, unânime, rel. Des. Monteiro Rocha, j. em 5.4.2023).
Logo, sem que tenha havido afronta a qualquer dos substratos do contraditório, não se há falar em nulidade da sentença por cerceamento de defesa.
3. Fervilha nos escaninhos virtuais do
Quando temperado pela abusividade e pela intenção fraudulenta, o ajuizamento de ações de massa configura prática de advocacia predatória e, conquanto sorrateiramente camuflada pelo direito de acesso à Justiça, deve ser repreendida para que a prestação jurisdicional não equalize nas ondas de baixa frequência, impressas pelo excesso de ações de produção seriada, que impedem a celeridade da marcha processual. Na separação do joio do trigo, entretanto, exige-se "[...] ainda mais prudência do julgador na certificação de que o abuso ocorreu estreme de dúvidas" (extraído do voto proferido pelo eminente Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, no Recurso Especial nº 1817845/MS, julgado em 10.10.2019 pela Terceira Turma, por maioria).
Neste processo, todavia, não se verifica anomalias que possam justificar a extinção do processo pela ocorrência de advocacia predatória. É que, no contexto endo-processual, a representação da parte é adequada quando atendidos os pressupostos do artigo 105 do Código de Processo Civil e, no caso, além de procuração assinada (§1º) na qual constam os dados do outorgado (§2º e §3º), à inicial vieram acostados cópia do documento pessoal de Iraci, bem como comprovante de residência e extrato de pagamento de benefício previdenciário contemporâneo à propositura da ação.
Ora, "a litigância predatória não se estabelece apenas pelo número de processos, mas pela distorção de institutos processuais e a própria ideia de acesso à Justiça, valendo-se da massificação da conduta como forma de potencializar ganhos. Há uma aposta inerente no sentido de que, sendo vitorioso em alguns casos (o que pode se dar por inúmeras razões, inclusive pela incapacidade da parte contrária de defender-se de tantas demandas) a conduta já gerará ganhos, sendo irrelevante o número de casos em que for derrotado, já que institutos como a gratuidade isentam do custo de ingresso e responsabilidade pela sucumbência.
"O fenômeno, em diversos aspectos, vai além das balizas tradicionais do ato atentatório à dignidade da Justiça e litigância de má-fé, invadindo a seara do ato ilícito pela via do abuso do direito. Ao distorcer o conceito de acesso à Justiça, é viabilizado o ajuizamento de ações sem litigiosidade real, ou, numa terminologia mais contemporânea, autênticas "fake lides". Esse tipo de conduta, como indicado, além de prejudicar a parte contrária, prejudica toda a sociedade, pois consome recursos do
Porque não há elementos seguros, nos autos, a demonstrar que o ajuizamento deste processo é exemplar em letra miúda da advocacia predatória, não há porque determinar-se a intimação pessoal da autora, tampouco a expedição de ofício ao NUMOPEDE e à OAB.
4. Pelo princípio da autonomia da vontade, os capazes podem contratar sem amarras. Entretanto, tal princípio não é aplicável indistintamente, de modo que deve-se atentar para os limites da ordem pública e da função social do contrato (CC, art. 421). De igual modo, o pacta sunt servanda, mandamento jurídico que preconiza que o acordo de vontades faz lei entre as partes, também deve ser flexibilizado a fim de inibir-se a estipulação de cláusulas que porventura desequilibrem a relação contratual, pondo o consumidor em desvantagem exagerada (CDC, art. 51, inc. IV) ou, ainda, que tornem a obrigação excessivamente onerosa para o contratante (CDC, art. 51, § 1º, inc. III) (nesse sentido: TJSP – Apelação Cível nº 1002044-39.2022.8.26.0572, de São Joaquim da Barras, Trigésima Sétima Câmara de Direito Privado, unânime, rel. Des. Sérgio Gomes, j. em 9.1.2023).
Essa linha de raciocínio ganha força na medida em que se notam disposições contratuais que vão de encontro a normas de ordem pública e de interesse social, como as previstas no Código de Defesa do Consumidor (CDC, art. 1º), as quais são inderrogáveis ainda que essa fosse a vontade dos interessados (José Geraldo Brito Filomeno, "Direitos do Consumidor", 15ª ed., São Paulo: Atlas, 2018, pág. 13).
Indo direto ao ponto, é possível, de forma excepcional, a revisão da taxa de juros remuneratórios posta em contratos de mútuo – sobre os quais incidirão as regras emanadas da legislação consumerista – desde que a abusividade fique cabalmente demonstrada, ou seja, quando o consumidor for posto em desvantagem exagerada (STJ – Agravo Interno no Recurso Especial nº 1.920.112/PR, Terceira Turma, unânime, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, j. em 21.2.2022).
I. D. S. entabulou contratos de empréstimo pessoal com Crefisa S/A e, acoimando de abusivos os juros remuneratórios estipulados, busca a revisão dos pactos e a mitigação das respectivas taxas.
Sabe-se que "a estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade" (STJ – Súmula nº 382) e que a taxa média divulgada pelo Banco Central do Brasil representa mero referencial para a constatação de excessividades. É somente perante as particularidades iridescentes do caso concreto que a onerosidade do percentual compensatório poderá ser apurada. Para isso, levar-se-á em consideração circunstâncias, tais qual "o custo da captação dos recursos no local e época do contrato; o valor e o prazo do financiamento; as fontes de renda do cliente; as garantias ofertadas; a existência de prévio relacionamento do cliente com a instituição financeira; análise do perfil de risco de crédito do tomador; a forma de pagamento da operação, entre outros aspectos" (STJ – Recurso Especial nº 1.821.182/RS, Quarta Turma, unânime, relatora Ministra Maria Isabel Gallotti, j. em 29.6.2022).
