AGRAVO – DIREITO PROCESSUAL PENAL. EXCE- ÇÃO DE SUSPEIÇÃO. IMPROCEDÊNCIA. I. Caso em Exame 1. Exceção de suspeição interposta por E.S. contra o juiz da 3ª Vara Criminal de Piracicaba, Dr. Ro- drigo Pares Andreucci, na ação penal nº 1508088-21.2024.8.26.0451, onde o réu é acusado de roubo majorado. Alega-se suspeição do magistrado por ter condenado o excipiente em ação penal anterior por fatos semelhantes, comprometendo a imparcialidade no julgamento atual. 871 II. Questão em Discussão 2. A questão em discussão consiste em determinar se a atuação anterior do juiz em ação anterior comprome- Jurisprudência - Câmara Especial te sua imparcialidade no julgamento atual. III. Razões de Decidir 3. A imparcialidade do juiz é essencial para a validade do processo, sendo a suspeição ou impedimento regu- lados por lei para garantir essa imparcialidade. 4. A mera prolação de decisão contrária ao interesse da parte não caracteriza suspeição. Não foram apre- sentados elementos que comprovem a quebra da im- parcialidade do magistrado. IV. Dispositivo e Tese 5. Exceção de suspeição rejeitada. Tese de julgamento: 1. A atuação anterior do juiz em processos semelhantes não implica, por si só, em sus- peição. 2. A imparcialidade deve ser comprovada com base em fatos concretos e não em conjecturas. Legislação Citada: CPC, arts. 144, 145 e 147; CPP, art. 254. Jurisprudência Citada: STJ, AgRg no RHC nº 165.304-MT, Rel. Reynaldo Soa- res da Fonseca, 5ª Turma, j. 07.06.2022; STJ, AgInt na ExSusp nº 195-DF, Rel. Ricardo Villas Bôas Cuevas, 2ª Seção, j. 26.06.2019; TJSP, Exceção de Suspeição nº 0043197-05.2023.8.26.0000, Rel. Heraldo de Oliveira, Câmara Especial, j. 18.03.2024; TJSP, Exceção de Suspeição nº 0028039-41.2022.8.26.0000, Rel. Beretta da Silveira, Câmara Especial, j. 03.11.2022.(TJSP; Processo nº 0006850-02.2025.8.26.0000; Recurso: agravo; Relator: Beretta da Silveira; Órgão; Data do Julgamento: 31 de maio de 2025)
, em sessão permanente e virtual da Câmara Especial do Tri-
bunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Rejeitaram a exce-
ção de suspeição. V.U.”, de conformidade com o voto do relator, que integra este
acórdão. (Voto nº IS-0046/25-CE)
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores BERET-
TA DA SILVEIRA (VICE-PRESIDENTE) (Presidente sem voto), HERALDO
DE OLIVEIRA (PRESIDENTE DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) e CA-
MARGO ARANHA FILHO (PRESIDENTE DA SEÇÃO DE DIREITO CRI-
MINAL).
São Paulo, 31 de maio de 2025.
TORRES DE CARVALHO, Relator e Presidente da Seção de Direito Pú-
blico
Ementa: DIREITO PROCESSUAL PENAL. EXCE-
ÇÃO DE SUSPEIÇÃO. IMPROCEDÊNCIA.
I. Caso em Exame
1. Exceção de suspeição interposta por E.S. contra
o juiz da 3ª Vara Criminal de Piracicaba, Dr. Ro-
drigo Pares Andreucci, na ação penal nº 1508088-21.2024.8.26.0451, onde o réu é acusado de roubo
majorado. Alega-se suspeição do magistrado por ter
condenado o excipiente em ação penal anterior por
fatos semelhantes, comprometendo a imparcialidade
no julgamento atual.
871
II. Questão em Discussão
2. A questão em discussão consiste em determinar se a
atuação anterior do juiz em ação anterior comprome-
Jurisprudência - Câmara Especial
te sua imparcialidade no julgamento atual.
III. Razões de Decidir
3. A imparcialidade do juiz é essencial para a validade
do processo, sendo a suspeição ou impedimento regu-
lados por lei para garantir essa imparcialidade.
4. A mera prolação de decisão contrária ao interesse
da parte não caracteriza suspeição. Não foram apre-
sentados elementos que comprovem a quebra da im-
parcialidade do magistrado.
IV. Dispositivo e Tese
5. Exceção de suspeição rejeitada.
Tese de julgamento: 1. A atuação anterior do juiz em
processos semelhantes não implica, por si só, em sus-
peição. 2. A imparcialidade deve ser comprovada com
base em fatos concretos e não em conjecturas.
Legislação Citada:
CPC, arts. 144, 145 e 147; CPP, art. 254.
Jurisprudência Citada:
STJ, AgRg no RHC nº 165.304-MT, Rel. Reynaldo Soa-
res da Fonseca, 5ª Turma, j. 07.06.2022; STJ, AgInt na
ExSusp nº 195-DF, Rel. Ricardo Villas Bôas Cuevas,
2ª Seção, j. 26.06.2019; TJSP, Exceção de Suspeição nº
0043197-05.2023.8.26.0000, Rel. Heraldo de Oliveira,
Câmara Especial, j. 18.03.2024; TJSP, Exceção de
Suspeição nº 0028039-41.2022.8.26.0000, Rel. Beretta
da Silveira, Câmara Especial, j. 03.11.2022.
