APELAçãO – USUCAPIÃO - Ação proposta por empresa sediada em imóvel de propriedade de um dos sócios - Alegação inicial de que o capital social foi integraliza- do com o imóvel, embora não formalizado o registro 60 no respectivo Cartório de Registro Imobiliário, bem como, de que o exercício da posse é ininterrupto, sem oposição e com animus domini por mais de 40 anos – Sentença de procedência, com declaração de usuca- Jurisprudência - Direito Privado pião em favor da empresa - Recurso do atual proprie- tário do imóvel, herdeiro do sócio falecido - Gratui- dade processual concedida ao apelante, com base nos documentos apresentados, que corroboram a necessi- dade do benefício - Sociedade autora que foi dissolvi- da nos autos da ação de apuração de haveres, que teve trâmite concomitante à presente usucapião - Possibi- lidade de substituição processual pelos sócios da ex- tinta sociedade empresarial, conforme entendimento jurisprudencial - Inexistência de óbice ao exame do mérito - Pedido inicial que é improcedente - A despei- to da possibilidade legal de integralização do capital social por meio de bem imóvel pelo sócio, a transfe- rência da propriedade imobiliária somente se opera com o registro no competente Cartório de Registro de Imóveis, o que não ocorreu na espécie - Contrato social e posteriores alterações que não fazem menção à transferência da propriedade do imóvel para a em- presa - Posse que era exercida pela empresa no imóvel de propriedade de um dos sócios, e que serviu de sede enquanto desenvolvia a sua atividade-fim - Circuns- tância que não configura posse com ânimo de dono - Ausência dos requisitos para a usucapião - Sentença reformada, com sucumbência a cargo dos autores - RECURSO PROVIDO.(TJSP; Processo nº 1000109-94.2016.8.26.0435; Recurso: Apelação; Relator: ANGELA MORENO PACHECO DE REZENDE LOPES; Data do Julgamento: 14 de abril de 2025)
, em sessão permanente e virtual da 10ª Câmara de Direito
Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “De-
ram provimento ao recurso. V.U.”, de conformidade com o voto da Relatora,
que integra este acórdão. (Voto nº 22.132)
O julgamento teve a participação dos Desembargadores JAIR DE SOU-
ZA (Presidente) e ELCIO TRUJILLO.
São Paulo, 14 de abril de 2025.
ANGELA MORENO PACHECO DE REZENDE LOPES, Relatora
Ementa: USUCAPIÃO - Ação proposta por empresa
sediada em imóvel de propriedade de um dos sócios -
Alegação inicial de que o capital social foi integraliza-
do com o imóvel, embora não formalizado o registro
60
no respectivo Cartório de Registro Imobiliário, bem
como, de que o exercício da posse é ininterrupto, sem
oposição e com animus domini por mais de 40 anos
– Sentença de procedência, com declaração de usuca-
Jurisprudência - Direito Privado
pião em favor da empresa - Recurso do atual proprie-
tário do imóvel, herdeiro do sócio falecido - Gratui-
dade processual concedida ao apelante, com base nos
documentos apresentados, que corroboram a necessi-
dade do benefício - Sociedade autora que foi dissolvi-
da nos autos da ação de apuração de haveres, que teve
trâmite concomitante à presente usucapião - Possibi-
lidade de substituição processual pelos sócios da ex-
tinta sociedade empresarial, conforme entendimento
jurisprudencial - Inexistência de óbice ao exame do
mérito - Pedido inicial que é improcedente - A despei-
to da possibilidade legal de integralização do capital
social por meio de bem imóvel pelo sócio, a transfe-
rência da propriedade imobiliária somente se opera
com o registro no competente Cartório de Registro
de Imóveis, o que não ocorreu na espécie - Contrato
social e posteriores alterações que não fazem menção
à transferência da propriedade do imóvel para a em-
presa - Posse que era exercida pela empresa no imóvel
de propriedade de um dos sócios, e que serviu de sede
enquanto desenvolvia a sua atividade-fim - Circuns-
tância que não configura posse com ânimo de dono
- Ausência dos requisitos para a usucapião - Sentença
reformada, com sucumbência a cargo dos autores -
RECURSO PROVIDO.
