APELAçãO – REEXAME NECESSÁRIO – Artigo 496, I, do Código de Processo Civil. PRELIMINARES – Inépcia da petição inicial e ilegi- timidade passiva – Afastamento. APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO ORDINÁRIA – Pa- ciente portador de epilepsia de difícil controle – Ne- cessidade de medicamento – Hipossuficiência para o custeio – Assistência integral à saúde – Dever do Es- tado – Imposição da Constituição Federal e Estadual e entendimento da Lei Federal nº 8.080/90 – Medi- camento padronizado – Inaplicabilidade do Tema nº 106/STJ e dos Temas nºs 6 e 1234 do STF – Sentença procedente – Manutenção da sentença – Reexame ne- cessário e recurso do Município de Cosmópolis des- providos.(TJSP; Processo nº 1000080-84.2020.8.26.0150; Recurso: Apelação; Relator: Ricardo Feitosa; Órgão Julgador: 4ª Câmara; Data do Julgamento: 18 de abril de 2025)
, em sessão permanente e virtual da 12ª Câmara de Direito
Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Ne-
garam provimento aos recursos. V.U.”, de conformidade com o voto do Relator,
que integra este acórdão. (Voto nº 40.996)
O julgamento teve a participação dos Desembargadores EDSON FER-
REIRA (Presidente) e J. M. RIBEIRO DE PAULA.
São Paulo, 18 de abril de 2025.
OSVALDO DE OLIVEIRA, Relator
Ementa: REEXAME NECESSÁRIO – Artigo 496, I,
do Código de Processo Civil.
PRELIMINARES – Inépcia da petição inicial e ilegi-
timidade passiva – Afastamento.
APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO ORDINÁRIA – Pa-
ciente portador de epilepsia de difícil controle – Ne-
cessidade de medicamento – Hipossuficiência para o
custeio – Assistência integral à saúde – Dever do Es-
tado – Imposição da Constituição Federal e Estadual
e entendimento da Lei Federal nº 8.080/90 – Medi-
camento padronizado – Inaplicabilidade do Tema nº
106/STJ e dos Temas nºs 6 e 1234 do STF – Sentença
procedente – Manutenção da sentença – Reexame ne-
cessário e recurso do Município de Cosmópolis des-
providos.
VOTO
Trata-se de ação ordinária com pedido de antecipação de tutela ajuizada
por Flávio Luiz de Queiroz em face do Município de Cosmópolis e do Estado de
São Paulo, na qual alega ser portador de epilepsia de difícil controle, razão pela
qual necessita do medicamento Levetiracetam 750 mg. Entretanto, não possui
condições financeiras para adquiri-lo por conta própria. Requer, inclusive em
sede de antecipação da tutela, o fornecimento da aludida substância. Requer
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ainda, o benefício da gratuidade da justiça.
A r. sentença (fls. 85/89), cujo relatório se adota, julgou procedente o pe-
dido, para, confirmando a liminar, condenar a parte ré a fornecer à parte autora
o medicamento Levetiracetam 750 mg, conforme o laudo médico, de forma
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solidária, na quantidade indicada pelo profissional que acompanha o autor, no
prazo de 15 dias, devendo a receita médica ser renovada a cada 90 (noventa)
dias, na via administrativa, sob pena de cessação da obrigação da Administração
em continuar a disponibilizar o medicamento.
O Município apelou (fls. 96/107), alegando, preliminarmente, inépcia da
petição inicial. Aduz ainda que a responsabilidade pelo fornecimento do medi-
camento é do Estado. No mérito, sustenta que não foram preenchidos os requi-
sitos fixados no julgamento do tem 106/STJ. Subsidiariamente, requer o forne-
cimento do fármaco sem a obrigatoriedade de marca específica. Os princípios da
separação dos poderes, da razoabilidade e proporcionalidade, da lei orçamentá-
ria, da isonomia e da reserva do possível devem ser observados.
Não foram apresentadas contrarrazões (fls. 111).
É o relatório.
Inicialmente, cumpre obtemperar que incide hipótese de reexame neces-
sário, conforme artigo 496, inciso I, do Código de Processo Civil.
Cumpre também, afastar a preliminar de inépcia da petição inicial, pois
esta cumpre os requisitos exigidos pelo artigo 319, do Código de Processo Civil.
A exordial reúne as exigências do referido artigo, notadamente os funda-
mentos de fato e de direito, possibilitando ao réu, sua defesa.