VOTO
1. Trata-se de exceção de suspeição interposta por E.S. em face do MM.
JUIZ DE DIREITO DA 3ª VARA CRIMINAL DA COMARCA DE PIRACICA-
BA, Dr. Rodrigo Pares Andreucci, na ação penal nº 1508088-21.2024.8.26.0451,
na qual o réu é acusado de roubo majorado (artigo 157, § 2º-A, inciso I, do CP).
Afirma suspeição do magistrado, eis que teria ele condenado o excipiente em
ação penal anterior, por fatos semelhantes aos ora impugnados, o que o impos-
sibilitaria de proferir um julgamento imparcial no processo atual. Pede que o
excepto seja declarado suspeito (fls. 1/5 da origem).
Recusados os motivos pelo magistrado excepto (fls. 6/7 dos autos de nº
0001182-55.2025.8.26.0451). Concedido prazo de 5 dias para regularização da
872
representação processual, o excipiente juntou a procuração (fls. 3, 7). Parecer
da Procuradoria-Geral de Justiça a fls. 15/19, opinado pela improcedência da
Jurisprudência - Câmara Especial exceção.
É o relatório.
2. A Convenção Americana sobre Direitos Humanos de 22-11-1969 (Pac-
to de San José da Costa Rica), em vigor no Brasil desde 25-9-1992, prevê no
item 1 do art. 8º que “toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas
garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente,
independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de
qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem seus
direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra
natureza”. No mesmo sentido são os art. 10 da Declaração Universal dos Direi-
tos Humanos, proclamada pela Assembleia-Geral das Nações Unidas em 10-12-
1948, e art. 14 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, adotado
pela XXI Seção da Assembleia-Geral das Nações Unidas em 16-12-1966.
A imparcialidade do juiz é um pressuposto subjetivo de validade do pro-
cesso e assegura aos litigantes a lisura da prestação jurisdicional. O incidente de
arguição de suspeição ou impedimento, por sua vez, é “o modelo estabelecido
em lei com o escopo de afastar o magistrado do feito, por lhe faltar a principal
característica do julgador, a imparcialidade (Celio Alves de Souza v. Ministério
Público do Mato Grosso, AgRg no RHC nº 165.304-MT, STJ, 5ª Turma, 7-6-
2022, Rel. Reynaldo Soares da Fonseca). As hipóteses de impedimento e suspei-
ção estão previstas nos arts. 144, 145 e 147 do CPC; e o reconhecimento da uma
dessas situações exige a comprovação da quebra da imparcialidade do julgador
para apreciar o litígio, sendo insuficientes meras conjecturas (J.D.M. v. Ministra
Nancy Andrighi, AgInt na ExSusp nº 195-DF, STJ, 2ª Seção, 26-6-2019, Rel.
Ricardo Villas Bôas Cuevas).
3. O excipiente é réu na ação penal nº 1508088-21.2024.8.26.0451, pela
suposta prática do crime previsto no artigo 157, § 2º-A, inciso I, do Código Pe-
nal. Segundo a denúncia, em 3-4-2022 o acusado abordou a vítima C.S.S. e, se
identificando como policial, mediante ameaça exercida com arma de fogo, lhe
subtraiu um celular e a carteira. A denúncia foi recebida em 24-1-2025, ocasião
em que o juiz impôs medidas cautelares ao acusado, quais sejam a proibição de
se aproximar da vítima, suspensão do porte funcional de arma de fogo e aloca-
ção em atividades administrativas da Corporação enquanto perdurar o processo,
considerando que o acusado é Guarda Municipal em atividade (fls. 107/108 e
110/111 do processo nº 1508088-21.2024.8.26.0451).
O excipiente afirma que em data anterior, mais precisamente no ano de
2022, foi oferecida denúncia contra si como incurso nos mesmos artigos e em
circunstâncias idênticas, nos autos do processo nº 1500658-30.2022.8.26.0451,
tramitado também perante a 3ª Vara Criminal da Comarca de Piracicaba/SP;
873
aduz que em tal ação penal, durante audiência de instrução e julgamento, o juiz
excepto demonstrou interesse em desfavorecer o acusado por meio de atos par-
ciais (fls. 10/11).
Jurisprudência - Câmara Especial
4. A insurgência do excipiente se direciona ao fato de o juiz excepto ter
oficiado em outra ação penal em que figurou como réu e, de maneira vaga,
afirma que foram praticados atos parciais, sem, contudo, indicar quais atos fo-
ram esses. O exame do processo de nº 1500658-30.2022.8.26.0451 não indica
qualquer atitude que caracterize a parcialidade alegada; os fatos são distintos,
havidos em outra data e envolvem outras vítimas; o réu foi condenado e, poste-
riormente, absolvido pela 11ª Câmara de Direito Criminal. Tais circunstâncias,
por si só, não são fundamentos para a oposição de exceção de suspeição, por não
caracterizarem quebra da imparcialidade.
A mera prolação de decisão contrária ao interesse da parte não caracteriza
a suspeição apta a justificar o acolhimento da exceção em análise. Nesse sen-
tido é o entendimento consolidado na Súmula nº 88, deste Egrégio Tribunal de
Justiça: “Reiteradas decisões contrárias aos interesses da excipiente, no estrito
exercício da atividade jurisdicional, não tornam o juiz excepto suspeito para
o julgamento da causa”. O artigo 254 do Código de Processo Penal arrola as
hipóteses de suspeição do magistrado, e no caso concreto não se contempla pre-
sente quaisquer delas, destacando-se que o excepto não é inimigo do excipiente,
a quem incumbiria a comprovação de suas alegações sob o enfoque atinente
ao liame subjetivo apto à caracterização da suspeição buscada, o que não se
verificou.
