APELAçãO – RESPONSABILIDADE CIVIL. TRANS- PORTE AÉREO. AÇÃO INDENIZATÓRIA. EX- TRAVIO TEMPORÁRIO DE BAGAGEM DE MEMBROS DE UMA MESMA FAMÍLIA EM TRE- CHO DE VOO INTERNACIONAL. Devolução das bagagens para os autores após alguns dias da chega- da ao destino (Madrid). Preliminar de coisa julgada acolhida quanto aos danos materiais e sentença de improcedência, no tocante aos danos morais. DA- NOS MATERIAIS. Operou-se a coisa julgada quan- to aos danos materiais, pois o genitor dos autores já foi ressarcido em ação anterior processada perante o Juizado Especial Cível. DANOS MORAIS. Extravio temporário de bagagens que interferiu na viagem dos autores, os quais se viram privados do uso de objetos pessoais por determinado período. Fixação de indeni- zação em R$ 8.000,00, para cada autor, em atenção às circunstâncias do caso concreto e aos princípios da ra- zoabilidade e proporcionalidade. Sentença reformada em parte. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.(TJSP; Apelação 1007903-36.2023.8.26.0011; Relator: FERNANDO SASTRE REDONDO; Data do Julgamento: 26 de abril de 2025)
, em sessão permanente e virtual da 38ª Câmara de Direito
Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “De-
ram provimento em parte ao recurso. V.U.”, de conformidade com o voto do
Relator, que integra este acórdão. (Voto nº 39.024)
O julgamento teve a participação dos Desembargadores SPENCER
ALMEIDA FERREIRA (Presidente sem voto), LAVÍNIO DONIZETTI PAS-
CHOALÃO e ANNA PAULA DIAS DA COSTA.
São Paulo, 26 de abril de 2025.
FERNANDO SASTRE REDONDO, Relator
Ementa: RESPONSABILIDADE CIVIL. TRANS-
PORTE AÉREO. AÇÃO INDENIZATÓRIA. EX-
TRAVIO TEMPORÁRIO DE BAGAGEM DE
MEMBROS DE UMA MESMA FAMÍLIA EM TRE-
CHO DE VOO INTERNACIONAL. Devolução das
bagagens para os autores após alguns dias da chega-
da ao destino (Madrid). Preliminar de coisa julgada
acolhida quanto aos danos materiais e sentença de
improcedência, no tocante aos danos morais. DA-
NOS MATERIAIS. Operou-se a coisa julgada quan-
to aos danos materiais, pois o genitor dos autores já
foi ressarcido em ação anterior processada perante o
Juizado Especial Cível. DANOS MORAIS. Extravio
temporário de bagagens que interferiu na viagem dos
autores, os quais se viram privados do uso de objetos
pessoais por determinado período. Fixação de indeni-
zação em R$ 8.000,00, para cada autor, em atenção às
circunstâncias do caso concreto e aos princípios da ra-
zoabilidade e proporcionalidade. Sentença reformada
em parte.
RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
VOTO
RELATÓRIO
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Recurso de apelação contra r. sentença (fls. 140/146) que acolheu preli-
minar de coisa julgada no que concerne à pretensão de indenização por danos
materiais indicados na inicial e julgou improcedente o pedido formulado em
ação de reparação de danos morais e condenou a parte autora ao pagamento das
Jurisprudência - Direito Privado
custas e despesas processuais e honorários advocatícios sucumbenciais, estes
fixados em 10% sobre o valor atualizado da causa.
Recorrem os autores (fls. 171/185). Alegam inexistência de coisa julgada
com relação ao pedido de danos materiais efetuado pelo genitor dos autores V.
e M., nos autos n. 1007903-36.2023.8.26.0011, que se processou perante a 1ª
Vara do Juizado Especial Cível do Foro Regional XI - Pinheiros. Alegam que
a referida demanda trataria apenas dos danos sofridos pelo genitor das crianças
autoras da presente ação.
