Decisão 0216151-10.2007.8.26.0100

Processo: 0216151-10.2007.8.26.0100

Recurso: Apelação

Relator: CASTRO FIGLIOLIA

Câmara julgadora: Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça

Data do julgamento: 25 de junho de 2025

Ementa Técnica

APELAçãO – APELAÇÃO - EMBARGOS DE TERCEI- RO REJEITADOS - RECONHECIDA FRAUDE À EXECUÇÃO E DECLARADA INEFICAZ A RE- NÚNCIA AOS DIREITOS HEREDITÁRIOS PELO EXECUTADO - renúncia aos direitos hereditários no curso da ação de execução, depois da citação do exe- cutado - suposto negócio com aparência de tentativa de esvaziamento escuso de patrimônio pelo executa- do – elementos dos autos que não permitiam concluir pela boa-fé dos apelantes - a renúncia de direitos he- reditários, tratando-se de negócio jurídico firmado em parentes, tal qual a doação, retira do herdeiro/ beneficiário a presunção de boa-fé, se o ato prejudicar os credores do renunciante - caracterização da fraude à execução afasta a proteção da impenhorabilidade do bem de família - discussão desnecessária acerca 107 da valoração dos bens - percentual da herança per- tencente ao executado incontroverso que deverá ser observado quando da expropriação dos bens - sucum- Jurisprudência - Direito Privado bência corretamente atribuída aos embargantes - pe- didos acessórios formulados na execução que não têm o condão de ensejar a atribuição recíproca do encar- go - embargos de terceiro corretamente rejeitados - sentença mantida por seus próprios fundamentos nos termos do art. 252 do RITJSP - observação no sentido de que nada impede que os condôminos exerçam o di- reito de preferência, nos termos do art. 843, § 1º do CPC, caso seja necessário o leilão da parte cabente a título de herança, em relação à qual houve renúncia pelo executado. Resultado: recurso desprovido, com observação.(TJSP; Apelação 0216151-10.2007.8.26.0100; Relator: CASTRO FIGLIOLIA; Órgão Julgador: Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça; Data do Julgamento: 25 de junho de 2025)

Voto / Fundamentação

, em 12ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento ao recurso, com observação. V.U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. (Voto nº 39.918) O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores JACOB VALENTE (Presidente sem voto), MARCO PELEGRINI e ALEXANDRE DA- VID MALFATTI. São Paulo, 25 de junho de 2025. CASTRO FIGLIOLIA, Relator


Ementa: APELAÇÃO - EMBARGOS DE TERCEI- RO REJEITADOS - RECONHECIDA FRAUDE À EXECUÇÃO E DECLARADA INEFICAZ A RE- NÚNCIA AOS DIREITOS HEREDITÁRIOS PELO EXECUTADO - renúncia aos direitos hereditários no curso da ação de execução, depois da citação do exe- cutado - suposto negócio com aparência de tentativa de esvaziamento escuso de patrimônio pelo executa- do – elementos dos autos que não permitiam concluir pela boa-fé dos apelantes - a renúncia de direitos he- reditários, tratando-se de negócio jurídico firmado em parentes, tal qual a doação, retira do herdeiro/ beneficiário a presunção de boa-fé, se o ato prejudicar os credores do renunciante - caracterização da fraude à execução afasta a proteção da impenhorabilidade do bem de família - discussão desnecessária acerca 107 da valoração dos bens - percentual da herança per- tencente ao executado incontroverso que deverá ser observado quando da expropriação dos bens - sucum- Jurisprudência - Direito Privado bência corretamente atribuída aos embargantes - pe- didos acessórios formulados na execução que não têm o condão de ensejar a atribuição recíproca do encar- go - embargos de terceiro corretamente rejeitados - sentença mantida por seus próprios fundamentos nos termos do art. 252 do RITJSP - observação no sentido de que nada impede que os condôminos exerçam o di- reito de preferência, nos termos do art. 843, § 1º do CPC, caso seja necessário o leilão da parte cabente a título de herança, em relação à qual houve renúncia pelo executado. Resultado: recurso desprovido, com observação.





