Decisão 0018740-74.2021.8.26.0000

Processo: 0018740-74.2021.8.26.0000

Recurso: Apelação

Relator: DANIELA CILENTO MORSELLO

Câmara julgadora: Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de

Data do julgamento: 24 de junho de 2025

Ementa Técnica

APELAçãO – APELAÇÃO. AÇÃO DE SOBREPARTI- LHA C.C. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. Sentença que julgou improcedente os pedidos de sobrepartilha e indenizatório referentes a fatos ocorridos na constância da união estável, bem como extinguiu o processo, sem resolução do méri- to, por incompetência do juízo, em relação aos fatos posteriores a sua dissolução. Irresignação da autora. Partes que firmaram escritura pública de dissolução consensual de união estável. Cláusula expressa de quitação recíproca. Alegação de omissão no acordo de valores referentes à reforma realizada no imóvel de propriedade do requerido e sua respectiva valo- rização, em virtude de condutas abusivas e pressão exercida pelo companheiro. Ausência de pedido de anulação do ajuste por vício do consentimento. Ape- lante, ademais, que é advogada e tinha plena ciência dos efeitos jurídicos da avença. Sobrepartilha inviá- vel. Reforma do imóvel que já era do conhecimento da autora quando da separação. Não configuração de qualquer das hipóteses previstas no art. 669 do Códi- go de Processo Civil. Improcedência acertada no to- cante aos pedidos relacionados ao período da união estável. Incompetência do Juízo da Família quanto aos pleitos referentes a fatos ocorridos após a disso- lução da convivência marital. Matéria de natureza es- tritamente cível. Condenação da autora à devolução ao requerido dos valores despendidos a título de men- salidades de plano de saúde que é descabida. Verba de natureza alimentar irrepetível. Ausência de dolo da 84 demandante. Litigância de má-fé não caracterizada. Recurso parcialmente provido.(TJSP; Apelação 0018740-74.2021.8.26.0000; Relator: DANIELA CILENTO MORSELLO; Órgão Julgador: Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de; Data do Julgamento: 24 de junho de 2025)

Voto / Fundamentação

, em 9ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento em parte ao recurso. V.U. Sustentaram oralmente a Dra. Andrea Pedrina Dias de Alexandria OAB/SP Jurisprudência - Direito Privado 439.578 e a Dra. Celia Cristina Martinho, OAB/SP 140.553.”, de conformidade com o voto da Relatora, que integra este acórdão. (Voto nº 17.485) O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores DA- NIELA CILENTO MORSELLO (Presidente), WILSON LISBOA RIBEIRO e LUIS FERNANDO CIRILLO. São Paulo, 24 de junho de 2025. DANIELA CILENTO MORSELLO, Relatora


Ementa: APELAÇÃO. AÇÃO DE SOBREPARTI- LHA C.C. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. Sentença que julgou improcedente os pedidos de sobrepartilha e indenizatório referentes a fatos ocorridos na constância da união estável, bem como extinguiu o processo, sem resolução do méri- to, por incompetência do juízo, em relação aos fatos posteriores a sua dissolução. Irresignação da autora. Partes que firmaram escritura pública de dissolução consensual de união estável. Cláusula expressa de quitação recíproca. Alegação de omissão no acordo de valores referentes à reforma realizada no imóvel de propriedade do requerido e sua respectiva valo- rização, em virtude de condutas abusivas e pressão exercida pelo companheiro. Ausência de pedido de anulação do ajuste por vício do consentimento. Ape- lante, ademais, que é advogada e tinha plena ciência dos efeitos jurídicos da avença. Sobrepartilha inviá- vel. Reforma do imóvel que já era do conhecimento da autora quando da separação. Não configuração de qualquer das hipóteses previstas no art. 669 do Códi- go de Processo Civil. Improcedência acertada no to- cante aos pedidos relacionados ao período da união estável. Incompetência do Juízo da Família quanto aos pleitos referentes a fatos ocorridos após a disso- lução da convivência marital. Matéria de natureza es- tritamente cível. Condenação da autora à devolução ao requerido dos valores despendidos a título de men- salidades de plano de saúde que é descabida. Verba de natureza alimentar irrepetível. Ausência de dolo da 84 demandante. Litigância de má-fé não caracterizada. Recurso parcialmente provido.