Quanto à responsabilidade pelo fornecimento do medicamento, é cediço
que as normas constitucionais que tratam da assistência à saúde da população
imputam aos três entes federativos, União, Estados e Municípios, isolada ou
conjuntamente, a obrigação de garantir a assistência integral à saúde da popu-
lação (artigos 23, II, 196 e 198, § 1º da Constituição Federal e artigo 219 da
Constituição Estadual).
Portanto, a saúde é um dever do Estado e um direito do cidadão. O vocá-
bulo “Estado” deve ser interpretado em seu sentido amplo, qual seja, todos os
entes políticos da federação, razão porque não há se falar em ilegitimidade de
um ou outro. Trata-se de obrigação solidária, que pode ser cumprida por apenas
um deles.
Nesse sentido a jurisprudência já sedimentada pelo E. Superior Tribunal
de Justiça (AgRg no Ag 961677/SC, Ministra Eliana Calmon, 2ª Turma, DJe
11.06.2008) e por esta Corte, através da edição do Enunciado de Direito Público
nº 16, o qual prevê que “a ação para fornecimento de medicamentos e afins pode
ser proposta em face de qualquer pessoa jurídica de direito público interno”.
Assim, perfeitamente cabível o pleito em face do Município de Cosmó-
polis e do Estado de São Paulo ou apenas em face de um deles.
No mais, impende consignar que o medicamento está incorporado no
Sistema Único de Saúde, conforme informado pela Fazenda do Estado de São
Paulo às fls. 36/37, sendo, portanto, inaplicável ao presente caso, os Temas nº
106 do Superior Tribunal de Justiça e nºs 6 e 1234 do Supremo Tribunal Federal.
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Superada a matéria preliminar, passa-se ao mérito.
Pois bem, dispõe o artigo 196 da Constituição Federal que a saúde é direi-
to de todos e dever do Estado. Deve, nestas condições, ser assegurada pelo Po-
der Público, razão pela qual incabível a negativa de fornecimento da substância
essencial que foi prescrita ao autor.
Este dispositivo constitucional configura norma de eficácia imediata e
assegura a todo cidadão o direito à saúde, como dever do Estado, independente-
mente de edição de qualquer ato normativo inferior para legitimar a observância
ao direito subjetivo material custodiado.
Ora, se a saúde constitui, de um lado, direito público subjetivo do cidadão
e, de outro, dever do Estado, é inadmissível que o Poder Público crie obstáculos
ao fornecimento do medicamento do qual necessita o apelado, sob o argumento
de afronta ao princípio da isonomia.
Ao Estado – expressão empregada em sentido lato compete a assistência
à saúde, bem como adotar as providências cabíveis para amparar os necessita-
dos. Ora, se o Poder Público faltar com a sua obrigação, dá ao cidadão o inar-
redável direito de buscar socorro perante o Poder Judiciário, do qual nenhuma
lesão a qualquer direito pode ser excluída de apreciação.
Também não há que se cogitar em invasão de matéria de competência do
Poder Executivo, porquanto o apelado pretende tão-somente o cumprimento do
dever constitucional do Estado de preservar e recuperar a saúde dos indivíduos
(artigo 196 da Constituição Federal). Nesta esteira, deve fornecer os medica-
mentos adequados àquele que não possui condições financeiras para adquiri-los.
Vale ainda ressaltar que não cabe ao Judiciário analisar se os medicamen-
tos prescritos são ou não eficazes, ou se existem outros que os substituam, pois
tal responsabilidade é atribuição exclusiva dos médicos. Estando a medicação
devidamente prescrita, não pode o médico restringir seu procedimento científico
à frieza da burocracia de um protocolo.
A necessidade do medicamento solicitado está comprovada pelos relató-
rios de fls. 17/19 que instruem a presente ação.
A propósito, os profissionais da área de saúde subscrevem atestados sob
as penas da lei, ou seja, estão sujeitos às sanções previstas no artigo 302 do Có-
digo Penal, em caso de falsidade. Suficiente, portanto, a palavra do profissional.
O Poder Público pode dispor de recursos financeiros para gerenciar tais
situações de crise, havendo, sim, meios viáveis para se adquirir a medicação
ora pleiteada, em prol da saúde, interesse público que deve ser cuidado pelos
administradores.
