Decisão 1001293-42.2018.8.26.0071

Processo: 1001293-42.2018.8.26.0071

Recurso: Apelação

Relator: CÉSAR PEIXOTO

Câmara julgadora:

Data do julgamento: 13 de maio de 2025

Ementa Técnica

APELAçãO – Ação cominatória visando à realização de procedimento cirúrgico sem transfusão de sangue homólogo/hemocomponentes, por convicção religio- sa - Fratura do colo do fêmur direito - Artroplastia total primária do quadril não cimentada - Paciente à época com 81 anos de idade - Improcedência em primeiro grau - Negativa de provimento à apelação - Interposição de recurso extraordinário - Determi- nação de reexame da matéria para eventual juízo de retratação, na forma do art. 1.030, II, do Código de Processo Civil, em razão do julgamento proferido no Recurso Extraordinário n. 1212272/AL, Tema 1069 do Supremo Tribunal Federal - Ausência de anuência da equipe médica com a realização nos termos plei- teados pela paciente - Licitude da negativa, de acordo 165 com o julgado no Tema 1069 do Supremo Tribunal Federal - Sentença mantida - Recurso não provido - Manutenção da decisão colegiada. Jurisprudência - Direito Privado(TJSP; Processo nº 1001293-42.2018.8.26.0071; Recurso: Apelação; Relator: CÉSAR PEIXOTO; Data do Julgamento: 13 de maio de 2025)

Voto / Fundamentação

, em sessão telepresencial/presencial da 9ª Câmara de Di- reito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento ao recurso. V.U.”, de conformidade com o voto do Rela- tor, que integra este acórdão. (Voto nº 32.944) O julgamento teve a participação dos Desembargadores DANIELA CILENTO MORSELLO (Presidente) e WILSON LISBOA RIBEIRO. São Paulo, 13 de maio de 2025. CÉSAR PEIXOTO, Relator


Ementa: Ação cominatória visando à realização de procedimento cirúrgico sem transfusão de sangue homólogo/hemocomponentes, por convicção religio- sa - Fratura do colo do fêmur direito - Artroplastia total primária do quadril não cimentada - Paciente à época com 81 anos de idade - Improcedência em primeiro grau - Negativa de provimento à apelação - Interposição de recurso extraordinário - Determi- nação de reexame da matéria para eventual juízo de retratação, na forma do art. 1.030, II, do Código de Processo Civil, em razão do julgamento proferido no Recurso Extraordinário n. 1212272/AL, Tema 1069 do Supremo Tribunal Federal - Ausência de anuência da equipe médica com a realização nos termos plei- teados pela paciente - Licitude da negativa, de acordo 165 com o julgado no Tema 1069 do Supremo Tribunal Federal - Sentença mantida - Recurso não provido - Manutenção da decisão colegiada. Jurisprudência - Direito Privado





