APELAçãO – Apelação - Ação declaratória de nulidade Jurisprudência - Direito Privado de negócio jurídico c.c. indenizatória por danos ma- teriais e morais - Contratos bancários de emprésti- mo consignado em benefício previdenciário - Autor aposentado por invalidez (esquizofrenia) - Parte não interditada judicialmente - Vícios da relação negocial não demonstrados - Autor que se beneficiou dos ne- gócios jurídicos reputados como inválidos - Ausência de ato ilícito passível de ressarcimento ou reparação - Improcedência da ação que se impunha - Recurso desprovido - Sentença mantida.(TJSP; Processo nº 1002674-96.2024.8.26.0452; Recurso: Apelação; Relator: ADEMIR BENEDITO; Data do Julgamento: 24 de abril de 2025)
, em sessão permanente e virtual da 21ª Câmara de Direito
Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Nega-
ram provimento ao recurso. V.U.”, de conformidade com o voto do Relator, que
integra este acórdão. (Voto nº 56.164)
O julgamento teve a participação dos Desembargadores PAULO ALCI-
DES (Presidente) e MIGUEL PETRONI NETO.
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São Paulo, 24 de abril de 2025.
ADEMIR BENEDITO, Relator
Ementa: Apelação - Ação declaratória de nulidade
Jurisprudência - Direito Privado
de negócio jurídico c.c. indenizatória por danos ma-
teriais e morais - Contratos bancários de emprésti-
mo consignado em benefício previdenciário - Autor
aposentado por invalidez (esquizofrenia) - Parte não
interditada judicialmente - Vícios da relação negocial
não demonstrados - Autor que se beneficiou dos ne-
gócios jurídicos reputados como inválidos - Ausência
de ato ilícito passível de ressarcimento ou reparação
- Improcedência da ação que se impunha - Recurso
desprovido - Sentença mantida.
VOTO
Trata-se de ação de nulidade de negócio jurídico c.c. indenizatória por
danos materiais e morais, fundada em contratos bancários de empréstimo con-
signado em benefício previdenciário do autor, aposentado por invalidez, objeti-
vando a nulidade dos negócios jurídicos por ser o tomador do crédito portador
de transtorno mental (esquizofrenia).
Pela r. sentença de fls. 330/334, cujo relatório se adota, o feito foi julgado
improcedente, condenado o autor ao pagamento de honorários advocatícios em
favor do advogado da parte adversa, fixados esses em 10% sobre o valor atuali-
zado da causa, observada a gratuidade processual.
Inconformado, apela o requerente (fls. 345/352). Em apertada síntese,
alega que é portador de transtorno mental grave, esquizofrenia residual (CID 10
F20.5), estando em acompanhamento psiquiátrico há mais de vinte (20) anos, e
que, embora não seja interditado, não tem condições psíquicas para os atos da
vida civil (CC, art. 166, I). Diz que o banco réu, mesmo ciente da vulnerabili-
dade do autor, celebrou com ele 4 (quatro) contratos de empréstimo consigna-
do, a saber, nºs 370537236-9, 364295507-8, 355014622-3, e 764294647-4, esse
último na modalidade reserva de cartão consignado, empréstimos que reputa
celebrados de forma fraudulenta, prevalecendo-se o réu de sua frágil condição
de saúde. Invoca o art. 39, IV, do CDC. Defende que, até por essa razão, foi plei-
teada a realização da perícia, então indeferida em primeiro grau. Insiste que não
tem condições psíquicas de anuir a qualquer empréstimo bancário, o que torna
nulos os contratos e indevidas as cobranças de parte do apelado. Ressalta que,
mesmo sem interdição, já era incapaz ao tempo do negócio. Cita precedentes.
Pede provimento ao recurso, para a total procedência da demanda.
Recurso tempestivo, isento de preparo, com contrarrazões (fls. 356/362).
É o relatório.
A parte autora, aposentada pelo INSS, sustenta que celebrou 4 contratos
de empréstimo consignado em benefício previdenciário que reputa nulos, dada
Jurisprudência - Direito Privado
sua condição de portador de transtorno mental, esquizofrenia (CID 10 F20.5),
condição que lhe acomete há 20 anos, estando em tratamento médico psiquiá-
trico contínuo.
A ausência de capacidade civil ao tempo da celebração do negócio ju-
rídico que reputa inválido, decorrente de doença mental, somente poderia ser
usada como fundamento para o pedido inicial se existente prova cabal, segura e
completa da insanidade do agente ao tempo do negócio jurídico celebrado atra-
vés da respectiva declaração de interdição. Caso contrário, prevalece o contrato
celebrado, com terceiro de boa-fé, já que a capacidade civil é presumida.
