APELAçãO – DIREITO PENAL. APELAÇÃO CRI- MINAL. CALÚNIA. INCOMPETÊNCIA DO TRI- BUNAL DE JUSTIÇA PARA JULGAMENTO DOS RECURSOS. I. Caso em Exame: 1. Apelações inter- postas por Youssef Abou Chahin e Camilo Cristo- faro Martins Junior contra sentença que condenou Camilo à pena de detenção por calúnia, substituída por prestação pecuniária. Youssef busca agravamen- to da pena, o reconhecimento da intempestividade e deserção do recurso de apelo de Camilo, enquanto o querelado (Camilo) pleiteia o reconhecimento da prescrição e atipicidade da conduta. II. Questão em Discussão: 2. A questão em discussão consiste em (i) a competência do Juizado Especial Criminal para pro- cessar e julgar a queixa-crime, e (ii) a competência do Tribunal de Justiça para conhecer dos recursos de apelação. III. Razões de Decidir: 3. A competência para processamento da queixa-crime é fixada a partir da peça acusatória, considerando a exposição fática e a capitulação jurídica. 4. A competência dos Juiza- dos Especiais Criminais se cinge às infrações penais de menor potencial ofensivo, cuja pena máxima não seja superior a dois anos. 5. A tramitação do processo no Juizado Especial Criminal não trouxe prejuízo às partes, não havendo insurgência contra a irregula- ridade. 6. Incidência do princípio pas de nulité sans grief, insculpido no art. 563 do CPP, aliado aos prin- cípios da celeridade e economia processual, justificam a ratificação da competência do Juizado Especial Cri- minal. IV. Dispositivo e Tese: 5. Ratifica-se a compe- tência do Juizado Especial Criminal do Foro Central da Barra Funda para processar e julgar a queixa-cri- me, reconhecendo-se a incompetência do Tribunal de Justiça para conhecer dos apelos e determinando-se a remessa dos autos ao Colégio Recursal dos Juizados Especiais. Tese de julgamento: 1. A competência do órgão jurisdicional é fixada a partir da queixa-crime. 2. A tramitação no Juizado Especial Criminal não 555 causou prejuízo às partes. Legislação Citada: Código Penal, art. 138, art. 141, inciso III, art. 70, art. 107, inciso IV, art. 61. Lei nº 9.099/1995, art. 89, art. 61. Jurisprudência - Seção de Direito Criminal Constituição Federal, art. 29, inciso VIII. Código de Processo Penal, art. 386, inciso III, art. 395, inciso III, art. 563, art. 564, I. Jurisprudência Citada: STJ, Ag.Rg. no EREsp nº 1.943.559/PR, Rel. Min. Ricardo Villa Bôas Cuevas, Corte Especial, j. 21.08.2024. STJ, Ag.Rg. na RvCr nº 5.770/SP, Rel. Min. Ribeiro Dan- tas, Terceira Seção, DJe 15.08.2022. STJ, Ag.Rg. no HC nº 863.837/PR, Rel. Min. Ribeiro Dantas, Quinta Turma, DJe 15.09.2024.(TJSP; Processo nº 1000798-61.2018.8.26.0050; Recurso: Apelação; Relator: CARLA RAHAL; Data do Julgamento: 29 de abril de 2025)
, em 11ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça
de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Ratificaram, excepcionalmente, a
competência do Juizado Especial Criminal do Foro Central da Barra Funda, que
processou e julgou a presente queixa-crime, reconhecendo-se, ex-officio, a in-
competência deste Egr. Tribunal de Justiça para conhecer dos apelos e julgá-los,
determinando-se a remessa dos autos ao Colégio Recursal dos Juizados Espe-
ciais para o processamento dos recursos de apelação. V.U.”, de conformidade
com o voto do Relator(a), que integra este acórdão. (Voto nº 623)
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores XAVIER
DE SOUZA (Presidente sem voto), GUILHERME G. STRENGER e ALEXAN-
DRE ALMEIDA.
