APELAçãO – DIREITOS CIVIL E PROCESSUAL CIVIL - CARTÃO DE CRÉDITO - Ação de reparação de danos - Sentença de extinção do processo, sem resolu- ção do mérito, por ilegitimidade passiva Ação impug- nando estorno de vendas (chargeback) - Legitimidade 141 passiva da ré Visa, como empresa titular da bandeira do cartão, não configurada - Precedentes - Sentença extintiva mantida - Recurso desprovido, e majorados Jurisprudência - Direito Privado os honorários advocatícios (NCPC, art. 85, § 11).(TJSP; Processo nº 1002073-31.2024.8.26.0116; Recurso: Apelação; Relator: JOSÉ WAGNER DE OLIVEIRA MELATTO PEIXOTO; Data do Julgamento: 9 de maio de 2025)
, em sessão permanente e virtual da 37ª Câmara de Direito
Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Nega-
ram provimento ao recurso. V.U.”, de conformidade com o voto do Relator, que
integra este acórdão. (Voto nº 32.185)
O julgamento teve a participação dos Desembargadores AFONSO CEL-
SO DA SILVA (Presidente) e SERGIO DA COSTA LEITE.
São Paulo, 9 de maio de 2025.
JOSÉ WAGNER DE OLIVEIRA MELATTO PEIXOTO, Relator
Ementa: DIREITOS CIVIL E PROCESSUAL CIVIL
- CARTÃO DE CRÉDITO - Ação de reparação de
danos - Sentença de extinção do processo, sem resolu-
ção do mérito, por ilegitimidade passiva Ação impug-
nando estorno de vendas (chargeback) - Legitimidade
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passiva da ré Visa, como empresa titular da bandeira
do cartão, não configurada - Precedentes - Sentença
extintiva mantida - Recurso desprovido, e majorados
Jurisprudência - Direito Privado
os honorários advocatícios (NCPC, art. 85, § 11).
VOTO
Trata-se de recurso de apelação interposto contra a r. sentença proferi-
da em 08/01/2025 (fls. 125/129), e decisão de rejeição dos declaratórios (fls.
138/140), de relatório adotado, que julgou extinto o processo, sem resolução do
mérito, por ilegitimidade passiva, nos termos do NCPC, art. 485, VI, e conde-
nou a autora ao pagamento dos consectários sucumbenciais e honorários advo-
catícios fixados em valor correspondente a 10% do valor da causa.
Apelo da autora (fls. 143/155) alegando, em síntese, que a legitimidade
passiva da ré reside no fato de que é ela responsável por gerir a rede de cartões
de crédito como meio de pagamento, intermediando as transações financeiras,
devendo assumir os riscos de sua atividade econômica, bem como minimizar os
riscos de fraudes, sendo certo que sua responsabilidade é objetiva e solidária,
nos termos do CDC. Pede provimento para modificação da sentença.
Contrarrazões às fls. 161/169.
É o relatório.
Recurso conhecido. Presentes os pressupostos de admissibilidade recur-
sal. Partes legítimas e regularmente representadas. A apelação, interposta em
20/02/2025, é tempestiva e preparada (fls. 156/157).
A sentença esta proferida com a fundamentação que segue copiada: “(...)
Fundamento e DECIDO. Inicialmente, ACOLHO a preliminar de ilegitimida-
de passiva arguida pela requerida. O mercado de cartões é composto por di-
ferentes participantes, cada qual com funções específicas. A administradora,
responsável pela relação com o portador do cartão, realiza atividades como
habilitação, autorização de pagamentos e gerenciamento de limites de crédito.
Já o credenciador, como a VISA, atua exclusivamente no credenciamento de
estabelecimentos comerciais para aceitar cartões de determinadas bandeiras,
além de realizar a liquidação dos valores das transações, descontados os en-
cargos contratuais. Assim, a responsabilidade pelo ato de autorização do pa-
gamento, ponto central do litígio, não recai sobre a VISA, uma vez que esta não
desempenha as funções atribuídas à administradora, não possuindo, portanto,
legitimidade para figurar no polo passivo da presente demanda. Nesse sentido,
a jurisprudência: (...) Reconhecida a ilegitimidade, não há de se falar em co-
nexão com o feito 1002495-06.2024.8.26.0116, posteriormente distribuído, eis
que este se encontra apto a receber um decisão de extinção sem resolução do
mérito (...)”.
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No caso dos autos, a legitimidade ou não da apelada para responder aos
termos da ação não comporta análise a luz das regras do CDC, pois a apelante é
pessoa jurídica que utiliza os serviços de cartão de crédito no fomento de suas
atividades, cujo desiderato societário é o lucro, obstando enquadramento na fi-
Jurisprudência - Direito Privado
gura de consumidor a teor da teoria finalista que informa o CDC, Lei número
8.078/1990, artigo 2º.
