APELAçãO – APELAÇÃO CÍVEL. Embargos de Terceiro - Penhora de Imóvel - Cessão de direitos contratuais não registrada e sem anuência do credor fiduciário - Insurgência que não prospera - Preliminares - Ilegi- timidade ativa “ad causam” - Não verificação - Atri- 168 buição indevida da posição no polo ativo ao credor fiduciário - Lide que versa sobre a posse do bem, e não propriedade - Pertinência subjetiva adequada entre a titularidade da pretensão e o pedido realizado, ao Jurisprudência - Direito Privado menos em abstrato - Inépcia da Inicial - Inocorrên- cia - Peça processual que preenche adequadamente os requisitos legais - Eventual insuficiência probatória que é matéria ligada ao mérito - Impugnação do va- lor dado à causa - Oposição apresentada em momen- to processual inoportuno - Mérito - Cessão do bem comprovadamente realizada antes do ajuizamento da Ação Executiva - Aplicabilidade da Súmula nº 84, do E. STJ, em relação a compromisso de compra e ven- da, em interpretação extensiva - Cessão formalizada em conjunto com Procuração Pública para tal fim - Má-fé dos adquirentes não comprovada - Inviabili- dade de exigir precaução dos compradores diante da ausência de qualquer registro público sobre a dívida da Executada Cedente junto à matricula do Imóvel - Questões ligadas à anuência do Agente Fiduciário em relação à cessão realizada que se mostram irre- levantes em face da defesa da posse pelos Autores - Provas de pagamento dos custos de manutenção do bem analisadas em conjunto com o amplo arcabouço probatório constituído pelos Autores a demonstrarem a posse e uso do Imóvel - Sentença mantida. Ratifica- ção, nos termos do artigo 252, do Regimento Interno. RECURSO NÃO PROVIDO.(TJSP; Apelação 1002813-05.2016.8.26.0266; Relator: PENNA MACHADO; Órgão Julgador: Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça; Data do Julgamento: 16 de julho de 2025)
, em 14ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça
de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento ao recurso.
V.U. Sustentou oralmente, o Dr. Eduardo Santos Cruz”, de conformidade com o
voto da Relatora, que integra este acórdão. (Voto nº 29.676)
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores CAR-
LOS ABRÃO (Presidente sem voto), CÉSAR ZALAF e THIAGO DE SIQUEI-
RA.
São Paulo, 16 de julho de 2025.
PENNA MACHADO, Relatora
Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. Embargos de Terceiro
- Penhora de Imóvel - Cessão de direitos contratuais
não registrada e sem anuência do credor fiduciário -
Insurgência que não prospera - Preliminares - Ilegi-
timidade ativa “ad causam” - Não verificação - Atri-
168
buição indevida da posição no polo ativo ao credor
fiduciário - Lide que versa sobre a posse do bem, e não
propriedade - Pertinência subjetiva adequada entre
a titularidade da pretensão e o pedido realizado, ao
Jurisprudência - Direito Privado
menos em abstrato - Inépcia da Inicial - Inocorrên-
cia - Peça processual que preenche adequadamente os
requisitos legais - Eventual insuficiência probatória
que é matéria ligada ao mérito - Impugnação do va-
lor dado à causa - Oposição apresentada em momen-
to processual inoportuno - Mérito - Cessão do bem
comprovadamente realizada antes do ajuizamento da
Ação Executiva - Aplicabilidade da Súmula nº 84, do
E. STJ, em relação a compromisso de compra e ven-
da, em interpretação extensiva - Cessão formalizada
em conjunto com Procuração Pública para tal fim -
Má-fé dos adquirentes não comprovada - Inviabili-
dade de exigir precaução dos compradores diante da
ausência de qualquer registro público sobre a dívida
da Executada Cedente junto à matricula do Imóvel
- Questões ligadas à anuência do Agente Fiduciário
em relação à cessão realizada que se mostram irre-
levantes em face da defesa da posse pelos Autores -
Provas de pagamento dos custos de manutenção do
bem analisadas em conjunto com o amplo arcabouço
probatório constituído pelos Autores a demonstrarem
a posse e uso do Imóvel - Sentença mantida. Ratifica-
ção, nos termos do artigo 252, do Regimento Interno.
RECURSO NÃO PROVIDO.