São Paulo, 29 de abril de 2025.
CARLA RAHAL, Relatora
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EMENTA: DIREITO PENAL. APELAÇÃO CRI-
MINAL. CALÚNIA. INCOMPETÊNCIA DO TRI-
BUNAL DE JUSTIÇA PARA JULGAMENTO DOS
RECURSOS. I. Caso em Exame: 1. Apelações inter-
postas por Youssef Abou Chahin e Camilo Cristo-
faro Martins Junior contra sentença que condenou
Camilo à pena de detenção por calúnia, substituída
por prestação pecuniária. Youssef busca agravamen-
to da pena, o reconhecimento da intempestividade e
deserção do recurso de apelo de Camilo, enquanto
o querelado (Camilo) pleiteia o reconhecimento da
prescrição e atipicidade da conduta. II. Questão em
Discussão: 2. A questão em discussão consiste em (i) a
competência do Juizado Especial Criminal para pro-
cessar e julgar a queixa-crime, e (ii) a competência
do Tribunal de Justiça para conhecer dos recursos
de apelação. III. Razões de Decidir: 3. A competência
para processamento da queixa-crime é fixada a partir
da peça acusatória, considerando a exposição fática
e a capitulação jurídica. 4. A competência dos Juiza-
dos Especiais Criminais se cinge às infrações penais
de menor potencial ofensivo, cuja pena máxima não
seja superior a dois anos. 5. A tramitação do processo
no Juizado Especial Criminal não trouxe prejuízo às
partes, não havendo insurgência contra a irregula-
ridade. 6. Incidência do princípio pas de nulité sans
grief, insculpido no art. 563 do CPP, aliado aos prin-
cípios da celeridade e economia processual, justificam
a ratificação da competência do Juizado Especial Cri-
minal. IV. Dispositivo e Tese: 5. Ratifica-se a compe-
tência do Juizado Especial Criminal do Foro Central
da Barra Funda para processar e julgar a queixa-cri-
me, reconhecendo-se a incompetência do Tribunal de
Justiça para conhecer dos apelos e determinando-se a
remessa dos autos ao Colégio Recursal dos Juizados
Especiais. Tese de julgamento: 1. A competência do
órgão jurisdicional é fixada a partir da queixa-crime.
2. A tramitação no Juizado Especial Criminal não
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causou prejuízo às partes. Legislação Citada: Código
Penal, art. 138, art. 141, inciso III, art. 70, art. 107,
inciso IV, art. 61. Lei nº 9.099/1995, art. 89, art. 61.
Jurisprudência - Seção de Direito Criminal
Constituição Federal, art. 29, inciso VIII. Código de
Processo Penal, art. 386, inciso III, art. 395, inciso
III, art. 563, art. 564, I. Jurisprudência Citada: STJ,
Ag.Rg. no EREsp nº 1.943.559/PR, Rel. Min. Ricardo
Villa Bôas Cuevas, Corte Especial, j. 21.08.2024. STJ,
Ag.Rg. na RvCr nº 5.770/SP, Rel. Min. Ribeiro Dan-
tas, Terceira Seção, DJe 15.08.2022. STJ, Ag.Rg. no
HC nº 863.837/PR, Rel. Min. Ribeiro Dantas, Quinta
Turma, DJe 15.09.2024.
VOTO
Vistos.
Cuida-se de apelações interpostas por Youssef Abou Chahin e Camilo
Cristofaro Martins Junior , contra a r. sentença lançada às fls. 570/576 dos autos
digitais, publicada em 2 de abril de 2024 (fl. 582), que condenou Camilo à pena
de 8 (oito) meses de detenção em regime inicial aberto, substituída a pena pri-
vativa de liberdade por prestação pecuniária de dez salários-mínimos, mais 13
(treze) dias-multa no piso legal, por incurso no art. 138, c.c. o art. 141, inciso III,
ambos do Código Penal, por fatos ocorridos em 18 de abril de 2018, concedido
o direito de recurso em liberdade.
