APELAçãO – Apelações ministerial e defensivas. Organi- zação criminosa, corrupção passiva e tráfico de dro- gas. Investigação realizada pelo Ministério Público na qual se apurou o envolvimento de agentes de se- gurança pública (GCM) com o PCC no município de Várzea Paulista. Apelo ministerial buscando a elevação das penas dos acusados. Pleito defensivo apresentado pelos réus ANA PAULA e WILSON objetivando a absolvição por não haver prova da existência dos fatos ou pela insuficiência probatória, com menção à suposta viola- ção ao art. 155 do CPP. Apelo oferecido pelo acusado JONAS requerendo, preliminarmente, (i) a conversão do julgamento em diligência, (ii) a declaração de nu- lidade da busca e apreensão domiciliar, (iii) a decla- ração de nulidade das provas obtidas por meio das interceptações telefônicas e (iv) o reconhecimento de violação ao art. 155 do CPP e, no mérito, a absolvição por não haver prova da existência dos fatos ou pela insuficiência probatória ou, subsidiariamente, a dimi- nuição das penas. Reconhecimento de outra causa de nulidade, consis- tente em ausência de fundamentação nas provas con- 587 cretas. Inexistência de fundamentação que configura nulidade absoluta, passível de ser reconhecida de ofí- cio. Jurisprudência - Seção de Direito Criminal Investigação realizada pelo GAECO, ao final da qual foi elaborado(TJSP; Processo nº 0000272-03.2022.8.26.0655; Recurso: Apelação; Relator: GUILHERME DE SOUZA NUCCI; Data do Julgamento: 13 de maio de 2025)
, em 16ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça
de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento ao recurso. V.
U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. (Voto
nº 34.664)
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores GUI-
LHERME DE SOUZA NUCCI (Presidente), RENATA WILLIAM RACHED
CATELLI e LEME GARCIA.
São Paulo, 13 de maio de 2025.
GUILHERME DE SOUZA NUCCI, Relator
Ementa: Apelações ministerial e defensivas. Organi-
zação criminosa, corrupção passiva e tráfico de dro-
gas. Investigação realizada pelo Ministério Público
na qual se apurou o envolvimento de agentes de se-
gurança pública (GCM) com o PCC no município de
Várzea Paulista.
Apelo ministerial buscando a elevação das penas dos
acusados. Pleito defensivo apresentado pelos réus
ANA PAULA e WILSON objetivando a absolvição
por não haver prova da existência dos fatos ou pela
insuficiência probatória, com menção à suposta viola-
ção ao art. 155 do CPP. Apelo oferecido pelo acusado
JONAS requerendo, preliminarmente, (i) a conversão
do julgamento em diligência, (ii) a declaração de nu-
lidade da busca e apreensão domiciliar, (iii) a decla-
ração de nulidade das provas obtidas por meio das
interceptações telefônicas e (iv) o reconhecimento de
violação ao art. 155 do CPP e, no mérito, a absolvição
por não haver prova da existência dos fatos ou pela
insuficiência probatória ou, subsidiariamente, a dimi-
nuição das penas.
Reconhecimento de outra causa de nulidade, consis-
tente em ausência de fundamentação nas provas con-
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cretas. Inexistência de fundamentação que configura
nulidade absoluta, passível de ser reconhecida de ofí-
cio.
Jurisprudência - Seção de Direito Criminal
Investigação realizada pelo GAECO, ao final da qual foi elaborado
relatório detalhado, indicando as pro- vas coligidas, além de ter sido
produzido novo reltório após o cumprimento de mandados de busca e
apreensão. Sentença condenatória fundamentada, exclusivamente, no
relatório final produzido pelo GAECO (com duas breves menções ao
relatório con- cernente às buscas e apreensões), sem análise das pro- vas em
si. Situação que corresponderia à condenação fundamentada em relatório
final do delegado de po- lícia. Inviabilidade de se admitir maior relevância
à investigação ministerial, devendo ser valorada como qualquer outro
procedimento investigatório. Ofensa ao art. 155 do CPP. Ademais, a
sentença condenatória repete o mesmo erro material presente na
manifesta- ção ministerial. Referência ao artigo 2º c. c. o artigo 4º, II, da
Lei n°. 12.850/13. Capitulação correta seria o artigo 2º, c. c. § 4º, II.
Repetição de erro a indicar que a sentença foi fundamentada na peça
ministerial. Uma vez anulada a sentença, autoriza-se a realização da
diligência requerida pela defesa de JONAS. Apelos defensivos providos
para declarar a nulidade da sen- tença por ausência de fundamentação.