VOTO
Trata-se de Apelação interposta em face da r. Sentença de fls. 389/392,
cujo relatório se adota, que julgou procedentes os pedidos contidos na Ação de
“Embargos de Terceiro”, ajuizada por Ludymila Tatiana da Silva Abib de Melo
e Ricardo Alexandre Abib de Melo, em face de “Polimov Construções Ltda.”,
para reconhecer a validade da aquisição do Imóvel pelos Embargantes, determi-
nando o cancelamento de eventual constrição judicial pleiteada pela Embargada
sobre o bem objeto dos Autos, condenando a Empresa Ré ao pagamento das
custas, despesas processuais, e honorários advocatícios fixados por equidade no
valor de R$ 1.500,00 (um mil e quinhentos reais).
Primeiramente, em face da r. Sentença, foram opostos Embargos de De-
claração pela Empresa Requerida (fls. 396/400), respondidos às fls. 407/412,
os quais foram conhecidos, porém não providos, na forma da r. Decisão de fls.
416/417.
Inconformada, apela a Empresa Embargada (fls. 420/433), iniciando suas
Jurisprudência - Direito Privado
alegações com o breve retrospecto dos fatos processuais que entende relevantes,
especialmente no que se refere ao resultado do julgamento realizado.
Sequencialmente, em sede preliminar, aponta a ilegitimidade ativa dos
Embargantes, dado que a cessão da posição contratual apontada não obteve
a anuência do agente financeiro fiduciário responsável pelo financiamento do
bem, e assim, a respectiva Instituição Financeira quem deveria compor o polo
ativo da Demanda.
Ainda em sede preliminar, alega a inépcia da petição inicial, dada a parca
instrução probatória documental a compor a Exordial, atribuindo à causa valor
muito abaixo do que deveria ser fixado.
Quanto ao mérito recursal em si, destaca do efeito “inter partes” da even-
tual cessão de posição contratual, a qual não consta com a anuência do Banco
credor, tampouco foi registrado no competente Cartório de Registro de Imóveis,
requisitos que, ao seu ver, seriam imprescindíveis para prestarem legitimidade a
tal negócio jurídico, bem como sua oponibilidade a terceiros que não participa-
ram da formalização do Contrato, e a concretizar a transferência da titularidade
do Imóvel, na forma do artigo 1.245, do Código Civil Brasileiro e dos preceden-
tes que colaciona.
Segue nesta toada, repisando sucessivamente suas teses recursais, im-
pugnando a prova documental apresentada, sem que cumprisse adequadamente
com seus ônus processuais, na forma do artigo 373, inciso “I”, do Código de
Processo Civil.
Destaca a higidez de sua pretensão executiva, sendo possível o reconheci-
mento da nulidade do negócio jurídico por simulação no bojo dos Autos, na for-
ma dos precedentes que colaciona, seguida de exposição acerca dos elementos
que entende comprovadores de tal conduta entre o Cedente e os Cessionários,
especialmente diante dos protestos realizados, o que demonstra a intenção das
Partes em fraudarem os credores da Executada original.
Derradeiramente, pleiteia a inversão da condenação ao pagamento dos
ônus sucumbenciais, com a aplicação do princípio da causalidade, dado que o
ajuizamento da Ação decorreu do descumprimento da obrigação contratual dos
Autores em procederem com o registro da cessão de direitos realizada.
Por fim, requer o provimento do Recurso para a reforma da r. Sentença,
com o final reconhecimento da improcedência dos pedidos realizados.
Recurso processado regularmente, com apresentação das Contrarrazões
(fls. 437/527).
É o breve Relatório.
Cuida-se de Ação de “Embargos de Terceiro”, ajuizada por Ludymila Ta-
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tiana da Silva Abib de Melo e Ricardo Alexandre Abib de Melo, em face de
“Polimov Construções Ltda.”, na qual os Autores alegam, em apertada síntese,
serem os legítimos proprietários do Imóvel descrito na matrícula nº 231.426, do
“CRI” da Cidade de Itanhaém/SP, o qual foi objeto de penhora no Feito Exe-
Jurisprudência - Direito Privado
cutivo nº 1002813-05.2016.8.26.0266, no qual a Ré persegue débito em nome
de Daniele Ferreira Brandão, em razão da emissão de uma confissão de dívida.
