Decisão 0011363-68.2011.8.26.0011

Processo: 0011363-68.2011.8.26.0011

Recurso: Apelação

Relator: VIANNA COTRIM

Data do julgamento: 15 de julho de 2025

Ementa Técnica

APELAçãO – Responsabilidade civil - Ataque da autora, menor impúbere de 9 anos, por cão do réu - Vítima que apenas brincava no quintal do réu com a enteada do réu - Ausência de invasão do ambiente ou de pro- vocação do animal - Apelada que sofreu mordeduras que a levaram à internação para recuperação e dei- xarão marcas em seus membros inferiores - Indeniza- ção moral e estética - Cabimento - Montante que, de acordo com as circunstância do caso, da autora e do réu, comporta redução - Parcial provimento do apelo.(TJSP; Apelação 0011363-68.2011.8.26.0011; Relator: VIANNA COTRIM; Data do Julgamento: 15 de julho de 2025)

Voto / Fundamentação

, em sessão permanente e virtual da 26ª Câmara de Direito Jurisprudência - Direito Privado Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “De- ram provimento em parte ao recurso. V.U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. (Voto nº 52.970) O julgamento teve a participação dos Desembargadores CARLOS DIAS MOTTA (Presidente sem voto), MORAIS PUCCI e ANA CATARINA STRAU- CH. São Paulo, 15 de julho de 2025. VIANNA COTRIM, Relator


Ementa: Responsabilidade civil - Ataque da autora, menor impúbere de 9 anos, por cão do réu - Vítima que apenas brincava no quintal do réu com a enteada do réu - Ausência de invasão do ambiente ou de pro- vocação do animal - Apelada que sofreu mordeduras que a levaram à internação para recuperação e dei- xarão marcas em seus membros inferiores - Indeniza- ção moral e estética - Cabimento - Montante que, de acordo com as circunstância do caso, da autora e do réu, comporta redução - Parcial provimento do apelo.