Somente o receio legítimo, motivado por circunstâncias ou interesses
comprovados e com base na realidade, autoriza a conclusão de que o juiz pode-
rá agir com parcialidade na solução da causa, o que não se verificou no presente
incidente, como enfatizado. Assim, na ausência de fundamento apto a sinalizar o
comprometimento da imparcialidade, inadmissível a destituição do juiz natural
do processo.
Em casos equivalentes, assim já decidiu esta C. Câmara Especial:
EXCEÇÃO DE SUSPEIÇÃO. Pretensão de afastamento do MM. Juiz proces-
sante da ação penal. Alegações genéricas. Não configuração das hipóteses pre-
vistas no artigo 254 do Código de Processo Penal. Prolação de decisões judiciais
fundamentadas e legais, que podem desagradar aos interesses particulares do
excipiente, sem tornar o magistrado suspeito. Incidência da Súmula nº 88 des-
te E. Tribunal de Justiça. Incidente de suspeição rejeitado.” (TJSP; Exceção de
Suspeição nº 0028039-41.2022.8.26.0000; Relator: Beretta da Silveira; Órgão
julgador: Câmara Especial; Data de julgamento: 03/11/2022; Data de publicação:
03/11/2022; Excipiente: Giselle Aparecida Grandizioli da Silva; Excepto: Luiz
Filipe Souza Fonseca)
O voto é pela rejeição da exceção de suspeição.
874
Habeas Corpus
Jurisprudência - Câmara Especial
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Habeas Corpus Cível nº
2344795-47.2024.8.26.0000, da Comarca de Votorantim, em que é impetrante
M.R.C., pacientes W.S.O.I. (MENOR), J.W.O.I. (MENOR), V.H.C.S.L. (ME-
NOR), R.C. (MENOR), A.G.O.D. (MENOR) e A.H.O.D. (MENOR).
ACORDAM, em sessão permanente e virtual da Câmara Especial do
Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Concederam a
ordem para devolução da guarda das crianças J.W. e W.S. aos genitores, pros-
seguindo-se com as estratégias traçadas para reestruturação familiar. V.U.”, de
conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão. (Voto nº HC
-0240/24-CE)
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores BERET-
TA DA SILVEIRA (VICE-PRESIDENTE) (Presidente sem voto), HERALDO
DE OLIVEIRA (PRESIDENTE DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) e CA-
MARGO ARANHA FILHO (PRESIDENTE DA SEÇÃO DE DIREITO CRI-
MINAL).
São Paulo, 30 de abril de 2025.
TORRES DE CARVALHO, Relator e Presidente da Seção de Direito Pú-
blico
Ementa: Direito da Criança e do Adolescente. Habeas
Corpus. Guarda de Menores. Ordem concedida.
I. Caso em Exame
1. Habeas corpus impetrado contra decisão que de-
terminou o desacolhimento de crianças e sua entrega
em guarda à tia paterna por 180 dias. A defesa alega
abusividade da decisão, destacando evolução dos re-
latórios técnicos, ausência de provas de maus tratos e
mudança dos genitores para uma casa maior.
II. Questão em Discussão
2. A questão em discussão consiste em determinar se a
guarda das crianças deve ser mantida com a tia pater-
na ou devolvida aos genitores, considerando o direito
das crianças de serem criadas em sua família natural.
III. Razões de Decidir
3. Os genitores demonstraram esforços para reestru-
875
turação familiar, seguindo orientações técnicas e as-
sistenciais, sem comprovação de impedimentos graves
para retomar a guarda.
Jurisprudência - Câmara Especial
4. A prioridade legal é a manutenção das crianças
junto aos pais, conforme o Estatuto da Criança e do
Adolescente, sendo a colocação em família substituta
medida excepcional.
IV. Dispositivo e Tese
5. Ordem concedida para devolução da guarda das
crianças aos genitores, prosseguindo-se as estratégias
traçadas para reestruturação familiar.
Tese de julgamento: 1. A reintegração familiar deve
ser priorizada em relação à colocação em família
substituta. 2. A reestruturação familiar dos genitores
foi demonstrada, e estão aptos a retomar a guarda das
crianças.
Legislação Citada:
ECA, art. 19.
VOTO
1. Trata-se de habeas corpus impetrado pela DRA. M.R.C. em favor de
W.S.O.I. (DN (...) e J.W.O.I. (DN (...)) contra decisão que determinou o de-
sacolhimento das crianças e sua entrega em guarda à tia paterna S.S.I.S., pelo
prazo de 180 dias (fls. 743/744 dos autos do proc. nº (...)).
2. Sustenta, em síntese, abusividade da decisão considerando a evolução
dos relatórios técnicos das visitas dos genitores; os cancelamentos reiterados
das visitas pela equipe da casa de acolhimento; inexistência de provas no tocan-
te a maus tratos; a mudança dos genitores para uma casa maior, providenciando
tudo que foi sugerido pela equipe técnica para receber as crianças; laudo do IML
mencionando a ausência de lesões corporais; o fato de a vizinha nunca ter sido
ouvida, pois era quem cuidava das crianças no dia em que foram acolhidas; a
tia paterna que está com a guarda das crianças reside em (...), a 100 km da casa
dos genitores. Pretendem, em liminar, a revogação da decisão que determinou
o desacolhimento das crianças (W. e J.W.) em favor da tia materna, para que as
crianças voltem à família natural; preventivamente, diante da iminência de que
os outros filhos (A.H., A., V.H. e R.) sejam acolhidos, a permanência na família
natural (fls. 01/32).
3. Depreende-se dos autos que em 2022 o Ministério Público ingressou
com ação de afastamento do convívio familiar, com pedido liminar de acolhi-
mento institucional para defesa do adolescente W.O.D. (...) e das crianças V.H.
