APELAçãO – Ação cominatória visando à realização de procedimento cirúrgico sem transfusão de sangue homólogo/hemocomponentes, por convicção religio- sa - Fratura do colo do fêmur direito - Artroplastia total primária do quadril não cimentada - Paciente à época com 81 anos de idade - Improcedência em primeiro grau - Negativa de provimento à apelação - Interposição de recurso extraordinário - Determi- nação de reexame da matéria para eventual juízo de retratação, na forma do art. 1.030, II, do Código de Processo Civil, em razão do julgamento proferido no Recurso Extraordinário n. 1212272/AL, Tema 1069 do Supremo Tribunal Federal - Ausência de anuência da equipe médica com a realização nos termos plei- teados pela paciente - Licitude da negativa, de acordo 165 com o julgado no Tema 1069 do Supremo Tribunal Federal - Sentença mantida - Recurso não provido - Manutenção da decisão colegiada. Jurisprudência - Direito Privado(TJSP; Processo nº 1001293-42.2018.8.26.0071; Recurso: Apelação; Relator: CÉSAR PEIXOTO; Data do Julgamento: 13 de maio de 2025)
, em sessão telepresencial/presencial da 9ª Câmara de Di-
reito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão:
“Negaram provimento ao recurso. V.U.”, de conformidade com o voto do Rela-
tor, que integra este acórdão. (Voto nº 32.944)
O julgamento teve a participação dos Desembargadores DANIELA
CILENTO MORSELLO (Presidente) e WILSON LISBOA RIBEIRO.
São Paulo, 13 de maio de 2025.
CÉSAR PEIXOTO, Relator
Ementa: Ação cominatória visando à realização de
procedimento cirúrgico sem transfusão de sangue
homólogo/hemocomponentes, por convicção religio-
sa - Fratura do colo do fêmur direito - Artroplastia
total primária do quadril não cimentada - Paciente
à época com 81 anos de idade - Improcedência em
primeiro grau - Negativa de provimento à apelação
- Interposição de recurso extraordinário - Determi-
nação de reexame da matéria para eventual juízo de
retratação, na forma do art. 1.030, II, do Código de
Processo Civil, em razão do julgamento proferido no
Recurso Extraordinário n. 1212272/AL, Tema 1069
do Supremo Tribunal Federal - Ausência de anuência
da equipe médica com a realização nos termos plei-
teados pela paciente - Licitude da negativa, de acordo
165
com o julgado no Tema 1069 do Supremo Tribunal
Federal - Sentença mantida - Recurso não provido -
Manutenção da decisão colegiada.
Jurisprudência - Direito Privado
VOTO
Apelação manejada contra sentença que julgou improcedente a ação co-
minatória visando à realização do procedimento cirúrgico de artroplastia total
primária do quadril não cimentada sem a possibilidade de transfusão de sangue
homólogo/hemocomponentes, por convicção religiosa, revogando a tutela an-
teriormente concedida, impondo à vencida o reembolso das despesas com o
processo e os honorários advocatícios fixados em R$ 1.000,00, objetivando, em
síntese, o reexame e a reversão do julgado com fundamento, em resumo, (i) na
ilicitude da negativa tendo em vista trata-se de procedimento já incorporado ao
Sistema Único de Saúde - SUS e (ii) requerendo a conversão em perdas e danos
ante a realização do procedimento em outro nosocômio.
Tempestivo, isento de preparo, respondido, sobreveio acórdão negando
provimento ao recurso interposto, págs. 468/476 e 606/613, oportunidade em
que foi interposto recurso extraordinário, págs. 482/496, sendo determinada a
reapreciação da matéria sob eventual juízo da retratação, por força do art. 1.030,
II, do Código de Processo Civil, diante da tese fixada pelo Supremo Tribunal Fe-
deral no julgamento do Recurso Extraordinário n. 1212272/AL, págs. 672/674.
Na espécie o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Ex-
traordinário n. 1212272/AL (Tema 1069), submetido à sistemática da repercus-
são geral, fixou as seguintes teses: 1. É permitido ao paciente, no gozo ple-
no de sua capacidade civil, a recusa, por motivos religiosos, de submeter-se a
tratamento de saúde. A recusa, por razões religiosas, a tratamento de saúde é
condicionada à decisão inequívoca, livre, informada e esclarecida do paciente,
inclusive, quando veiculada por meio de diretivas antecipadas de vontade. 2. É
possível a realização de procedimento médico, disponibilizado a todos pelo sis-
tema público de saúde, com a interdição da realização de transfusão sanguínea
ou outra medida excepcional, caso haja viabilidade técnico-científica de suces-
so, anuência da equipe médica com a sua realização e decisão inequívoca, livre,
informada e esclarecida do paciente.
