Decisão 1004332-44.2023.8.26.0565

Processo: 1004332-44.2023.8.26.0565

Recurso: Apelação

Relator: FÁBIO PODESTÁ

Data do julgamento: 3 de julho de 2025

Ementa Técnica

APELAçãO – AÇÃO INDENIZATÓRIA. Sentença de improcedência. Recurso dos autores. Acolhimento. Autores vítimas de fraude bancária, mediante trans- ferência de valores para terceiro desconhecido. Réu que não se desincumbiu do ônus de comprovar que a 124 operação questionada estava de acordo com o perfil de consumo dos correntistas, notadamente tratando- se de transferência de considerável valor que atingiu o limite da conta bancária de consumidores idosos. Jurisprudência - Direito Privado Fortuito interno, inerente à atividade explorada pe- los bancos. Responsabilidade civil objetiva. Inteligên- cia do art. 14 do CDC e da Súmula 479, do C. STJ. DANOS MATERIAIS. Determinação de restituição do montante transferido. DANOS MORAIS. Ocor- rência in re ipsa. Quantum indenizatório fixado R$ 10.000,00, consoante requerido na inicial. Precedente desta C. Câmara. Inovação recursal quanto ao pedido de condenação dos réus à indenização de R$ 20.000,00 (R$ 10.000,00 para cada). Não conhecimento desta parte do recurso. SENTENÇA REFORMADA. APE- LAÇÃO PROVIDA, na parte conhecida.(TJSP; Apelação 1004332-44.2023.8.26.0565; Relator: FÁBIO PODESTÁ; Data do Julgamento: 3 de julho de 2025)

Voto / Fundamentação

, em sessão permanente e virtual da 21ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “DE- RAM PROVIMENTO ao recurso, na parte conhecida V.U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. (Voto nº 40.965) O julgamento teve a participação dos Desembargadores ADEMIR BE- NEDITO (Presidente sem voto), MIGUEL PETRONI NETO e DÉCIO RO- DRIGUES. São Paulo, 3 de julho de 2025. FÁBIO PODESTÁ, Relator


Ementa: AÇÃO INDENIZATÓRIA. Sentença de improcedência. Recurso dos autores. Acolhimento. Autores vítimas de fraude bancária, mediante trans- ferência de valores para terceiro desconhecido. Réu que não se desincumbiu do ônus de comprovar que a 124 operação questionada estava de acordo com o perfil de consumo dos correntistas, notadamente tratando- se de transferência de considerável valor que atingiu o limite da conta bancária de consumidores idosos. Jurisprudência - Direito Privado Fortuito interno, inerente à atividade explorada pe- los bancos. Responsabilidade civil objetiva. Inteligên- cia do art. 14 do CDC e da Súmula 479, do C. STJ. DANOS MATERIAIS. Determinação de restituição do montante transferido. DANOS MORAIS. Ocor- rência in re ipsa. Quantum indenizatório fixado R$ 10.000,00, consoante requerido na inicial. Precedente desta C. Câmara. Inovação recursal quanto ao pedido de condenação dos réus à indenização de R$ 20.000,00 (R$ 10.000,00 para cada). Não conhecimento desta parte do recurso. SENTENÇA REFORMADA. APE- LAÇÃO PROVIDA, na parte conhecida.