C.S.L. (DN (...)) e W.S.O.I. (DN (...)).
876
Em março de 2023, estabilizadas as condições familiares, foram desaco-
lhidos e entregues à genitora e seu companheiro, pai da menina W.S.O.I., com
Jurisprudência - Câmara Especial determinação para que o CREAS e a Secretaria de Saúde dessem continuidade
aos acompanhamentos da família, bem como a Casa Belém encaminhasse re-
latórios mensais (fls. 82/84 e 367 e 381 todas dos autos do proc. nº (...)). Em
virtude da estabilização da situação do núcleo familiar, o Ministério Público pe-
diu a extinção do feito, o que não foi apreciado naquele momento (fls. 428/433,
435/436, 438/439, 441/442, 443 dos autos do proc. nº (...)).
Contudo, em março do presente ano, o Ministério Público informou o
acolhimento institucional dos filhos mais novos do casal P. e W. (W.S.O.I e
J.W.O.I.) (fls. 456/488 dos autos do proc. nº (...)), após o recebimento de denún-
cia anônima de abandono e maus tratos. Ao que se infere da documentação, os
menores V.H., W., J.W., R., A. e A.H. estavam sozinhos na residência quando
encontrados. Os pais alegaram que haviam ido entregar um trabalho de serralhe-
ria, ofício do genitor, e os deixaram aos cuidados de uma vizinha, que nunca foi
ouvida pelo MM. Juízo ou pelo Conselho Tutelar.
Diante da necessidade de resguardar os interesses das crianças, o Conse-
lho Tutelar, aos 25/04/2024, realizou o acolhimento institucional apenas de W.
e J.W. (fls. 529/553 dos autos do proc. nº (...)).
O Ministério Público requereu a manutenção do acolhimento (fls. 457/488
dos autos do proc. nº (...)), o que foi ratificado pelo juízo (fl. 489 dos autos do
proc. nº (...)).
O Plano Individual de Atendimento das crianças acolhidas foi elaborado
(fls. 497/540 dos autos do proc. nº (...)). A criança W.S.O.I. passou por consulta
médica e apresentava leve problema de pele.
Nos autos, os pais esclareceram que na data dos fatos, as crianças estavam
aos cuidados da vizinha e que ela tinha ido até a sua casa para desligar o fogo;
os policiais da guarda municipal foram acionados e, ao chegarem ao local, a vi-
zinha já estava retornando; as informações do plano individual de atendimento
não mencionam quaisquer maus tratos; as crianças acolhidas estão matriculadas
e há o monitoramento pelos órgãos competentes; quanto aos outros filhos da
genitora P., V. e R. estão aos cuidados do Sr. E.; A. e A.R., atualmente estão
com o genitor e W. sob cuidados maternos; requereram a realização de visitas e
a convivência aos finais de semana (fls. 514/529 dos autos do proc. nº (...)). Foi
juntado laudo toxicológico da genitora para corroborar as alegações de que ela
está abstinente do uso de entorpecentes (fls. 532/533 dos autos do proc. nº (...)).
A magistrada, conforme manifestação do Ministério Público e visando à
manutenção dos vínculos entre as crianças e os genitores, autorizou a visitação
dos genitores (nos dias e horas estabelecidos pela entidade) e determinou a vin-
da de relatórios quinzenais (fls. 551 dos autos do proc. nº (...)).
A equipe do acolhimento encaminhou relatório aos 10/07/2024, descre-
vendo a preocupação da tia paterna (Sra. S.) com as crianças e o deslocamento
877
semanal para visitá-las no abrigo (fls. 557/559 dos autos do proc. nº (...)).
No relatório da equipe do acolhimento, datado de 22/07/2024, constou
que os filhos se mostraram indiferentes à genitora, as crianças possuem uma
Jurisprudência - Câmara Especial
boa interação com o genitor e que, após algumas visitas, as crianças ficaram
chorosas e até agressivas com as outras crianças (fls. 594/596 dos autos do proc.
nº (...)).
Novo relatório encaminhado aos 05/08/2024, a equipe do acolhimento
pontuou a boa interação entre os genitores e as crianças (brincam, conversam e
pedem colo); informam que o genitor é proprietário de uma serralheria e, para
complementar a renda, trabalha como segurança em um supermercado; a geni-
tora está trabalhando numa lavanderia; há notícia de que a genitora deixou há
bastante tempo a drogadição, inclusive, tendo apresentado três exames toxico-
lógicos negativos; quanto ao ocorrido no dia acolhimento, a genitora esclareceu
que estavam indo até a serralheira para entrega de um serviço e que deixaram as
crianças aos cuidados da vizinha; que nunca deixou seus filhos sozinhos, pois
possui flexibilidade de horário e, por isso, pode ficar com eles quando necessá-
rio, e o sentimento de “perseguição” em virtude do primeiro acolhimento com
falsas acusações de uso de entorpecentes – fato que levou a genitora a realizar
três exames toxicológicos; a interação mais confortável entre os genitores e a
equipe; a preocupação da genitora em provar que não faz mais uso de substân-
cias entorpecentes (fls. 600/603 dos autos do proc. nº (...)).
