Decisão 1000109-94.2016.8.26.0435

Processo: 1000109-94.2016.8.26.0435

Recurso: Apelação

Relator: ANGELA MORENO PACHECO DE REZENDE LOPES

Câmara julgadora:

Data do julgamento: 14 de abril de 2025

Ementa Técnica

APELAçãO – USUCAPIÃO - Ação proposta por empresa sediada em imóvel de propriedade de um dos sócios - Alegação inicial de que o capital social foi integraliza- do com o imóvel, embora não formalizado o registro 60 no respectivo Cartório de Registro Imobiliário, bem como, de que o exercício da posse é ininterrupto, sem oposição e com animus domini por mais de 40 anos – Sentença de procedência, com declaração de usuca- Jurisprudência - Direito Privado pião em favor da empresa - Recurso do atual proprie- tário do imóvel, herdeiro do sócio falecido - Gratui- dade processual concedida ao apelante, com base nos documentos apresentados, que corroboram a necessi- dade do benefício - Sociedade autora que foi dissolvi- da nos autos da ação de apuração de haveres, que teve trâmite concomitante à presente usucapião - Possibi- lidade de substituição processual pelos sócios da ex- tinta sociedade empresarial, conforme entendimento jurisprudencial - Inexistência de óbice ao exame do mérito - Pedido inicial que é improcedente - A despei- to da possibilidade legal de integralização do capital social por meio de bem imóvel pelo sócio, a transfe- rência da propriedade imobiliária somente se opera com o registro no competente Cartório de Registro de Imóveis, o que não ocorreu na espécie - Contrato social e posteriores alterações que não fazem menção à transferência da propriedade do imóvel para a em- presa - Posse que era exercida pela empresa no imóvel de propriedade de um dos sócios, e que serviu de sede enquanto desenvolvia a sua atividade-fim - Circuns- tância que não configura posse com ânimo de dono - Ausência dos requisitos para a usucapião - Sentença reformada, com sucumbência a cargo dos autores - RECURSO PROVIDO.(TJSP; Processo nº 1000109-94.2016.8.26.0435; Recurso: Apelação; Relator: ANGELA MORENO PACHECO DE REZENDE LOPES; Data do Julgamento: 14 de abril de 2025)

Voto / Fundamentação

, em sessão permanente e virtual da 10ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “De- ram provimento ao recurso. V.U.”, de conformidade com o voto da Relatora, que integra este acórdão. (Voto nº 22.132) O julgamento teve a participação dos Desembargadores JAIR DE SOU- ZA (Presidente) e ELCIO TRUJILLO. São Paulo, 14 de abril de 2025. ANGELA MORENO PACHECO DE REZENDE LOPES, Relatora


Ementa: USUCAPIÃO - Ação proposta por empresa sediada em imóvel de propriedade de um dos sócios - Alegação inicial de que o capital social foi integraliza- do com o imóvel, embora não formalizado o registro 60 no respectivo Cartório de Registro Imobiliário, bem como, de que o exercício da posse é ininterrupto, sem oposição e com animus domini por mais de 40 anos – Sentença de procedência, com declaração de usuca- Jurisprudência - Direito Privado pião em favor da empresa - Recurso do atual proprie- tário do imóvel, herdeiro do sócio falecido - Gratui- dade processual concedida ao apelante, com base nos documentos apresentados, que corroboram a necessi- dade do benefício - Sociedade autora que foi dissolvi- da nos autos da ação de apuração de haveres, que teve trâmite concomitante à presente usucapião - Possibi- lidade de substituição processual pelos sócios da ex- tinta sociedade empresarial, conforme entendimento jurisprudencial - Inexistência de óbice ao exame do mérito - Pedido inicial que é improcedente - A despei- to da possibilidade legal de integralização do capital social por meio de bem imóvel pelo sócio, a transfe- rência da propriedade imobiliária somente se opera com o registro no competente Cartório de Registro de Imóveis, o que não ocorreu na espécie - Contrato social e posteriores alterações que não fazem menção à transferência da propriedade do imóvel para a em- presa - Posse que era exercida pela empresa no imóvel de propriedade de um dos sócios, e que serviu de sede enquanto desenvolvia a sua atividade-fim - Circuns- tância que não configura posse com ânimo de dono - Ausência dos requisitos para a usucapião - Sentença reformada, com sucumbência a cargo dos autores - RECURSO PROVIDO.