VOTO

Vistos. A presente ação foi assim relatada: “MARCIO PORTO ADRI e RENATA PORTO ADRI opuseram embargos de terceiro contra ONE FUNDO DE IN- VESTIMENTO EM DIREITOS CREDITÓRIOS NÃO PADRONIZADOS. Para tanto, na petição inicial (fls. 1/15 e-SAJ), aduzem os embargantes serem irmãos de CÁSSIO PORTO ADRI, executado na ação de execução de títulos extrajudi- ciais proposta pelo embargado. Negam a ocorrência de fraude à execução na renúncia dos direitos hereditários elaborada pelo executado Cássio, em razão do falecimento de seu genitor JOSÉ RENATO ADRI, uma vez que o executado possuía patrimônio suficiente para saldar suas dívidas. Além disso, alegam tra- tar-se de bens de família (já que os embargantes e sua genitora residem em par- te desses imóveis) e, por fim, alegam ser incorreta a pretensão de declaração de ineficácia erga omnes ou mesmo de anulação do negócio. Discutem ainda o valor atribuído aos bens pelo embargado. Assim, pleiteiam o reconhecimento de eficácia da escritura pública de renúncia de herança, acostada aos autos principais. Juntaram documentos (fls. 16/91 e-SAJ). O embargado apresentou contestação aos embargos de terceiro (fls. 95/108 e-SAJ). Sustenta a ocorrência de fraude à execução, mediante renúncia de direitos hereditários. Acostou do- cumentos (fls. 109/142 e-SAJ). Os embargantes apresentaram sua réplica (fls. 147/155 e-SAJ)”. Os embargos foram julgados improcedentes. Foi acolhida a alegação de fraude à execução, determinado ao exequente que postule o que de direito na execução, para efetiva penhora dos direitos hereditários do executado pertinen- tes aos bens da herança. Os embargantes foram condenados no pagamento das 108 custas e despesas processuais, bem como dos honorários advocatícios em favor do procurador do embargado, arbitrados em 10% do valor atualizado dos embar- gos. A sentença se encontra a fls. 165/170. Os embargos de declaração foram rejeitados (fls. 206). Jurisprudência - Direito Privado Os embargantes interpuseram apelação (fls. 209/231). Sustentaram, em síntese, que todos os atos que ampararam a conclusão de insolvência do devedor ocorreram em datas posteriores à renúncia, cuja escritura foi lavrada em novem- bro de 2020. Para caracterização da fraude, a insolvência deve existir à época da alienação ou oneração. Existindo outros meios para satisfação do débito, a alienação patrimonial é incapaz de ensejar a fraude à execução. A empresa da qual o executado era sócio não havia sido objeto de falência à época em que ele renunciou aos direitos hereditários. O executado fazia parte do quadro societário de outra empresa que não era falida. O executado tinha dois veículos que tam- bém não foram alvo de constrição. Não se pode presumir má-fé dele, apelantes, eis que não praticaram ato algum a fim de obter benefício quanto ao patrimônio hereditário. A destinação da cota parte objeto de renúncia decorre de imposição da lei (art. 1.810 do CC). Não tinham conhecimento da execução, tampouco agiram em conluio com o executado. Subsidiariamente, alegaram que residem com a genitora, ao menos desde 2018 - antes da renúncia -, em três dos imóveis objeto da escritura de inventário. Não foi o executado que arguiu a impenho- rabilidade. Por isso, descabida a rejeição da tese, sob o fundamento de que ele não reside nos locais. Na medida em que são coproprietários dos imóveis, de ser reconhecida a impenhorabilidade do bem de família, ainda que reconhecida a ineficácia da renúncia hereditária. A declaração da fraude atinge outros bens imóveis com valor muito superior à cota parte destinada à Cássio (8,33%) que corresponde a R$ 332.725,76. Por isso, o reconhecimento da impenhorabilidade não prejudicará o credor, em razão da existência de outros imóveis que