VOTO

A r. sentença de fls. 157/162, cujo relatório é ora adotado, julgou parcial- mente procedente a ação de reparação de danos relativa a responsabilidade civil. Apelou o réu, a fls. 165/171, ressaltando a gratuidade anteriormente concedida, pedindo a reforma, sustentando que houve erro na sentença, pois a vítima inva- diu o espaço do animal, e não o contrário, certo que o cachorro estava em seu ambiente natural, dentro da residência, e a vítima o provocou ao jogar água nele, gerando a reação, apontando para a existência de culpa exclusiva da vítima e omissão de seus responsáveis legai, que permitiram a interação da menor com o animal sem supervisão. Defende a ausência de responsabilidade do dono do animal. Quanto aos valores de indenização fixados alega que são exorbitantes diante de sua realidade financeira, por estar desempregado e extrair renda men- sal de cerca de R$ 1.000,00 proveniente de bicos como servente de pedreiro, sustentando um filho menor. Pugna pela reforma integral. Quando não, pleiteia redução dos valores indenizatórios, sugerindo o total de R$ 3.000,00, a fim de evitar enriquecimento ilícito da parte contrária. Parecer do I. Representante do Ministério Público em Segundo Grau pelo improvimento (fls. 196/198) 160 É o relatório. O recurso prospera em parte. Inicialmente, não conheço do apelo de fls. 172/178, evidentemente proto- colado em duplicidade por equívoco. Mais não fosse, não caberia conhecimento Jurisprudência - Direito Privado dele em razão do princípio da unirrecorribilidade das decisões e por preclusão lógica. Trata-se de ação de reparação de danos sofridos pela autora menor im- púbere que foi atacada pelo cão do autor enquanto brincava com a enteada deste nas dependências domésticas dele, vindo a sofrer graves mordeduras em ambos os membros inferiores. A tese de que houve invasão do ambiente do cachorro não convence, pois a criança vitimada estava brincando com outra criança no local, o que não foi desmentido. Ademais, estava o animal solto, o que não deveria ocorrer dada a poten- cialidade lesiva notoriamente conhecida dessa raça, se a criança da casa recebia outra criança, vizinha, para brincarem juntas, sendo evidente que a omissão no dever de cuidado foi do dono do animal. Ora, se com mero respingo da água da brincadeira houve ataque, porque nada se comprovou acerca de deliberada provocação dirigida ao cachorro, resta ainda mais evidente a necessidade de que ele ficasse mantido preso durante a presença de terceiros na casa, dada a ferocidade desse espécime. Nesse ponto, cabe transcrever trecho bem ponderado da r. sentença: Não se está diante de mero aborrecimento, desconforto, contratem- po ou mágoa, os quais não têm o condão de gerar dano moral. É evidente que o ataque de um cão da raça pitbull assustou a criança de somente nove anos de idade, que sofreu com dor, medo e precisou ser encaminha- da às pressas ao hospital, onde permaneceu internada. Em casos análogos aos destes autos, o Tribunal de Justiça de São Paulo assim decidiu: “Os danos pessoais experimentados pela vítima foram severos, se- jam físicos ou psicológicos. Levou mordidas em diversas partes do corpo, inclusive no rosto, e que causaram cicatrizes; algumas definitivas, além da evidente configuração do “stress” pós-traumático(TJSP; Apelação Cí- vel 0011363-68.2011.8.26.0011; Relator (a): Teixeira Leite; Órgão Julga- dor:4ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional XI - Pinheiros - 2ª Vara Cível; Data do Julgamento:26/06/2014; Data de Registro: 30/06/2014 grifo meu); “Com relação aos danos morais, entendo que estes estão configura- dos pela dor advinda da lesão causada à perna do apelante, bem como pelo temor decorrente do ataque dos cães” (TJSP; Apelação Cível 1000823- 98.2016.8.26.0582; Relator (a): Mary Grün; Órgão Julgador: 7ª Câmara de Direito Privado; Foro de São Miguel Arcanjo - Vara Única; Data do Julgamento: 14/01/2019; Data de Registro: 14/01/2019). No mais, perfeitamente possível a cumulação de indenização por Jurisprudência - Direito Privado dano moral e estético. Tais indenizações são devidas, uma não conflitan- do com a outra, pois diversas as suas naturezas e causas que as determi- naram. Com efeito, no caso vertente, as fotografias de fls. 78/90 delineiam a ocorrência de dano estético. Destarte, a indenização pelo dano estético é perfeitamente possí- vel, em decorrência da natureza e consequências das lesões sofridas pela vítima, e não se confunde com as verbas pleiteadas a título de reparação pelos danos morais. Sobre o tema, inclusive, cite-se o entendimento do STJ: “Ação de indenização. Acidente de trânsito. Dano moral. Dano estético. Cumulabilidade. Admissível a indenização por dano moral e dano estético, cumulativamente, ainda que derivados do mesmo fato. In- cidência da Súm. 37 do STJ. Recurso conhecido e, parcialmente, provi- do”. (STJ, 3ª T., REsp 40.259-0-RJ, rel. Min. Waldemar Zveiter, j. em 08.02.1994, v.u). Oportuna, outrossim, a doutrina de Maria Helena Diniz (Curso de direito civil brasileiro. São Paulo: Ed. RT, 7º v., p. 65.): “O dano estético é toda alteração morfológica do indivíduo, que, além do aleijão, abrange as deformidades ou deformações, marcas e de- feitos, ainda que mínimos, e que impliquem sob qualquer aspecto um afeiamento da vítima, consistindo numa simples lesão desgostante ou num permanente motivo de exposição ao ridículo ou de complexo de in- ferioridade, exercendo ou não influência sobre sua capacidade laborati- va”. (...) Considerando-se a extensão das lesões, a intensidade da dor psi- cológica e o trauma resultante do ataque do cão, reputo como razoável e proporcional o valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais) a título de danos morais e de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a título de danos estéticos. (fls. 160/162) Resta, assim, o exame do montante indenizatório fixado acima pela r. sentença. A dosimetria deve adequar-se à frustração experimentada, levando em conta as condições pessoais dos litigantes e o caráter pedagógico da reprimen- da, de maneira a evitar novos abusos, sem, contudo, atingir patamar exagerado, configurando enriquecimento sem causa do beneficiário. No dizer de RUI STOCO: 162 “Segundo nosso entendimento, a indenização da dor moral, sem descurar desses critérios e circunstâncias que o caso concreto exigir, há de buscar, como regra, duplo objetivo: caráter compensatório e função punitiva da sanção (prevenção e repressão), ou seja: a) condenar o agente Jurisprudência - Direito Privado causador do dano ao pagamento de certa importância em dinheiro, de modo a puni-lo e desestimulá-lo da prática futura de atos semelhantes; b) compensar a vítima com uma importância mais ou menos aleatória, em valor fixo e pago de uma só vez, pela perda que se mostrar irreparável, ou pela dor e humilhação impostas. Evidentemente, não haverá de ser tão alta e despropositada que atue como fonte de enriquecimento injustificado da vítima ou causa de ruína do ofensor, nem poderá ser inexpressiva a ponto de não atingir o objetivo colimado, de retribuição do mal causado pela ofensa, com o mal da pena, de modo a desestimular o autor da ofensa e impedir que ele volte a lesar outras pessoas. Deve-se sempre levar em consideração a máxima “indenizar ou compensar sem enriquecer”“ (“in” Tratado de Responsa- bilidade Civil - Doutrina e Jurisprudência - Editora RT, 8ª edição, pág. 1927). Diante das circunstâncias que envolveram o episódio, não se distanciando também do caráter punitivo dessa indenização, mas aferidas as circunstâncias pessoais do fato, da autora e do próprio réu, tem-se como mais adequado o va- lor de R$5.000,00 (cinco mil reais) que reputo suficiente para reparar os danos morais sofridos pela autora, além dos R$5.000,00 (cinco mil reais) pelos danos estéticos, marcas que acompanharão, senão para sempre, por ainda muitos anos as pernas e pés da vítima. Assim sendo, reformo parcialmente a r. sentença, dando parcial provi- mento ao recurso do réu para reduzir a indenização. Pelo exposto, por esses fundamentos, dou parcial provimento ao apelo.