VOTO

Apelação manejada contra sentença que julgou improcedente a ação co- minatória visando à realização do procedimento cirúrgico de artroplastia total primária do quadril não cimentada sem a possibilidade de transfusão de sangue homólogo/hemocomponentes, por convicção religiosa, revogando a tutela an- teriormente concedida, impondo à vencida o reembolso das despesas com o processo e os honorários advocatícios fixados em R$ 1.000,00, objetivando, em síntese, o reexame e a reversão do julgado com fundamento, em resumo, (i) na ilicitude da negativa tendo em vista trata-se de procedimento já incorporado ao Sistema Único de Saúde - SUS e (ii) requerendo a conversão em perdas e danos ante a realização do procedimento em outro nosocômio. Tempestivo, isento de preparo, respondido, sobreveio acórdão negando provimento ao recurso interposto, págs. 468/476 e 606/613, oportunidade em que foi interposto recurso extraordinário, págs. 482/496, sendo determinada a reapreciação da matéria sob eventual juízo da retratação, por força do art. 1.030, II, do Código de Processo Civil, diante da tese fixada pelo Supremo Tribunal Fe- deral no julgamento do Recurso Extraordinário n. 1212272/AL, págs. 672/674. Na espécie o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Ex- traordinário n. 1212272/AL (Tema 1069), submetido à sistemática da repercus- são geral, fixou as seguintes teses: 1. É permitido ao paciente, no gozo ple- no de sua capacidade civil, a recusa, por motivos religiosos, de submeter-se a tratamento de saúde. A recusa, por razões religiosas, a tratamento de saúde é condicionada à decisão inequívoca, livre, informada e esclarecida do paciente, inclusive, quando veiculada por meio de diretivas antecipadas de vontade. 2. É possível a realização de procedimento médico, disponibilizado a todos pelo sis- tema público de saúde, com a interdição da realização de transfusão sanguínea ou outra medida excepcional, caso haja viabilidade técnico-científica de suces- so, anuência da equipe médica com a sua realização e decisão inequívoca, livre, informada e esclarecida do paciente. Deste modo, em que pese tratar-se de paciente que já atingiu a maiori- dade civil, à época com 81 anos de idade, no gozo pleno de sua capacidade civil, devidamente esclarecida quanto à sua patologia, conduta cirúrgica, riscos e possíveis complicações, manifestando expressamente sua recusa à realização de transfusão de hemocomponentes por convicção religiosa, foi lícita a negativa da ré em decorrência da discordância da equipe médica responsável pela reali- zação do procedimento aos termos propostos pela autora, especialmente diante das particularidades do pós-operatório e intraoperatório para o quadro clínico da requerente - fratura de fêmur, págs. 16/17 e 299/302, em conformidade com o julgado no Tema 1069 do Supremo Tribunal Federal: Direito constitucional. Recurso extraordinário submetido à sistemática da reper- cussão geral. Tema 1.069. Direito de recusa à transfusão de sangue. Liberdade Jurisprudência - Direito Privado religiosa e autodeterminação. Pessoa adulta e capaz. Ausência de impacto na es- fera jurídica de terceiros. Recurso extraordinário julgado prejudicado. I. Caso em exame 1. Trata-se de recurso extraordinário interposto contra acórdão da Turma Recursal da Seção Judiciária de Alagoas, que negou provimento a recurso e, em consequência, manteve decisão que impediu o paciente, testemunha de Jeová, a submeter-se a procedimento cirúrgico sem a obrigatoriedade de assinatura de termo de consentimento para eventual realização de transfusão de sangue. II. Questão em discussão 2. A questão em discussão consiste em examinar a pos- sibilidade de paciente submeter-se a tratamento médico disponível na rede pú- blica sem a necessidade de assinatura de termo de consentimento para eventual realização de transfusão de sangue, em respeito a sua convicção religiosa. III. Razões de decidir 3. Uma vez reconhecido que a liberdade religiosa protege o agir de acordo com a própria fé e que a autodeterminação permite aos indivíduos dirigirem a própria vida, tomando desde as decisões mais elementares às mais fundamentais, o Estado deve assegurar às testemunhas de Jeová adultas, cons- cientes e informadas o direito de não se submeterem a transfusões de sangue, desde que isso não afete o direito de terceiros. 4. A autodeterminação e a liberda- de de crença, quando houver manifestação livre, consciente e informada de pes- soa capaz civilmente em sentido contrário à submissão a tratamento, impedem a atuação forçada dos profissionais de saúde envolvidos, ainda que presente risco iminente de morte do paciente. 5. A atuação médica em respeito à legítima opção realizada pelo paciente não pode ser caracterizada, a priori, como uma conduta criminosa, tampouco há que se falar em responsabilidade civil do Estado ou do agente responsável em razão de danos sofridos pela ausência de emprego de meios não aceitos pelo paciente. IV. Dispositivo e tese 6. Recurso extraordinário julgado prejudicado. Teses de julgamento: “1. É permitido ao paciente, no gozo pleno de sua capacidade civil, a recusa, por motivos religiosos, de submeter-se a tratamento de saúde. A recusa, por razões religiosas, a tratamento de saúde é condicionada à decisão inequívoca, livre, informada e esclarecida do paciente, inclusive, quando veiculada por meio de diretivas antecipadas de vontade. 2. É possível a realização de procedimento médico, disponibilizado a todos pelo sis- tema público de saúde, com a interdição da realização de transfusão sanguínea ou outra medida excepcional, caso haja viabilidade técnico-científica de sucesso, anuência da equipe médica com a sua realização e decisão inequívoca, livre, informada e esclarecida do paciente. (STF - RE 1212272, Tema de Repercussão Geral 1069, Rel. Ministro GILMAR MENDES, j. em 25/09/24, DJe 26/11/24). Do exposto, pelo meu voto, declaro a manutenção da decisão colegiada, negando provimento ao recurso.