podem eventualmente responder pelo valor do quinhão. A título de exemplo, há o imó- vel do Condomínio Guarujá. Quanto à sucumbência, o embargado saiu vencido em dois de três pedidos - intimação para pagamentos de valores e arresto de contas bancárias. Assim, deve haver a distribuição proporcional dos encargos sucumbenciais. Pelo que expuseram, postularam a reforma da sentença, “a fim de que seja afastada a ineficácia da renúncia ou, subsidiariamente, reconhecida a impenhorabilidade dos imóveis situados à Rua Doutor Diogo de Faria, nº 1.077, apto. 31, Vila Clementino; à Rua Pensilvânia, nº 114, apto. 14, Cidade Monções e; à Rua Joaquim Távora, nº 1210, apto. 12, Vila Mariana”. Pediram, também a redistribuição dos ônus de sucumbência. Para os fins especificados, pugnaram pelo provimento do recurso. Em resposta (fls. 238/253), o apelado basicamente pediu que o apelo fos- se desprovido. Houve oposição ao julgamento em sessão virtual. É a síntese necessária. Por primeiro, consigne-se que em vista da oposição apresentada, o julga- mento do presente recurso se deu em sessão presencial, com ampla possibilida- Jurisprudência - Direito Privado de de as partes sustentarem oralmente suas razões. O recurso foi interposto no prazo. O preparo foi recolhido. Dessa forma, comporta conhecimento. A questão foi assim decidida: “Os embargos de terceiro são improceden- tes. Não há como afastar a evidente fraude à execução ocorrida na renúncia aos direitos hereditários do executado Cássio. A referida renúncia ocorreu em data posterior à sua citação nos autos da execução e equivale a uma doação a parentes próximos, irmãos, cuja boa-fé no recebimento desse patrimônio não se pode presumir. De qualquer forma, ainda que os embargantes tenham agi- do de boa-fé, não se pode admitir que sejam graciosamente beneficiados em detrimento do legítimo credor do herdeiro renunciante. Não convence a ale- gação de que sobraram ao executado outros bens em valor suficiente para o pagamento do débito. Afinal, está comprovado nos autos que as empresas do executado tiveram sua falência decretada (vide fls. 139). Além disso, compro- vado também está que o executado, mesmo intimado pelo Juízo, não indicou bens passíveis de penhora (vide fls. 123/124). Não se verificou um patrimônio sólido capaz de possibilitar o pagamento desse débito, tanto que, passados al- guns anos, a dívida continua em aberto. Portanto, é legítima a pretensão de ver reconhecida a fraude à execução. (...) ‘EMENTA PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. FRAUDE DE EXECUÇÃO. DEVEDOR CITADO EM AÇÃO QUE PROCEDE À RENÚNCIA DA HERANÇA, TORNANDO-SE IN- SOLVENTE. ATO ATENTATÓRIO À DIGNIDADE DA JUSTIÇA, CARACTE- RIZANDO FRAUDE À EXECUÇÃO. INEFICÁCIA PERANTE O EXEQUEN- TE. PRONUNCIAMENTO INCIDENTAL RECONHECENDO A FRAUDE, DE OFÍCIO OU A REQUERIMENTO DO EXEQUENTE PREJUDICADO, NOS AUTOS DA EXECUÇÃO OU DO PROCESSO DE CONHECIMENTO. POSSI- BILIDADE. RENÚNCIA TRANSLATIVA. ATO GRATUITO. DESNECESSIDA- DE DE DEMONSTRAÇÃO DA MÁ-FÉ DO BENEFICIADO. IMPOSIÇÃO DE MULTA PELA FRAUDE, QUE PREJUDICA A ATIVIDADE JURISDICIONAL E A EFETIVIDADE DO PROCESSO. CABIMENTO.(...) 3. Assim, mesmo em se tratando de renúncia translativa da herança, e não propriamente abdicação, se extrai do conteúdo do art. 1.813, do Código Civil/02, combinado com o art. 593, III, do CPC que, se o herdeiro prejudicar seus credores, renunciando à herança, o ato será ineficaz perante aqueles que com quem litiga. Dessarte, muito embora não se possa presumir a má-fé do beneficiado pela renúncia, não há como permitir o enriquecimento daquele que recebeu gratuitamente os bens do quinhão hereditário do executado, em detrimento do lídimo interesse do credor e da atividade jurisdicional da execução. (...) Recurso