Decisão 1006611-66.2021.8.26.0114

Processo: 1006611-66.2021.8.26.0114

Recurso: Apelação

Relator: Francisco Giaquinto; 13ª Câmara de Direito

Câmara julgadora: Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça

Data do julgamento: 11 de junho de 2025

Ementa Técnica

APELAçãO – DIREITO CIVIL. APELAÇÃO. INDENI- ZAÇÃO POR DANO MORAL. RECURSO PROVI- DO. I. Caso em Exame Sentença julgou procedente o pedido de indenização 330 por dano moral, condenando os réus ao pagamento de R$10.000,00, sendo R$8.000,00 pela instituição fi- nanceira e R$1.000,00 por cada um dos demais réus. Apelação interposta pelos réus contra a sentença. Jurisprudência - Direito Privado II. Questão em Discussão A questão em discussão consiste em analisar (i) cer- ceamento de defesa por impedir perguntas aos de- poentes; (ii) alegação de sentença extra petita; (iii) improcedência do pedido de indenização por dano moral. III. Razões de Decidir Não houve cerceamento de defesa, pois o depoimento pessoal é destinado à obtenção de confissão, não ca- bendo ao advogado fazer perguntas ao próprio clien- te. Não houve sentença extra petita, pois as questões abordadas no depoimento pessoal estavam inseridas nas alegações iniciais envolvendo o bloqueio da conta. No mérito, o bloqueio preventivo da conta diante de suspeita de fraude não se revela abusivo, consideran- do as movimentações financeiras incompatíveis com o perfil cadastral do autor em conta de abertura recen- te, sem histórico de movimentações. IV. Dispositivo e Tese Recurso provido para julgar improcedente o pedido de indenização por dano moral. Tese de julgamento: 1. O bloqueio preventivo de con- ta bancária, diante de suspeita de fraude, não configu- ra dano moral, tendo sido realizado o desbloqueio em dois dias e sem comprovação de prejuízo financeiro urgente. Legislação Citada: Código de Processo Civil, arts. 141, 457, 459, 492, 373, I. Jurisprudência Citada: REsp n. 1.291.096/SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 2/6/2016, DJe de 7/6/2016. TJSP; Apelação Cível 1004597-55.2022.8.26.0541; Relator: Francisco Giaquinto; 13ª Câmara de Direito Privado; Data do Julgamento: 09/08/2023. 331(TJSP; Processo nº 1006611-66.2021.8.26.0114; Recurso: Apelação; Relator: Francisco Giaquinto; 13ª Câmara de Direito; Data do Julgamento: 11 de junho de 2025)

Voto / Fundamentação

, em 13ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento ao recurso. V.U. Sustentou oralmente a Doutora Juliett Leal Gonsales.”, de conformidade com o voto da Relatora, que integra este acórdão. (Voto nº 45.212) O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores SIMÕES DE ALMEIDA (Presidente sem voto), FRANCISCO GIAQUINTO e NELSON JORGE JÚNIOR. São Paulo, 11 de junho de 2025. ANA DE LOURDES COUTINHO SILVA DA FONSECA, Relatora.


Ementa: DIREITO CIVIL. APELAÇÃO. INDENI- ZAÇÃO POR DANO MORAL. RECURSO PROVI- DO. I. Caso em Exame Sentença julgou procedente o pedido de indenização 330 por dano moral, condenando os réus ao pagamento de R$10.000,00, sendo R$8.000,00 pela instituição fi- nanceira e R$1.000,00 por cada um dos demais réus. Apelação interposta pelos réus contra a sentença. Jurisprudência - Direito Privado II. Questão em Discussão A questão em discussão consiste em analisar (i) cer- ceamento de defesa por impedir perguntas aos de- poentes; (ii) alegação de sentença extra petita; (iii) improcedência do pedido de indenização por dano moral. III. Razões de Decidir Não houve cerceamento de defesa, pois o depoimento pessoal é destinado à obtenção de confissão, não ca- bendo ao advogado fazer perguntas ao próprio clien- te. Não houve sentença extra petita, pois as questões abordadas no depoimento pessoal estavam inseridas nas alegações iniciais envolvendo o bloqueio da conta. No mérito, o bloqueio preventivo da conta diante de suspeita de fraude não se revela abusivo, consideran- do as movimentações financeiras incompatíveis com o perfil cadastral do autor em conta de abertura recen- te, sem histórico de movimentações. IV. Dispositivo e Tese Recurso provido para julgar improcedente o pedido de indenização por dano moral. Tese de julgamento: 1. O bloqueio preventivo de con- ta bancária, diante de suspeita de fraude, não configu- ra dano moral, tendo sido realizado o desbloqueio em dois dias e sem comprovação de prejuízo financeiro urgente. Legislação Citada: Código de Processo Civil, arts. 141, 457, 459, 492, 373, I. Jurisprudência Citada: REsp n. 1.291.096/SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 2/6/2016, DJe de 7/6/2016. TJSP; Apelação Cível 1004597-55.2022.8.26.0541; Relator: Francisco Giaquinto; 13ª Câmara de Direito Privado; Data do Julgamento: 09/08/2023. 331