VOTO
Trata-se de ação, inicialmente proposta por TETÉ MATERIAIS PARA
CONSTRUÇÃO LTDA., objetivando a declaração de usucapião sobre imóvel
urbano, fundada na posse mansa, pacífica, ininterrupta e com animus domini,
por mais de 40 anos.
Sobreveio sentença de procedência, cujo relatório se adota, para reconhe-
cer o domínio da autora sobre o imóvel situado na Rua Siqueira Campos nº 369,
Comarca de Pedreira/SP, parte da Matrícula nº 24.290 do C.R.I. local, devendo
ser aberta nova Matrícula, observando as exigências cartorárias, tudo de acordo
com memorial e planta de fls. 258/263. Não houve arbitramento de honorários
advocatícios (fls. 372/378).
Apela o réu (sucessor dos titulares de domínio e de um dos sócios da
empresa autora), sustentando em síntese, que a validade da integralização do
capital social com imóvel está condicionada ao registro do título translativo
Jurisprudência - Direito Privado
no competente Registro de Imóveis, ressaltando que a inscrição da empresa na
JUCESP não tem o condão de legitimar a transferência da propriedade. Enfatiza
que, ao contrário do consignado na sentença, a regularização do registro em
nome do sócio cedente nunca ocorreu, razão pela qual o imóvel nunca deixou
de pertencer aos seus genitores.
Destaca que o capital social não foi integralizado com o imóvel, sendo da
vontade dos sócios que o valor desse bem servisse apenas como referência para
as cotas sociais. Adverte que o atual contador da empresa jamais poderia atestar
sobre os fatos ocorridos na ocasião da formação da sociedade, por ter, naquela
época, apenas dois anos de idade. Sublinha que houve tão-somente permissão
para utilização da área pelo estabelecimento comercial.
Reitera que o contrato social é incapaz de provar a propriedade do imó-
vel, cuja transferência não foi registrada no C.R.I. local. Além disso, o termo de
acordo firmado pelos herdeiros do sócio Othelo Marchini Junior com a empresa
ré pressupõe o reconhecimento da supremacia dos direitos exercidos pelos pro-
prietários do imóvel, o que afasta o animus domini e a posse justa, diante do
litígio envolvendo o bem.
Destaca que, quando foi constituída a sociedade, o imóvel era de proprie-
dade exclusiva de sua genitora e viúva do sócio Othelo, Cecília Cano Martinez.
Logo, o imóvel não poderia integralizar o capital social sem a outorga uxória.
Ademais, Cecília nunca foi sócia da empresa, razão pela qual não se poderia
admitir a integralização de capital social com seu imóvel. Ao final, postula a
improcedência do pedido inicial (fls. 386/395).
Recurso processado e respondido a fls. 400/412, sem preliminares.
Constatada a dissolução da sociedade autora, houve a substituição pro-
cessual no polo ativo por: ANITA MARTINS COLLADO LINDO, MÁRCIO
MARTINES COLLADO e PEDRO PAULO MARTINES COLLADO, devida-
mente representados nos autos.
É o relatório.
De início, importa destacar que, após a determinação de recolhimento
do preparo, o apelante postulou o benefício da gratuidade processual, alegando
incapacidade financeira para o recolhimento da quantia de R$ 22.152,03. Foi,
então, determinada a juntada de documentos, que comprovam, suficientemente,
a necessidade da concessão do benefício, a despeito da impugnação da parte
contrária.
Anote-se que o apelante comprovou não exercer atividade laborativa for-
mal e não auferir rendimento anual suficiente para declaração à Receita Federal.
