CONFLITO – Direito Processual Civil. Apelação Cível. Extinção Do Processo Sem Resolução Do Mérito. Ausência De Interesse Processual. Falta De Comprovação De Tentativa Prévia De Solução Administrativa. Recomendação Nº 159/2024 Do Cnj. Recurso Desprovido. I. Caso em exame 1. Apelação cível interposta por (...) contra sentença proferida pelo Juízo da 1ª Vara da Comarca de Esperança, que extinguiu o processo sem resolução de mérito, com base nos termos do art. 321, parágrafo único do CPC, diante da ausência de comprovação da tentativa prévia de solução administrativa junto ao BANCO PAN, conforme determinação judicial. O apelante sustenta que a legislação não exige tal comprovação para a propositura da demanda e requer a reforma da sentença, com o prosseguimento do feito. II. Questão em discussão 2. A questão em discussão consiste em definir se a ausência de comprovação da tentativa extrajudicial de res...
(TJSC; Processo nº 5046095-17.2025.8.24.0023; Recurso: conflito; Relator: ; Órgão julgador: Turma, j. 02/06/2016).; Data do Julgamento: 22 de agosto de 2022)
Texto completo da decisão
Documento:7072969 ESTADO DE SANTA CATARINA TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Apelação Nº 5046095-17.2025.8.24.0023/SC
DESPACHO/DECISÃO
Trata-se de apelação interposta por J. S. em face da sentença de indeferimento da petição inicial proferida na "ação declaratória de inexistência de débito, cumulada com c/c repetição de indébito e danos morais" proposta contra B. P. S.A.
Adota-se o relatório elaborado pelo juízo a quo por representar fielmente a realidade dos autos:
Intimada para cumprir as determinações elencadas na decisão retro, a parte autora deixou de cumprir, pontual e integralmente, as referidas diligências.
Em seguida, os autos vieram conclusos para sentença.
Concluídos os trâmites, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo (evento 18, SENT1):
Ex positis, INDEFIRO A PETIÇÃO INICIAL e extingo o presente feito, sem resolução de mérito, nos termos do artigo 485, inciso I, do Código de Processo Civil.
Custas remanescentes, se houver, pela parte autora, a quem INDEFIRO a justiça gratuita, porque não restou suficientemente comprovada a hipossuficiência financeira.
Por economia processual, ressalto que esta sentença também restará incólume, na hipótese de juízo de retratação pela interposição de recurso de apelação.
Registrada e publicada no sistema. Intime-se.
Oportunamente, arquivem-se os autos.
Inconformada com o ato decisório, a parte autora interpôs apelação (evento 27, APELAÇÃO1).
Nas razões recursais, alegou, em síntese, que:
Com tais argumentos, formulou os seguintes requerimentos:
Diante do acima exposto, e dos documentos acostados, é a presente apelação para requerer os seguintes pleitos:
• A reforma da sentença que indeferiu a petição inicial e extinguiu o processo sem resolução do mérito, para que o processo tenha seu regular prosseguimento.
• A concessão do benefício da justiça gratuita, diante da comprovação da hipossuficiência financeira do Apelante.
• A inversão do ônus da sucumbência, caso mantida a extinção do processo, para que as custas processuais sejam arcadas pela parte contrária.
A parte ré apresentou contrarrazões (evento 32, CONTRAZAP1).
É o relatório.
Decido.
1. Gratuidade da justiça
Diante da alegação de hipossuficiência econômico-financeira, e não sendo o caso de concessão plena da gratuidade (art. 98, § 1º, do CPC), autoriza-se, excepcionalmente, o recolhimento do preparo somente ao final dos trâmites processuais (art. 98, §§ 5º e 6º, do CPC), viabilizando-se exame imediato do recurso, independentemente de prévio pagamento da taxa judiciária, em prestígio aos princípios do acesso à Justiça e da razoável duração do processo (art. 5º, XXXV e LXXVIII, da CF), conforme precedentes desta Corte (TJSC, AC n. 5001592-27.2019.8.24.0020, Rel. Des. Denise Volpato, Sexta Câmara de Direito Civil, j. 19-10-2021 e AC n. 0004116-80.2008.8.24.0113, Rel. Des. André Luiz Dacol, Sexta Câmara de Direito Civil, j. 16-11-2021).
2. Preliminares
Não há preliminares em contrarrazões para análise.
3. Admissibilidade
Presentes os pressupostos legais, admite-se o recurso.
4. Mérito
Passa-se ao julgamento monocrático, com fundamento no art. 932 do CPC e no art. 132 do Regimento Interno do TJSC, que permitem ao Relator dar ou negar provimento ao recurso, sem necessidade de submissão ao órgão colegiado, destacando-se que a medida visa imprimir celeridade à entrega da prestação jurisdicional, em prestígio ao postulado da razoável duração do processo (arts. 5º, LXXVIII, da CF, 8.1 da CADH e 4º do CPC). Afinal, "se o relator conhece orientação de seu órgão colegiado, desnecessário submeter-lhe, sempre e reiteradamente, a mesma controvérsia" (STJ, AgInt no REsp 1.574.054/PR, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, j. 02/06/2016).
Cumpre observar que, além de agilizar a solução do conflito, o julgamento monocrático não acarreta prejuízos às partes, às quais é facultada a interposição posterior de agravo interno, nos termos do art. 1.021 do CPC, para controle do ato decisório unipessoal pelo órgão fracionário competente.
Sobre o tema, convém citar o entendimento do STJ, na condição de órgão constitucionalmente competente para dar a última palavra em matéria de interpretação da lei federal/processual (art. 105, III, da CF e AgRg na MC n. 7.328/RJ, Rel. Min. João Otávio de Noronha, Segunda Turma, j. 02/12/2003):
PROCESSO CIVIL. AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE RESOLUÇÃO DE CONTRATO DE COMPRA E VENDA. FASE DE LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA. ALUGUEL MENSAL. CONSIDERAÇÃO DE BENFEITORIAS. VERBA DE SUCUMBÊNCIA. OMISSÃO E NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. CONFIGURAÇÃO. NECESSIDADE DE RETORNO DOS AUTOS À ORIGEM PARA SUPRIMENTO DOS VÍCIOS APONTADOS. DECISÃO MANTIDA. AGRAVO NÃO PROVIDO. 1. Não há que se falar em usurpação de competência dos órgãos colegiados diante do julgamento monocrático do recurso, tampouco em risco ao princípio da colegialidade, tendo em vista que pode a parte interpor agravo interno, como de fato interpôs, contra a decisão agravada, devolvendo a discussão ao órgão competente, como de fato ocorreu, ratificando ou reformando a decisão. [...] (AgInt nos EDcl no AREsp n. 1.809.600/SP, relator Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, julgado em 13/5/2024, DJe de 15/5/2024).