VOTO

Irresignados com o teor da respeitável sentença de fls. 185-191 e 201, que julgou prejudicado o pedido de desbloqueio de conta corrente, em decorrência Jurisprudência - Direito Privado da perda superveniente do interesse processual, e julgou procedente o pedido de indenização por dano moral, condenando os réus ao pagamento ao autor de R$10.000,00, arcando a instituição financeira com R$8.000,00 e os demais réus com R$1.000,00 cada um, apelam os réus, Banco Bradesco S/A, William Moda Creposcoli e Rodolfo Tuxen Girelli (fls. 204-223). Arguem, preliminarmente, cerceamento de defesa em audiência de ins- trução e julgamento ao impedir que o patrono dos apelantes realizasse perguntas aos depoentes. Defendem que, sendo o Código de Processo Civil silente a respeito da inquirição do depoente pelo próprio patrono, deve ser aplicada a regra do artigo 459 do Código de Processo Civil, com a possibilidade de perguntas pelos patro- nos, em atenção aos princípios do contraditório e da ampla defesa. Alegam que “quando do depoimento pessoal da preposta do Bradesco, o Juízo a quo realizou indagações a respeito de previsões contratuais, objeto esse totalmente estranho à lide e que, ao final, foram utilizados como funda- mento da causa de decidir - o que será objeto de tópico próprio. Houve, ainda, descumprimento do art. 457 do Código de Processo Civil, quando o Juízo a quo não qualificou a testemunha do Apelado antes de seu depoimento, tendo sido posteriormente, em pergunta do patrono dos Apelantes, comprovado que a testemunha é primo do Apelado e, portanto, deveria ter sido ouvida como informante” (fls. 210). Argumentam que a sentença é extra petita, em desacordo com os artigos 141 e 492 do Código de Processo Civil, sendo certo que a irresignação do autor na petição inicial versa a respeito de uma suposta prática de preconceito social e/ou racial realizada pelos apelantes em decorrência do bloqueio e não especifi- camente a respeito do bloqueio de sua conta. No mérito, defendem a improcedência do pedido, pois o autor indicou em seu perfil quando da abertura da conta uma renda mensal de R$1.500,00 e, no mesmo dia da abertura, realizou um depósito no valor de R$14.000,00, incompatível com as informações prestadas, de modo que ocorreu um bloqueio preventivo por meio da segurança corporativa, “sem qualquer tipo de poder de ação aos apelantes pessoa física, a não ser encaminhar a documentação compar- tilhada pelo apelado o para a segurança corporativa visando a liberação do valor bloqueado, o que foi feito, tanto que a conta veio a ser desbloqueada” (fls. 216). Enfatizam que o apelante William, em seu depoimento pessoal, informou que sempre se referiu ao perfil bancário do apelado e jamais ao seu perfil como indivíduo. Acrescentam que “inobstante não se tratar de alegação / objeto da lide, 332 é certo que foi demonstrado em sede de alegações finais a existência de emba- samento jurídico para o ato praticado pelo Bradesco - o que simplesmente foi ignorado pela r. sentença. Isso, porque o bloqueio preventivo de valores tem fundamento na Resolução BCB nº 1 de 12/08/2020 do Banco Central e visa, Jurisprudência - Direito Privado justamente, evitar a perpetração de fraudes por meio de golpes praticados no mercado” (fls. 218), bem como na Resolução BCB nº 147 de 28/09/2021. Destacam que o banco Bradesco “não tolera nenhuma prática de discri- minação por qualquer de seus funcionários, muito pelo contrário, é tradicio- nalmente reconhecido pelo seu engajamento em campanhas de fundo social, possuindo forte política de apoio à diversidade e inclusão” (fls. 218-219), sendo vencedor em 2020 do “Prêmio Lugares Incríveis para Trabalhar 2020”, na cate- goria “Mais Incrível em Diversidade e Inclusão”. Sustentam que “o Apelado não só não comprovou a existência dos danos que alega ter sofrido, nos termos do art. 373, I do Código de Processo Civil, como os depoimentos colhidos na audiência de instrução e julgamento demons- tram a inexistência de qualquer ato ilícito praticado pelo funcionário do Brades- co” (fls. 220). Atacam a condenação e o valor da indenização por do dano moral fixado. Pleiteiam, por fim, a