VOTO

Jurisprudência - Direito Privado Trata-se de recurso de apelação interposto em face da r. sentença (fls. 1.215/1.223), cujo relatório se adota, que, em ação de sobrepartilha c.c. indeni- zação por danos morais e materiais, julgou improcedentes os pedidos de: 1) de sobrepartilha da valorização do imóvel de propriedade do requerido, reformado e decorado durante a união estável; 2) de indenização pelos gastos que a autora alega ter tido com a reforma e a decoração do imóvel do requerido; e 3) para que o requerido, em decorrência de abusos e de violência física e psicológica supostamente praticados contra ela durante a união estável, mantenha o plano de saúde em favor dela e arque com os medicamentos até que sobrevenha a alta médica, bem como que seja condenado a pagar, a título de indenização por da- nos morais, o valor de R$ 77.000,00 (setenta e sete mil reais), e pensão mensal e vitalícia de R$ 6.000,00 (seis mil reais), porque os abusos provocaram a redução de sua capacidade laborativa. Também julgou extinto o processo, sem resolução do mérito, por incompetência do juízo (art. 485, IV, do CPC), em relação aos pedidos: 1) de que o requerido, em decorrência de abusos e de violência física e psicológica supostamente praticados contra ela após o término da união estável, mantenha o plano de saúde em favor dela e custeie seus medicamentos até a alta médica, bem como que seja condenado a pagar indenização por danos morais e pensão mensal e vitalícia; 2) de pagamento do valor de dois Iphones supos- tamente danificados pelo requerido em momento posterior ao término da união estável; e 3) de reembolso dos valores que a autora despendeu com advogados particulares para acompanhar inquérito policial e para pedir medida protetiva contra o requerido. Deixou de condenar a demandante ao pagamento de despe- sas processuais e honorários advocatícios por ser beneficiária da gratuidade da justiça, mas condenou-a a devolver ao requerido os valores que ele despendeu a título de mensalidades de plano de saúde, eventuais valores de coparticipações e pagamentos de consultas e tratamentos particulares não-abrangidos pelo plano de saúde ou em período de carência, a partir da data de concessão da tutela de urgência antecipada, com correção monetária desde o dispêndio pelo requerido e juros de 1% (um por cento) ao mês a partir da data da prolação desta sentença. Condenou a autora, ainda, a pagar ao requerido multa de 5% (cinco por cento) do valor corrigido da causa, por litigância de má-fé. Argui a recorrente, preliminarmente, a ocorrência de cerceamento de de- fesa pelo indeferimento da produção de prova oral. No mérito, aduz que o pano de fundo do pedido de sobrepartilha é o abuso praticado pelo apelado contra ela durante a convivência, com agressões verbais e físicas, inclusive a pressão efetuada para que ela assinasse apressadamente o acordo de dissolução da união estável, o que lhe ocasionou diversos transtornos físicos e psíquicos e a fez es- quecer de incluir no ajuste a reforma e valorização do imóvel. Alega ausência de interesse na anulação do acordo celebrado, razão pela qual postulou a sobrepar- Jurisprudência - Direito Privado tilha. Afirma que o contexto de violência doméstica vivenciado, que provocou o quadro de depressão grave e diversos problemas de saúde, também justificam os pedidos de manutenção do plano médico, indenização e de pensão vitalícia. Sustenta a competência do Juízo da Vara da Família para apreciar todos os plei- tos, posto decorrentes da relação familiar, havendo risco de prolação de decisões conflitantes. Acrescenta que, na última discussão ocorrida após a assinatura do acordo, o apelado a agrediu fisicamente e quebrou o seu celular e o do seu filho, que tentava filmar o ocorrido, teve que contratar advogado em virtude da ins- tauração de inquérito policial, devendo ser indenizada. Observa que a obrigação imposta na tutela de urgência concedida para que o apelado continuasse a pagar o plano de saúde possui natureza alimentar, sendo indevida a devolução dos respectivos valores, além de ser contraditória a determinação judicial, por ter o magistrado se declarado incompetente para a julgar o pleito. Ressalta, por fim, que não houve litigância de má-fé. Recurso tempestivo, isento de preparo e contrarrazoado (fls. 