Inconformados, recorrem os apelantes, postulando:
Youssef Abou Chahin, (i) preliminarmente argui a intempestividade e
deserção do recurso de apelo de Camilo e, (ii) no mérito , o agravamento da
pena com a exasperação da pena-base nos termos do art. 59 do Código Penal,
haja vista as circunstâncias judiciais negativas de Camilo, cuja personalidade é
inclinada à violação da lei, vez que ele voltou a delinquir no curso da suspen-
são condicional do processo, praticando crimes de calúnia, injúria, difamação e
ameaça (fls. 404/405), o que ensejou a revogação de tal benefício nos termos do
art. 89 da Lei nº 9.099/1995 (fls. 599/605).
Camilo Cristofaro Martins Junior, o reconhecimento da (i) tempestivida-
de do presente recurso; (ii) prescrição da pretensão punitiva estatal, na moda-
lidade retroativa, com base no art. 107, inciso IV, do Código Penal e no art. 61
do Código Penal; e (iii) atipicidade de conduta, absolvendo-o nos termos do art.
386, inciso III, do Código de Processo Penal (fls. 678/686).
Constam as contrarrazões (fls. 691/702 e 707/721) e o parecer da douta
Procuradoria Geral de Justiça, que opina pelo provimento do recurso do apelan-
te Camilo, para o fim de absolvê-lo com fulcro no art. 386, inciso III, do Código
de Processo Penal, ficando prejudicada a análise do recurso do apelante Youssef
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(fls. 735/739).
Há expressa oposição ao julgamento virtual, pois o Defensor do apelante
Jurisprudência - Seção de Direito Criminal Youssef, o advogado Dr. Celso Vilardi - OAB/SP nº 120.797, pretende sustentar
a tese defensiva oralmente, requerendo, por isso, seja previamente intimado da
data de julgamento do recurso (fl. 770).
É o relatório.
Depreende-se dos autos que o querelante Youssef, atualmente delegado
aposentado da Polícia Civil do Estado de São Paulo, apresentou queixa-crime
contra o querelado Camilo, vereador da Câmara Municipal da Capital pelo PSB
à época dos fatos, dando-o como incurso no art. 138, caput, nos termos do art.
70, ambos do Código Penal, em virtude de fato ocorrido em 18 de abril de 2018.
Consta da peça acusatória que Camilo no exercício de sua vereança, calu-
niou Youssef durante expediente da 101ª Sessão Ordinária da Câmara Municipal
de São Paulo/SP, afirmando que, de acordo com uma matéria ventilada no jor-
nal, Youssef teria (i) ordenado que uma seccional arrecadasse R$ 2.000,000,00
(dois milhões de reais) por mês, em tese, imputando à vítima a suposta prática
do crime de corrupção passiva previsto no art. 317 do Código Penal; e (ii) doado
um imóvel de sua propriedade para servir de diretório estadual ao partido políti-
co PSDB, em troca de sua nomeação para o cargo de Delegado Geral da Polícia
Civil do Estado de São Paulo, praticando, em princípio, o crime de corrupção
ativa disposto no art. 333 do Código Penal (fls. 1/21).
A queixa-crime foi apresentada à justiça comum, sendo distribuída ao r.
Juízo de Direito da 28ª Vara Criminal da Capital.
Ao apreciar a petição da queixa-crime, o Ministério Público manifestou-
se pela sua rejeição (fls. 76/96), sobrevindo, então, a r. decisão de fls. 102/103
que a rejeitou nos termos do art. 395, inciso III, do Código Penal, porquanto o
apelante Camilo, vereador à época dos fatos, estava protegido pela imunidade
material concedida pelo art. 29, inciso VIII, da Constituição Federal, segundo o
qual é garantida a “inviolabilidade dos Vereadores por suas, opiniões, palavras
e votos no exercício do mandato e na circunscrição do Município”, sendo, por-
tanto, atípica a sua conduta.