VOTO

Trata-se de ação, inicialmente proposta por TETÉ MATERIAIS PARA CONSTRUÇÃO LTDA., objetivando a declaração de usucapião sobre imóvel urbano, fundada na posse mansa, pacífica, ininterrupta e com animus domini, por mais de 40 anos. Sobreveio sentença de procedência, cujo relatório se adota, para reconhe- cer o domínio da autora sobre o imóvel situado na Rua Siqueira Campos nº 369, Comarca de Pedreira/SP, parte da Matrícula nº 24.290 do C.R.I. local, devendo ser aberta nova Matrícula, observando as exigências cartorárias, tudo de acordo com memorial e planta de fls. 258/263. Não houve arbitramento de honorários advocatícios (fls. 372/378). Apela o réu (sucessor dos titulares de domínio e de um dos sócios da empresa autora), sustentando em síntese, que a validade da integralização do capital social com imóvel está condicionada ao registro do título translativo Jurisprudência - Direito Privado no competente Registro de Imóveis, ressaltando que a inscrição da empresa na JUCESP não tem o condão de legitimar a transferência da propriedade. Enfatiza que, ao contrário do consignado na sentença, a regularização do registro em nome do sócio cedente nunca ocorreu, razão pela qual o imóvel nunca deixou de pertencer aos seus genitores. Destaca que o capital social não foi integralizado com o imóvel, sendo da vontade dos sócios que o valor desse bem servisse apenas como referência para as cotas sociais. Adverte que o atual contador da empresa jamais poderia atestar sobre os fatos ocorridos na ocasião da formação da sociedade, por ter, naquela época, apenas dois anos de idade. Sublinha que houve tão-somente permissão para utilização da área pelo estabelecimento comercial. Reitera que o contrato social é incapaz de provar a propriedade do imó- vel, cuja transferência não foi registrada no C.R.I. local. Além disso, o termo de acordo firmado pelos herdeiros do sócio Othelo Marchini Junior com a empresa ré pressupõe o reconhecimento da supremacia dos direitos exercidos pelos pro- prietários do imóvel, o que afasta o animus domini e a posse justa, diante do litígio envolvendo o bem. Destaca que, quando foi constituída a sociedade, o imóvel era de proprie- dade exclusiva de sua genitora e viúva do sócio Othelo, Cecília Cano Martinez. Logo, o imóvel não poderia integralizar o capital social sem a outorga uxória. Ademais, Cecília nunca foi sócia da empresa, razão pela qual não se poderia admitir a integralização de capital social com seu imóvel. Ao final, postula a improcedência do pedido inicial (fls. 386/395). Recurso processado e respondido a fls. 400/412, sem preliminares. Constatada a dissolução da sociedade autora, houve a substituição pro- cessual no polo ativo por: ANITA MARTINS COLLADO LINDO, MÁRCIO MARTINES COLLADO e PEDRO PAULO MARTINES COLLADO, devida- mente representados nos autos. É o relatório. De início, importa destacar que, após a determinação de recolhimento do preparo, o apelante postulou o benefício da gratuidade processual, alegando incapacidade financeira para o recolhimento da quantia de R$ 22.152,03. Foi, então, determinada a juntada de documentos, que comprovam, suficientemente, a necessidade da concessão do benefício, a despeito da impugnação da parte contrária. Anote-se que o apelante comprovou não exercer atividade laborativa for- mal e não auferir rendimento anual suficiente para declaração à Receita Federal. A conta bancária não possui movimentação financeira e os comprovantes com 62 despesas de alimentação e remédios demonstram condição financeira insufi- ciente para o recolhimento do elevado valor do preparo. Destarte, acolho o pedido formulado pelo apelante e concedo-lhe a gra- tuidade processual, razão pela qual fica admitido o recurso. Jurisprudência - Direito Privado Antes, porém, do exame do mérito, ressalto que a r. decisão de fls. 548/549, determinou a manifestação das partes a respeito da dissolução da so- ciedade autora, ocorrida nos autos da ação de apuração de haveres (nº 1000267-86.2015.8.26.0435) e, de conseguinte, do prosseguimento do processo. De acordo com a petição de fls. 552/559, os herdeiros de Dorival Marti- nes Collado (ANITA MARTINS COLLADO LINDO, MÁRCIO MARTINES COLLADO e PEDRO PAULO MARTINES COLLADO), um dos sócios da empresa TETÉ MATERIAIS PARA CONSTRUÇÃO LTDA., entendem que a sociedade, uma vez extinta, deve ser sucedida, no polo passivo, pelos ex-sócios. Juntaram, para tanto, procuração em seus próprios nomes. Por outro lado, CAIO MARCHINI, herdeiro do sócio Othelo Marchini Junior, entende pela perda superveniente da capacidade postulatória e, portanto, postula a improcedência do pedido inicial. De fato, há possibilidade de substituição processual pelos sócios da extin- ta sociedade empresarial, conforme entendimento jurisprudencial. Confira-se: “RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO. DISSOLUÇÃO VOLUNTÁRIA DA PESSOA JURÍDICA. EQUIPARAÇÃO À MORTE DA PESSOA NATURAL. SUCESSÃO PROCESSUAL. SÓCIOS. POSSIBILIDADE. INTELIGÊNCIA DO ART. 110 DO CPC/15. PROCEDIMENTO DE HABILITAÇÃO. ARTS. 687 A 692 DO CPC/15. INOBSERVÂNCIA. PREJUÍZO. AUSÊNCIA DE DEMONS- TRAÇÃO. PRINCÍPIO DA INSTRUMENTALIDADE DAS FORMAS. RECUR- SO DESPROVIDO. (...) A extinção da pessoa jurídica, por se equiparar à morte da pessoa natural, autoriza a sucessão processual prevista no art. 110 do CPC. Precedentes. Recurso especial não provido.” (REsp nº 2165137/SP, 3ª Turma, Rel. MINISTRA NANCY ANDRIGHI, j. 06/11/2024). No caso dos autos, a dissolução da sociedade empresarial ocorreu em pa- ralelo ao trâmite da presente ação de usucapião e, ao que parece, não foi comu- nicada ao juízo de origem. Além disso, após dissolvida, não houve a suspensão do processo e a regular habilitação dos sócios no polo ativo. Não obstante, à luz dos princípios da efetividade, da instrumentalidade das formas, do aproveitamento dos atos processuais e da duração razoável deste processo, que tramita desde 2016, não há óbice ao exame do objeto da ação, bastando a regularização do polo ativo. Além disso, os herdeiros dos sócios (falecidos) já estão devidamente representados nos autos, por meio de seus res- pectivos procuradores. Importante frisar que CAIO MARCHINI, igualmente herdeiro do sócio Othelo Marchini Junior, compõe o polo passivo por ser o proprietário registral do imóvel sub judice. Dito isso, extrai-se da narrativa inicial que, em 08/05/1974, OTHELO MARCHINI JUNIOR e DORIVAL MARTINES COLLADO (ambos já fale- Jurisprudência - Direito Privado cidos) constituíram a empresa TETÉ MATERIAIS PARA CONSTRUÇÃO LTDA., tendo o sócio OTHELO integralizado as cotas sociais mediante a trans- ferência de direitos sobre o imóvel descrito como um prédio comercial, com res- pectivo terreno e quintal, localizado na Rua Siqueira Campos nº 369, Comarca de Pedreira/SP, livre e desembaraçado de qualquer ônus. Relata a inicial, ainda, que o imóvel está matriculado sob nº 24.290 do C.R.I. local e que, perante a Municipalidade, houve o desmembramento, impli- cando divisão em duas glebas distintas, quais sejam: (a) imóvel com área de 852 m², localizado na Rua Siqueira Campos nº 383, Centro, Pedreira/SP, inscrição municipal n.º 01.01.037.0097.001; e (b) imóvel com área de 710m², localizado na Rua Siqueira Campos nº 369, Centro, Pedreira/SP, inscrição municipal n.º 01.01.037.0107.00. Prossegue, alegando que os sócios, ‘por mero lapso involuntário’ (sic), deixaram de formalizar referido desmembramento perante o Oficial de Registro de Imóveis da Comarca, motivo pelo qual não se procedeu à abertura de matrí- culas para cada uma das glebas resultantes do fracionamento do imóvel, perma- necendo, assim, inalterada a matrícula nº 24.290, constando como proprietários a viúva de Othelo Marchini Junior, Cecília Cano Martinez Marchini e seu filho, Caio Marchini. No entanto, desde a constituição da sociedade, a empresa permanece se- diada no imóvel descrito no item (a) supra, exercendo a posse ad usucapionen, com todos os atributos que legitimam a aquisição originária da propriedade. Assim, foi postulada a declaração de usucapião sobre o imóvel localizado na Rua Siqueira Campos nº 369, Pedreira/SP. Citado, CAIO MARCHINI, herdeiro de Othelo, apresentou contestação, em que narrou a origem da sociedade, proveniente da venda de um bar. Com o produto da venda, ambos decidiram entrar para o ramo de comércio de mate- riais de construção e criaram a empresa, que foi instalada em parte do imóvel de propriedade de Othelo, que era quem exercia a administração do negócio, considerando que Dorival residia com a família em outro Estado (MG). Essa parte do imóvel é objeto da presente ação. No mais, refutou o pedido inicial com base na informalidade da integrali- zação das cotas sociais, especialmente em relação ao imóvel, bem como na pos- terior alteração contratual. Além disso, alegou que a transmissão da propriedade do imóvel pelo sócio Othelo é posterior à constituição da sociedade e, portanto, não poderia ter sido transferida à empresa. Por fim, ressaltou que a ocupação do imóvel pela empresa é precária, pois sempre ocorreu por mera permissão. Respeitado entendimento contrário, o pedido inicial é improcedente. 