A conta bancária não possui movimentação financeira e os comprovantes com
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despesas de alimentação e remédios demonstram condição financeira insufi-
ciente para o recolhimento do elevado valor do preparo.
Destarte, acolho o pedido formulado pelo apelante e concedo-lhe a gra-
tuidade processual, razão pela qual fica admitido o recurso.
Jurisprudência - Direito Privado
Antes, porém, do exame do mérito, ressalto que a r. decisão de fls.
548/549, determinou a manifestação das partes a respeito da dissolução da so-
ciedade autora, ocorrida nos autos da ação de apuração de haveres (nº 1000267-86.2015.8.26.0435) e, de conseguinte, do prosseguimento do processo.
De acordo com a petição de fls. 552/559, os herdeiros de Dorival Marti-
nes Collado (ANITA MARTINS COLLADO LINDO, MÁRCIO MARTINES
COLLADO e PEDRO PAULO MARTINES COLLADO), um dos sócios da
empresa TETÉ MATERIAIS PARA CONSTRUÇÃO LTDA., entendem que a
sociedade, uma vez extinta, deve ser sucedida, no polo passivo, pelos ex-sócios.
Juntaram, para tanto, procuração em seus próprios nomes.
Por outro lado, CAIO MARCHINI, herdeiro do sócio Othelo Marchini
Junior, entende pela perda superveniente da capacidade postulatória e, portanto,
postula a improcedência do pedido inicial.
De fato, há possibilidade de substituição processual pelos sócios da extin-
ta sociedade empresarial, conforme entendimento jurisprudencial. Confira-se:
“RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO. DISSOLUÇÃO VOLUNTÁRIA
DA PESSOA JURÍDICA. EQUIPARAÇÃO À MORTE DA PESSOA NATURAL.
SUCESSÃO PROCESSUAL. SÓCIOS. POSSIBILIDADE. INTELIGÊNCIA DO
ART. 110 DO CPC/15. PROCEDIMENTO DE HABILITAÇÃO. ARTS. 687 A
692 DO CPC/15. INOBSERVÂNCIA. PREJUÍZO. AUSÊNCIA DE DEMONS-
TRAÇÃO. PRINCÍPIO DA INSTRUMENTALIDADE DAS FORMAS. RECUR-
SO DESPROVIDO. (...) A extinção da pessoa jurídica, por se equiparar à morte
da pessoa natural, autoriza a sucessão processual prevista no art. 110 do CPC.
Precedentes. Recurso especial não provido.” (REsp nº 2165137/SP, 3ª Turma,
Rel. MINISTRA NANCY ANDRIGHI, j. 06/11/2024).
No caso dos autos, a dissolução da sociedade empresarial ocorreu em pa-
ralelo ao trâmite da presente ação de usucapião e, ao que parece, não foi comu-
nicada ao juízo de origem. Além disso, após dissolvida, não houve a suspensão
do processo e a regular habilitação dos sócios no polo ativo.
Não obstante, à luz dos princípios da efetividade, da instrumentalidade
das formas, do aproveitamento dos atos processuais e da duração razoável deste
processo, que tramita desde 2016, não há óbice ao exame do objeto da ação,
bastando a regularização do polo ativo. Além disso, os herdeiros dos sócios
(falecidos) já estão devidamente representados nos autos, por meio de seus res-
pectivos procuradores.
Importante frisar que CAIO MARCHINI, igualmente herdeiro do sócio
Othelo Marchini Junior, compõe o polo passivo por ser o proprietário registral
do imóvel sub judice.
Dito isso, extrai-se da narrativa inicial que, em 08/05/1974, OTHELO
MARCHINI JUNIOR e DORIVAL MARTINES COLLADO (ambos já fale-
Jurisprudência - Direito Privado
cidos) constituíram a empresa TETÉ MATERIAIS PARA CONSTRUÇÃO
LTDA., tendo o sócio OTHELO integralizado as cotas sociais mediante a trans-
ferência de direitos sobre o imóvel descrito como um prédio comercial, com res-
pectivo terreno e quintal, localizado na Rua Siqueira Campos nº 369, Comarca
de Pedreira/SP, livre e desembaraçado de qualquer ônus.