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E ainda, é infundada a tese de que o Poder Judiciário tem atuado como
co-gestor dos recursos destinados à saúde pública. O acolhimento da pretensão
ora deduzida em juízo apenas torna efetivo o direito de integral assistência à
saúde. Essa atribuição não se confunde, em absoluto, com o poder-dever da
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Administração Pública de gerir as verbas ou recursos de determinada área ou,
ainda, de estabelecer suas prioridades de atuação, tampouco viola o princípio
constitucional da separação dos poderes.
Acerca da matéria, já se posicionou a jurisprudência:
AÇÃO MOVIDA CONTRA A MUNICIPALIDADE DE SANTANA
DE PARNAÍBA VISANDO O FORNECIMENTO DE MEDICAMEN-
TO PARA TRATAMENTO DE ADENOCARCINOMA DE PRÓSTATA
– OBRIGAÇÃO DO ENTE PÚBLICO, DECORRENTE DO DISPOS-
TO NO ART. 196 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL – AÇÃO PROCE-
DENTE – SENTENÇA CONFIRMADA. (Apelação Cível 1001988-04.2023.8.26.0529; Relator: Ricardo Feitosa; Órgão Julgador: 4ª Câmara
de Direito Público; Foro de Santana de Parnaíba - 3ª Vara Cível; Data do
Julgamento: 17/06/2024; Data de Registro: 18/06/2024)
APELAÇÃO – OBRIGAÇÃO DE FAZER – SAÚDE – MEDICAMEN-
TO PARA TRATAMENTO INDIVIDUAL – DEVER DE FORNECI-
MENTO PELO PODER PÚBLICO (ART. 196, CF/1988) – Fornecimen-
to de medicamento para tratamento individual – Dever de fornecimento,
em face do que dispõe o art. 196 da Constituição Federal – Preenchidos
todos os requisitos definidos no Tema 106/STJ (REsp 1.657.156/RJ) –
Comprovação de imprescindibilidade do tratamento, de hipossuficiência
econômica e registro do medicamento na ANVISA – Ação julgada par-
cialmente procedente – Sentença mantida – Recurso da FESP desprovi-
do. (Apelação Cível 1040965-43.2020.8.26.0053; Relator: Ponte Neto;
Órgão Julgador: 9ª Câmara de Direito Público; Foro Central - Fazenda
Pública/Acidentes - 13ª Vara de Fazenda Pública; Data do Julgamento:
13/06/2024; Data de Registro: 13/06/2024)
Obrigação de fazer. Fornecimento de medicamento. Direito à saúde ga-
rantido pela Constituição Federal (arts. 196 e 198). Dever dos compo-
nentes do Estado Federal de prover as condições indispensáveis ao pleno
exercício desse direito, inclusive com fornecimento de medicamento. Re-
curso desprovido. (Apelação Cível 1009555-33.2023.8.26.0482; Relator:
Borelli Thomaz; Órgão Julgador: 13ª Câmara de Direito Público; Foro
de Presidente Prudente - Vara da Fazenda Pública; Data do Julgamento:
04/06/2024; Data de Registro: 04/06/2024)
APELAÇÃO – Ação de procedimento comum – Saúde – Medicamento
– Pretensão à modificação do critério de arbitramento da verba honorária
– Equidade – Possibilidade – Precedente do E. Superior Tribunal de Justi-
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ça – Sentença mantida – Recurso desprovido. (Apelação Cível 1001081-73.2023.8.26.0482; Relator: Renato Delbianco; Órgão Julgador: 2ª Câ-
mara de Direito Público; Foro de Presidente Prudente - Vara da Fazenda
Pública; Data do Julgamento: 29/05/2024; Data de Registro: 29/05/2024)
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Por fim, quando ao fornecimento do medicamento sem vinculação à mar-
ca comercial, nada a deliberar, tendo em vista que a MM. Juíza a quo determi-
nou seu fornecimento pelo princípio ativo.
Desta feita, restou demonstrado nos autos que o autor necessita do medi-
camento indicado na inicial, devidamente prescrito (fls. 17/19), não obtido na
rede pública (fls. 20), de custo incompatível com a sua condição financeira (fls.
22).
Nesse contexto, o acolhimento do pedido inicial quanto ao fornecimento
do medicamento era mesmo de rigor, de modo que a r. sentença deve ser man-
tida em sua íntegra.
À vista do exposto, nega-se provimento ao recurso do Município de
Cosmópolis e ao reexame necessário.