Sobreveio o estudo psicossocial, realizado pela equipe técnica do juízo,
havendo informação que o genitor W. trabalha na serralheria própria e como
segurança em um supermercado, tendo renda mensal por volta de seis mil reais;
nunca deixou faltar nada para os filhos; não faz uso de substâncias psicoativas;
devido a denúncias contra a companheira e de que não levavam os filhos para
creche, mudaram para outra residência; a companheira foi liberada dos atendi-
mentos realizados pelo CAPS-AD; a vizinha era paga para auxiliar nos cuidados
com as crianças; na data dos fatos, as crianças foram deixadas com a vizinha;
quanto às marcas apresentadas pela filha (W.), relata que sempre teve problema
de pele; negou qualquer tipo de agressão; a companheira sempre cuidou bem
dos filhos; as crianças iam para escola e estavam com todas as vacinas em dia,
manifestado o desejo de ter os filhos de volta. A genitora ressaltou a inexistência
de motivos para o acolhimento dos filhos; o fato de estar há três anos sem usar
drogas; a grande responsabilidade decorrente de cuidar de sua prole numerosa
sem auxílio; reiterou que na data do acolhimento tinha deixado os filhos aos
cuidados da vizinha e que a vizinha só se dirigiu até a própria casa para preparar
a comida (fls. 606/615 dos autos do proc. nº (...)).
O relatório informativo encaminhado pela equipe do acolhimento aos
19/08/2024 mencionou a interação afetiva entre os genitores e as crianças (troca
de carinhos, beijos, brincadeiras), apontando que as brincadeiras da genitora
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estimulam o aprendizado dos filhos; a mudança da família para uma casa maior,
com 05 cômodos, para receber todas as crianças; os brinquedos que são feitos
Jurisprudência - Câmara Especial pelo genitor na serralheria; apontou que os pais estão se empenhando para rea-
ver a guarda dos outros filhos (V. e R.) e empenharam esforços para fazer a festa
da filha W. no acolhimento.
Consta do relatório que: (...) “O casal mostra-se solicito em atender as
orientações, aceitando os encaminhamentos para se fortalecerem na função
protetiva de pais, em visita domiciliar encontramos uma casa limpa e organi-
zada. É uma família em processo de reestruturação.” (fls. 620/627 dos autos do
proc. nº (...)).
Neste interim, a advogada requereu permissão para retirada das crianças
para participar da festa de aniversário da filha W. ou, caso negativo, permissão
para que os irmãos participassem da festa dentro da casa de acolhimento (fls.
628/629 dos autos do proc. nº (...)).
O Ministério Público, a despeio de as visitas dos genitores estarem sendo
positivas e de estarem esforçando para modificar a dinâmica e situação familiar,
opinou pelo indeferimento da retirada das crianças para o aniversário da filha
(W.) com autorização para que os genitores e os demais irmãos participassem da
festa de aniversário a ser realizada no abrigo (fls. 633/634 dos autos do proc. nº
(...)). O magistrado, considerando que a família está em processo de reestrutu-
ração, indeferiu a retirada das crianças e autorizou a participação dos irmãos na
festa de aniversário (fl. 636 dos autos do proc. nº (...)).
A equipe de acolhimento encaminhou relatório aos 23/09/2024 destacan-
do a interação afetiva entre os genitores e os filhos durante todo o tempo de vi-
sita, o tempo restrito de cinco meses para efetivação da superação das questões
que levaram ao acolhimento das crianças com a necessidade de um período
maior para que fosse analisado se os genitores possuem condições de receber
os filhos; a preocupação do retorno das crianças ao convívio com os genitores e
irmãos; o fato de ser o segundo acolhimento da criança W.; a excepcionalidade
e brevidade do acolhimento e o fato da existência de membro da família extensa
interessada na guarda provisória das crianças (fls. 640/642 dos autos do proc.
nº (...)).
O Ministério Público, aos 26/09/2024, reputou ser prematura a entrega
dos irmãos à tia paterna, sobretudo considerando o estudo psicossocial e a pen-
dência da realização de estudo psicossocial na residência da tia paterna – Sra. S
(fl. 645 dos autos do proc. nº (...)).
O magistrado manteve o acolhimento até a conclusão das diligências so-
licitadas nos autos apensos nº (...) (fl. 647 dos autos do proc. nº (...) – guarda
promovida pela tia paterna S.).
A defesa peticionou requerendo o desacolhimento e mencionou os cance-
lamentos das visitas dos genitores nos dias 05/07, 30/08, 04/10 e ressaltou que
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as visitas da tia paterna S. (que disputa a guarda das crianças) puderam ser rea-
lizadas (nestes mesmos dias); a Casa Belém não recepcionou bem os genitores
e os irmãos na data da festa da criança (W.); a alta da genitora do CAPS foi en-
Jurisprudência - Câmara Especial
caminhada à Casa Belém em agosto, porém não foi mencionada nos relatórios;
os laudos dos exames toxicológicos não foram anexados ou mencionados nos
relatórios anteriores e, assim, as informações do acolhimento não dão ciência
de que os genitores estão reestruturados física e emocionalmente. Ressaltou a
ausência de provas de maus tratos e de abandono, dizendo que todos os outros
filhos estão com a genitora (fls. 652/671 e docs. dos autos do proc. nº (...)).
Sobreveio relatório informativo da equipe do acolhimento aos 14/10/2024,
pontuando que durante toda visita os genitores interagiram com os filhos; a an-
siedade das crianças; e, diversamente do que ocorreu até então, mencionaram
os técnicos a resistência dos genitores a qualquer intervenção e orientação; o
comparecimento da genitora ao abrigo para saber o motivo de as visitas da tia
paterna não terem sido suspensas e a desconfiança dos genitores em relação à
conduta da equipe; a motivação da suspensão da visita foi devido ao fato de que
a presença dos pais no período de atividade prejudicaria a atividade (fls. 734/737
dos autos do proc. nº (...)).