Relata a inicial, ainda, que o imóvel está matriculado sob nº 24.290 do
C.R.I. local e que, perante a Municipalidade, houve o desmembramento, impli-
cando divisão em duas glebas distintas, quais sejam: (a) imóvel com área de 852
m², localizado na Rua Siqueira Campos nº 383, Centro, Pedreira/SP, inscrição
municipal n.º 01.01.037.0097.001; e (b) imóvel com área de 710m², localizado
na Rua Siqueira Campos nº 369, Centro, Pedreira/SP, inscrição municipal n.º
01.01.037.0107.00.
Prossegue, alegando que os sócios, ‘por mero lapso involuntário’ (sic),
deixaram de formalizar referido desmembramento perante o Oficial de Registro
de Imóveis da Comarca, motivo pelo qual não se procedeu à abertura de matrí-
culas para cada uma das glebas resultantes do fracionamento do imóvel, perma-
necendo, assim, inalterada a matrícula nº 24.290, constando como proprietários
a viúva de Othelo Marchini Junior, Cecília Cano Martinez Marchini e seu filho,
Caio Marchini.
No entanto, desde a constituição da sociedade, a empresa permanece se-
diada no imóvel descrito no item (a) supra, exercendo a posse ad usucapionen,
com todos os atributos que legitimam a aquisição originária da propriedade.
Assim, foi postulada a declaração de usucapião sobre o imóvel localizado na
Rua Siqueira Campos nº 369, Pedreira/SP.
Citado, CAIO MARCHINI, herdeiro de Othelo, apresentou contestação,
em que narrou a origem da sociedade, proveniente da venda de um bar. Com o
produto da venda, ambos decidiram entrar para o ramo de comércio de mate-
riais de construção e criaram a empresa, que foi instalada em parte do imóvel
de propriedade de Othelo, que era quem exercia a administração do negócio,
considerando que Dorival residia com a família em outro Estado (MG). Essa
parte do imóvel é objeto da presente ação.
No mais, refutou o pedido inicial com base na informalidade da integrali-
zação das cotas sociais, especialmente em relação ao imóvel, bem como na pos-
terior alteração contratual. Além disso, alegou que a transmissão da propriedade
do imóvel pelo sócio Othelo é posterior à constituição da sociedade e, portanto,
não poderia ter sido transferida à empresa. Por fim, ressaltou que a ocupação do
imóvel pela empresa é precária, pois sempre ocorreu por mera permissão.
Respeitado entendimento contrário, o pedido inicial é improcedente.
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De plano, consigne-se que o contrato social inicial menciona que a em-
presa foi constituída por 3 sócios, sendo OTHELO MARCHINI JUNIOR, DO-
RIVAL MARTINES COLLADO e MARIA GISELDA DE OLIVEIRA (fls.
19/22).
Jurisprudência - Direito Privado
Pois bem.
Há manifesto equívoco na intepretação, pelos apelados, da redação do
contrato social inicial, datado de 1974, no tocante ao imóvel.
Entendem os apelados que [o sócio Othelo] “ao formalizar a constituição
da empresa, textualmente declarou que integralizava as suas quotas sociais me-
diante a transferência do imóvel à sociedade” (sic) (fl. 206).
Porém, do instrumento contratual consta a seguinte redação:
OTHELO MARCHINI JUNIOR
Subscreveu e integralizou no ato, 40.000 (quarenta mil) cotas de Cr$
1,00 (hum cruzeiro) cada uma, totalizando Cr$ 40.000,00 (quarenta mil cruzei-
ros), correspondentes ao valor de um prédio comercial, com respectivo terreno
e quintal, localizado à Rua Siqueira Campos, 369 - Pedreira/SP, livre e desem-
baraçado de quaisquer ônus.