"Consoante a jurisprudência deste STJ, a legislação processual (art. 557 do CPC/73, equivalente ao art. 932 do CPC/15, combinados com a Súmula 568 do STJ) permite ao relator julgar monocraticamente recurso inadmissível ou, ainda, aplicar a jurisprudência consolidada deste Tribunal. Ademais, a possibilidade de interposição de recurso ao órgão colegiado afasta qualquer alegação de ofensa ao princípio da colegialidade. Precedentes (AgInt no REsp n. 1.255.169/RJ, relator Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, j. 20/6/2022).
"A jurisprudência deste STJ, a legislação processual (932 do CPC/15, c/c a Súmula 568 do STJ) permite ao relator julgar monocraticamente recurso inadmissível ou, ainda, aplica a jurisprudência consolidada deste Tribunal. Ademais, a possibilidade de interposição de recurso ao órgão colegiado afasta qualquer alegação de ofensa ao princípio da colegialidade" (AgInt no AREsp 1.389.200/SP, Rel. Ministro MARCO BUZZI, Quarta Turma, julgado em 26/03/2019, DJe de 29/03/2019). [...] 5. Agravo interno improvido (AgInt no AREsp n. 2.025.993/PE, relator Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, j. 20/6/2022).
Assim, ausente perspectiva de que a solução a ser dada seria outra em caso de julgamento colegiado, torna-se cabível o exame monocrático.
Dito isso, antecipa-se que o caso é de desprovimento.
3.1. Gratuidade da justiça
A parte busca, por meio do recurso, obter o benefício da justiça gratuita.
O caso, porém, é de desprovimento.
A gratuidade da justiça (art. 98 do CPC) destina-se àqueles que não possuem condições de custear as despesas processuais sem prejuízo à própria subsistência, a fim de evitar que a simples falta de recursos financeiros impeça o pleno e amplo acesso à justiça (art. 5º, XXXV, da CF).
Trata-se de importante instrumento econômico do processo que materializa a igualdade substancial (art. 5º, caput, da CF) e a justiça social (art. 170, caput, da CF), mas que não pode ser desvirtuado a ponto de se tornar um privilégio injustificado (art. 19, III, da CF) ou um estímulo para o uso predatório do Daí a previsão constitucional no sentido de que a assistência jurídica do Estado deve ser prestada “aos que comprovarem insuficiência de recursos” (art. 5º, LXXIV, da CF) e a autorização legal para que o relator exija da parte a efetiva comprovação da hipossuficiência econômica como condição para a gratuidade (art. 99, §§ 2º e 7º, do CPC).
Vale notar que, na análise da hipossuficiência econômica da pessoa natural, esta Corte se vale dos critérios de patrimônio e renda familiar estabelecidos pela Defensoria Pública do Estado (art. 2º da Resolução CSDPESC n. 15/2014).
Nesse sentido:
AGRAVO INTERNO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. ART. 1.021 DO CPC/2015. DECISÃO UNIPESSOAL QUE MANTEVE O INDEFERIMENTO DO BENEFÍCIO DA JUSTIÇA GRATUITA, NEGANDO PROVIMENTO AO RECURSO DA AGRAVANTE. INSURGÊNCIA DA PARTE AUTORA/AGRAVANTE. TESE DE QUE A DECLARAÇÃO DE HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA SERIA O BASTANTE PARA O DEFERIMENTO DO BENEFÍCIO, BEM COMO DE QUE OS DOCUMENTOS ACOSTADOS DARIAM CONTA DA INSUFICIÊNCIA DE RECURSOS PARA ARCAR COM OS CUSTOS DO PROCESSO. INSUBSISTÊNCIA. PRESUNÇÃO RELATIVA DA AFIRMAÇÃO QUE COMPORTA AFERIÇÃO DOS ELEMENTOS QUE A SUBSIDIAM. JURISPRUDÊNCIA DOMINANTE DESTA CORTE NO SENTIDO DE SEREM ADOTADOS, POR ANALOGIA, PARA O ENQUADRAMENTO NA INSUFICIÊNCIA FINANCEIRA PREVISTA NO ART. 98 DO CPC/2015, OS REQUISITOS CONSTANTES DO ART. 2º DA RESOLUÇÃO N. 15/2014 DO CONSELHO DA DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SANTA CATARINA. CRITÉRIOS QUE DEFINEM PADRÃO OBJETIVO E ISONÔMICO. PARTE AGRAVANTE QUE DEIXOU DE JUNTAR DOCUMENTAÇÃO EXIGIDA EM DESPACHO PRETÉRITO. ELEMENTOS CONSTANTES NOS AUTOS QUE SE MOSTRAM INSUFICIENTES PARA FRANQUEAR A GRATUIDADE DA JUSTIÇA. RECURSO DESPROVIDO. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJSC, Agravo de Instrumento n. 5033721-43.2022.8.24.0000, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Dinart Francisco Machado, Terceira Câmara de Direito Comercial, j. 18-05-2023).