1.255/1.285). Houve oposição ao julgamento virtual (fls. 1.292). É o relatório. Por proêmio, registra-se que esta Relatora assumiu a cadeira do Desem- bargador Piva Rodrigues nesta Colenda 9ª Câmara de Direito Privado em 28 de setembro de 2023, ocasião em que recebeu um acervo de 1.253 (um mil, duzen- tos e cinquenta e três) recursos pendentes de julgamento, de modo que não deu causa ao atraso na apreciação deste recurso. A preliminar de cerceamento de defesa não comporta guarida. Com efeito, incumbe ao juiz, na qualidade de destinatário das provas que formarão o seu convencimento, determinar a realização daquelas que se revelem pertinentes e necessárias para o desate da controvérsia posta nos autos, indefe- rindo as diligências inúteis ou protelatórias, consoante previsto no artigo 370 do Código de Processo Civil. Consoante o escólio de VITOR DE PAULA RAMOS, “por necessária deve-se entender aquela prova que tiver aptidão para, em tese, fazer com que um fato que faz parte do mérito da causa seja mais ou menos provável do que seria sem a prova. Será admissível a prova que, ao mesmo tempo, for pertinen- te e relevante - pertinente será aquela prova que disser respeito ao mérito da causa, e relevante aquela que tiver o condão em tese, de alterar o resultado do julgamento” (Código de Processo Civil Anotado, Coordenador JOSÉ ROGÉ- RIO CRUZ E TUCCI e OUTROS, GZ Editora, Rio de Janeiro, 2016, p.534). A propósito também leciona, com acuidade, JOSÉ ROBERTO DOS SANTOS BEDAQUE: “Ninguém melhor do que o juiz, a quem está afeto o 86 julgamento para decidir sobre a necessidade de produzir determinada prova. Como ele é destinatário dela, pode avaliar quais os meios de que necessita para formação de seu convencimento. Nessa medida, e considerando o escopo da atividade jurisdicional, a colheita de elementos probatórios interessa tanto ao Jurisprudência - Direito Privado juiz quanto às partes”. (Poderes Instrutórios do Juiz. 7ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 17). E, no caso em testilha, era efetivamente despicienda a dilação probatória, ante a farta prova documental acostada aos autos. No que tange ao mérito, verifica-se que as partes conviveram em união estável de 15 de janeiro de 2019, pelo regime da separação total de bens (fls. 32/35), até 21 de agosto de 2021, quando firmaram a escritura pública de disso- lução consensual dessa união (fls. 287/290). Quase um ano após a celebração do referido acordo, a autora ajuizou a presente demanda, sob o argumento de que vivia uma relação abusiva com o requerido, que era controlador e a humilhava constantemente. E embora tenha tentado se desvencilhar do relacionamento várias vezes, ele sempre a procurava com desculpas e “promessas de amor”, geralmente acompanhadas de presentes. Aduziu que, por esse motivo, passou apresentar quadro de depressão, alergia, problemas ginecológicos e queda de cabelo, o que somado à pressão para que assinasse, às pressas, o acordo de dissolução da união estável, foram omitidas nesse ajuste a reforma e a valorização do imóvel de propriedade do requerido por ela realizadas, que devem ser objeto de sobrepartilha. Acrescentou que, em uma discussão ocorrida após a assinatura do ajuste e sua saída do imóvel, o re- querido destruiu o seu Iphone 12, que tinha apenas 6 (seis) meses de uso, bem como o aparelho celular do seu filho, que tentava gravar a briga, o que ensejou pedido de concessão de medida protetiva em seu favor, ocasião em que precisou contratar advogado, cujas despesas devem ser ressarcidas. Asseverou que o réu deu causa aos transtornos psicológicos de que padece, por isso o plano de saúde deve ser mantido, devendo o apelado também custear os medicamentos de que necessita até sua alta médica. Ainda, requereu indenização por danos morais no importe de R$ 77.000,00 (setenta e sete mil reais), decorrentes da frequente humilhação que sofria, das ameaças, do cancelamento da festa de casamento após a contratação de buffet, de DJ, da compra do vestido de noiva, tendo sido obrigada a rescindir todos os contratos sozinha, além da agressão sofrida na discussão que se deu após a celebração do acordo que ensejou a quebra do seu celular e o de seu filho. Por fim, em virtude da redução da capacidade laborativa pelos transtornos mentais sofridos, entende