Desvela-se dos instrumentos contratuais sacramentados entre Iraci e Crefisa que os juros remuneratórios pactuados destoam significativamente da contemporânea média de mercado e, ainda que tenha tido oportunidade para fazê-lo, a instituição financeira não comprovou que a anabolização dos compensatórios foi pautada em concretas condições desfavoráveis para a concessão do crédito. Na verdade, a narrativa ventilada pela ré é genérica, abstrata, e, por isso, não tem o condão de justificar a incidência de taxas elevadas.
A documentação arrebanhada pela ré/recorrente evidencia a pendência de um débito no nome da autora (Evento 21, ANEXO12). Todavia, tal apontamento foi registrado em data posterior (8.6.2021) à dos contratos questionados em Juízo (8.5.2018 e 13.7.2018) e, portanto, não serve para embasar a tese de que o perfil da consumidora contribuiu para a imposição de juros remuneratórios exorbitantes. Aliás, a probabilidade de inadimplência atrelada a Iraci é de 93%, percentual que, coincidentemente, é idêntico aos apresentados pela Crefisa em outras ações revisionais (por exemplo: 5042985-73.2023.8.24.0930, 5007717-89.2022.8.24.0930 e 5057332-14.2023.8.24.0930), o que revela que essa informação, além de imprecisa, é incerta (veja, a propósito: TJSC – Apelação nº 5064217-78.2022.8.24.0930, da Unidade Estadual de Direito Bancário, Quarta Câmara de Direito Comercial, unânime, rel. Des. José Carlos Carstens Kohler, j. em 14.5.2024).
Eis a discrepância identificada:
ContratoDataJuros pactuadosMédia de mercadoSérie Bacen030700047991 (Evento 21, CONTR4)13.7.201818,50% a.m e 666,69% a.a6,74% a.m e 118,72% a.a25464 e 20742 - Crédito pessoal não consignado030700046929 (Evento 21, CONTR5)8.5.201817% a.m e 558,01% a.a6,58% a.m e 114,84% a.a25464 e 20742 - Crédito pessoal não consignado
Embora os juros remuneratórios tenham sido considerados excessivos pelo Juízo a quo, o intérprete deliberou pela aplicação de 150% da média divulgada pelo Banco Central, o que destoa do entendimento desta Câmara (TJSC – Apelação Cível nº 5026175-14.2021.8.24.0018, de Chapecó, Quinta Câmara de Direito Comercial, unânime, relatora Desembargadora Soraya Nunes Lins, j. em 30.3.2023), que encampou decisão do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que "os juros remuneratórios devem ser limitados à taxa média de mercado quando comprovada [...] a significativa discrepância entre a taxa pactuada e a taxa de mercado para operações similares [...]" (Agravo Interno no Agravo em Recurso Especial nº 1.823.166/RS, Quarta Turma, unânime, relator Ministro Marco Buzzi, j. em 21.2.2022).
Destarte, a sentença comporta reforma para que os juros remuneratórios sejam limitados à contemporânea taxa média de mercado divulgada pelo Banco Central do Brasil para operações análogas.
Ao arremate, "a procedência dos pedidos formulados em ação revisional de contrato bancário possibilita tanto a compensação de créditos quanto a devolução da quantia paga indevidamente, em obediência ao princípio que veda o enriquecimento ilícito" (STJ – Agravo Interno no Recurso Especial nº 1.679.635/PR, Quarta Turma, unânime, relator Ministro Antonio Carlos Ferreira, j. em 10.8.2020).
5. Provido o recurso da autora, é necessária a redistribuição dos ônus sucumbenciais. Caberá à ré o pagamento das despesas processuais, além de honorários advocatícios devidos ao patrono que representa Carla.
6. Os honorários de sucumbência fixados em primeira instância – R$ 1.500,00 – para remunerar o trabalho do patrono que representa os interesses da autora não são excessivos tampouco diminutos na perspectiva do disposto no §2º do artigo 85 do Código de Processo Civil, de modo que a verba sucumbencial deve ser mantida tal qual foi originalmente estipulada.
7. Desprovido o recurso da ré, majoro em R$ 300,00 os honorários recursais (CPC, art. 85, § 11), os quais, somados aos R$ 1.500,00 já estipulados, totalizam R$ 1.800,00.
À luz do exposto, conheço dos recursos e, com fulcro no disposto no artigo 932, inciso VIII, do CPC c/c artigo 132, incisos XV e XVI, do RITJSC, nego provimento ao intento da Crefisa S/A e dou provimento à pretensão recursal de Iraci para ordenar a redução dos juros remuneratórios à média de mercado, sem acréscimo.
assinado por ROBERTO LEPPER, Desembargador Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://2g.tjsc.jus.br//verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 7073381v5 e do código CRC 29f7e3a2.
Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): ROBERTO LEPPER
Data e Hora: 13/11/2025, às 19:54:23
5069191-56.2025.8.24.0930 7073381 .V5
Conferência de autenticidade emitida em 16/11/2025 09:08:26.
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