O Ministério Público se manifestou favoravelmente ao desacolhimento
e a concessão de guarda indeterminada para a Sra. S. (fls. 738/739 dos autos
do proc. nº (...)). O magistrado acolheu o parecer do Ministério Público e de-
terminou o desacolhimento das crianças à Sra. S., pelo prazo de 180 dias. Daí
o agravo.
Para melhor elucidação dos fatos e apreciação da liminar, foram determi-
nadas providências urgentes, quais sejam: 1) a realização de estudo pela equipe
técnica do juízo de (...) junto aos genitores; 2) a realização de estudo com visita
domiciliar na comarca de (...) junto à tia paterna S. e às crianças W. e J.W., pela
equipe técnica do respectivo Juízo; 3) a realização de audiência concentrada do
caso pelo Juízo da Infância de (...); o resultado de todas as determinações acima
deveria ser enviado a estes autos tão logo concluídas.
O MM. Juízo determinou a realização de avaliação psicossocial com vi-
sita domiciliar à tia paterna e às crianças W. e J.W., e autorizou a realização de
visitas dos genitores aos filhos, semanalmente, aos sábados ou domingos, sem
pernoites e sob a supervisão da guardiã (fls. 514, da origem).
Documentos referentes às diligências determinadas foram trazidos a estes
autos. Laudo psicossocial produzido na comarca de (...) (processo nº (...)) relata
visita ao domicílio da tia paterna S., que detém a guarda das crianças W. e J.W.
Trata-se de viúva, pensionista, que coabita com um de seus três filhos, que é
funcionário público municipal, solteiro, sem filhos. Habitam imóvel próprio,
dispõem de condições materiais para garantia das necessidades das crianças,
além de contarem com rede de apoio. É guardiã das crianças desde 23.10.2024,
880
e relatou, em entrevista, que o genitor dos infantes, W., na iminência de acolhi-
mento dos filhos, solicitou a ela que requeresse a guarda a fim de evitar a institu-
Jurisprudência - Câmara Especial cionalização. Concluiu-se o estudo de forma favorável à manutenção da guarda,
com verificação de afeto, cuidado e preocupação da tia e do primo em relação
às crianças, que se encontram em excelente estado geral, com suas demandas
afetivas, materiais, educacionais e de saúde atendidas (fls. 269/277).
Estudo consistente em entrevistas conjuntas da psicóloga e da assistente
social, individualizadas com cada um dos componentes do núcleo familiar no
ambiente do fórum, além de visita domiciliar, indica que a família tem empe-
nhado esforços para sua reestruturação, com maior atenção aos cuidados com os
filhos e utilização da rede de apoio do Município (CREAS, CAPSIJ e UBS) para
atendimento de demandas clínicas, psiquiátricas e psicológicas. Também se evi-
denciou maior atuação quanto à disciplina dos filhos, tendo a genitora deixado
de trabalhar fora para se dedicar integralmente aos seus cuidados, permanecen-
do como principal responsável pelas tarefas cotidianas com o auxílio das suas
filhas adolescentes, ante a extensa jornada de trabalho do genitor; o filho W. não
vive no lar familiar, porém tem contato com a família. Em razão da situação de
W., as profissionais consideravam que não seria ainda adequado o retorno das
crianças ao lar (fls. 278/287).
Superado o descumprimento do § 1º do art. 19 do ECA, que impõe a
reavaliação trimestral das decisões tomadas, e do Provimento nº 118/2021 do
CNJ, que estabelece que a realização de audiências concentradas visa não so-
mente avaliar o desacolhimento, mas também se caracteriza como instrumento
de acompanhamento e reanálise periódica da medida de proteção aplicada, a au-
diência concentrada foi realizada em 10.1.2025 (termo às fls. 288/290). Na oca-
sião, a equipe técnica do fórum de (...) denotou preocupação com a adolescente
A.H., que havia iniciado acompanhamento psicológico em razão de episódios
de depressão e automutilação; quanto ao adolescente W., reside em companhia
desconhecida de sua genitora e há notícia de que estaria fazendo uso de entor-
pecentes e sem frequência à escola. Aguardavam avaliações mais atuais, uma
vez que o último atendimento com os genitores havia sido feito em novembro
de 2024, a fim de verificar a evolução. O CREAS informou que a família segue
em acompanhamento, com assiduidade desde o novo acolhimento dos filhos, e
bom relacionamento com os funcionários do órgão. A equipe de saúde informou
que a genitora realizou acompanhamento multidisciplinar por conta de sua dro-
gadição, de forma inconstante, durante um ano e oito meses, tendo recebido alta.
Testes recentes realizados constataram a ausência de substâncias químicas no
seu organismo. Por fim, a equipe do SAICA relatou que, durante o acolhimento
das Crianças W.J. e W.S., os genitores e a tia os visitaram com frequência; a
despedida com os genitores causava irritabilidade e choro nas crianças, ao passo
que com a tia as despedidas eram mais tranquilas. Ademais, questionamento do
881
Ministério Público quanto ao impacto da situação do adolescente W. no retorno
das crianças ao lar familiar foi respondido pela equipe técnica, que informou
não haver clareza quanto à proteção fornecida pelos genitores quanto aos tumul-
Jurisprudência - Câmara Especial
tos que o adolescente por vezes causa em visitas à família. Segundo informado
pela genitora na audiência, o guardião legal do adolescente é o seu genitor, que
reside em outro Município, e ela afirma que buscou ajuda do Ministério Público,
do Conselho Tutelar e do genitor quando ciente de que o filho estava em uso de
entorpecentes, não tendo sido negligente.