nulidade da r. sentença recorrida, com o retorno dos autos do processo para o refazimento da audiência de instrução e julgamento, bem como que seja reconhecido que a sentença é extra petita. No mérito, pedem a reforma da sentença, com a improcedência da demanda e, subsidiariamente, a redução da indenização por dano moral para valor não superior a R$1.000,00. Recurso bem processado, sem resposta. É o relatório. O recurso comporta provimento. Rejeitam-se as preliminares arguidas. Não houve cerceamento do direito de defesa. Com efeito, o depoimento pessoal é um meio de prova destinado à obten- ção da confissão, de modo que é voltado para a parte adversária, não cabendo ao advogado fazer perguntas ao seu próprio cliente, que possui momentos proces- suais próprios para expor seus argumentos de defesa. O magistrado, por sua vez, tem o poder de interrogar a parte sobre os fatos da causa, buscando esclarecimentos relevantes para a decisão do processo. A esse respeito: RECURSO ESPECIAL. PROCESSO CIVIL. DIREITO DE FAMÍLIA. LITISCONSÓRCIO. DEPOIMENTO PESSOAL. PARTE CONTRÁ- RIA. INCIDÊNCIA DO ARTIGO 343 DO CPC/1973. ATUAL ART. 385 DO NCPC/2015. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. NULIDADE AFASTA- DA. PAS DE NULLITÈ SANS GRIEF. PRINCÍPIO DA INSTRUMEN- TALIDADE DAS FORMAS. 1. Nos termos do art. 343 do CPC/1973 (atual artigo 385 do NCPC/2015), o depoimento pessoal é um direito conferido ao adversário, seja autor ou réu. Jurisprudência - Direito Privado 2. Não cabe à parte requerer seu próprio depoimento, bem assim dos seus litisconsortes, que desfrutam de idêntica situação na relação processual. 3. O sistema das nulidades processuais é informado pela máxima “pas de nullité sans grief”, segundo a qual não se decreta nulidade sem prejuízo 4. Recurso especial não provido. (REsp n. 1.291.096/SP, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Ter- ceira Turma, julgado em 2/6/2016, DJe de 7/6/2016.) Ação declaratória c.c. obrigação de fazer e indenização por danos mate- riais e morais - Alegação de negativa de contratação de empréstimo con- signado do Banco réu - Sentença de improcedência, condenando o autor por litigância de má-fé e remessa de cópia dos autos para a OAB - Irre- signação do autor - Cerceamento de defesa, por violação ao princípio da igualdade de tratamento, por somente permitido à ré perguntar em depoi- mento pessoal do autor - Inexistência de cerceamento de defesa ou viola- ção a tratamento igualitário das partes - Em depoimento pessoal, o patro- no da parte que depõe não pode fazer perguntas (art. 385 do CPC) - No mérito, o recurso é desprovido - O autor admitiu em depoimento pessoal ter contratado o empréstimo, além de exibido o contrato pelo Banco e de- monstrado o crédito em conta - Desacolhidos os pedidos de nulidade ou inexigibilidade do débito, repetição do indébito e danos morais - Recurso negado. (TJSP; Apelação Cível 1004597-55.2022.8.26.0541; Relator(a): Francisco Giaquinto; Órgão Julgador: 13ª Câmara de Direito Privado; Foro de Santa Fé do Sul - 1ª Vara; Data do Julgamento: 09/08/2023; Data de Registro: 10/08/2023) No caso em exame, a d. magistrada fez questionamentos aos depoentes observando a causa de pedir invocada pelo autor. Ao contrário do que sustentam os recorrentes, foram abordadas no de- poimento pessoal questões insertas no âmbito das alegações iniciais, que não se limitam às aventadas ofensas contra a parte autora, mas também com relação ao bloqueio da conta; observando-se que a demanda foi promovida com pedido de desbloqueio, por se tratar de “ordem arbitrária, abusiva e ilegal” (fls. 04). Não houve, portanto, sentença extra petita. Também não há que se acolher a nulidade arguida por ausência de indaga- ção prévia sobre relações de parentesco da testemunha com o autor, nos termos do artigo 457 do Código de Processo Civil. Isso porque, tal depoimento não amparou a fundamentação da r. sentença, assim como se revela irrelevante para o exame do mérito. No mérito, contudo, o recurso comporta provimento. 334 Os documentos e provas apresentados apontam que a conta corrente foi aberta em 17.02.2021 (fls. 36-39) e que o autor declarou renda mensal de R$1.500,00 (fls. 50). Em 19.02.2021 efetuou transferência para sua conta via pix no valor de Jurisprudência - Direito Privado R$14.000,00, sendo creditado referido valor na conta. Em seguida, consta ime- diata tentativa de transferência do mesmo valor e diversas tentativas de transfe- rência de outros valores (R$5.000,00; R$9.000,00; R$1.000,00; R$13.000,00), conforme extrato de fls. 50, o que não se concretizou em razão do bloqueio efetuado em sua conta. O banco informou que houve o bloqueio da conta por medida de seguran- ça, “em decorrência de discrepâncias entre os valores ali existentes e o perfil de cadastro apresentado quando da abertura da conta corrente” (fls. 51), e que, após as verificações necessárias para averiguação de possível ocorrência de fraude, a conta corrente foi liberada em dois dias. O autor foi recebido na agência bancária em 19.02.2021, sexta-feira, dia do bloqueio, e apresentou a documentação acerca da transferência realizada em sua conta corrente. A documentação foi recebida pelo funcionário da agência que afirmou tê-la encaminhado ao respectivo setor para o desbloqueio da conta, o que teria ocorrido em 23.02.2021, conforme tela juntada às fls. 34. Em que pese o entendimento da d. magistrada singular, não se vislumbra abusividade na conduta de bloqueio preventivo da conta por suspeita de frau- de, em razão de transferência via pix de valor elevado, diante das informações cadastrais prestadas pelo autor no recente relacionamento com a instituição fi- nanceira. Vê-se que, após a comprovação da regularidade da movimentação tida como suspeita, houve o respectivo desbloqueio da conta corrente. O conjunto probatório não corrobora os fatos narrados pelo autor na peti- ção inicial, não havendo prova alguma ou indício de que tenham sido proferidos comentários sobre “aparência física ou status social do autor” (fls. 02) ou refe- rência à idade, cor da pele ou à sua escolaridade. O réu Willian, em seu depoimento pessoal, declarou de forma enfática que informou não saber o motivo do bloqueio, mas aventou a possibilidade de o bloqueio ter se dado em razão de divergência de movimentações com o perfil bancário do cliente. O bloqueio preventivo, no caso em exame, considerando a recente aber- tura da conta, com movimentações sequenciais via pix em valores destoantes da renda informada pelo autor, por si só, não se mostra abusivo, sendo medida destinada à preservação da segurança dos próprios clientes diante de suspeitas de fraude. É certo que, tendo o autor apresentado documentação pertinente afastando 334 a suspeita, como no caso em exame, de rigor o desbloqueio da conta corrente. Em que pese a frustrada tentativa, retratada pelo autor, de desbloqueio imediato, com o comparecimento na agência e a apresentação de documentos, Jurisprudência - Direito Privado houve o desbloqueio em dois dias, prazo tido como razoável para a providência. Evidente que o autor sofreu experiência desagradável por conta da situa- ção ocorrida; contudo, trata-se de aborrecimento, sem ofensa à honra subjetiva e objetiva. Eventual demora no desbloqueio poderia ter ocasionado dano moral. Contudo, o autor não comprovou a existência de compromisso financeiro ur- gente e imediato que teria ficado comprometido pelo respectivo bloqueio da conta por dois dias. No caso, não há que se falar em dano a uma das facetas dos direitos de personalidade do recorrente, pois não comprovada conduta pública vexatória, humilhante ou mesmo depreciativa à sua honra e à sua dignidade humana. De fato, não há nos autos do processo elementos de convicção aptos a demonstrar uma violação à dignidade da pessoa humana, da honra ou da ima- gem do autor, nos termos preceituados pelo artigo 5º, inciso X, da Constituição Federal. Portanto, de rigor a improcedência do pedido de indenização por dano moral. Diante de todo o exposto, dá-se provimento ao recurso, para julgar im- procedente o pedido de indenização por dano moral. Provido o recurso, deverá o autor arcar com os ônus sucumbenciais, in- cluídos os honorários advocatícios fixados em 15% sobre o valor atribuído à causa; observada a gratuidade da justiça concedida.