(...) IMPUGNAÇÃO À JUSTIÇA GRATUITA - PLEITEADA A REVOGAÇÃO DA BENESSE - VIABILIDADE DE EXAME DO TEMA, PORQUANTO VENTILADO EM SEDE DE CONTESTAÇÃO, NOS MOLDES DO ART. 100 DO DIPLOMA PROCESSUAL - ADOÇÃO DOS CRITÉRIOS UTILIZADOS PELA DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SANTA CATARINA PARA FINS DE CONCESSÃO DA BENESSE - AUTORA QUE É PENSIONISTA E AUFERE MENSALMENTE A QUANTIA APROXIMADA DE R$ 1.414,62 (HUM MIL, QUATROCENTOS E QUATORZE REAIS E SESSENTA E DOIS CENTAVOS) - RENDA MENSAL LÍQUIDA INFERIOR A 3 (TRÊS) SALÁRIOS MÍNIMOS - CARÊNCIA FINANCEIRA CONSTATADA - BENEPLÁCITO MANTIDO. Para a aferição da situação de hipossuficiência idônea a garantir a concessão do beneplácito da gratuidade da justiça em favor da pessoa física, esta Câmara de Direito Comercial tem adotado os mesmos critérios utilizados pela Defensoria Pública do Estado de Santa Catarina, dentre os quais o percebimento de renda mensal líquida inferior a três salários mínimos. (TJSC, Apelação n. 5014112-97.2022.8.24.0930, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Robson Luz Varella, Segunda Câmara de Direito Comercial, j. 16-05-2023).
Na hipótese sub examine, a parte recorrente não logrou êxito em demonstrar, de forma satisfatória, que se enquadra na condição de hipossuficiente.
Da análise dos autos, verifica-se que a parte autora/apelante limitou-se a apresentar mera declaração de hipossuficiência (evento 1, DECLPOBRE6), desacompanhada de qualquer outro documento idôneo capaz de comprovar sua alegada incapacidade financeira.
Em razão disso, o magistrado de primeiro grau determinou a intimação do requerente para que promovesse a juntada de documentos complementares aptos a comprovar a situação de insuficiência econômica (evento 11, DESPADEC1).
Entretanto, o autor/apelante manteve-se inerte, não acostando aos autos quaisquer elementos probatórios que pudessem evidenciar sua real condição de hipossuficiência, pessoal ou de seu núcleo familiar. Nota-se, porém, que a concessão da gratuidade da justiça exige prova concreta da hipossuficiência econômica, conforme o art. 99, §2º, do CPC.
Nesse sentido, vale destacar que a alegação de boa-fé ou de intenção de cumprir as diligências não supre a ausência de prova idônea, pois o benefício não é automático e depende da efetiva demonstração da necessidade. O não atendimento à determinação judicial configura descumprimento do ônus processual que cabia à parte.
Ademais, observa-se que, no recurso de apelação, não houve apresentação de documentos que reforçassem a necessidade da concessão da gratuidade da justiça, limitando-se a parte recorrente a afirmar, de forma incorreta, que teria efetuado o pagamento do preparo recursal.
Tal circunstância demonstra a existência de capacidade econômica para arcar com as custas processuais, revelando-se, portanto, incompatível com a concessão do benefício da justiça gratuita.
Dessa forma, ausente qualquer comprovação idônea da alegada insuficiência de recursos, não há como reconhecer a condição de hipossuficiente da parte recorrente, razão pela qual deve ser mantido o indeferimento do benefício da justiça gratuita.
Nessa toada:
DIREITO PROCESSO CIVIL. AGRAVO INTERNO EM RECURSO ESPECIAL. INDEFERIMENTO DO BENEFÍCIO DE JUSTIÇA GRATUITA. PEDIDO FORMULADO POR PESSOA JURÍDICA. HIPOSSUFICIÊNCIA NÃO COMPROVADA. AGRAVO INTERNO CONHECIDO E DESPROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Agravo interno contra decisão que indeferiu o pedido de justiça gratuita formulado por pessoa jurídica. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. Necessidade de comprovar a insuficiência de recursos, para deferimento do benefício de justiça gratuita. 3. Pleitos de condenação em litigância de má-fé e de aplicação da multa prevista no § 4º do art. 1.021 do CPC, quando formulados nas contrarrazões do agravo interno. III. RAZÕES DE DECIDIR 4. Documentação apresentada não comprova suficientemente a alegada hipossuficiência financeira. Ausência de comprovação suficiente da hipossuficiência financeira do requerente. 5. Manutenção da decisão que indeferiu o pedido de justiça gratuita. 6. Há condenação em litigância de má-fé quando verificado alguns dos requisitos previstos no art. 80 do Código de Processo Civil. Para condenação em litigância de má-fe é necessária a prova do dolo ou da culpa grave, que não se presumem, tampouco estão presentes no caso. 7. A aplicação da multa prevista no § 4º do art. 1.021 do Código de Processo Civil exige que o agravo interno seja manifestamente inadmissível ou que sua improcedência se revele de forma tão evidente que a simples interposição do recurso possa ser considerada, de imediato, como medida abusiva ou protelatória, o que não se verifica no caso sob análise. IV. DISPOSITIVO 8. Agravo interno conhecido e desprovido. (TJSC, ApCiv 5000976-91.2021.8.24.0049, Câmara de Recursos Delegados, Relatora para Acórdão JANICE GOULART GARCIA UBIALLI, julgado em 15/09/2025)
Ante o exposto, indefere-se a gratuidade da justiça.
3.2. Indeferimento da inicial
A parte pretende, ainda, o recebimento da inicial.
Sem razão.
No caso em exame, antes de proferir a sentença que indeferiu a inicial e julgou extinto o feito, o juízo a quo determinou que a parte autora/apelante procedesse à emenda da inicial, a qual detinha o seguinte teor (evento 11, DESPADEC1):
Nos últimos anos, diversos conceitos clássicos da Teoria Geral do Processo têm sofrido releitura diante do patamar atual de utilização e funcionamento dos serviços judiciários. Se no passado existia a litigiosidade contida, um fenômeno de sistemática violação de direitos que não é acompanhada do ajuizamento de demandas buscando sua defesa, dada a demora do sistema de justiça, hoje os estudos mais modernos a respeito da jurisdição e do acesso à justiça falam em litigância predatória, caracterizada pela apresentação de demandas de massa, nem sempre correspondentes a uma lide substancial, mas eventualmente criadas a partir de uma estratégia de quase guerrilha processual, em que centenas - ou milhares - de ações contra o mesmo réu são apresentadas ao mesmo tempo, buscando sufocar o demandado e, assim, obter cenários processuais que conduzam ao acolhimento da pretensão.