Houve ainda informação sobre a frequência e dinâmica das visitas às
crianças na cidade de (...), que ocorrem todos os sábados em uma praça da ci-
dade, onde se demonstrou ser o ambiente mais proveitoso do quando realizadas
na casa da tia.
Ao fim, a magistrada determinou a apresentação, pelo CREAS, de rela-
tório único sobre a evolução da família, entre os acolhimentos e após o último
desacolhimento (período de abril de 2024 até atualmente), quanto à periodicida-
de e frequência aos atendimentos, sobre o que se espera da família e se é neces-
sário aguardar nova avaliação para que se possa apreciar o pedido de guarda da
genitora, no prazo de 30 dias. Determinou, também, que a família apresente um
plano objetivo com a descrição das atividades da família, como se as crianças
menores estivessem sob sua guarda, no prazo de cinco dias, mantida a guarda
das crianças S.W. e J.W com a tia paterna até cumprimento das determinações
(fls. 288/290), o que foi atendido (fls. 351/396).
Ainda em cumprimento ao determinado neste writ, nos autos de origem
foi confeccionado relatório pelo setor técnico do juízo, com o objetivo de arti-
cular as diversas políticas de atendimento à família. Informa que em 7.2.2025
houve reunião para discussão do caso, que resultou em encaminhamentos di-
versos referidos nos autos de origem. Por fim, a equipe técnica considerou não
dispor de elementos para se posicionar quanto à reintegração, ao seio familiar,
das crianças sob guardiania da tia paterna, uma vez que a retomada dos atendi-
mentos e a elaboração do plano é recente (fls. 933/937 da origem).
O CREAS presta informação no sentido de que, após o segundo acolhi-
mento dos filhos, ocorrido em março de 2024, a genitora buscou a instituição
para retomada dos atendimentos. Naquele momento, mostraram-se abalados
quanto ao acolhimento, negaram as acusações feitas contra eles, ao que foram
orientados sobre suas responsabilidades e sobre a importância da participação
do genitor na rotina dos filhos. Após reunião com a rede de apoio municipal e
o setor técnico judicial, foram trabalhadas, com o casal, questões referentes a
saúde, educação, projeto psicossocial e dinâmica familiar. A equipe considera
que houve evolução e fortalecimento do casal ao longo do processo, além de
melhora no relacionamento familiar, tendo o núcleo se comprometido com o
processo. A genitora buscou emprego compatível com os horários e rotinas dos
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filhos, e informa contar com o apoio de sua chefe para eventualidades que sur-
jam. A família tem se organizado para o retorno dos filhos, com planejamento de
Jurisprudência - Câmara Especial rotinas, lazer, organização escolar, entre outros aspectos.
Da referida reunião, foi elaborado o seguinte planejamento a ser seguido
junto à família:
1. Atendimentos psicossociais ao núcleo familiar, de forma quinzenal, com os
genitores neste CREAS por tempo mínimo de 6 (seis) meses;
2. Os genitores deverão estar atentos às consultas médicas, dialogando com este
CREAS sobre as datas agendadas, comparecimento e desdobramentos (a família
já vem realizando esse acompanhamento);
3. Quanto à questão escolar deverão realizar o devido acompanhamento e com-
parecimento nas reuniões escolares quando convocados (a família já vem reali-
zando esse acompanhamento);
4. Procurar atendimento psicológico e/ou psicoterapia para A.H. (já está passan-
do com psicólogo na rede particular de saúde);
5. Planejamentos de momentos de lazer e também que W. esteja mais presente
na dinâmica familiar, não se restringindo às questões financeiras (W. mostrou-se
disponível);
6. Acompanhamento do R. e da A.H. perante o CAPS-IJ, não faltar às consultas
(próxima consulta agendada para 12.3.2025);
7. Avaliação para A. no CAPS-IJ;
8. Dialogarem com CAPS-IJ sobre as questões de W. devido ao uso d SPA (subs-
tâncias psicoativas) (ocorrerá no mesmo dia 12.3.2025).
Fls. 401/403: A Procuradoria Geral da Justiça opina pela denegação da
segurança.
É o relatório.
Ainda que excepcional a cognição da matéria fática debatida nesta estrei-
ta via de habeas corpus, é caso de concessão da ordem.
Não se desconhece o interesse da tia paterna S. em obter a guarda dos
sobrinhos antes mesmo de seu acolhimento institucional. Do mesmo modo, é
sabido que o acolhimento é medida excepcional e deve ser breve.
De acordo com o ECA, é direito da criança ser criada em sua família na-
tural, sendo excepcional a colocação em família substituta (art. 19), dispondo o
parágrafo terceiro que a manutenção ou a reintegração de criança ou adolescente
à sua família terá preferência em relação a qualquer outra providência, caso em
que será incluída em serviços e programas de proteção, apoio e promoção.
O poder familiar é um múnus exercido em favor da criança e do adoles-
cente, de forma a se concretizar seu superior interesse. É o que se extrai da lição
de Rolf Madaleno1:
o conteúdo do poder familiar encontra sua gênese no artigo 229 da Constituição
Federal, ao prescrever como deveres inerentes aos pais os de assistirem, criarem
e educarem os filhos menores, nisso sendo secundado pelo artigo 22 do Estatu-
to da Criança e do Adolescente, quando estabelece ser incumbência dos pais o
883
dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores. (Curso de Direito de
Família, Ed. Forense, 2015, p. 722)
Nessa linha, os ensinamentos de Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade
Jurisprudência - Câmara Especial
Maciel, ao analisar esses aspectos do instituto, destaca:
ambos os pais (consanguíneos ou adotivos) têm o dever moral e a obrigação jurí-
dica de, conjuntamente, sobre os filhos “dirigir-lhes a criação e a educação” (art.