Todavia, afirma que o respectivo bem se encontra alienado fiduciariamen-
te em favor da “Caixa Econômica Federal”, bem como que a Executada original
procedeu com a cessão dos direitos em seu favor, razão pela qual pugna para
que sejam reconhecidos como os legítimos possuidores e promitentes compra-
dores do Imóvel, afastando-se a constrição que recaiu sobre aquele nos Autos
principais.
Respeitadas as razões do inconformismo exaradas, o Recurso não merece
provimento.
Primeiramente, quanto à ilegitimidade ativa, notoriamente tal tese não
vinga.
E tal se dá, pois, o objeto da presente Lide é a proteção da posse do Imó-
vel, e não de sua propriedade, sendo certo que eventual pretensão da “CEF”
seria lastreada em fundamento jurídico completamente diverso, bem como e do
que consta nos Autos, aquela já se manifestou apresentando oposição ao leilão
realizado.
Desta forma, em análise abstrata da pretensão dos Autores em sua inten-
ção de protegerem a alegada posse sobre o bem e inibir a constrição realizada
sob o fundamento do Imóvel não mais compor o patrimônio da devedora origi-
nal, facilmente se observa a pertinência subjetiva entre tal pretensão e a suposta
titularidade do direito pleiteado, sendo certo que as demais questões elencadas
sobre o tema devem ser analisadas junto ao mérito da Lide, dado que relativas
a tal tópico.
Na mesma ordem de ideias, não se vê a inépcia da petição inicial, da qual
a análise da narrativa da causa de pedir leva a conclusão lógica dos pedidos rea-
lizados, com adequada instrução dos documentos essenciais para a propositura
da Demanda.
Em verdade, novamente, a Apelante questiona a força probatória dos do-
cumentos elencados, o que, como no tópico acima, se trata de matéria de mérito,
também repetida nestas alegações da Recorrente sobre o tópico, e, como tal, será
analisada naquele momento oportuno.
Sem prejuízo, eventual impugnação ao valor dado a causa deveria ser
apresentada em momento processual oportuno, o qual, certamente, não seria
em preliminar de Recurso de Apelação, sendo assim inviável seu conhecimento
nesta oportunidade.
Quanto ao mérito recursal em si, a Insurgência não deve ser provida.
Com efeito, de acordo com a Súmula nº 84, do Egrégio Superior de Jus-
tiça, se o Compromisso de Compra e Venda Particular sem registro é suficiente
a demonstrar a boa-fé dos promissários compradores, e inquinar a configuração
Jurisprudência - Direito Privado
de fraude à Execução, tal interpretação deve ser estendida com interpretação
analógica de seus termos na hipótese vertente.
E assim sendo, importante pontuar que esta Lide não debate a proprieda-
de do bem, ou a sua transferência; e assim, questões relacionadas com a alie-
nação fiduciária, a atuação do respectivo agente financeiro e o preenchimento
dos requisitos do artigo 1.245, do Código Civil Brasileiro para a formalização
da transmissão da respectiva propriedade, são matérias que não tem relevância
ou influência para o presente Julgamento, dado que o cerne da Demanda se con-
centra na proteção da posse do bem penhorado em favor dos Cessionários, bem
como que não compõem mais o patrimônio da devedora original.
Nesta senda, também irrelevante a ausência de anuência do Credor Fi-
duciário acerca da cessão de direitos realizada, dado que tal tema não pode ser
oposto pela Exequente, esta sim, Parte ilegítima a pleitear direito alheio (veda-
ção e discordância à cessão), em nome próprio.
E com base nas premissas retro, em especial a interpretação extensiva
dos termos da Súmula nº 84, do Egrégio Superior de Justiça, e do que constou
nos Autos, sem impugnação da Apelante, o Contrato de Cessão de Direitos, e a
respectiva Procuração Pública lavrada para tal fim, são datados de 01 de março
de 2.016, enquanto a Ação Executiva principal foi distribuída em 29 de junho de
2.016, ou seja, 03 (três) meses depois da formalização daquela Avença.
Frisa-se, por importante, a lavratura de Procuração Pública para tal fim,
a qual, como documento devidamente certificado e dotado de fé pública, presta
extrema verossimilhança às alegações dos Apelados, acerca da transmissão pré-
via dos direitos contratuais da Executada original em seu favor.