Quem emite e administra cartão de crédito ou de débito ou múltiplo são
bancos e empresas autorizadas a cujo contrato adere o titular que recebe o “plás-
tico” com a bandeira ou logomarca, no caso Visa, para que seja utilizado como
meio de pagamento das transações efetuadas nos estabelecimentos afiliados.
Compete, ainda, a referidas pessoas jurídicas enviar a fatura mensal para pa-
gamento, na qual estão descritos os débitos e créditos das transações, taxas de
juros, tarifas, tributos, limites de crédito e demais encargos de financiamento,
bem como promover a cobrança junto ao titular em caso da falta de pagamento.
A apelada VISA somente autoriza utilização da marca de que é titular por
parte do emissor e administrador do cartão de crédito em cumprimento a contra-
to de concessão de licença de uso.
Inexiste, portanto, relação jurídica entre titular do cartão e a empresa ape-
lada, que figura apenas como mera titular da marca/bandeira do cartão de cré-
dito fornecido e administrado pelos autorizados, sendo todos, portanto, pessoas
jurídicas distintas e que não se confundem, e também não comportam confusão
a vista do instituto da “cadeia de fornecimento”, que não é infinita, mas finita,
configurada apenas de relação de interdependência, razões pelas quais é mesmo
a recorrida parte passiva ilegítima para responder por danos que a apelante pos-
sa ter suportado em decorrência dos fatos narrados.
Nesse sentido:
“APELAÇÃO - AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER COM PEDIDOS
DE REPARAÇÃO POR DANOS MATERIAL E MORAL - SENTENÇA
DE PARCIAL PROCEDÊNCIA - RECURSO CHARGEBACK - CDC
INAPLICÁVEL - ILEGITIMIDADE PASSIVA DA BANDEIRA DO
CARTÃO - CONTESTAÇÃO DE COMPRAS ENCAMINHADA AO
EMISSOR OU AO INTERMEDIADOR - NENHUMA INGERÊNCIA
NO NEGÓCIO JURÍDICO - RECURSO PROVIDO” (TJSP, 14ª Câmara
de Direito Privado, Apelação nº 1012213-06.2022.8.26.0566, Rel. Des.
Carlos Abrão, j. 01/07/2024).
“*LEGITIMIDADE “AD CAUSAM” - Polo passivo - Titular da ban-
deira do cartão de crédito utilizado na transação objeto de “chargeback”
(VISA DO BRASIL EMPREENDIMENTOS LTDA.) - Corré que não
é a responsável pelo repasse ou pela retenção de quaisquer valores aos
estabelecimentos comerciais mediante a alegação de fraude, tampouco
pelo cancelamento ou estorno de transações de pagamentos - Legitimida-
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de passiva do afastada - Extinção do feito sem apreciação do mérito Art.
485, IV, do CPC. RESPONSABILIDADE CIVIL - Transação realizada
em cartão de crédito contestada pelo comprador - Pretensão da autora de
Jurisprudência - Direito Privado
recebimento dos valores referentes aos créditos de sua venda - Reten-
ção das quantias em razão de “chargeback” - Abusividade da cláusula
contratual que possibilita a retenção de quantias oriundas de transações
comerciais após terem sido efetivamente aprovadas pela operadora - Ris-
co que não pode ser repassado ao vendedor - Teoria do risco profissional
- Impossibilidade de a corré ASAAS GESTÃO FINANCEIRAS/A atri-
buir esse ônus ao seu cliente e se eximir da responsabilidade em relação
ao serviço fornecido de forma defeituosa. SENTENÇA REFORMADA -
AÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE - RECURSO PROVIDO EM
PARTE.*” (TJSP, 13ª Câmara de Direito Privado, Apelação nº 1017752-56.2022.8.26.0564, Rel. Des. Heraldo de Oliveira, j. 02/08/2023).
Nessa quadra, o recurso é desprovido, seguindo mantida a sentença de
extinção também por seus próprios e jurídicos fundamentos.
E, por oferecidas contrarrazões, majoro os honorários para 15% (NCPC,
art. 85, §11).
Anoto ainda entendimento pacífico de que o órgão julgador não está obri-
gado a citar todos os artigos de lei ordinária, infraconstitucional, ou da Consti-
tuição Federal para fins de prequestionamento, no que se consideram automati-
camente prequestionadas todas as disposições legais discutidas nos autos.
Na temática o Colendo Superior Tribunal de Justiça estabelece que: “São
numerosos os precedentes nesta Corte que tem por ocorrente o prequestiona-
mento mesmo não constando do corpo do acórdão impugnado a referência ao
número e à letra da norma legal, desde que a tese jurídica tenha sido debatida
a apreciada” (Rec. Esp. 94.852, SP, Rel. Min. Fontes de Alencar, DJ 13.09.99,
pg.1088).
Diante do exposto, pelo meu voto, nego provimento ao recurso, e majo-
ro os honorários advocatícios (NCPC, art. 85, §11).