Se não há, ao menos, processo em curso de interdição, com curador pro-
visório nomeado, não há falar-se em incapacidade da parte. O agente não é
interditado, nem o foi provisoriamente.
Ao tempo da celebração dos 4 (quatro) contratos bancários de emprésti-
mo consignados com o réu, só agora apontados como irregulares, não há como
se presumir incapacidade civil do contratante, absoluta ou relativa, já que disso
não há prova robusta.
Nesse ponto, o negócio entabulado pelas partes obedece aos ditames do
artigo 104 do CC/02.
Veja-se que, há tempos, o entendimento da jurisprudência caminha nesse
sentido:
“Ação de rescisão contratual c/c tutela antecipada - Tutela antecipada
indeferida ante a ausência de verossimilhança das alegações e prova inequívo-
ca - Alegação de que o autor estava mentalmente incapacitado para realizar o
negócio jurídico (compra e venda com financiamento bancário), tendo a co-ré
vendedora agido de má-fé - Narração dos fatos que não condiz com a afirmação
de vício no negócio, pois o autor demonstrou conhecer os defeitos da coisa ao
comprá-la - Necessidade de prova robusta a comprovar o dano ao consumidor -
Indeferimento da liminar mantido - Agravo de instrumento não provido.” (TJSP
- AI nº 1143592001 - São Vicente - Rel. Des. Romeu Ricupero - 36ª Câm. Dir.
Privado - j. 31.01.2008).
“ANULATÓRIA DE ATOS JURÍDICOS C.C. REPARAÇÃO DE DANOS
- Ausência de prova do fato constitutivo do direito - Alegada incapacidade ci-
vil do co-autor não demonstrada - Desatendida a exigência da prova a que
se refere o artigo 333, I, do CPC - Quadro de depressão (comprovado apenas
documentalmente e por testemunhas, ausente prova pericial) que não remete a
incapacidade do autor para a prática de tais atos - Alegada anomalia psíquica
à época da realização dos negócios, não comprovada - Instrumentos de dação
em pagamento e escritura de confissão de dívida com garantia hipotecária, que
atenderam o consentimento voluntário das partes contratantes Inteligência dos
artigos 85 e 145, J, do Código Civil de 1916 (vigente à data dos fatos) - Tran-
sações que não ocorreram por valores abaixo do mercado - Autores que já so-
friam diversas execuções e as dívidas foram atualizadas - Transações que con-
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taram com a expressa anuência da esposa do autor e também sócia da empresa
(ambas também autoras da presente ação) - Filho do casal presente na ocasião
da lavratura das escrituras - Improcedência corretamente decretada - Sentença
mantida - Recurso improvido.” (TJSP - AP nº 504.198.4/1-00 - Santos - Rel.
Des. Sales Rossi - 8ª Câm. Dir. Privado - j. 28.07.2007).
Pretende-se, com a presente ação, além da declaração da nulidade dos
contratos bancários, o ressarcimento por prejuízos materiais e a reparação por
danos morais sofridos em decorrência dos empréstimos consignados, já que o
tomador do crédito não possuía capacidade civil à época da avença em razão de
doença mental, não sendo válido o consentimento manifestado.
Entretanto, essa alegação não o socorre, já que “a mera existência de
diagnóstico clínico de esquizofrenia residual, sem elementos probatórios que
evidenciem comprometimento concreto do discernimento no momento da assi-
natura dos contratos, não é suficiente para configurar vício de consentimento
ou nulidade do negócio jurídico.”, cf. sentença, fls. 332, entendimento que ora
se ratifica.
Inclusive porque, com o devido respeito e acatamento às alegações do
autor, não se trata de condição de saúde aferível de pronto, instantaneamente.
E o fato de os contratos serem eletrônicos acresce à essa convicção, já que o
contratante conseguiu cumprir os passos para a efetiva formalização do negó-
cio à distância, a eles anuindo, o que faz presumir seu consentimento já que a
realização e finalização dessas operações, no formato digital, demanda maior
esforço da parte.
Outrossim, não se pode deixar de considerar, como o fez o MM. Juízo
apelado em sua decisão, que houve o aproveitamento dos contratos em favor
do apelante, que se beneficiou dos créditos que lhe foram disponibilizados pelo
banco.
Bem assim, ante a não demonstração da existência de ato ilícito, negli-
gência ou imprudência do apelado, tampouco de prejuízo material ou ocorrência
de dano moral passível de reparação, impossível sua condenação ao pagamento
de indenização.
A ação, portanto, é improcedente.
Pelo exposto, nega-se provimento ao recurso, majorada a honorária re-
cursal para 15% sobre o mesmo patamar fixado em primeiro grau, sempre ob-
servada a gratuidade processual já deferida ao autor.