Na sequência, esta colenda 11ª Câmara de Direito Criminal deu provi-
mento ao recurso em sentido estrito nº 1000798-61.2018.8.26.0550, interposto
por Youssef contra a r. decisão de rejeição da queixa-crime (fls. 113/138), pro-
ferindo o v. Acórdão que recebeu a peça acusatória e determinou o prossegui-
mento do feito (fls. 210/214), publicado em 19/2/2020 (fl. 215). O trânsito em
julgado para as partes ocorreu em 5/3/2020 (fl. 219), sendo o r. Juízo da 28ª Vara
Criminal comunicado da decisão do julgamento (fl. 222).
O citado juízo determinou, então, o cumprimento do v. Acórdão bem
como a redistribuição dos autos para o JECRIM - Juizado Especial Criminal (fl.
(fl. 223), que recebeu o processo, abrindo vista ao Ministério Público (fl. 238).
Por sua vez, o Parquet consignou que Youssef (querelante) ajuizou quei-
xa-crime contra Camilo (querelado), imputando-lhe a prática do crime de calú-
nia, previsto no art. 138 do Código Penal (fl. 240).
Jurisprudência - Seção de Direito Criminal
O feito, então, seguiu regular processamento perante o Juizado Especial
Criminal, sendo realizada em 26/4/2021 a audiência preliminar para a tentativa
de conciliação e composição civil entre as partes, que restou infrutífera, sendo
certo que Camilo recusou a transação penal ofertada pelo Ministério Público (fl.
277).
Realizada a instrução processual, a pedido de Camilo (fls. 323/326), sem
oposição de Youssef (fl. 331) e com parecer favorável do Ministério Público (fl.
335), houve a suspensão condicional do processo por dois anos, nos termos do
art. 89 da Lei nº 9.099/1995, com as condições previstas no § 1º, incisos II a IV,
do citado artigo (fls. 349/350).
Sucede que, ante a notícia de que Camilo estava sendo processado por
outro crime, sobreveio em 5/9/2023 a revogação obrigatória de tal benefício
nos termos do art. 89, § 4º, da Lei nº 9.099/1995 (fl. 413) e a retomada do feito
na audiência de instrução e julgamento realizada em 12 de dezembro de 2023,
ocasião em que houve a ratificação do recebimento da queixa-crime bem como
foram ouvidas duas testemunhas (fls. 475/476). Posteriormente, na audiência de
continuação realizada em 7 de março de 2024, colheram-se a oitiva de outras
duas testemunhas bem como o interrogatório do apelante Camilo, sendo en-
cerrada a instrução criminal e concedido prazo sucessivo de cinco dias para as
partes e o Ministério Público apresentarem memoriais (fls. 501/502).
Após a apresentação de alegações finais (fls. 505/520, 536/556, 565/569),
sobreveio a r. sentença que condenou Camilo como incurso no art. 138, c.c. o
art. 141, inciso III, ambos do Código Penal (fls. 570/576).
Inconformados, Youssef e Camilo apelaram.
Apresentadas razões e contrarrazões recursais (fls. 599/605 e 678/686;
fls. 691/702 e 707/721), bem como a manifestação do Ministério Público de
Primeiro Grau (fls. 725/728), a douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo
provimento do recurso do apelante Camilo para absolvê-lo com fulcro no art.
386, inciso III, do Código de Processo Penal, com prejuízo do exame do recurso
do apelante Youssef (fls. 735/739), sendo os autos encaminhados ao Colégio
Recursal dos Juizados Especiais da Capital.