fazer jus ao recebimento de pensão civil mensal e vitalícia no valor de R$6.000,00 (seis mil reais). Pois bem. Consoante se extrai da escritura pública de dissolução consensual da união estável (fls. 287/290), as partes renunciaram reciprocamente aos alimen- tos, estabeleceram o prazo de desocupação do imóvel de propriedade do reque- rido pela autora, bem como a divisão dos bens que guarneciam a residência do casal. Também ficou consignado que o réu, por mera liberalidade, pagaria à Jurisprudência - Direito Privado autora a quantia de R$200.000,00 (duzentos mil reais), dos quais R$100.000,00 (cem mil reais) seriam depositados no primeiro dia útil após a desocupação do imóvel e o restante em 10 (dez) parcelas fixas e mensais de R$10.000,00 (dez mil reais), vencendo-se a primeira 30 (trinta) dias após a desocupação e as de- mais no mesmo dia dos meses subsequentes. Durante o período de pagamento dessas parcelas, o requerido se comprometeu a manter e custear um plano de saúde em nome da demandante. Por fim, as partes outorgaram-se reciprocamente ampla e geral quitação, nos seguintes termos: “Da quitação recíproca: Da mútua quitação recíproca: Pelo presente instrumento público, os outorgantes expressamente outorgam, de forma mútua, concomitante, recíproca, irrevogável e irretratável, a mais ampla e rasa quitação por qualquer possibilidade de arguição por danos de qualquer natureza ou mesmo direitos por qualquer tipo de relação ou vínculo havido em decorrência da união estável havida e ora dissolvida, com exceção do valor acima estabelecido e ainda a ser depositado”. Por conseguinte, não obstante os argumentos da recorrente, há cláusula expressa na escritura pública de declaração de dissolução consensual de união estável de quitação recíproca no tocante a quaisquer questões relacionadas ao período de convivência das partes. E conforme bem ponderado pelo juízo a quo: “O significado dessa cláu- sula claramente é o de que a autora, terminada a relação afetiva mantida com o requerido, renunciou expressamente a quaisquer direitos de que ela porventura seria titular, incluindo indenização por quaisquer danos a que eventualmente faria jus.”. Note-se que o acordo foi livremente pactuado entre as partes, sem qual- quer mácula, cumprindo ressaltar que a apelante é advogada e, portanto, tinha plena ciência de todas as implicações e consequências dos seus termos quando de sua celebração. A apelante insiste na sobrepartilha relacionada aos valores da reforma e valorização do imóvel de propriedade do apelado, ocorrida na constância da união estável, ao argumento de que se esqueceu de incluí-los no pacto em virtu- de dos transtornos psicológicos e da pressão sofrida. Todavia, inexiste qualquer arguição de defeito do negócio jurídico por vícios de consentimento, tanto que a apelante não busca a sua anulação. Doutra banda, versando a avença sobre direito disponível, com clausula válida de quitação recíproca, é inviável a realização da postulada sobrepartilha. Nem mesmo o aventado “esquecimento de ordem emocional” constitui motivo hábil para se desconsiderar o ajustado. 88 Apenas a título de argumentação, a despeito do quadro depressivo e an- sioso da autora mencionado nos relatórios médicos acostados aos autos, não há qualquer indício de que ela estivesse incapacitada para tomada de decisões naquela ocasião (fls. 385, 1.1369/1140). Jurisprudência - Direito Privado Se não bastasse, conforme assinalado na r. sentença, além de o regime de convivência adotado pelas partes ter sido o da separação total de bens, a autora já tinha pleno conhecimento da reforma do imóvel quando da separação, de modo que não está caracterizada nenhuma das hipóteses de sobrepartilha, pre- vistas no artigo 669 do Código de Processo Civil. Ademais, a sobrepartilha não se presta para veicular eventual arrependi- mento em relação ao acordo validamente celebrado pelas partes. Outrossim, também em razão da validade da cláusula de quitação para nada mais ser reclamado a título de indenização ou direitos relativos ao período da união estável, também devem ser afastados os pedidos de manutenção do plano de saúde da recorrente por prazo indeterminado, indenização por danos morais e pensão vitalícia, sendo desnecessário repetir os acertados fundamentos da bem lançada sentença