VOTO
Trata-se de recursos de apelação interpostos pelo Ministério Público e
pelos réus Ana Paula da Silva, Wilson Aparecido Ruiz e Jonas Francisco Fi-
lho contra sentença de primeiro grau (fls. 4288/4307), prolatada em 31 de maio
de 2024, pela MM. Juíza de Direito, Dra. Heloísa Helena Palhares Montenegro
de Moraes, da 1ª Vara Judicial da Comarca de Várzea Paulista, que condenou
os apelantes às penas de 15 anos e 11 meses de reclusão, no regime inicial
fechado, além do pagamento de 715 dias-multa, calculados no piso legal, por
infração ao art. 2°, caput, c. c. art. 4°, inciso II, ambos da Lei n°. 12.850/2013,
art. 317, § 1°, do Código Penal (por 30 vezes, em continuidade delitiva) e art.
33, caput, c. c. o art. 40, inciso II, ambos da Lei n°. 11.343/2006, na forma do
art. 69 do Código Penal (ré ANA PAULA), 9 anos, 1 mês e 23 dias de reclusão,
no regime inicial fechado, além do pagamento de 34 dias-multa, calculados no
piso legal, por infração ao art. 2°, caput, c. c. art. 4°, inciso II, ambos da Lei n°.
12.850/2013 e art. 317, § 1°, do Código Penal (por cinco vezes, em continuidade
delitiva), na forma do art. 69 do Código Penal (réu WILSON) e 9 anos, 1 mês
e 10 dias de reclusão, no regime inicial fechado, além do pagamento de 35 dias-
multa, calculados no piso legal, por infração ao art. 2°, caput, c. c. art. 4°, inciso
II, ambos da Lei n°. 12.850/2013 e art. 317, § 1°, do Código Penal (por 15 vezes,
em continuidade delitiva), na forma do art. 69 do Código Penal (réu JONAS).
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Já de início, destaco haver erro material na sentença ao indicar a combi-
nação como artigo 4º, quando, em verdade, o correto seria o parágrafo 4º.
Jurisprudência - Seção de Direito Criminal Inconformado, o órgão ministerial apresentou razões recursais (fls.
4330/4341), almejando a exasperação das penas-base dos recorrentes, conside-
rando (i) o especial grau de reprovabilidade das condutas relacionadas à corrup-
ção passiva perpetrada por ANA PAULA, WILSON e JONAS, eis que exercem
a função de guardas municipais, (ii) a culpabilidade da ré ANA PAULA em
relação ao crime de tráfico de drogas, tendo em vista o seu comprovado en-
volvimento com traficantes, integrando organização criminosa com atuação em
diversos municípios, em grave violação aos deveres funcionais e (iii) a multipli-
cidade de delitos de corrupção passiva perpetrados por ANA PAULA e JONAS,
que supera consideravelmente o patamar máximo de sete delitos para fins de
imposição do aumento de 2/3, fruto da continuidade delitiva entre as infrações.
Irresignados, por sua defesa técnica, os réus ANA PAULA e WILSON
interpuseram recurso de apelação (fls. 4380/4396), objetivando, em síntese, a
absolvição por não haver prova da existência dos fatos ou pela insuficiência
probatória, com menção à suposta violação ao art. 155 do Código de Processo
Penal.
Insatisfeito, por sua defesa técnica, o réu JONAS também apelou (fls.
4398/4415), suscitando, preliminarmente, (i) a necessidade de conversão do
julgamento em diligência para expedição de ofício à Guarda Municipal de Vár-
zea Paulista, para juntada do controle de escalas registrado pelo Serviço de In-
teligência e Controle da instituição; (ii) a declaração de nulidade da busca e
apreensão domiciliar ora realizada, haja vista a ausência de pormenorização dos
limites e objetivos da medida; (iii) a declaração de nulidade das provas obtidas
por meio de interceptação telefônica e das derivadas, considerando as prorro-
gações arbitrárias e imotivadas concedidas pela autoridade sentenciante e (iv) o
reconhecimento de violação ao art. 155 do Código de Processo Penal, vez que
o decreto condenatório se fundamentou apenas em provas produzidas na fase
pré-processual. No mérito, requer a absolvição por não haver prova da existên-
cia dos fatos ou pela insuficiência probatória ou, subsidiariamente, a diminuição
das penas.
Os recursos foram contrarrazoados (fls. 4362/4364, 4373/4376 e
4421/4441) e a douta Procuradoria Geral de Justiça, em seu parecer (fls.