especial não 110 provido’. Com o reconhecimento dessa fraude, torna-se ineficaz, perante o cre- dor, a renúncia do executado a seus direitos hereditários, de forma que, para esse credor, é possível a penhora dos direitos hereditários sobre os bens da he- rança. Não é o executado que reside no imóvel. Logo, descabida a alegação de Jurisprudência - Direito Privado bem de família. Com a penhora, o bem poderá ser levado a leilão, devendo ser respeitado o direito de preferência dos coproprietários (art. 843, parágrafo 1., do CPC) ou sua quota-parte, que recairá sobre o produto da alienação do bem (art. 843 do CPC). Quanto ao valor dos bens, ainda será objeto de avaliação nos autos da execução, sendo prematura qualquer discussão neste momento. Por fim, ressalto que, acolhida a alegação de fraude à execução, será deferida a penhora dos direitos hereditários do executado sobre os bens inventariados, que poderá ser estendida ao todo dos bens indivisíveis, observadas as garantias dos coproprietários acima apontadas. Isto porém não se confunde com determi- nar o pagamento em dinheiro ou penhorar dinheiro em espécie dos embargan- tes, o que somente seria cabível se os bens não mais estivessem em seu poder por terem sido alienados a terceiros”. A r. sentença deve ser mantida por seus próprios fundamentos, os quais ficam adotados como razão de decidir, nos termos do art. 252 do Regimento In- terno deste tribunal, de seguinte teor: “Nos recursos em geral, o relator poderá limitar-se a ratificar os fundamentos da decisão recorrida, quando suficiente- mente motivada, houver de mantê-la”. Diga-se que o STJ entendeu válida a disposição, ao reconhecer “a viabili- dade de órgão julgador adotar ou ratificar o juízo de valor firmado na sentença, inclusive transcrevendo-a no acórdão, sem que tal medida encerre omissão ou ausência de fundamentação do decisum” (REsp. 662.272/RS, 2ª Turma, Rel. Min. João Otávio de Noronha; REsp, 641.963/ES, 2ª Turma, Rel. Min. Castro Meira, REsp. 592.092/AL, 2ª Turma, Rel. Min. Eliana Calmon e REsp. 265.534/ DF, 4ª Turma - Rel. Min. Fernando Gonçalves). Ao que constou da r. sentença, agregam-se os seguintes argumentos. A execução, ajuizada em 20.11.2019, funda-se no instrumento particular de contrato de promessa de cessão e aquisição de direitos creditórios e outras avenças. O executado foi citado em dezembro daquele ano. Infrutífera a busca de bens, o exequente embargado postulou a declaração de ineficácia da renúncia à herança; a intimação dos beneficiários para que depositassem em juízo o qui- nhão do executado; o arresto de ativos financeiros; o bloqueio administrativo de bens imóveis. Por força da decisão de fls. 2.296 da execução, foi determinada a intimação dos terceiros beneficiários, para manifestação acerca da alegada fraude à execução. De acordo com a escritura pública de inventário e partilha de bens fls. 26/35, lavrada em 01.04.2021, o executado Cássio Porto Adri renunciou aos seus direitos hereditários, também por escritura pública, lavrada em 27.11.2020, em razão do falecimento de José Renato Adri, genitor das partes. Preceitua o artigo 792 do CPC, in verbis: “Art. 792. A alienação ou a oneração de bem é considerada fraude à Jurisprudência - Direito Privado execução: (...) IV - quando, ao tempo da alienação ou da oneração, tramitava contra o devedor ação capaz de reduzi-lo à insolvência; (...) § 1º A alienação em fraude à execução é ineficaz em relação ao exequente”. Acerca da matéria, o STJ sedimentou o entendimento, por meio da Sú- mula 375: “O reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova da má-fé do terceiro adquirente”. À luz do entendimento sumulado, tem-se entendido que o registro da penhora é condição objetiva para o reconhecimento