Sobre a temática, explica Felipe Albertini Nani Viaro1:
É importante observar, a litigância predatória não se estabelece apenas pelo número de processos, mas pela distorção de institutos processuais e a própria ideia de acesso à Justiça, valendo-se da massificação da conduta como forma de potencializar ganhos. Há uma aposta inerente no sentido de que, sendo vitorioso em alguns casos (o que pode se dar por inúmeras razões, inclusive pela incapacidade da parte contrária de defender-se de tantas demandas) a conduta já gerará ganhos, sendo irrelevante o número de casos em que for derrotado, já que institutos como a gratuidade isentam do custo de ingresso e responsabilidade pela sucumbência.
O fenômeno, em diversos aspectos, vai além das balizas tradicionais do ato atentatório à dignidade da Justiça e litigância de má-fé, invadindo a seara do ato ilícito pela via do abuso do direito. Ao distorcer o conceito de acesso à Justiça, é viabilizado o ajuizamento de ações sem litigiosidade real, ou, numa terminologia mais contemporânea, autênticas “fake lides”. Esse tipo de conduta, como indicado, além de prejudicar a parte contrária, prejudica toda a sociedade, pois consome recursos do Há muitos autores e entidades se dedicando a estudar e planejar estratégias para o enfrentamento desse fenômeno de massificação de demandas judiciárias, nem sempre necessárias, ou talvez distorcidas no sentido de sequestrar o sistema judicial para utilizá-lo no exclusivo benefício de uma determinada forma de operação jurídica de sufocamento, em detrimento de todos os demais relevantes interesses a serem atendidos pelo Poder Judiciário - sobretudo em uma Vara Judicial com matérias sensíveis que exigem prioridade de atendimento.
Por exemplo, o Centro de Inteligência Integrado do Estado de Santa Catarina emitiu a Nota Técnica CIJESC nº 3, de 22 de agosto de 2022, no âmbito das demandas de direito bancário, com o objetivo de compartilhar soluções amplamente adotadas na prática jurisdicional e consideradas como "boas práticas", diante do grande número de ações em que não há interesse de agir na modalidade necessidade de ir a juízo, ajuizadas a partir do uso abusivo do direito de ação.
Igualmente, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) emitiu o ato normativo n. 0006309-27.2024.2.00.0000, em 22 de outubro de 2024, no qual consta uma lista de medidas judiciais que podem ser adotadas para coibir a prática da litigância abusiva. Disso resultou a Recomendação nº 159, com a listagem de comportamentos potencialmente abusivos, como, por exemplo, os seguintes:
1) requerimentos de justiça gratuita apresentados sem justificativa, comprovação ou evidências mínimas de necessidade econômica;
4) ajuizamento de ações em comarcas distintas do domicílio da parte autora, da parte ré ou do local do fato controvertido;
5) submissão de documentos com dados incompletos, ilegíveis ou desatualizados, frequentemente em nome de terceiros;
6) proposição de várias ações judiciais sobre o mesmo tema, pela mesma parte autora, distribuídas de forma fragmentada;
7) distribuição de ações judiciais semelhantes, com petições iniciais que apresentam informações genéricas e causas de pedir idênticas, frequentemente diferenciadas apenas pelos dados pessoais das partes envolvidas, sem a devida particularização dos fatos do caso concreto;
11) apresentação de procurações incompletas, com inserção manual de informações, outorgadas por mandante já falecido(a), ou mediante 12) distribuição de ações sem documentos essenciais para comprovar minimamente a relação jurídica alegada ou com apresentação de documentos sem relação com a causa de pedir;
13) concentração de grande volume de demandas sob o patrocínio de poucos(as) profissionais, cuja sede de atuação, por vezes, não coincide com a da comarca ou da subseção em que ajuizadas, ou com o domicílio de qualquer das partes;
19) formulação de pedidos declaratórios, sem demonstração da utilidade, necessidade e adequação da prestação jurisdicional;
Para a identificação e prevenção dos litígios predatórios, o Conselho Nacional de Justiça estabeleceu parâmetros para nortear a adoção de medidas judiciais na análise de demandas potencialmente vinculadas às práticas de litigância abusiva, dentre as quais, destaca-se:
1) adoção de protocolo de análise criteriosa das petições iniciais e mecanismos de triagem processual, que permitam a identificação de padrões de comportamento indicativos de litigância abusiva;
2) realização de audiências preliminares ou outras diligências, inclusive de ordem probatória, para averiguar a iniciativa, o interesse processual, a autenticidade da postulação, o padrão de comportamento em conformidade com a boa-fé objetiva e a legitimidade ativa e passiva nas ações judiciais, com a possibilidade inclusive de escuta e coleta de informações para verificação da ciência dos(as) demandantes sobre a existência e o teor dos processos e sobre sua iniciativa de litigar;
4) notificação para complementação de documentos comprobatórios da condição socioeconômica atual das partes nos casos de requerimentos de gratuidade de justiça, sem prejuízo da utilização de ferramentas e bases de dados disponíveis, inclusive Infojud e Renajud, diante de indícios de ausência de preenchimento dos requisitos necessários à concessão do benefício;
10) notificação para apresentação de documentos que comprovem a tentativa de prévia solução administrativa, para fins de caracterização de pretensão resistida;
11) comunicação à Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) da respectiva unidade federativa, quando forem identificados indícios de captação indevida de clientela ou indícios de litigância abusiva;
17) prática presencial de atos processuais, inclusive nos casos de processamento segundo as regras do juízo 100% digital.
A partir das iniciativas oficiais dos órgãos oficiais de controle do O que se tem notado é que judicialização excessiva não implica necessariamente alargamento do acesso à justiça, visto que a maior parte dos processos ajuizados hoje no Brasil concentram-se em torno de litigantes acostumados ao cenário judicial, que recebem, dessa forma, a alcunha de litigantes habituais. Estes, muitas vezes, utilizam o sistema de justiça de forma predatória, buscando minimizar ao máximo suas possibilidades de perdas, retardando o quanto possível o acesso a direitos. Assim, o judiciário, que teoricamente seria responsável pela salvaguarda de garantias, torna-se ineficiente, lento, descreditado e com cerca de 80,1 milhões de processos aguardando alguma solução jurídica.