4452/4481), opinou pelo improvimento dos recursos defensivos, provendo-se
o apelo ministerial.
É o relatório.
Embora não tenha sido expressamente alegada por qualquer das partes,
verifico outra hipótese de nulidade da sentença condenatória, por ausência de
fundamentação. Ressalto, neste ponto, que a ausência de fundamentação é ma-
téria de ordem pública, podendo ser reconhecida a qualquer tempo e de ofício.
A presente ação penal teve origem em investigações realizadas pelo
GAECO, nas quais se apurou intensa atuação do PCC no município de Várzea
Paulista, em especial para a prática de tráfico de drogas e furto de caixas ele-
Jurisprudência - Seção de Direito Criminal
trônicos, contando com a participação de agentes de segurança pública.
Após o deferimento de interceptação telefônica de diversos alvos, iden-
tificou-se a participação de membros da Guarda Civil Municipal, dentre eles os
apelantes ANA PAULA, WILSON e JONAS.
Inicialmente, a denúncia foi ofertada contra mais de vinte indivíduos, po-
rém, devido ao grande número de acusados, o feito foi desmembrado em sete
processos.
Não se olvida da grande importância conferida às investigações presidi-
das pelo Ministério Público, mormente quando recaem sobre agentes do sistema
de segurança pública, cuja responsabilização pode ser dificultada pelo próprio
exercício do cargo ocupado. Nesse sentido, pacífico o entendimento firmado
pelo Supremo Tribunal Federal no Tema 184:
O Ministério Público dispõe de competência para promover, por auto-
ridade própria, e por prazo razoável, investigações de natureza penal,
desde que respeitados os direitos e garantias que assistem a qualquer
indiciado ou a qualquer pessoa sob investigação do Estado, observadas,
sempre, por seus agentes, as hipóteses de reserva constitucional de juris-
dição e, também, as prerrogativas profissionais de que se acham investi-
dos, em nosso País, os Advogados (Lei 8.906/1994, art. 7º, notadamente
os incisos I, II, III, XI, XIII, XIV e XIX), sem prejuízo da possibilidade
- sempre presente no Estado democrático de Direito - do permanente
controle jurisdicional dos atos, necessariamente documentados (Súmula
Vinculante 14), praticados pelos membros dessa Instituição.
Ainda, ao apreciar as ADI 2943, 3309 e 3318, o Pretório Excelso reafir-
mou o poder investigatório do Ministério Público, definindo os parâmetros a
serem observados pelo órgão ministerial, tais como (i) registrar a investigação
perante o Poder Judiciário; (ii) comunicação imediata ao juízo sobre a instaura-
ção de procedimento investigatório; (iii) a instauração deverá ser motivada e (iv)
garantia da autonomia técnica, funcional e científica das perícias.
Não se questiona, portanto, a ausência de monopólio para a investigação
criminal.
Todavia, a possibilidade de realização de investigações pelo Ministério
Público não permite que os elementos coligidos por tal órgão sejam valorados
de forma especial ou em destaque sobre os outros elementos constantes dos
autos.
Toda e qualquer prova colhida no âmbito da investigação ministerial deve
ser considerada, sem qualquer distinção, como um elemento colhido no curso de
qualquer outra forma de investigação criminal. Não há predominância dos ele-
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mentos de prova se comparados, por exemplo, a um inquérito policial presidido
por delegado de polícia.
Jurisprudência - Seção de Direito Criminal Para todos os fins, o Poder Judiciário deve valorar o procedimento in-
vestigatório ministerial tal como qualquer outro procedimento criminal - não se
atribuindo maior relevância.
Neste sentido, o Supremo Tribunal Federal, por inúmeras vezes, inclusive
ao apreciar o Tema 184 e ao julgar as ADIs acima indicadas, reafirmou que as
investigações ministeriais devem respeitar os direitos e garantias inerentes à
pessoa do investigado.
Feita esta introdução, verifico, no caso em tela, que a sentença condena-
tória conferiu à investigação ministerial uma indiscutível proeminência sobre as
demais provas, tendo, inclusive, deixado de analisar as provas concretamente
produzidas. Explico.
Os presentes autos, atualmente, ultrapassam as 4.400 folhas, das quais
1.265 compreendem o Relatório Final elaborado pelo GAECO.
Trata-se de relatório minucioso, com indicação de vários elementos de
prova que justificaram o oferecimento de denúncia contra mais de vinte indiví-
duos envolvidos com a organização criminosa.