da fraude. Assim, em princípio, no caso dos autos, não bastaria a existência de ajuizamento de ação executiva para a caracterização de fraude de execução. Seria necessário o registro da penhora de bens. Entretanto, nada impede que a má-fé seja constatada no caso em concre- to, à luz de elementos subjetivos que façam ver que os adquirentes não podem ser considerados como terceiros de boa-fé. De resto, em se tratando de ato de disponibilidade do patrimônio a título gratuito, em prol de parentes, a ineficácia do ato em relação aos credores, como regra, deve ser pronunciada. A i. juíza “a quo” corretamente se pautou em precedente do STJ, no sentido de que “mesmo em se tratando de renúncia translativa da herança, e não propriamente abdicação, se extrai do conteúdo do art. 1.813, do Código Civil/02, combinado com o art. 593, III, do CPC que, se o herdeiro prejudicar seus credores, renunciando à herança, o ato será ineficaz perante aqueles que com quem litiga”. Assim, a renúncia de direitos hereditários, tratando-se de negócio jurídico firmado em parentes, tal qual a doação, retira do herdeiro/beneficiário a presun- ção de boa-fé, se o ato prejudicar os credores do renunciante. Aparentemente se faz presente a má-fé por parte dos embargantes. Os apelantes são irmãos do executado. É mais do que provável o co- nhecimento que tinham a respeito da situação financeira do irmão, mormente considerado o número expressivo de ações existentes contra ele. Por isso, a dita renúncia não tinha os contornos de negócio legítimo, mas sim de tentativa de esvaziamento escuso de patrimônio pelo executado. Em verdade, o alegado desconhecimento da situação de insolvência do executado não vinga minimamente, sobretudo porque constou da escritura pú- blica de renúncia - documento expressamente mencionado na escritura de parti- lha de bens - a existência de certidão positiva de débitos trabalhistas, pelo que os 112 credores do renunciante estariam autorizados a aceitar a herança em nome dele, mediante autorização judicial (fls. 2.284 dos autos da execução). O entendimento nessa linha tem sido adotado por este tribunal: “FRAUDE À EXECUÇÃO. Doação com reserva de usufruto dos Jurisprudência - Direito Privado pais devedores aos seus filhos. Crédito exequendo pretérito não quitado. Presunção de fraude. Insolvência configurada. Prova em contrário a car- go dos devedores não produzida. Alienação de bem imóvel que também deve ser declarada ineficaz perante os credores. Sentença confirmada. Recursos desprovidos” (Apelação nº 0216151-10.2007.8.26.0100; 13ª Câmara Extraordinária de Direito Privado; Rel. Des. Milton Carvalho; j. 13.05.2015); “AGRAVO DE INSTRUMENTO. CUMPRIMENTO DE SENTEN- ÇA. Decisão de primeiro grau que reconheceu que a renúncia da deve- dora BEATRIZ à herança de sua genitora se deu em fraude à execução. Inconformismo dos coerdeiros beneficiados pela renúncia. Não acolhi- mento. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. Recurso que deveria ter sido analisado em primeiro grau, uma vez que os embargantes, ora recorren- tes, são terceiros prejudicados. Não conhecimento que, no entanto, não acarretou prejuízos. FRAUDE À EXECUÇÃO. Renúncia a direitos here- ditários que caracteriza alienação de bens, para fins de caracterização de fraude à execução. Desnecessidade de ação anulatória. Princípio da responsabilidade patrimonial. Precedente do C. STJ. Fraude caracteri- zada, no caso concreto. Existência de dívida e adiantamento da legítima não demonstrados e que, no mais, não teriam o condão de justificar a renúncia. Abdicação formalizada no curso de procedimento satisfativo. Insolvência da devedora inequívoca. Ausência de bens passíveis de pe- nhora. Decisão mantida. RECURSO NÃO PROVIDO”. (TJSP; Agravo