VOTO

Cuida-se de apelação interposta por JAIRO PINHEIRO FERRAZ e MARIA ANTONIA ANTONIALI FERRAZ contra r. sentença proferida às fls. 147/152, cujo relatório é adotado, que julgou improcedentes os pedidos formulados em “ação de indenização por danos materiais e morais c/ tutela antecipada” ajuizada em face de BANCO MERCANTIL DO BRASIL S/A e BANCO SANTANDER S.A., condenando a parte autora a arcar com as despe- sas processuais e honorários advocatícios, fixados em 10% sobre o valor atuali- zado da causa, metade para cada requerido. Sustentam, em síntese, que: (a) a liberação quase imediata de um valor tão expressivo sem qualquer confirmação com os clientes, que possuíam um his- tórico de movimentação diverso, demonstra uma falha grave nos procedimentos de segurança do banco Apelado (fl. 158); (b) fortuito interno, inerente à ativida- de bancária, pelo qual as instituições financeiras respondem objetivamente (fl. 159); (c) demora excessiva do Banco Mercantil do Brasil S.A. em comunicar o Banco Santander S.A. (fl. 160); (d) inobservância das regras estabelecidas pelo Banco Central, no que concerne ao bloqueio suspeito de fraude (fl. 163); (e) possuem o direito de serem indenizados pelos danos sofridos (fl. 165); (f) res- ponsabilidade solidária do BANCO SANTANDER S.A. (fl. 166); (g) requerem a condenação solidária dos apelados ao pagamento de indenização por danos materiais no valor de R$ 8.900,50, indenização por danos morais no valor de R$ 10.000,00, para cada um dos Apelantes, totalizando R$ 20.000,00, invertendo- se o ônus da sucumbência (fl. 169). Recurso tempestivo (fl. 154), preparado (fls. 170/171) e contrarrazoado (fls. 175/183 e 184/194). É o relatório. Trata-se de ação de indenizatória, na qual os autores afirmam que, em Jurisprudência - Direito Privado 17/11/2023, receberam uma alerta informando que entraram no limite da conta conjunta mantida junto ao BANCO MERCANTIL DO BRASIL S/A (recurso que nunca utilizaram, em décadas), sendo transferido o valor de R$8.900,50 (fl. 29), transação que não reconhecem. Afirmam que realizaram Boletim de Ocorrência (fls. 25/26) e, tomaram todas as providências para evitar a concretização da transferência por meio do bloqueio cautelar, sem sucesso. Expostos tais fatos, inequívoco que o caso em análise se submete às nor- mas do Código de Defesa do Consumidor, porquanto as partes se adequam aos conceitos de destinatário final (CDC, art. 2º) e fornecedor (CDC, art. 3º, § 2° e Súmula 297 do C. STJ1). Nesse contexto, à luz do que estabelece o artigo 14, caput, do CDC e Sú- mula 479 do C. STJ2, as instituições financeiras, como prestadoras de serviço, respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno, relativo a fraudes e delitos, praticados por terceiros, no âmbito de operações bancárias. Assim, é de se observar que o primeiro requerido (“Banco Mercantil”) não se desincumbiu do ônus probatório de comprovar que a operação questio- nada estava de acordo com o perfil de consumo dos correntistas, notadamente tratando-se de transferência de considerável valor que atingiu o limite da conta bancária de consumidores idosos (fl. 27), os quais, por sua vez, alegam que nun- ca utilizaram referido recurso. Ademais, observa-se a existência de alegações inconsistentes nas defesas apresentadas pelos réus, tendo o “Banco Mercantil” afirmado que a operação foi realizada no autoatendimento (presencialmente), por meio do uso de senha pes- soal (fl. 51) e, posteriormente, alegado que a transação foi feita diretamente pelo aparelho do autor, bem como que realizou imediatamente o bloqueio de referido dispositivo (fl. 52). De igual maneira, o requerido “Banco Santander” mencio- na que a conta destinatária da transferência estava bloqueada para retirada de valores desde 14/11/2023 (fl. 108), o que, no entanto, não impediu que o valor recebido em 17/11/2023 fosse retirado pelo suposto terceiro de má-fé (fl. 109). Ainda, embora os autores tenham procurado a instituição financeira na data do ocorrido, o banco receptor foi informado apenas no dia 01/12/2023 (fl. 33). Deste modo, evidente a falha na prestação de serviços pelos réus ao dei- xarem de identificar as movimentações suspeitas e posteriormente contestadas, violando o dever de segurança e de cuidado, o que impõe o reconhecimento da 1 “O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras”. 2 “As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias”. 126 responsabilidade objetiva pelos danos experimentados pelos autores, que devem ter o seu prejuízo material devidamente ressarcido. Nesse sentido, a jurisprudência do C. Superior Tribunal de Justiça: “AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO Jurisprudência - Direito Privado DECLARATÓRIA DE INEXIGIBILIDADE DE DÉBITO CUMULADA COM INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. COMPRAS REALIZADAS POR TERCEIRO. USO DO CARTÃO DE CRÉDITO E DE DÉBITO. FALHA NO DEVER DE SEGURANÇA DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. 1. Nos termos da jurisprudência desta Corte, a responsabilidade da instituição financeira deve ser afastada quando o evento danoso decorre de transações que, embora contestadas, são realizadas com a apresentação física do cartão original e mediante uso de senha pessoal do correntista, situação, con- tudo, que não ocorreu no caso concreto. 2. “A vulnerabilidade do siste- ma bancário, que admite operações totalmente atípicas em relação ao padrão de consumo dos consumidores, viola o dever de segurança que cabe às instituições financeiras e, por conseguinte, incorre em falha da prestação de serviço.” (REsp n. 1.995.458/SP, relatora Ministra NANCY ANDRIGHI, Terceira Turma, julgado em 9/8/2022, DJe de 18/8/2022). 