de improcedência. Sob outro vértice, no tocante aos pleitos atinentes a fatos ocorridos após a dissolução da união estável, o Juízo da Família é absolutamente incompetente para a sua apreciação. Isto porque versam sobre questão patrimonial, de natureza estritamente cível, e o fato de o alegado ato ilícito ter sido praticado pelo ex-companheiro não desloca a competência para a Vara Especializada, uma vez que não mais se discute a união estável e nem se cuida de ação de estado. Não se pode olvidar, que a competência absoluta das Varas de Família e Sucessões está restrita às matérias elencadas no rol insculpido no artigo 37 do Código Judiciário do Estado de São Paulo (Decreto-Lei Complementar nº 3/69), in verbis: “Artigo 37 - Aos Juízes das Varas da Família e Sucessões compete: I - processar e julgar: a) as ações relativas a estado, inclusive alimentos e sucessões, seus acessórios e incidentes; b) os inventários, arrolamentos e partilhas, bem como a divisão geodésica das terras partilhadas e a demarcação dos quinhões. II - conhecer e decidir as questões relativas a: a) capacidade, pátrio poder, tutela e curatela, inclusive prestação de contas; b) bens de incapazes; c) registro e cum- primento de testamentos e codicilos; d) arrecadação de herança jacente, bens de ausentes e vagos; e) suprimento de idade e consentimento, inclusive outorga marital e uxória; f) vínculos, usufruto e fideicomisso; g) adoção e legitimação adotiva, ressalvados os casos de competência das Varas de Menores; h) funda- ções instituídas por particulares e sua administração.”. Doutra banda, é da competência do Juízo Cível dirimir as questões estam- padas no artigo 34 do Decreto-Lei supra referido: “Artigo 34 - Aos Juízes das Varas Cíveis compete, ressalvados os casos de com- petência especifica: I - processar, julgar e executar os feitos, contenciosos ou administrativos, de natureza civil ou comercial, bem como seus respectivos inci- dentes; II - conhecer e decidir os processos acessórios, contenciosos ou não, de natureza civil ou comercial; III - praticar todos os demais atos atribuídos pelas Jurisprudência - Direito Privado leis processuais civis a juiz de primeira instância.” Em casos análogos, já decidiu este E. Tribunal de Justiça Colenda Câma- ra Especial: “CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA - Ação de indenização por da- nos morais e materiais ajuizada pelo cônjuge virago contra o cônjuge varão - Determinação de redistribuição para a Vara de Família e Sucessões da co- marca - Descabimento - Pleito que não abrange matéria afeta ao Direito de Família e Sucessões - Questão de cunho estritamente patrimonial, que deve ser conhecida pelo Juízo Cível - Matéria que não está afeta à competência absoluta das Varas especializadas - Precedentes - Conflito conhecido para de- clarar a competência do Juízo suscitado.” (Conflito de Competência Cível nº 0018740-74.2021.8.26.0000; Relator Guilherme G. Strenger; Câmara Especial; j. 02.07.2021); “CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. Ação indenizatória. Distribui- ção livre para a 1ª Vara do Juizado Especial Cível do Foro Central dos Juizados Especiais Cíveis da capital. Remessa para a 10ª Vara de Família e Sucessões do Foro Central, por dependência à ação de divórcio litigioso envolvendo as mesmas partes. Matéria debatida que não possui natureza familiar, mas é dotada de caráter exclusivamente patrimonial, não afeto à competência das Varas de Família e Sucessões. Inteligência do artigo 37 do Código Judiciário Paulista. Competência do Juízo suscitado da 1ª Vara do Juizado Especial Cível do Foro Central dos Juizados Especiais Cíveis da capital. (Conflito de competência cí- vel nº 0004949-96.2025.8.26.0000; Relator Egberto de Almeida Penido; Câmara Especial; j. 31/03/2025). Por fim, o parcial provimento do recurso diz respeito à condenação da autora à devolução ao requerido dos valores por ele despendidos a título de mensalidades de plano de saúde, coparticipações, consultas e tratamentos parti- culares, a partir da data da decisão que concedeu a tutela de urgência, bem como à multa por litigância de má-fé. Certo é que, conforme bem ponderado pelo magistrado sentenciante, o pedido de manutenção da autora no plano de saúde pago pelo réu está fundado na suposta conduta abusiva