64 De plano, consigne-se que o contrato social inicial menciona que a em- presa foi constituída por 3 sócios, sendo OTHELO MARCHINI JUNIOR, DO- RIVAL MARTINES COLLADO e MARIA GISELDA DE OLIVEIRA (fls. 19/22). Jurisprudência - Direito Privado Pois bem. Há manifesto equívoco na intepretação, pelos apelados, da redação do contrato social inicial, datado de 1974, no tocante ao imóvel. Entendem os apelados que [o sócio Othelo] “ao formalizar a constituição da empresa, textualmente declarou que integralizava as suas quotas sociais me- diante a transferência do imóvel à sociedade” (sic) (fl. 206). Porém, do instrumento contratual consta a seguinte redação: OTHELO MARCHINI JUNIOR Subscreveu e integralizou no ato, 40.000 (quarenta mil) cotas de Cr$ 1,00 (hum cruzeiro) cada uma, totalizando Cr$ 40.000,00 (quarenta mil cruzei- ros), correspondentes ao valor de um prédio comercial, com respectivo terreno e quintal, localizado à Rua Siqueira Campos, 369 - Pedreira/SP, livre e desem- baraçado de quaisquer ônus. Como se vê, não consta a declaração de integralização das cotas sociais com o imóvel nem a transferência da titularidade desse bem à empresa. E o só- cio Othelo nem poderia assim proceder. A uma, porque a matrícula imobiliária nº 24.290 foi extraída da matrícula nº 10.897A, de onde se verifica que a pro- priedade foi transmitida a Cecília e Othelo por transmissão hereditária em 1981, lembrando que a empresa foi constituída em 1974. Logo, ao contrário do que alegam os apelados, não havia sequer “direitos de propriedade” que pudessem ser transferidos por Othelo. A duas, porque, a despeito da possibilidade legal de integralização do ca- pital social por meio de bem imóvel pelo sócio, a transferência da propriedade imobiliária somente se opera com o registro no competente Cartório de Registro de Imóveis, o que não ocorreu na espécie. Trata-se de condição imprescindível, sendo insuficiente a simples menção no contrato social e o respectivo arquiva- mento perante a Junta Comercial para a transmissão da propriedade imobiliária em nome da sociedade. Nesse sentido: “PROCESSUAL CIVIL E COMERCIAL. RECURSO ESPECIAL. AGRA- VO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE EXECUÇÃO. (...) INTEGRALIZAÇÃO DE CAPITAL. REGULARIZAÇÃO PERANTE A JUNTA COMERCIAL. AU- SÊNCIA DE REGISTRO PERANTE O CORRESPONDENTE CARTÓRIO DE REGISTRO DE IMÓVEIS. CONDIÇÃO LEGAL INTRANSPONÍVEL PARA A TRANSFERÊNCIA DE PROPRIEDADE ENTRE VIVOS. NEGATI- VA DE INCORPORAÇÃO DOS IMÓVEIS AO PATRIMÔNIO DA SOCIEDADE EMPRESARIAL. PRECEDENTES DE DISTINTOS ÓRGÃOS JULGADORES DESTA CORTE SUPERIOR. RECURSO ESPECIAL NÃO PROVIDO.” (REsp nº 2153168/MT, Rel. MINISTRO MOURA RIBEIRO, j. 05/09/2024) (g/n) Logo, o que se divisa, em verdade, é que ao ingressar na sociedade com Jurisprudência - Direito Privado Dorival, Othelo integralizou como capital social - informalmente - idêntico va- lor em correspondência ao imóvel, para que servisse de sede ao estabelecimento comercial. Tanto que o documento copiado a fls. 170/172, assinado pelos sócios - também informalmente -, trata de alteração contratual, em que a sócia MARIA GISELDA se retira da sociedade. Pelo art. 4º desse instrumento, observa-se a seguinte redação: “O capital social, inteiramente subscrito e integralizado é do valor de Cr$ 120.000,00 (cento e vinte mil cruzeiros) dividido em 120.000 (cento e vinte mil) cotas, do valor de Cr$ 1,00 (um cruzeiro) cada uma. §1º Para a formação do capital social, contribuíram os sócios, na seguinte proporção: Othelo Marchini Junior Subscreve e integraliza em dinheiro, neste ato, 20.000 (vinte mil) cotas, no valor de Cr$ 20.000,00 (vinte mil