3. Na hipótese, não é possível afastar a responsabilidade da instituição financeira, notadamente quando descumpriu o respectivo dever de se- gurança ao não obstar a realização de compras por cartão de crédito em estabelecimento comercial objeto de suspeita em transações ante- riores, na mesma data, pois latente que o perfil de compra da agravada discrepava do volume das transações fraudulentas efetivamente engen- dradas. 4. Agravo interno a que se nega provimento” (AgInt no AREsp n. 1.728.279/SP, Relator Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 8/5/2023, DJe de 17/5/2023 - g.n.).ta Relativamente aos danos morais, o abalo extrapatrimonial exsurge in re ipsa, já que os fatos extrapolaram consideravelmente a esfera do mero aborreci- mento, porquanto os requerentes sofreram reduções indevidas no limite de sua conta conjunta, privando-lhes, de imediato, de considerável valor. Nesse sentido, este E. Tribunal de Justiça assim já entendeu: “APELAÇÃO - Ação de indenização por danos morais e materiais. Fraude em conta. Operações via Pix não reconhecidas e contestadas perante a instituição financeira. Culpa, existência de nexo causal. Au- sência de comprovação da culpa exclusiva do consumidor. Má-prestação do serviço diante dos valores das transações fora do perfil e zerando o saldo do cliente. Dever de restituição. Decisão de parcial procedência. Obrigação de indenizar pelos danos morais, devido a movimentação na conta da parte autora sem sua anuência, que consagra o dever de restituição, havendo privação econômica indevida. Valor fixado em R$ 10.000,00 razoável e proporcional, sendo excessivo o valor pleiteado (R$ 22.000,00). Recurso parcialmente provido” (Apelação Cível 1067371- Jurisprudência - Direito Privado 26.2021.8.26.0002; Relator Des. Flávio Cunha da Silva; 38ª Câmara de Direito Privado; Data do Julgamento: 15/09/2022 - g.n.). Relativamente ao quantum devido, a indenização deve ser fixada de acor- do com os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, observadas a finalidade compensatória e a extensão do dano experimentado. Vislumbrando as peculiaridades do caso em análise e, considerando os critérios de fixação da indenização, tais como a condição socioeconômica das partes, grau de culpa e a repercussão da lesão, fixo o quantum indenizatório em R$ 10.000,00 (dez mil reais), consoante requerido na inicial - fl. 19, item “iii”, valor adequado e proporcional, que não representa enriquecimento sem causa aos requerentes e está em consonância com a jurisprudência desta C. Câmara: “RESTITUIÇÃO C.C. INDENIZAÇÃO. Improcedência. Inconformismo. Parcial acolhimento. Autoras vítimas de roubo de telefone celular. Reali- zação de resgastes e transferências via PIX a terceiro mediante fraude. Falha na segurança da instituição financeira. Transações destoaram do perfil de consumo das correntistas. Serviço prestado defeituoso. Carac- terizada a responsabilidade do banco pelos prejuízos suportados pelas requerentes. Danos materiais. Devolução dos valores transferidos. Dano moral configurado. Indenização devida. Verba fixada em R$10.000,00 atende à finalidade reparatória/punitiva. Sentença reformada. Ônus su- cumbencial atribuído ao réu. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (TJSP; Apelação Cível 1004332-44.2023.8.26.0565; Relator Des. Paulo Alcides; Órgão Julgador: 21ª Câmara de Direito Privado; Foro de São Caetano do Sul - 6ª Vara Cível; Data do Julgamento: 27/05/2024; Data de Registro: 27/05/2024 - g.n.) No mais, deixa-se de conhecer do pedido de condenação dos réus à inde- nização de R$ 20.000,00 (R$ 10.000,00 para cada autor), por constituir, a rigor, indevida inovação recursal. Estabeleça-se que, por se tratar de responsabilidade contratual, mencio- nado valor deverá ser atualizado pela Taxa Selic deduzida a correção monetária, nos termos do artigo 406 parágrafo 1º do Código Civil, a partir da citação (art. 405 do CC), devendo, a partir da data do arbitramento (Súmula nº 362 do C. STJ), incidir a integral atualização pela Taxa Selic. Ressalte-se que o apelado “Banco Santander” deve responder solidaria- mente pelos danos materiais e morais, assim como pelas custas processuais e honorários de sucumbência, haja vista que a conta utilizada para recebimento de valores indevidos e para a prática de atos ilícitos era mantida junto à referida instituição financeira, de modo que a corré integra a cadeia de fornecimento do 128 serviço, possuindo, reafirme-se, responsabilidade solidária e objetiva pelos da- nos causados ao consumidor (art. 7º, parágrafo único, e art. 14, ambos do CDC). Observa-se, ainda, que o apelado permitiu a abertura e a manutenção de conta fraudulenta, deixando de apresentar qualquer documento apto a demons- Jurisprudência - Direito Privado trar a regularidade da referida conta, bem como, a adoção das cautelas necessá- rias, tendo informado, inclusive, que referida conta foi encerrada em 02/01/2024 (fl. 108). Comporta, pois, reforma a r. sentença, para julgar procedente a presente ação, condenando os requeridos, solidariamente, à indenização por danos mo- rais de R$ 10.000,00, além de indenização por danos materiais correspondente ao valor transferido (R$ 8.900,50), atualizados pela Taxa Selic, nos termos do artigo 406 parágrafo 1º do Código Civil, alterado pela Lei nº 14.905/2024, a partir da citação por tratar-se de responsabilidade contratual. Invertido o resultado do julgamento, condeno os apelados, ainda, ao pa- gamento das custas e despesas processuais, bem como, honorários advocatícios, os quais arbitro em 15% sobre o valor total da condenação atualizado. Ante o exposto, pelo meu voto, DOU PROVIMENTO ao recurso, na parte conhecida. Observa-se, por fim, que a oposição de embargos de declaração manifes- tamente protelatórios ensejará a condenação ao pagamento da multa prevista no parágrafo 2º do artigo 1.026 do Código de Processo Civil