por ele perpetrada e, portanto, em ato ilícito, e não na Lei nº 5.478/1968, ostentando, portanto, natureza indenizatória. Todavia, esta C. Câmara ao julgar o agravo de instrumento nº 2224845- 15.2022.8.26.0000 (fls. 1.178/1.185), interposto pelo réu contra a decisão que concedeu a tutela de urgência para impor ao requerido a obrigação de continuar a pagar o plano de saúde em favor da autora, também reconheceu o caráter ali- mentar dessa verba ao consignar que: “Por ocasião da sessão telepresencial de julgamento, atento às razões 90 expostas em sustentação oral pela advogada constituída pela parte ré agravan- te, foi pela Turma Julgadora considerado necessário aplicar um limite temporal máximo para a continuidade do desfrute do plano de saúde, sob custeio do réu, exatamente o período de seis meses contados da data da contratação do novo Jurisprudência - Direito Privado plano comunicada pelo recorrente nos autos, aferindo-se aí natureza alimentar nesse prosseguimento do desfrute de plano de saúde pela agravada sob expensa do ex-companheiro.” Ademais, os alimentos, ainda decorrentes de ato ilícito, são, em regra, irrepetíveis e incompensáveis, portanto, não são passíveis de devolução ou com- pensação, de acordo com o artigo 373, inciso II, do Código Civil. É certo que, em situações excepcionais a doutrina e a jurisprudência têm admitido a repetição dos alimentos, quando comprovado o dolo ou má-fé do credor, a fim de evitar o enriquecimento sem causa. No caso em testilha, contudo, não se vislumbra a má-fé da apelante ao pleitear a manutenção do plano de saúde, uma vez que o seu diagnóstico e tra- tamento estavam comprovados pelos relatórios e prescrições médicas acostadas aos autos, assim como havia medida protetiva concedida em seu favor por su- posta prática de violência doméstica pelo réu (fls. 304/309), embora tenha sido posteriormente revogada em face do arquivamento do inquérito policial (fls. 1.166/1173). Tanto é assim que, diante da demonstração dos requisitos previstos no ar- tigo 300 do Código de Processo Civil, foi concedida, em primeiro grau, a tutela de urgência para compelir o requerido a continuar a arcar com o plano de saúde da autora, parcialmente confirmada por esta C. Câmara. Portanto, ainda que esse direito não tenha sido reconhecido por sentença, deve prevalecer o princípio da irrepetibilidade dessa verba, razão pela qual deve ser excluída a condenação da virago à devolução dos valores referentes ao seu tratamento e à mensalidade do plano de saúde. Nesse diapasão, já decidiu este. E Tribunal de Justiça: “APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. OBRIGAÇÃO DE FAZER. PENSÃO MENSAL DECORRENTE DE ATO ILÍCITO. Sentença de procedên- cia. Insurgência do réu. Cabimento. Cobrança de valores pago a maior pela autora. Aos alimentos decorrentes de ato ilícito aplica-se o mesmo regime jurí- dico geral protecionista das verbas alimentares, cujo fundamento é a finalidade da prestação (sustento e sobrevivência do beneficiário) e não sua origem. Ali- mentos, independente da sua origem, são, em regra, irrepetíveis e incompensá- veis, pois presumem-se que já foram utilizados na sobrevivência do beneficiário. Ausência de comprovação de má-fé por parte do beneficiário. Má interpre- tação do acordo e erro administrativo imputáveis exclusivamente à Apelada. Repetição indevida. Sentença reformada. Recurso provido. (Apelação Cível nº 1000692-11.2019.8.26.0650; Relatora Lia Porto; 7ª Câmara de Direito Privado; j. 17/08/2023). Pelo mesmo motivo, afasta-se a sua condenação ao pagamento de mul- ta por litigância de má-fé, uma vez que não se vislumbra malícia ou dolo na conduta da recorrente ao ajuizar a demanda, a despeito da existência do acordo entabulado pelas partes, sobretudo considerando que alguns dos motivos que Jurisprudência - Direito Privado ensejaram a sua propositura ocorreram após a celebração do ajuste. Considera-se prequestionada toda matéria infraconstitucional e constitu- cional declarada, observando o sólido entendimento do E. Superior Tribunal de Justiça de que “é desnecessária a citação numérica dos dispositivos legais, bastando que a questão posta tenha sido decidida” (EDcl no RMS nº 18.205/SP, Relator Ministro Felix Fischer, j. 18.04.2006). Pelo exposto, dá-se parcial provimento ao recurso.