(...)
A excessiva judicialização em torno de conflitos similares é sintoma de uma patologia que deve ser rechaçada do sistema de justiça, qual seja, o uso do judiciário de forma predatória no intuito de postergar o acesso a direitos.
Importante perceber, portanto, que a forma como se tem enfrentado a litigiosidade habitual muitas vezes serve tão somente para reforçar teses em favor de repeat players, o que evidencia que a judicialização pode ser-lhes muito bem-vinda e incentivada.
A partir do conceito de litigância estratégica formulado por Eloísa Machado de Almeida, para quem tal ferramenta está associada à utilização mais eficiente do sistema de justiça para a solução de problemáticas complexas e persistentes, vê-se que tal instrumento pode ser muito útil no enfretamento da litigiosidade habitual (quando predatória), a qual circunda em torno das recorrentes violações de determinadas garantias.
Nessa linha, Rodrigo Maia da Fonte, em excelente artigo publicado na REJUB - Revista Judicial Brasileira, editada pela ENFAM, explora a ideia de gestão processual (case management), com raízes no direito britânico, exemplificando poderes do magistrado para gerir o processo3.
O Código de Processo Civil outorga poderes de gestão processual ao magistrado, em especial no inciso VI do art. 139, que diz ser incumbência (e não simples faculdade) do juiz “dilatar os prazos processuais e alterar a ordem de produção dos meios de prova, adequando-os às necessidades do conflito de modo a conferir maior efetividade à tutela do direito”. Assim sendo, havendo elementos que indiquem o uso inadequado do À vista disso, o cenário ora vivenciado pelo A jurisprudência pátria vem reconhecendo os efeitos nefastos do uso abusivo do Ementa: Direito Processual Civil. Apelação Cível. Extinção Do Processo Sem Resolução Do Mérito. Ausência De Interesse Processual. Falta De Comprovação De Tentativa Prévia De Solução Administrativa. Recomendação Nº 159/2024 Do Cnj. Recurso Desprovido. I. Caso em exame 1. Apelação cível interposta por (...) contra sentença proferida pelo Juízo da 1ª Vara da Comarca de Esperança, que extinguiu o processo sem resolução de mérito, com base nos termos do art. 321, parágrafo único do CPC, diante da ausência de comprovação da tentativa prévia de solução administrativa junto ao BANCO PAN, conforme determinação judicial. O apelante sustenta que a legislação não exige tal comprovação para a propositura da demanda e requer a reforma da sentença, com o prosseguimento do feito. II. Questão em discussão 2. A questão em discussão consiste em definir se a ausência de comprovação da tentativa extrajudicial de resolução do conflito, exigida pelo juízo de origem com base na Recomendação nº 159/2024 do CNJ, justifica a extinção do processo sem resolução do mérito por ausência de interesse processual. III. Razões de decidir: 3. O juízo pode exigir, com fundamento na Recomendação nº 159/2024 do CNJ, diligências preliminares voltadas à averiguação do interesse processual, da autenticidade da postulação e da boa-fé das partes, especialmente em contextos de demandas massificadas e indícios de litigância predatória. 4. A Recomendação nº 159/2024 autoriza o magistrado a exigir documentos ou comprovações voltadas à verificação da iniciativa do autor e da tentativa de resolução prévia do litígio, conforme disposto no Anexo B, item 2. 5. A parte apelante, embora intimada, não comprovou documentalmente a tentativa extrajudicial de resolução da controvérsia, limitando-se a apresentar justificativa genérica, o que não atende à determinação judicial nem afasta a aplicação da Recomendação do CNJ. 6. A jurisprudência recente tem validado a extinção de processos com fundamento na ausência de interesse de agir em casos de litigância repetitiva ou predatória, quando não atendidas diligências que visam coibir o uso abusivo do sistema de justiça. IV. Dispositivo e tese. 7. Recurso desprovido. Tese de julgamento: 1. A ausência de comprovação da tentativa extrajudicial de resolução do conflito, exigida judicialmente com base na Recomendação nº 159/2024 do CNJ, caracteriza ausência de interesse processual e justifica a extinção do processo sem resolução de mérito. 2. O juízo pode, de ofício ou a requerimento, adotar medidas para verificação da boa-fé processual e da legitimidade das postulações, especialmente em contextos de demandas massificadas ou indícios de litigância predatória. (0800502-10.2025.8.15.0171, Rel. Gabinete 17 - Desa. Agamenilde Dias Arruda Vieira Dantas, APELAÇÃO CÍVEL, 2ª Câmara Cível, juntado em 28/05/2025)
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. INDEFERIMENTO DA INICIAL. LITIGÂNCIA ABUSIVA. ADVOCACIA PREDATÓRIA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.
I. CASO EM EXAME
1. APELAÇÃO CÍVEL INTERPOSTA CONTRA SENTENÇA QUE INDEFERIU A PETIÇÃO INICIAL E EXTINGUIU O PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO, EM RAZÃO DO NÃO ATENDIMENTO À DETERMINAÇÃO DE EMENDA À INICIAL. O JUÍZO DE ORIGEM DETERMINOU A REGULARIZAÇÃO DA REPRESENTAÇÃO PROCESSUAL, COM APRESENTAÇÃO DE PROCURAÇÃO COM ASSINATURA ELETRÔNICA REALIZADA POR MEIO DE CERTIFICADO DIGITAL PADRÃO ICP-BRASIL, O QUE NÃO FOI CUMPRIDO PELA PARTE AUTORA.
II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO
2. A QUESTÃO EM DISCUSSÃO CONSISTE EM VERIFICAR:(I) SE É LEGÍTIMA A EXIGÊNCIA JUDICIAL DE APRESENTAÇÃO DE PROCURAÇÃO COM CERTIFICAÇÃO DIGITAL VÁLIDA; E(II) SE A AUSÊNCIA DE CUMPRIMENTO DESSA EXIGÊNCIA JUSTIFICA A EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO.
III. RAZÕES DE DECIDIR
3. A ASSINATURA ELETRÔNICA APRESENTADA NÃO FOI REALIZADA POR MEIO DE CERTIFICADO DIGITAL PADRÃO ICP-BRASIL, O QUE COMPROMETE A VALIDADE DA REPRESENTAÇÃO PROCESSUAL.