de Instrumento 2102179-46.2021.8.26.0000; Relator (a): Rosangela Te- lles; Órgão Julgador: 31ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cí- vel - 12ª Vara Cível; Data do Julgamento: 16/09/2021; Data de Registro: 16/09/2021); “EMBARGO DE TERCEIRO - Fraude à execução - Preclusão não verificada - Matéria posta em apreciação (fraude à execução) que difere daquela decidida na ação anulatória de partilha (fraude contra credores) - Renúncia de quinhão hereditário quando já tramitava ação capaz de levar os réus/executados à insolvência (artigo 792, IV, do CPC) - Súmula nº 375, do STJ Má-fé evidenciada - Renúncia realizada sem qualquer contraprestação, em favor da embargante, genitora dos executados, a in- dicar a intenção de resguardar patrimônio de eventual futura execução - Sentença mantida - RECURSO DESPROVIDO”. (TJSP; Apelação Cível 1019290-14.2018.8.26.0564; Relator (a): Fábio Podestá; Órgão Julgador: 27ª Câmara de Direito Privado; Foro de São Bernardo do Campo - 6ª Vara Cível; Data do Julgamento: 26/08/2020; Data de Registro: 26/08/2020). No mais, os apelantes sustentaram a inexistência do requisito do estado Jurisprudência - Direito Privado de insolvência do executado. A circunstância, segundo os apelantes, não permi- tiria o reconhecimento da fraude à execução. Sem razão. A inicial aponta a existência de dois veículos em nome do executado, além de cotas sociais de três empresas distintas. O referido patrimônio supostamente seria suficiente para saldar a dívida que perfazia o valor de R$ 1.378.945,39 quando opostos os embargos. Não basta que o executado possua bens que aparentemente seriam su- ficientes para quitar a obrigação. É preciso que tais bens estejam livres e de- sembaraçados de quaisquer ônus para que possam efetivamente responder pela dívida. O Grupo Art Servive, do executado, desde setembro de 2019, ajuizou pedido de recuperação judicial. Para ser feito o pedido, apresentou-se a justifi- cativa no sentido de que o grupo, desde 2010, enfrentava dificuldade para honrar com o pagamento das obrigações contraídas. Existiam inúmeras ações em nome do grupo que acabou por ter a falência decretada (fls. 129). De resto, o execu- tado também figurava no polo passivo de vários processos judiciais (fls. 119). A par disso, em relação à empresa Got Participações e Serviços, do exe- cutado, o capital social de R$ 100.000,00 (cf. fls. 141) não fazia frente à dívi- da. Em relação aos veículos do executado, consta da execução que pendiam sobre eles inúmeras restrições judiciais, inclusive da Justiça do Trabalho (fls. 2.196/2.200). Em suma, os apelantes não demonstraram de forma satisfatória que o executado não estivesse mesmo em estado de insolvência. Agora a questão da impenhorabilidade. A jurisprudência tem se orientado no sentido de que a caracterização da fraude à execução afasta a proteção proveniente da Lei 8009/90 em relação ao dito bem de família. Nesse sentido, os seguintes julgados do STJ: “CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRA- VO EM RECURSO ESPECIAL. FRAUDE À EXECUÇÃO. BEM DE FA- MÍLIA. PENHORA. POSSIBILIDADE. REEXAME DO CONJUNTO FÁ- TICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS. INADMISSIBILIDADE. SÚMULA N. 7 DO STJ. DECISÃO MANTIDA. 1. Caracterizada a fraude à execução, deve ser afastada a impenhorabili- dade do bem de família. Precedentes. 2. O recurso especial não comporta exame de questões que impliquem revolvimento do contexto fático-proba- tório dos autos (Súmula n. 7 do STJ). 3. No caso concreto, o Tribunal de origem concluiu pela inexistência de violação da coisa julgada. Alterar 114 esse entendimento demandaria o reexame das provas produzidas nos au- tos, o que é vedado em recurso especial. 