cruzeiros). Capital de acordo com o contrato anterior - Cr$ 40.000,00 (quarenta mil cruzeiros). Total do capital: 60.000 (sessenta mil) cotas, no valor de Cr$ 60.000,00 (sessenta mil cruzeiros).” Não há, como se vê, menção à integralização do capital social com bem imóvel. Nessa linha, os elementos acima são mais do que suficientes para afas- tar, repita-se, a alegação inicial de que o sócio Othelo transferiu a propriedade do imóvel para a empresa. Não bastasse, para além da infundada alegação de que houve a transferên- cia da propriedade mediante a integralização do capital social, a causa de pedir se funda na posse mansa, ininterrupta e com animus domini, o que autorizaria, então, a prescrição aquisitiva. Por essa razão, a instrução probatória apenas se limitou à prova dos requi- sitos da usucapião, nos exatos termos da decisão saneadora de fl. 297. Todavia, à exceção da incontroversa posse contínua, não há respaldo para reconhecer a usucapião, por falta dos demais requisitos necessários para tanto. Isto porque restou evidenciada a precariedade da posse, que era exercida pela empresa no imóvel de propriedade de um dos sócios, e que serviu de sede enquanto desenvolvia a sua atividade-fim. Essa circunstância não configura pos- se com ânimo de dono. Tanto é que, em 2009, foi celebrado um acordo entre os herdeiros de Othelo (Cecília e Caio), em que estes transferiram a direção e o gerenciamento da empresa, com exclusividade ao sócio Dorival. Nesse instrumento, constou que “2) a área a ser utilizada pelo estabelecimento acima identificado é de 710m² (setecentos e dez metros quadrados)” (fls. 32/33). Ora, se o imóvel, de fato e de direito, pertencesse à empresa, não haveria necessidade de que, em 2009, por meio de acordo, os sócios tivessem mencio- Jurisprudência - Direito Privado nado a “utilização” da área pela loja de materiais de construção, já que ali ela estava estabelecida desde a sua constituição, em 1974. Significa dizer que Cecília e Caio, então proprietários tabulares do imóvel (após o falecimento de Othelo), apenas ratificaram nesse acordo com Dorival, a permissão para a permanência da loja de materiais de construção naquele local. Além disso, tanto o sócio Dorival (e seus herdeiros, que ora compõem o polo ativo), sabiam que o imóvel era de propriedade de Othelo e de sua esposa, e que fora partilhado nos autos do arrolamento, com a regular transferência da titularidade perante o C.R.I. competente. Destarte, se a prova documental não teve o condão de afastar a precarie- dade da posse, a prova oral também não favoreceu aos apelados. Em audiência, a testemunha Ricardo Gasparini disse que fazia a con- tabilidade da empresa e alegou que esteve sediada no imóvel da Rua Siqueira Campos, 369, desde a constituição (min 1:07). E mesmo sem sequer ter sido questionado, afirmou espontaneamente que o imóvel foi integralizado no capital (min 1:19). Além disso, em um primeiro momento, disse que o arquivamento do contrato social na Junta Comercial é suficiente para considerar transmitida a propriedade do imóvel para a empresa (min 3:08). Ao final, alegou não ter co- nhecimento se é necessário o registro do contrato social no Cartório de Registro de Imóveis para validar a situação do imóvel integralizado (min 8:47). Por seu turno, Gerônimo Valdir Cabreli, ouvido como informante, confir- mou que a empresa sempre esteve sediada no mesmo local. Questionado, disse que ‘pressupunha’ que o imóvel era da empresa, mas não tinha certeza (min 13:30). As demais testemunhas ouvidas também se limitaram a confirmar que a empresa era sediada naquele mesmo endereço, o que, repita-se, sempre foi fato incontroverso nos autos. Diante desse quadro, há elementos suficientes para reconhecer que o imó- vel sub judice foi utilizado pela empresa com a permissão de seus titulares de domínio, até a sua dissolução. Assim, a precariedade da posse afasta o animus domini para a declaração de usucapião postulada. Em conclusão, reforma-se a r. sentença para julgar improcedente o pedido inicial. Pela sucumbência na demanda, deverão os autores arcar com as custas processuais e com os honorários advocatícios, ora arbitrados em 15% sobre o valor atualizado da causa. Do exposto, pelo meu voto, dou provimento ao recurso.