1.634, I), na esteira dos arts. 227 e 229 da CF. (In Curso de direito da criança
e do adolescente: aspectos teóricos e práticos. 9ª. ed. rev. e atual. São Paulo:
Saraiva, 2016, p. 153)
O legislador, nos arts. 1.630 e 1.634 do CC, e nos arts. 21 e 22 do ECA,
atribui aos pais o poder familiar sobre os filhos menores, arrola os direitos e
deveres que dele decorrem e prevê os casos em que, por abuso ou omissão no
desempenho do múnus, podem eles perder a prerrogativa, conforme disposição
dos arts. 1.638 do CC e 24 do ECA.
É direito da criança e do adolescente a criação e educação no seio de sua
família natural e, de forma excepcional, em família substituta, consoante o já
referido art. 19 do ECA. Neste panorama, ainda que a tia paterna S. integre a
família extensa das crianças, e que reúna condições para assumir a guarda dos
sobrinhos, a prioridade é que sejam mantidas junto aos pais; de todas as longas
informações que foram referidas, ficou evidenciado que os genitores empreen-
deram todos os esforços possíveis para receber seus filhos W.S. e J.W. nova-
mente, e que em todo o período de acompanhamento pelas equipes técnicas
do acolhimento e do juízo nada de grave ou impeditivo se comprovou que os
impossibilitasse de retomar a guarda de seus filhos pequenos.
Depreende-se do relatório encaminhado no dia 19.8.2024 que a família
estava em reestruturação; a existência de laços familiares entre os genitores e as
crianças; a possibilidade de a genitora ter se sentido sobrecarregada, com todos
os sete filhos sob a sua responsabilidade considerando a ausência do genitor das
crianças pequenas na maior parte do tempo em razão do trabalho; indicou-se
que o casal é solícito em atender as orientações, aceitando os encaminhamentos
para se fortalecer na função parental, tal como mencionado em outros relatórios
anteriores. Por esta razão, diante do quadro promissor e da possibilidade concre-
ta de reintegração familiar, em manifestação datada de 26.9.2024, o Ministério
Público opinou ser prematura a entrega das crianças à tia paterna.
Contudo, em menos de um mês, no relatório da equipe de acolhimento
acostado aos autos em 18.10.2024, foi destacada a excepcionalidade e brevidade
do acolhimento, a resistência dos genitores a qualquer intervenção e orientação
e a desconfiança dos genitores em relação à conduta da equipe em suposto favo-
recimento à tia paterna, que estava disposta a cuidar dos sobrinhos.
A propósito, quanto a este ponto, há que se considerar que os pais não
possuem conhecimento legal a respeito dos trâmites e regras relativas ao aco-
lhimento, o que torna compreensível que os pais estranhem o fato de a equipe
883
ter cancelado suas visitas por diversas vezes enquanto tomaram conhecimento
de que a tia paterna, nos mesmos dias, conseguiu visitar as crianças. Inclusive,
Jurisprudência - Câmara Especial competiria à equipe do acolhimento reformular o horário da visita para que o
direito dos pais fosse garantido, o que não aconteceu.
Constata-se da farta documentação juntada que as orientações feitas pela
equipe técnica e assistencial estão sendo seguidas e é evidente o esforço dos ge-
nitores para modificar a dinâmica e a situação familiar. Além disso, consideran-
do as informações contidas nos relatórios e as estratégias recentemente traçadas
junto à família, vislumbra-se efetiva ação dos genitores no sentido de modificar
o contexto que justificou, primeiramente, o acolhimento e, após, a concessão de
guarda das crianças à tia paterna. O casal aparenta estar em reestruturação quan-
to aos deveres familiares, com busca de soluções que possam a todos beneficiar
e principalmente com a finalidade de garantir proteção e cuidado aos filhos.
Quanto à situação do adolescente W., em que pese seja de relevante na
dinâmica familiar, é de se considerar que não é objeto da presente ação e, se o
caso, deve ser tratada em autos próprios, notadamente porque o guardião legal
do adolescente é o genitor. Em princípio, tal situação não retira da genitora os
seus deveres parentais – e há notícia nos autos de que ela tomou as medidas ao
seu alcance – porém, não pode ser utilizado como empecilho para a regulariza-
ção da situação das crianças J.W. e W.S., que se encontram há longo tempo em
convívio com a família extensa sem que remanesçam as supostas violações que
os afastou do poder familiar.
Desta forma, o conjunto das circunstâncias fáticas, aliadas ao primordial
objetivo da presente ação, qual seja, a proteção dos direitos das crianças, impos-
sibilitam que se mantenha a situação atual, em que as crianças estão, na maior
parte do tempo, privadas do convívio com sua família de origem sem justifica-
tiva suficiente para tanto.
Por fim, observo que o objeto desta ação é a mesma decisão atacada no
agravo de instrumento nº (...) (decisão proferida na ação de acolhimento institu-
cional nº (...) que determinou o desacolhimento das crianças W.S. e J.W. e sua
entrega em guarda à tia paterna). Portanto, todas as questões levantadas naquele
recurso foram aqui decididas.
O voto é pela concessão da ordem para devolução da guarda das crian-
ças J.W. e W.S. aos genitores, prosseguindo-se com as estratégias traçadas para
reestruturação familiar. Tão logo concluído o presente julgamento, dê-se ciência
aos MM. Juízos da Infância de (...) e de (...), para o cumprimento da ordem.
Traslade-se cópia do decidido para os autos do agravo supracitado, dando
ciência ao Juízo singular.