4. Agravo interno a que se nega provimento” (AgInt no AREsp n. 2.367.109/SP, relator Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, julgado em 4/3/2024, DJe de 11/3/2024); Jurisprudência - Direito Privado “PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ES- PECIAL. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. VIOLAÇÃO ARTS. 1.022 E 489 DO CPC/15. NÃO VERIFICADA. FUNDAMEN- TAÇÃO ADEQUADA E SUFICIENTE. ACÓRDÃO RECORRIDO EM HARMONIA COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. ALEGAÇÃO DE IMPENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA. IMÓVEL ALIE- NADO EM FRAUDE À EXECUÇÃO. INAPLICABILIDADE DA NOR- MA PROTETIVA. 1. Execução de título extrajudicial. 2. Não há ofensa aos arts. 489 e 1.022 do CPC/15 quando o Tribunal de origem, aplican- do o direito que entende cabível à hipótese, soluciona integralmente a controvérsia submetida à sua apreciação, ainda que de forma diversa daquela pretendida pela parte. 3. A regra de impenhorabilidade do bem de família trazida pela Lei nº 8.009/90 deve ser examinada à luz do prin- cípio da boa-fé objetiva, que, além de incidir em todas as relações jurí- dicas, constitui diretriz interpretativa para as normas do sistema jurídico pátrio. 4. Caracterizada fraude à execução na alienação de imóvel, em evidente abuso de direito e má-fé, afasta-se a norma protetiva do bem de família, que não pode conviver, tolerar e premiar a atuação de devedores em desconformidade com o cânone da boa-fé objetiva. Precedentes. 5. Agravo interno não provido” (AgInt no REsp n. 2.030.295/SP, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 17/4/2023, DJe de 19/4/2023). Quanto à valoração dos bens objeto da herança, reputa-se desnecessária a instauração da controvérsia neste momento. Assim é porque as partes não diver- giram a respeito do percentual cabível ao executado 8,33% , o que se depreende de fls. 13 e 104/105. Esse o parâmetro a ser observado para fim de abatimento da dívida, em caso de expropriação dos bens o percentual correspondente à cota parte do executado. Caso se chegue à necessidade de leilão dos bens, eles certa- mente serão submetidos à avalição. Ainda, evidentemente nada impede que os condôminos exerçam o direito de preferência, nos termos do art. 843, § 1º do CPC. É o que fica observado. No que diz respeito à sucumbência, é inequívoco que os embargantes res- taram integralmente vencidos na presente ação. Os pedidos descritos para fins de distribuição do encargo foram formulados pelo embargado na execução, de caráter acessório ao de reconhecimento da fraude. Têm por escopo tão somente o impulso processual para satisfação do crédito, não levando ao reconhecimento de que houve sucumbência parcial do apelado nos embargos. Por isso, descabi- da a pretendida distribuição proporcional da sucumbência nos embargos. Em suma, a renúncia aos direitos hereditários por parte do executado foi corretamente reconhecida como fraude à execução, sendo certo ainda que, jus- Jurisprudência - Direito Privado tamente por isso, tornou-se descabida a invocação da impenhorabilidade dos bens. A avaliação deve ser feita oportunamente, caso haja a efetiva necessidade de alienação da parte da herança do executado e a sucumbência é mesmo inte- gral dos apelantes. A questão foi corretamente desatada na sentença que merece ser prestigiada, por conta dos argumentos dela constantes, bem como por força daquilo que acima se expôs. Em razão da sucumbência recursal, os honorários advocatícios devidos aos procuradores do apelado são majorados para 12% do valor atualizado da causa. trata-se de aumento suficiente para remunerar a atividade havida nesta sede. Nesses moldes, com a observação pertinente ao direito de preferência dos apelantes, nega-se provimento ao recurso.