Deste modo, em que pese tratar-se de paciente que já atingiu a maiori-
dade civil, à época com 81 anos de idade, no gozo pleno de sua capacidade
civil, devidamente esclarecida quanto à sua patologia, conduta cirúrgica, riscos
e possíveis complicações, manifestando expressamente sua recusa à realização
de transfusão de hemocomponentes por convicção religiosa, foi lícita a negativa
da ré em decorrência da discordância da equipe médica responsável pela reali-
zação do procedimento aos termos propostos pela autora, especialmente diante
das particularidades do pós-operatório e intraoperatório para o quadro clínico da
requerente - fratura de fêmur, págs. 16/17 e 299/302, em conformidade com o
julgado no Tema 1069 do Supremo Tribunal Federal:
Direito constitucional. Recurso extraordinário submetido à sistemática da reper-
cussão geral. Tema 1.069. Direito de recusa à transfusão de sangue. Liberdade
Jurisprudência - Direito Privado
religiosa e autodeterminação. Pessoa adulta e capaz. Ausência de impacto na es-
fera jurídica de terceiros. Recurso extraordinário julgado prejudicado. I. Caso em
exame 1. Trata-se de recurso extraordinário interposto contra acórdão da Turma
Recursal da Seção Judiciária de Alagoas, que negou provimento a recurso e, em
consequência, manteve decisão que impediu o paciente, testemunha de Jeová,
a submeter-se a procedimento cirúrgico sem a obrigatoriedade de assinatura de
termo de consentimento para eventual realização de transfusão de sangue. II.
Questão em discussão 2. A questão em discussão consiste em examinar a pos-
sibilidade de paciente submeter-se a tratamento médico disponível na rede pú-
blica sem a necessidade de assinatura de termo de consentimento para eventual
realização de transfusão de sangue, em respeito a sua convicção religiosa. III.
Razões de decidir 3. Uma vez reconhecido que a liberdade religiosa protege o
agir de acordo com a própria fé e que a autodeterminação permite aos indivíduos
dirigirem a própria vida, tomando desde as decisões mais elementares às mais
fundamentais, o Estado deve assegurar às testemunhas de Jeová adultas, cons-
cientes e informadas o direito de não se submeterem a transfusões de sangue,
desde que isso não afete o direito de terceiros. 4. A autodeterminação e a liberda-
de de crença, quando houver manifestação livre, consciente e informada de pes-
soa capaz civilmente em sentido contrário à submissão a tratamento, impedem a
atuação forçada dos profissionais de saúde envolvidos, ainda que presente risco
iminente de morte do paciente. 5. A atuação médica em respeito à legítima opção
realizada pelo paciente não pode ser caracterizada, a priori, como uma conduta
criminosa, tampouco há que se falar em responsabilidade civil do Estado ou do
agente responsável em razão de danos sofridos pela ausência de emprego de
meios não aceitos pelo paciente. IV. Dispositivo e tese 6. Recurso extraordinário
julgado prejudicado. Teses de julgamento: “1. É permitido ao paciente, no gozo
pleno de sua capacidade civil, a recusa, por motivos religiosos, de submeter-se
a tratamento de saúde. A recusa, por razões religiosas, a tratamento de saúde é
condicionada à decisão inequívoca, livre, informada e esclarecida do paciente,
inclusive, quando veiculada por meio de diretivas antecipadas de vontade. 2. É
possível a realização de procedimento médico, disponibilizado a todos pelo sis-
tema público de saúde, com a interdição da realização de transfusão sanguínea
ou outra medida excepcional, caso haja viabilidade técnico-científica de sucesso,
anuência da equipe médica com a sua realização e decisão inequívoca, livre,
informada e esclarecida do paciente. (STF - RE 1212272, Tema de Repercussão
Geral 1069, Rel. Ministro GILMAR MENDES, j. em 25/09/24, DJe 26/11/24).
Do exposto, pelo meu voto, declaro a manutenção da decisão colegiada,
negando provimento ao recurso.