4. A CONDUTA PROCESSUAL DA PARTE AUTORA SE ENQUADRA EM PRÁTICAS INDICATIVAS DE LITIGÂNCIA ABUSIVA, CONFORME EXEMPLIFICADO NO ANEXO A DA RECOMENDAÇÃO Nº 159/2024 DO CNJ.
6. A JURISPRUDÊNCIA DO TJSC E DE OUTROS TRIBUNAIS RECONHECE A LEGITIMIDADE DA EXTINÇÃO DO PROCESSO EM CASOS SEMELHANTES, COMO FORMA DE PRESERVAR A BOA-FÉ PROCESSUAL E A DIGNIDADE DA JUSTIÇA.
IV. DISPOSITIVO
7. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.
(TJSC, Apelação n. 5058901-16.2024.8.24.0930, do , rel. Rodolfo Tridapalli, Terceira Câmara de Direito Comercial, j. 05-06-2025).
Dito isso, em atenção às boas práticas mencionadas, este juízo realizou consulta ao sistema , oportunidade em que identificou que a advogada CAMILA COSTA DUARTE (OAB/RS n. 092737) ingressou com mais de 150 (cento e cinquenta) ações somente no ano de 2025, sendo que a maioria delas possui causa de pedir e pedidos similares (declaração de inexistência de débito e indenização por danos morais), com alto grau de generalidade.
Somente o autor J. S. possui 19 (dezenove) ações.
Há, portanto, fortes indícios de litigância abusiva, nos moldes da Recomendação nº 159 do Conselho Nacional de Justiça, a saber: "13) concentração de grande volume de demandas sob o patrocínio de poucos(as) profissionais, cuja sede de atuação, por vezes, não coincide com a da comarca ou da subseção em que ajuizadas, ou com o domicílio de qualquer das partes;".
Destarte, verifica-se na presente demanda questão(ões) que torna(m) necessária a EMENDA DA INICIAL no prazo de 15 (quinze) dias, sob pena de extinção, nos seguintes termos:
1. Comparecimento pessoal da parte autora em juízo
Considerando os indícios de litigância abusiva mencionados, deverá a parte autora comparecer pessoalmente ao cartório da 1ª Vara Cível desta Comarca, munida de seus documentos originais (documento de identificação pessoal, comprovante de residência atualizado em seu nome, para fins de aferição da competência, não se prestando para tal fim boleto - que pode ser obtido unilateralmente), para ratificar a iniciativa, o interesse processual e a autenticidade da postulação, bem como para verificação da ciência dos demandantes sobre a existência e o teor do processo e sobre sua iniciativa de litigar.
2. Inscrição suplementar na seccional de Santa Catarina
Compulsando os autos, verifica-se que o(a) advogado(a) da parte autora está inscrito(a) em seccional da OAB de outro Estado e, em consulta ao sistema , constatou-se que o(a) patrono(a) possui mais de 5 (cinco) ações no Estado de Santa Catarina. A fim de viabilizar a fiscalização pelo Órgão de Classe, necessária a intimação do(a) patrono(a) para que comprove sua inscrição na Seccional de Santa Catarina, nos termos do art. 10, §2º, da Lei n. 8.906/94, sob pena de indeferimento da petição inicial.
3. Contrato ou prova da requisição administrativa - interesse de agir
Compulsando-se os autos, verifica-se que a parte autora declarou que não firmou contrato(s) com a instituição financeira e, ao final, solicitou que a casa bancária comprove a contratação.
A respeito do tema, a Recomendação nº 159 indicou a seguinte medida judicial, no item 10 do anexo B: "notificação para apresentação de documentos que comprovem a tentativa de prévia solução administrativa, para fins de caracterização de pretensão resistida;".
Tendo em vista o contido na nota técnica e no ato normativo supracitados, bem como o fato de ser ônus da parte autora provar o fato constitutivo do seu direito e instruir a petição inicial com os documentos destinados a provar suas alegações (arts. 373, I, e 434, ambos do CPC), deverá a parte autora emendar a inicial, anexando o contrato contra o qual se insurge ou a prova da sua regular requisição administrativa, sob pena de extinção por falta de interesse processual.
É necessário destacar, desde já, que o pedido administrativo de fornecimento de cópia do contrato não pode ser formulado por advogado sem procuração com poderes específicos para tanto e que a prova da regular requisição administrativa deve se dar seja por correios, por protocolo formal na própria agência, por meio dos canais oficiais de comunicação da instituição financeira e/ou pelo adequado uso da plataforma “consumidor.gov.br”.
Comprovada a adequada requisição e a negativa de fornecimento do documento ou o decurso em branco do prazo de 30 (trinta) dias a contar do recebimento da solicitação pela instituição financeira, será possível presumir a não contratação.
O autor terá o prazo de 15 (quinze) dias para emendar a inicial cumprindo as demais determinações. Será dilatado o prazo em mais 15 (quinze) dias caso comprove que encaminhou a notificação à casa bancária e pretenda aguardar o decurso de 30 (trinta) dias.
4. Empréstimo consignado - negativa de contratação e depósito de valores
A parte autora deverá esclarecer se houve liberação do valor do empréstimo em seu favor e juntar cópia dos extratos bancários na data em que foi firmado o contrato e no mês anterior, ficando desde já ciente que a alteração da verdade dos fatos configura litigância de má-fé, a teor do que prevê o art. 80, II, do CPC, com a incidência das penalidades cabíveis.
Em caso positivo, deverá a parte depositar em juízo o valor equivalente ao quantum recebido pela instituição financeira, em igual prazo, até mesmo para que se constate seu interesse de agir, notadamente porque, se a parte autora "[...] afirma, categoricamente, que não celebrou nem um contrato de empréstimo consignado com o banco agravado, não há porque permanecer com os valores que a instituição transferiu para sua conta" (TJSC, Agravo de Instrumento n. 5024240-27.2020.8.24.0000, rel. Des. Jairo Fernandes Gonçalves, j. em 02.02.2021).