Logo, inexistente qualquer restrição judicial ou registro de dívida junto à
matrícula do respectivo Imóvel, com a data do Contrato anterior ao ajuizamento
da Ação, presume-se como de boa-fé tal transação, e assim, não há que se falar
em fraude à execução.
No mesmo sentido, considerando que a má-fé deve ser provada, inexis-
tem elementos nos Autos que demonstrem a intenção dos Autores em lesarem
aos credores da Executada, ou a sua ciência acerca da possibilidade de eventuais
dívidas protestadas levar a aquela à insolvência, relembrando que a comprova-
ção do “consilium fraudis” é requisito essencial para a configuração de fraude
a credores.
Inclusive, destaca-se que a presunção de má-fé somente atinge os atos de
transferência gratuita de bens entre parentes de grau próximo, o que, a princípio,
não parece ser o caso dos Autos.
Ainda nesta toada, também não há qualquer evidência de simulação na
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formalização dos respectivo Contrato, especialmente diante das presunções
prestadas pela lavratura de Procuração Pública para tal fim, sendo que, ainda
que reduzidas, as contas de consumo apresentadas são suficientes no caso em
tela a comprovarem a posse com “animus domini” dos Autores, dado que anali-
Jurisprudência - Direito Privado
sadas em caráter complementar em conjunto com o robusto conjunto probatório
produzido e já mencionado à exaustão anteriormente.
Logo, havendo efetivas provas que a transação foi realizada previamente
ao próprio ajuizamento da Ação, quanto mais à citação da própria Executada,
evidentemente, não era de se esperar que os Cessionários tivessem qualquer
espécie de conhecimento acerca das dívidas que cercam a vida comercial coti-
diana, especialmente de pessoas ligadas ao comércio, como os cedentes.
Ainda nestes termos, há diversas provas dos pagamentos realizados pe-
los adquirentes, em prova documental complementada com a colação de novos
comprovantes da mesma natureza, por diversos anos, junto às contrarrazões
apresentadas.
Desta forma, seja por qual ângulo que se analise a presente Demanda,
restando incontroverso que não houve qualquer registro prévio na matrícula do
Imóvel a demonstrar a indisponibilidade do bem anteriormente à transação im-
pugnada, bem como não comprovado qualquer indício mínimo de má-fé dos
cessionários, não há como se reconhecer a fraude à execução, ou a nulidade da
alienação realizada.
Por fim, diante da resistência da Empresa Ré, natural que esta seja con-
denada ao pagamento dos ônus sucumbenciais, sendo certo que sua tese de dis-
tribuição sob a interpretação que propõe do princípio da causalidade somente
incide quando o Exequente Embargante não oferece resistência a pretensão dos
Embargantes nesta espécie de Ação.
Sendo assim, não infirmadas as fundamentações de fato e de Direito ex-
postas pelo D. Juiz “a quo”, infundadas as razões recursais, não há nada a re-
parar na r. Sentença de Primeiro Grau acertadamente proferida, ratificando-se
seu teor, conforme os termos do artigo 252 do Regimento Interno deste Egrégio
Tribunal de Justiça.
Derradeiramente, restam as Partes devidamente advertidas nesta oportu-
nidade que caso haja a interposição de incidentes recursais despropositados e
de caráter meramente protelatório, com a mera repetição de teses recursais já
analisadas, tal poderá ensejar a aplicação das multas processuais previstas nos
artigos 80 e 1.026, §2º, do Código de Processo Civil.
De qualquer modo, para viabilizar eventual acesso às vias extraordinária
e especial, considero prequestionada toda matéria infraconstitucional e consti-
tucional, observando o pacífico entendimento do Superior Tribunal de Justiça
no sentido de que, tratando-se de prequestionamento, é desnecessária a cita-
ção numérica dos dispositivos legais, bastando que a questão posta tenha sido
decidida (AgInt no AREsp nº 888531/RS, Ministro Luís Felipe Salomão, DJ
15/03/2017).
Pelo exposto, NEGA-SE PROVIMENTO AO RECURSO, mantida
Jurisprudência - Direito Privado
na totalidade a r. Sentença proferida, majorando-se os honorários advocatícios
sucumbenciais para o valor de R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais), nos
termos do artigo 85, parágrafo 11º do Código de Processo Civil.