Todavia, o relatório, em si, não pode ser considerado como elemento de
prova. As provas são aquelas efetivamente produzidas no curso da investigação,
tais como as capturas fotográficas, os depoimentos e interrogatórios, as inter-
ceptações telefônicas etc.
O Relatório Final nada mais é do que o resumo e aglutinação das provas
consideradas relevantes pelo presidente da investigação criminal.
A partir de fls. 1415, vê-se, propriamente, as provas angariadas pela in-
vestigação ministerial, com inúmeros documentos, fotos, pedidos de busca e
apreensão, interceptações telefônicas, depoimentos etc.
Ocorre que nenhuma das provas concretamente produzidas foi avaliada
pela sentença condenatória.
A simples leitura da sentença de fls. 4288/4307 nos permite verificar
que a condenação foi fundamentada, exclusivamente, no Relatório Final de fls.
150/1414 (com duas breves menções a outro relatório igualmente elaborado pelo
Ministério Público, referente ao cumprimento de mandados de busca e apreen-
são, juntado às fls. 3628/3641). As referências a elementos de prova descritos
na sentença foram extraídas do próprio relatório ministerial, não da prova em si.
Em lauda 05, a magistrada faz referência, nessa ordem, a fls. 301/347,
312/313 e 307/310 do relatório.
Em lauda 06, faz referência, também nessa ordem, a fls. 314/329, 329,
332/334, 339, 346, 334, 330, 339, 340/345, 314/347, 326/327, 330/331, todas
do relatório.
Em lauda 07, há referência a fls. 306/313 e 340/346 do relatório final
e fls. 3628/3641, concernente a outro relatório também elaborado pelo órgão
ministerial.
O mesmo procedimento é adotado nas laudas seguintes da sentença con-
Jurisprudência - Seção de Direito Criminal
denatória, com breve e insuficiente menção a folhas de caderno apreendidas na
residência de um traficante (fls. 3730/3747).
Verifica-se, portanto, que a sentença não foi fundamentada nas provas
em si, mas, sim, no relatório final elaborado unilateralmente pelo presidente da
investigação criminal.
Situação inadmissível seria aquela na qual a sentença condenatória é fun-
damentada, exclusivamente, no relatório formulado pelo delegado de polícia ao
término do inquérito policial. A situação nos presentes autos é rigorosamente a
mesma, pois o relatório do GAECO não possui valor probante diferenciado e
nem sequer se qualifica como prova na acepção jurídica do termo.
Ademais, verifica-se que a sentença assim proferida ofende o disposto no
art. 155 do Código de Processo Penal, segundo o qual o magistrado não poderá
fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos
na investigação.
A magistrada sentenciante, frise-se, não fez referência a nenhuma das
diversas testemunhas inquiridas em juízo (muito menos àquelas arroladas pelas
defesas dos réus), extraindo os elementos de convicção para a condenação ex-
clusivamente dos relatórios elaborados pelo GAECO, motivo pelo qual entendo
pela ausência de fundamentação da sentença guerreada.
Há, ainda, outra situação que salta aos olhos deste relator. A denúncia
ministerial incorreu em erro material ao imputar aos apelantes a prática do “ar-
tigo 2º, caput, c. c. o artigo 4º, inciso II, ambos da Lei n°. 12.850/2013”. O
erro consiste na combinação com o “artigo 4º”, o qual, na realidade, seria o
“parágrafo 4º”.
O erro material seria irrelevante, todavia, causa estranheza o fato de o
mesmo erro ter sido repetido na sentença condenatória, inclusive por diversas
vezes, dando os três apelantes como incursos, justamente, no “artigo 2º, caput,
c.c. o artigo 4º, inciso II, ambos da Lei n°. 12.850/2013”. Portanto, há elemen-
tos a indicar que a sentença foi fundamentada exclusivamente na manifestação
ministerial.
Uma vez declarada a nulidade da sentença e considerando que a defesa do
apelante JONAS afirma que o réu nunca integrou a equipe do acusado e guarda
municipal WILSON, e também considerando que os réus respondem ao pro-
cesso em liberdade, não visualizo prejuízo em acolher o pedido de diligências
formuladas por JONAS a fls. 4414, oficiando-se a Guarda Civil Municipal de
Várzea Paulista para apresentar o controle de escalas relacionado ao recorrente
à época dos fatos
Ante o exposto, pelo meu voto, dou provimento aos apelos defensivos
para reconhecer a nulidade da sentença condenatória por ausência de fundamen-
tacão concreta nas provas dos autos, com fundamento no art. 155 do Código de
Jurisprudência - Seção de Direito Criminal Processo Penal e art. 93, inciso IX, da Constituição Federal.