Por fim, nos termos da Nota Técnica CIJESC n. 3/2022, fica a parte autora advertida de que “será reputada litigante de má-fé se restar provada a autenticidade de sua assinatura no contrato que nega ter firmado (CPC, art. 80, II), pois isso demonstrará que a alegação na qual se funda o pedido inicial, de que não assinou o documento, consiste em alteração da verdade dos fatos. Em sendo o caso, impor as penalidades previstas para aquele que litiga de má-fé, como forma de coibir a litigância predatória” (item 2.20).
5. Procuração genérica
Conforme orientação transcrita na nota técnica, diante da propositura de ações em massa em face de instituições financeiras com a alegação de negativa de contratação, as quais são instruídas com procurações genéricas, é necessário evitar a incerteza quanto a ter o demandante ciência do ajuizamento da ação.
Logo, deverá a parte autora emendar a petição inicial, instruindo-a com nova procuração, específica para a ação e com data posterior à do despacho de emenda com reconhecimento de firma, ou que, alternativamente, a parte requerente compareça pessoalmente ao cartório judicial para ratificar a assinatura do documento, sob pena de indeferimento da petição inicial, nos termos do item 1.
6. Pagamento das custas iniciais ou complementação da documentação para análise da justiça gratuita
Promova a parte autora o recolhimento das custas iniciais ou acoste aos autos os seguintes documentos abaixo arrolados referentes a todo núcleo familiar, sob pena de indeferimento do pedido de justiça gratuita (art. 99, § 2º, do CPC):
a) declaração informando todos os componentes de seu núcleo familiar;
b) comprovante atual de renda (em caso de trabalho formal) ou última declaração do imposto de renda - IR;
c) declaração de renda mensal (em caso de trabalho informal);
d) CTPS sem registro (em caso de desemprego);
e) comprovantes de eventuais despesas extraordinárias impositivas (saúde e educação);
f) declaração de hipossuficiência econômica firmada de próprio punho (ou por procurador com poderes especiais para tanto – CPC, art. 105) contendo as seguintes informações: profissão, valor de seus rendimentos mensais individuais e dos rendimentos globais de seu núcleo familiar; número de seus dependentes, se tiver; relação de seus de bens imóveis e veículos, com indicação dos respectivos valores.
Com fulcro no art. 98, § 6º, do Código de Processo Civil, autorizo, desde já, o parcelamento das custas processuais, caso seja de interesse da parte requerente, podendo esta optar pelo pagamento por meio de boleto bancário ou cartão de crédito, desde que não ultrapasse o número de 12 (doze) parcelas.
Comprovado o pagamento da primeira parcela, em caso de parcelamento das custas, ou apresentada a documentação, voltem conclusos para análise.
Intimem-se.
Cumpra-se.
Tais fundamentos, que ficam encampados desde logo como parte integrante deste voto, revelam-se aptos para sustentar a decisão impugnada.
No caso, o juízo a quo indicou circunstâncias específicas aptas para justificar a adoção das precauções recomendas pelo CNJ (Resolução CNJ 159/2024), pelo TJSC (Nota Técnica CIJESC 3/2022) e pela jurisprudência do STJ (Tema Repetitivo 1.198), como forma de prevenir possível situação de litigância abusiva (art. 187 do CC).
Não se está afirmando categoricamente que há litigância abusiva no caso concreto. A questão é que, diante da situação especificamente apontada (19 ações propostas pela mesma parte discutindo situações semelhantes), reputa-se prudente ao menos exigir certas providências adicionais de segurança para evitar eventual utilização predatória do Judiciário, sendo essa justamente a preocupação que motivou a edição da Resolução CNJ 159/2024, da Nota Técnica CIJESC 3/2022 e da tese vinculante do STJ no Tema Repetitivo 1.198.
Portanto, considera-se válida a determinação judicial de emenda da petição inicial (art. 321 do CPC), tendo-se como igualmente válida a extinção do processo sem resolução do mérito diante da negativa de atendimento integral (arts. 321, parágrafo único, e 485, I, do CPC).
A propósito:
VOTO Nº 41645 DECLARATÓRIA DE INEXIGIBILIDADE DE DÉBITO C.C. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. INDEFERIMENTO DA PETIÇÃO INICIAL . Determinações judiciais para prevenção de litigância predatória/abusiva. Recomendação nº 159/2024 do CNJ. Comunicado CG nº 424/2024. Ordem de comparecimento pessoal em cartório para ratificação de documentos apresentados em emenda à inicial . Medida fundamentada no poder-dever conferido ao juiz pelo art. 139, III, do CPC. Descumprimento injustificado. Determinação que não configura formalidade excessiva ou ônus desproporcional . Indeferimento da petição inicial e extinção do processo sem resolução de mérito. Sentença mantida. Recurso não provido (TJ-SP - Apelação Cível: 10028108420248260358 Mirassol, Relator.: Tasso Duarte de Melo, Data de Julgamento: 13/12/2024, 12ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 13/12/2024)
Exibição de documento – Contrato bancário – Pressupostos de admissibilidade – Regularização da representação processual – Indícios concretos da prática de litigância predatória (abusiva) – Determinação de comparecimento da parte em cartório judicial, para atestar a ciência da demanda e confirmar a procuração outorgada – Não cumprimento da diligência – Legalidade da ordem inserida entre os poderes do juiz – Artigo 139 do CPC – Aferição da regularidade da representação processual e efetiva outorga de poderes ao procurador da parte – Medida cabível, conforme recomendação do NUMOPEDE deste TJSP (Comunicado CG nº 02/2017 e CG Nº 456/2022) e Recomendação CNJ nº 159/2024 – Observância a Enunciados (4 e 5) do Comunicado CG n.º 424/2024 – Extinção do processo sem análise do mérito (artigo 485, inciso IV, do CPC)– Cabimento – Arbitramento de honorários advocatícios sucumbenciais – Possibilidade – Ingresso do réu na fase recursal com oferecimento de contrarrazões (artigo 85, § 2º, do CPC e REsp n. 1.753 .990/DF)– Responsabilização direta do advogado subscritor da inicial pelos encargos de sucumbência – Possibilidade – Inteligência do artigo 104, § 2º, do CPC e Enunciado 15 do Comunicado CG n.º 424/2024 – Observação – Sentença mantida – RITJ/SP, artigo 252 – Assento Regimental nº 562/2017, art. 23. Recurso não provido, com observação (TJ-SP - Apelação Cível: 10179694720258260224 Guarulhos, Relator.: Henrique Rodriguero Clavisio, Data de Julgamento: 21/10/2025, 18ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 21/10/2025)
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS C/C EXCLUSÃO DO ROL NEGATIVO POR FALTA DE NOTIFICAÇÃO PRÉVIA. PETIÇÃO INICIAL INDEFERIDA. RECURSO DA PARTE AUTORA. DESCUMPRIMENTO DE ORDEM JUDICIAL. INDEFERIMENTO DA EXORDIAL PELO NÃO CUMPRIMENTO DAS DILIGÊNCIAS DETERMINADAS PELO JUÍZO, SOBRETUDO O COMPARECIMENTO PESSOAL DA PARTE AUTORA. LITIGÂNCIA PREDATÓRIA. INDÍCIOS DE AJUIZAMENTO DE MÚLTIPLAS AÇÕES. JUSTIÇA GRATUITA. DOCUMENTAÇÃO APRESENTADA PELO AUTOR REPUTADA SUFICIENTE À CONCESSÃO DA GRATUIDADE JUDICIÁRIA. HONORÁRIOS RECURSAIS INCABÍVEIS. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO (TJSC, Apelação n. 5002866-55.2025.8.24.0007, do , rel. Flavio Andre Paz de Brum, Primeira Câmara de Direito Civil, j. 21-08-2025).