Contudo, o Colégio Recursal dos Juizados Especiais da Capital não co-
nheceu dos recursos, declarando-se, de ofício, incompetente para apreciá-los
e julgá-los, determinando a remessa dos autos a essa Colenda 11ª Câmara de
Direito Criminal, porquanto preventa para decidir a questão (fls. 743/750).
E assiste razão à Turma julgadora do Colégio Recursal.
Não se olvida que a competência para o processamento de denúncia ou
queixa-crime é fixada a partir da peça acusatória, considerando a exposição fá-
558
tica e a capitulação jurídica nelas contidas, não sendo admitida a alteração dos
fatos ou da respectiva imputação.
Jurisprudência - Seção de Direito Criminal Daí que o exame em abstrato da imputação feita ao querelado deve levar
em conta somente os termos da queixa-crime, não se admitindo, para a fixação
de competência do órgão jurisdicional, interpretação ampliativa ou restritiva dos
fatos ali relatados e da capitulação jurídica descrita.
Outrossim, é consabido que a competência dos Juizados Especiais Crimi-
nais se cinge às infrações penais de menor potencial ofensivo, cuja pena máxima
não seja superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa, submetidos ou
não a procedimento especial, conforme disposto no art. 61 da Lei nº 9.099/1995.
Também não há dúvida de que, na hipótese de concurso de crimes, a di-
retriz jurisprudencial é no sentido de que devem ser consideradas as causas de
aumento de pena indicadas na queixa-crime para fins de delimitação da compe-
tência do Juizado Especial Criminal.
Assim, considerando-se que a competência do órgão jurisdicional é fixa-
da a partir da queixa-crime, tem-se que a soma da pena máxima em abstrato de
2 (dois) anos cominada ao delito de calúnia (CP, art. 138, caput), mais o acrés-
cimo da metade em virtude da fração máxima de aumento pelo concurso formal
(CP, art. 70), ultrapassa o limite de 2 (dois) anos previsto no artigo 61 da Lei nº
9.099/1995, o que em princípio afastaria a competência do JECRIM - Juizado
Especial Criminal.
Ocorre que ao determinar o cumprimento do v. Acórdão proferido no re-
curso em sentido estrito nº 1000798-61.2018.8.26.0050, que recebeu a queixa-
crime e determinou o prosseguimento do feito (fls. 210/214), por óbvio perante
a 28ª Vara Criminal, o r. Juízo, contrariando a decisão, determinou a redistri-
buição dos autos ao Juizado Especial Criminal por entender que se tratava a
hipótese de crime de menor potencial ofensivo, conforme o art. 61 da Lei nº Lei
nº 9.099/1995.
Apesar de Youssef (querelante) ter requerido a reconsideração do referido
decisum de fl. 223, sustentando a existência da prática de dois crimes de calúnia,
em concurso formal, firmando-se a competência do r. Juízo da 28ª Vara Criminal
da Capital (fls. 224/228), o Ministério Público entendeu que a competência para
o regular prosseguimento do feito era mesmo a do JECRIM - Juizado Especial
Criminal, deixando registrado que embora a fala de Camilo (querelante) tivesse
se desdobrado, “aparentemente, em duas imputações, houve apenas um su-
posto delito de calúnia, proferido em um único discurso na Câmara de Verea-
dores desta Capital e constante da mesma ata de sessão plenária respectiva,
o que afasta a tese de concurso de crimes, a atrair a regra do cúmulo material
das penas ou da continuidade delitiva, previstos nos artigos 70 e 71 do Código
Penal”. Ressaltou ainda que o v. Acórdão proferido no aludido recurso em sen-
tido estrito nº 1000798-61.2018.8.26.0550 (fls. 210/214) singularizou os fatos,
de forma a afastar a tese de concurso de crimes (fls. 232/235).
Na sequência, acolhendo o parecer ministerial de fls. 232/235 e adotan-
do-o como razão de decidir, reiterou o decisum de fl. 223, assim ratificando a
competência do JECRIM - Juizado Especial Criminal para o processamento e
Jurisprudência - Seção de Direito Criminal
julgamento do processo (fl. 236).