Como se vê, não consta a declaração de integralização das cotas sociais
com o imóvel nem a transferência da titularidade desse bem à empresa. E o só-
cio Othelo nem poderia assim proceder. A uma, porque a matrícula imobiliária
nº 24.290 foi extraída da matrícula nº 10.897A, de onde se verifica que a pro-
priedade foi transmitida a Cecília e Othelo por transmissão hereditária em 1981,
lembrando que a empresa foi constituída em 1974. Logo, ao contrário do que
alegam os apelados, não havia sequer “direitos de propriedade” que pudessem
ser transferidos por Othelo.
A duas, porque, a despeito da possibilidade legal de integralização do ca-
pital social por meio de bem imóvel pelo sócio, a transferência da propriedade
imobiliária somente se opera com o registro no competente Cartório de Registro
de Imóveis, o que não ocorreu na espécie. Trata-se de condição imprescindível,
sendo insuficiente a simples menção no contrato social e o respectivo arquiva-
mento perante a Junta Comercial para a transmissão da propriedade imobiliária
em nome da sociedade.
Nesse sentido:
“PROCESSUAL CIVIL E COMERCIAL. RECURSO ESPECIAL. AGRA-
VO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE EXECUÇÃO. (...) INTEGRALIZAÇÃO
DE CAPITAL. REGULARIZAÇÃO PERANTE A JUNTA COMERCIAL. AU-
SÊNCIA DE REGISTRO PERANTE O CORRESPONDENTE CARTÓRIO
DE REGISTRO DE IMÓVEIS. CONDIÇÃO LEGAL INTRANSPONÍVEL
PARA A TRANSFERÊNCIA DE PROPRIEDADE ENTRE VIVOS. NEGATI-
VA DE INCORPORAÇÃO DOS IMÓVEIS AO PATRIMÔNIO DA SOCIEDADE
EMPRESARIAL. PRECEDENTES DE DISTINTOS ÓRGÃOS JULGADORES
DESTA CORTE SUPERIOR. RECURSO ESPECIAL NÃO PROVIDO.” (REsp
nº 2153168/MT, Rel. MINISTRO MOURA RIBEIRO, j. 05/09/2024) (g/n)
Logo, o que se divisa, em verdade, é que ao ingressar na sociedade com
Jurisprudência - Direito Privado
Dorival, Othelo integralizou como capital social - informalmente - idêntico va-
lor em correspondência ao imóvel, para que servisse de sede ao estabelecimento
comercial.
Tanto que o documento copiado a fls. 170/172, assinado pelos sócios -
também informalmente -, trata de alteração contratual, em que a sócia MARIA
GISELDA se retira da sociedade.
Pelo art. 4º desse instrumento, observa-se a seguinte redação:
“O capital social, inteiramente subscrito e integralizado é do valor de
Cr$ 120.000,00 (cento e vinte mil cruzeiros) dividido em 120.000 (cento e vinte
mil) cotas, do valor de Cr$ 1,00 (um cruzeiro) cada uma.
§1º Para a formação do capital social, contribuíram os sócios, na
seguinte proporção:
Othelo Marchini Junior
Subscreve e integraliza em dinheiro, neste ato, 20.000 (vinte mil) cotas,
no valor de Cr$ 20.000,00 (vinte mil cruzeiros).
Capital de acordo com o contrato anterior - Cr$ 40.000,00 (quarenta mil
cruzeiros).
Total do capital: 60.000 (sessenta mil) cotas, no valor de Cr$ 60.000,00
(sessenta mil cruzeiros).”
Não há, como se vê, menção à integralização do capital social com bem
imóvel. Nessa linha, os elementos acima são mais do que suficientes para afas-
tar, repita-se, a alegação inicial de que o sócio Othelo transferiu a propriedade
do imóvel para a empresa.