Ainda: AC 5002877-84.2025.8.24.0007, Rel. Des. Substituto Marcelo Pons Meirelles, Oitava Câmara de Direito Civil, j. 29/10/2025.
Convém notar, oportunamente, que princípio da primazia do julgamento do mérito (arts. 4º, 317 e 488 do CPC) ou da decisão de mérito (DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. v. 1. 25 ed. Salvador: Jus Podivm, 2023, p. 187) não altera a conclusão adotada, pois a sua aplicação, como norma-princípio que é, deve se dar na maior medida possível, em face das circunstâncias fáticas e jurídicas, em harmonia, portanto, com o sistema normativo no qual está inserido (SOARES, Ricardo Maurício Freire. Elementos de Teoria Geral do Direito. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 47), inclusive com as normas-regras que ditam o indeferimento da petição inicial como solução jurídica adequada quando não for atendida a determinação de emenda legalmente emitida pelo juízo (arts. 321, parágrafo único, e 485, I, do CPC).
Por tais motivos, desprovê-se o recurso da parte autora, facultando-se a propositura de nova ação, desde que supridas as determinações do juízo a quo (art. 486, § 1º, do CPC).
5. Sucumbência
Como visto, o recurso da parte autora foi desprovido, mantendo-se a sentença de indeferimento da petição inicial.
Assim, considerando que a parte demandada/recorrida foi citada (arts. 331, § 1º, ou 332, § 4º, do CPC) e que apresentou contrarrazões por meio de advogado ou Defensor Público, condena-se a parte autora, na condição de sucumbente, ao pagamento de honorários advocatícios (art. 85, caput, do CPC) fixados em 10% (dez por cento) do valor atualizado da causa (art. 85, §§ 2º e 6º, do CPC e Súmula 14 do STJ).
Nesse sentido:
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO. INDEFERIMENTO DA INICIAL. CITAÇÃO DO EXECUTADO NA FASE DE APELAÇÃO. VERBA HONORÁRIA. CABIMENTO. ART. 85 DO CPC. 1. Indeferida a inicial, sem a citação ou o comparecimento espontâneo do executado, correta a sentença que não arbitrou honorários, dada a ausência de advogado constituído nos autos. 2. Com a interposição de apelação e a integração do executado à relação processual, mediante a constituição de advogado e apresentação de contrarrazões, uma vez confirmada a sentença extintiva do processo, cabível o arbitramento de honorários em prol do advogado do vencedor (CPC, art. 85. §2). 3. Recurso especial provido (STJ, REsp n. 1.753.990/DF, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, j. 09/10/2018.).
Destaca-se, no ponto, que "A redistribuição dos ônus sucumbenciais, com a alteração dos honorários advocatícios sucumbenciais fixados na origem, é mera consequência lógica do julgamento do recurso" (STJ, AgInt nos EDcl no AREsp n. 2.212.029/DF, Rel. Min. Humberto Martins, Terceira Turma, j. 28/8/2023), que deve ser implementada pelo órgão julgador (arts. 85, caput, e 1.008 do CPC), independentemente de pedido expresso da parte interessada (art. 322, § 1º, do CPC), não caracterizando decisão ultra ou extra petita (arts. 142, 490, 492 e 1.013, § 1º, do CPC).
Caso decorram de vitória da parte assistida pela Defensoria Pública, os honorários são devidos ao Fundo de Reaparelhamento da Defensoria Pública do Estado de Santa Catarina – FADEP/SC, nos termos dos arts. 4º, XXI, da LC n. 80/1994, 4º, XIX, da LC Estadual n. 575/2012, 2º da Lei Estadual n. 17.870/2019 e 1º da Resolução CSDPESC n. 119/2022, e do Tema de Repercussão Geral n. 1.002 do STF.
Por fim, ressalva-se a suspensão de exigibilidade das verbas sucumbenciais, na forma e pelo prazo prescritos no art. 98, § 3º, do CPC, caso a parte condenada ao pagamento seja beneficiária da gratuidade da justiça.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, conheço do recurso e nego-lhe provimento, com condenação ao pagamento de honorários advocatícios.
Intimem-se.
Arquivem-se os autos após o trânsito em julgado.
assinado por MARCELO PONS MEIRELLES, Desembargador Substituto, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://2g.tjsc.jus.br//verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 7072969v12 e do código CRC 236f0b59.
Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): MARCELO PONS MEIRELLES
Data e Hora: 14/11/2025, às 17:30:50
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3. https://revistadaenfam.emnuvens.com.br/renfam/article/view/89/44
5046095-17.2025.8.24.0023 7072969 .V12
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