Cabe destacar que contra a r. decisão de fl. 236, que firmou a competência
do JECRIM - Juizado Especial para o processamento e julgamento do processo,
os apelantes Youssef e Camilo não se insurgiram em grau de recurso
Com efeito, em relação à incompetência do Juizado Especial para pro-
cessar a presente queixa-crime, ainda que insuscetível de preclusão a matéria de
ordem pública, posto de cognoscível de ofício a qualquer momento, o vício não
foi arguido durante a instrução criminal ou em razões de apelação.
Demais disso, como pode se observar, a tramitação do processo prosse-
guiu de forma regular, respeitando os ditames legais, sobretudo a ampla defesa
e o contraditório, a saber: (i) realização de audiência preliminar para a tentativa
de conciliação e composição civil entre as partes (fl. 277); (ii) suspensão condi-
cional do processo por dois anos, nos termos do art. 89 da Lei nº 9.099/1995 (fls.
349/350); (iii) superveniência de decisão judicial determinando que se aguar-
dasse o decurso do prazo do sursis processual, consignado, contudo, que tanto a
obrigação de fazer quanto a prestação pecuniária foram cumpridas pelo quere-
lado (fl. 398); (iv) revogação obrigatória da suspensão condicional do processo
nos termos do art. 89, § 4º, da Lei nº 9.099/1995 (fl. 413); (v) retomada do feito,
audiência de instrução e julgamento, e encerramento da instrução processual,
sendo concedido prazo para as partes apresentarem memoriais (fl. 501/502); (vi)
as partes apresentaram as alegações finais (fls. 505/520, 536/556, 565/569) e,
posteriormente, recorreram da r. sentença (fls. 599/605 e 678/686; fls. 691/702
e 707/721).
Nesse contexto, forçoso reconhecer que, embora passível de nulidade ab-
soluta pela incompetência do juízo (art. 564, I, CPP), têm-se que, em circuns-
tâncias como a que ora se apresentam, não há espaço para se declarar a nulidade
do feito.
Isso porque, no campo das nulidades, vige o princípio pas de nulité sans
grief, insculpido no art. 563 do Código de Processo Penal, dispondo in verbis
que: “Nenhum ato será considerado nulo se a nulidade não causar prejuízo à
acusação ou à defesa”.
E sobre o tema, o Colendo Superior Tribunal de Justiça assim já se pro-
nunciou:
“AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM
RECURSO ESPECIAL. HARMONIA ENTRE O ACÓRDÃO EMBAR-
GADO E A JUSRIPRUDÊNCIA DESTA CORTE. SÚMULA Nº 168/STJ.
NULIDADE ABSOLUTA. PRECLUSÃO. INOVAÇÃO RECURSAL. NÃO
CABIMENTO. NULIDADE ABSOLUTA. PREJUÍZO. DEMONSTRAÇÃO
NECESSIDADE. (...) 2. A jurisprudência de ambas as Turmas da Terceira
560
Seção do Superior Tribunal de Justiça é firme no sentido de que mesmo
as nulidades denominadas absolutas devem ser arguidas em momento
Jurisprudência - Seção de Direito Criminal oportuno, sujeitando-se à preclusão temporal. (...) 4. As nulidades abso-
lutas, no processo penal, exigem a demonstração do efetivo prejuízo. 5.
Agravo regimental não provido”. (Ag.Rg. no EREspnº 1.943.559/PR, Rel.
Min. Ricardo Villa Bôas Cuevas. Corte Especial, julg., em 21/8/2024, DJe
26/8/2024).
“PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM REVISÃO CRIMI-
NAL. ART. 621, I, DO CPP. HIPÓTESES DE CABIMENTO. TAXATIVIDA-
DE. LEI 13.431/17. OBSERVÂNCIA SISTEMA ACUSATÓRIO. PRECLU-
SÃO. VIOLAÇÃO DO DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO E DA SÚMULA
7/STJ. NÃO OCORRÊNCIA. REVALORAÇÃO DOS FATOS. REVISÃO
CRIMINAL INDEFERIDA LIMINARMENTE. AGRAVO DESPROVIDO,
(...) 3. A jurisprudência, tanto deste Superior Tribunal de Justiça quanto
do Supremo Tribunal Federal, “em respeito à segurança jurídica e a leal-
dade processual, tem se orientado no sentido de que mesmo as nulida-
des denominadas absolutas também devem ser arguidas em momento
oportuno, sujeitando-se à preclusão temporal” (Ag.Rg. no HC nº 527.449/
PR, Rel. Min. JOEL ILAN PACIORNIK, Quinta Turma, julg. em 27/8/2019,
DJe 5/9/2019). (...) 5. Agravo desprovido”. (Ag.Rg. na RvCr nº 5.770/SP,
Rel. Min. Ribeiro Dantas, Terceira Seção, DJe 15/8/2022).
“AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALI-
FICADO. REVISÃO CRIMINAL. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO DA PRO-
NÚNCIA. ALEGADA NULIDADE. PRECLUSÃO TEMPORAL. ART. 563
DO CPP. PRINCÍPIO DO PAS NULITTÉ SANS GRIEF. AUSÊNCIA DE
COMPROVAÇÃO DO PREJUÍZO. 1. A jurisprudência desse Superior
Tribunal de Justiça entende que em respeito à segurança jurídica e a
lealdade processual, tem se orientado no sentido de que mesmo as nu-
lidades denominadas absolutas também devem ser arguidas em mo-
mento oportuno, sujeitando-se à preclusão. 2. No campo das nulidades
no processo penal, seja relativa ou absoluta, o art. 563 do CPP institui
conhecido princípio pas de nullité sans grief, segundo o qual o reconhe-
cimento da nulidade exige a comprovação do efetivo prejuízo, o que não
ocorreu na espécie, na medida em que a defesa apenas alega, generica-
mente, possível prejuízo advindo da condenação criminal. (...) 5. Agravo
regimental desprovido” (Ag.Rg. no HC nº 863.837/PR, Rel. Min. Ribeiro
Dantas, Quinta Turma, DJe 15/9/2024).
“AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE
REVISÃO CRIMINAL. HOMICÍDIOS QUALIFICADOS. ALEGAÇÕES DE
DIVERSAS DE NULIDADE DA SESSÃO PLENÁRIA. EFETIVO PRE-
JUÍZO NÃO DEMONSTRADO. PAS DE NULITTÉ SANS GRIEF. ART.
563 DO CPP. BENEFÍCIO PELA PRÓPRIA TORPEZA. VEDAÇÃO. ART.
565 DO CPP. EVENTUAIS VÍCIOS PROCESSUAIS NÃO SUCITADOS
NO MOMENTO OPORTUNO. PRECLUSÃO. PEDIDO DE AFASTA-
MENTO DAS QUALIFICADORAS. NECESSIDADE DE REVOLVIMEN-
TO FÁTICO-PROBATÓRIO. PROVIDÊNCIA INVIÁVEL NA VIA ELEITA.
RECONHECIMENTO DO CONCURSO FORMAL DE CRIMES E DA
ATENUANTE DA CONFISSÃO ESPONTÂNEA. SUPRESSÃO DE INS-
Jurisprudência - Seção de Direito Criminal
TÂNCIA. AUSÊNCIA DE FLAGRANTE CONSTANGIMENTO ILEGAL.
AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. Como é
de conhecimento, a jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça é
uníssona no sentido de que, tanto nos casos de nulidade relativa como
nos casos de nulidade absoluta, somente se reconhece o vício que en-
seje a anulação de ato processual a partir da efetiva demonstração de
prejuízo, à luz do art. 563 do Código de Processo Penal - CPP (pas de
nullité sans grief) (Ag.Rg. no REsp nº 1.959.061/SP, relator Ministro Joel
Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 13/5/2024, DJe de 15/5/2024).
(...) 3. Ora, admitir a nulidade sem nenhum critério de avaliação, mas
apenas por simples presunção de ofensa aos princípios constitucionais,
é permitir o uso do devido processo legal como mero artifício ou manobra
de defesa e não como aplicação do justo a cada caso, distanciando-se o
direito do seu uso ideal, qual seja, a aplicação da justiça (HC nº 117.952/
PB, Relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Quinta Turma, julga-
do em 27/05/2010, DJe 28/06.2010). (...) 8. Agravo regimental a que se
nega provimento. (Ag.Rg. no HC nº 863.837/PR, Rel. Min. Ribeiro Dan-
tas, Quinta Turma, DJe 15/9/2024).
Como se vê, de acordo com entendimento do Colendo Superior Tribunal
de Justiça, o reconhecimento de nulidade no processo penal exige a comprova-
ção do efetivo prejuízo suportado pelo réu à luz do art. 563, do Código de Pro-
cesso Penal e, ainda que denominada absoluta a nulidade, a sua arguição deve
ser feita em momento oportuno, sujeitando-se à preclusão, desde que não incida
prejuízo à defesa e acusação.
No caso, em que pese a queixa-crime ter sido processada perante o JE-
CRIM - Juizado Especial Criminal, cumpre registrar que durante todo o curso
do processo os apelantes Youssef (querelante) e Camilo (querelado), não se in-
surgiram, mediante via recursal, contra isso, de onde pode se concluir que o
fato de o feito ter sido processado e julgado pelo JECRIM não trouxe qualquer
prejuízo a eles.
Outrossim, não se pode perder de vista que, no Direito Penal, os princí-
pios da celeridade e da economia processual são essenciais para garantir a justi-
ça e a eficiência do sistema, já que eles visam, respectivamente, buscar a rápida
tramitação do processo e evitar desperdícios com a otimização dos recursos.
Daí que, nesse contexto, não parece razoável reconhecer a nulidade do
processo em apreço e declará-lo nulo ab initio se, após criteriosa análise dos au-
tos, concluiu-se que o devido processo legal foi observado, não houve prejuízo
às partes, e elas não se insurgiram contra a irregularidade, ao menos em grau de
recurso, de modo que o retorno dos autos à Primeira Instância para o refazimen-
to da instrução processual e do julgamento, revela-se desnecessário.
Não há dúvida de que tal raciocínio também se harmoniza com os citados
princípios da celeridade e economia processual.
Jurisprudência - Seção de Direito Criminal Portanto, a melhor solução para a hipótese os autos é, de forma excep-
cional, ratificar a competência do Juizado Especial Criminal do Foro Central
da Barra Funda, que processou e julgou a queixa-crime cadastrada sob o nº
1000798-61.2018.8.26.0050, reconhecendo como válidos os atos praticados du-
rante a tramitação do processo até a prolação da r. sentença.
Com o novo cenário delineado nos autos, inevitável o reconhecimento, de
ofício, da incompetência deste Egr. Tribunal de Justiça para conhecer dos apelos
e julgá-los, sendo de rigor a remessa dos autos ao Colégio Recursal dos Juizados
Especiais para o processamento dos recursos.
Ante o exposto, ratifica-se, excepcionalmente, a competência do Juizado
Especial Criminal do Foro Central da Barra Funda, que processou e julgou a
presente queixa-crime, reconhecendo-se, ex-officio, a incompetência deste Egr.
Tribunal de Justiça para conhecer dos apelos e julgá-los, determinando-se a re-
messa dos autos ao Colégio Recursal dos Juizados Especiais para o processa-
mento dos recursos de apelação.