Não bastasse, para além da infundada alegação de que houve a transferên-
cia da propriedade mediante a integralização do capital social, a causa de pedir
se funda na posse mansa, ininterrupta e com animus domini, o que autorizaria,
então, a prescrição aquisitiva.
Por essa razão, a instrução probatória apenas se limitou à prova dos requi-
sitos da usucapião, nos exatos termos da decisão saneadora de fl. 297.
Todavia, à exceção da incontroversa posse contínua, não há respaldo para
reconhecer a usucapião, por falta dos demais requisitos necessários para tanto.
Isto porque restou evidenciada a precariedade da posse, que era exercida
pela empresa no imóvel de propriedade de um dos sócios, e que serviu de sede
enquanto desenvolvia a sua atividade-fim. Essa circunstância não configura pos-
se com ânimo de dono.
Tanto é que, em 2009, foi celebrado um acordo entre os herdeiros de
Othelo (Cecília e Caio), em que estes transferiram a direção e o gerenciamento
da empresa, com exclusividade ao sócio Dorival. Nesse instrumento, constou
que “2) a área a ser utilizada pelo estabelecimento acima identificado é de
710m² (setecentos e dez metros quadrados)” (fls. 32/33).
Ora, se o imóvel, de fato e de direito, pertencesse à empresa, não haveria
necessidade de que, em 2009, por meio de acordo, os sócios tivessem mencio-
Jurisprudência - Direito Privado
nado a “utilização” da área pela loja de materiais de construção, já que ali ela
estava estabelecida desde a sua constituição, em 1974.
Significa dizer que Cecília e Caio, então proprietários tabulares do imóvel
(após o falecimento de Othelo), apenas ratificaram nesse acordo com Dorival, a
permissão para a permanência da loja de materiais de construção naquele local.
Além disso, tanto o sócio Dorival (e seus herdeiros, que ora compõem o
polo ativo), sabiam que o imóvel era de propriedade de Othelo e de sua esposa,
e que fora partilhado nos autos do arrolamento, com a regular transferência da
titularidade perante o C.R.I. competente.
Destarte, se a prova documental não teve o condão de afastar a precarie-
dade da posse, a prova oral também não favoreceu aos apelados.
Em audiência, a testemunha Ricardo Gasparini disse que fazia a con-
tabilidade da empresa e alegou que esteve sediada no imóvel da Rua Siqueira
Campos, 369, desde a constituição (min 1:07). E mesmo sem sequer ter sido
questionado, afirmou espontaneamente que o imóvel foi integralizado no capital
(min 1:19). Além disso, em um primeiro momento, disse que o arquivamento
do contrato social na Junta Comercial é suficiente para considerar transmitida a
propriedade do imóvel para a empresa (min 3:08). Ao final, alegou não ter co-
nhecimento se é necessário o registro do contrato social no Cartório de Registro
de Imóveis para validar a situação do imóvel integralizado (min 8:47).
Por seu turno, Gerônimo Valdir Cabreli, ouvido como informante, confir-
mou que a empresa sempre esteve sediada no mesmo local. Questionado, disse
que ‘pressupunha’ que o imóvel era da empresa, mas não tinha certeza (min
13:30).
As demais testemunhas ouvidas também se limitaram a confirmar que a
empresa era sediada naquele mesmo endereço, o que, repita-se, sempre foi fato
incontroverso nos autos.
Diante desse quadro, há elementos suficientes para reconhecer que o imó-
vel sub judice foi utilizado pela empresa com a permissão de seus titulares de
domínio, até a sua dissolução. Assim, a precariedade da posse afasta o animus
domini para a declaração de usucapião postulada.
Em conclusão, reforma-se a r. sentença para julgar improcedente o pedido
inicial. Pela sucumbência na demanda, deverão os autores arcar com as custas
processuais e com os honorários advocatícios, ora arbitrados em 15% sobre o
valor atualizado da causa.
Do exposto, pelo meu voto, dou provimento ao recurso.