Sustentam o cabimento da reparação por danos morais, em função do ex-
travio de malas durante trecho de viagem (Genebra - Madrid), onde passariam
quatro dias de férias com a família. Narram que ficaram sem acesso às roupas,
itens essenciais e medicamentos utilizados por um dos apelantes (V.). A compa-
nhia aérea havia prometido a devolução das três malas para o dia seguinte, pois
foram localizadas uma hora após o registro da reclamação de extravio. Contudo,
as malas dos apelantes V. (3 anos) e M. (8 anos) foram entregues 03 (três) dias
após a chegada a Madrid e a mala da apelante J., 07 (sete) dias após, isto é,
quando há havia retornado para o Brasil.
Ao final, pugnam pelo provimento do recurso e consequente reforma da
r. sentença a fim de condenar a Apelada ao pagamento de indenização por danos
morais, no valor de R$. 8.000,00 (oito mil reais) para cada um dos autores; bem
como danos materiais, no montante de R$. 10.554,82 (equivalente a 1.892,94
euros).
Recurso tempestivo, preparado e respondido (fls. 237/246).
Não houve oposição ao julgamento virtual.
VOTO
Trata-se de ação de indenização por danos morais, fundado o pleito em
falha na prestação de serviços de transporte aéreo de passageiro decorrente do
extravio temporário de bagagem, somente restituída no período de 3 e 4 dias,
após a chegada no destino final da viagem (Madrid).
A respeitável sentença acolheu preliminar de coisa julgada, no que con-
cerne à pretensão de indenização por danos materiais indicados na inicial, e jul-
gou improcedente o pedido formulado em ação de reparação de danos morais.
Insurge-se o Apelante quanto ao acolhimento da preliminar de coisa jul-
gada no que se refere à pretensão de indenização por danos materiais indicados
na inicial.
Razão não lhe assiste.
Operou-se a coisa julgada no tocante aos danos materiais arguidos.
De fato, compulsando-se os autos n. 1007903-36.2023.8.26.0011, proces-
sado perante a 1ª Vara do Juizado Especial Cível do Foro Regional XI - Pinhei-
ros, vê-se que, o autor Marcos Pedro Simões, genitor dos ora apelantes V. e M.,
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já foi ressarcido dos danos materiais envolvendo o mesmo extravio de bagagem,
com a apresentação das mesmas notas fiscais e recibos.
Conforme destacou a r. sentença, “vide, naqueles autos, as folhas 22/44,
e nestes autos as folhas 32/44. Ambas as ações possuem identidade de notas e
recibos, sendo que na ação que ação que tramitou no Juizado Especial já houve
condenação da requerida no pagamento do valor de R$4.500,00 (sentença de
folhas 69/71), referente aos itens de higiene e vestuário que foram adquiridos
pelo autor da referia demanda no período em que ficou privado de suas malas.”
(fls. 143).
E, realmente, as notas fiscais juntadas nos presentes autos são algumas
das notas já discutidas e ressarcidas naquela ação, sendo de fácil constatação
a duplicidade do pedido. Basta compulsarmos os autos e verificar nota a nota,
como por exemplo, as aquisições feitas nas lojas de magazine espanholas Man-
go (139,94), Zara (163,79; 153,74), H&M (89,14; 77,94; 90,04; 181,02) e far-
mácia (103,20), Velásquez (64,28 e 29,85).
Mantida, pois, a r. sentença neste tópico.
Contudo, respeitado o entendimento do magistrado a quo, o recurso com-
porta provimento quanto à reparação dos danos morais sofridos pelos apelantes.
Com efeito, a relação entre as partes é de consumo, vez que os autores
são destinatários finais dos serviços prestados pela ré (artigos 2º e 3º do CDC),
que, portanto, responde, independentemente de culpa ou dolo, pelos danos de-
correntes de vícios de qualidade na execução do contrato de transporte aéreo de
passageiros.
Cumpre ressaltar que o transporte da bagagem é um acessório do contrato
de transporte de pessoas. E, de fato, é obrigação da companhia aérea transportar
a bagagem ao destino contratado e dentro do prazo pactuado, de modo que o
atraso na restituição dos pertences aos passageiros constitui falha nos serviços
prestados e a obriga à indenização dos prejuízos, desde que devidamente com-
provados.
Na hipótese dos autos, as bagagens dos autores, 03 (três) malas, foram
extraviadas temporariamente, no trecho de ida de Genebra para Madrid, onde
permaneceram por 04 (quatro) dias.
Há de se considerar que, no momento do extravio da bagagem, ainda que
temporário, o passageiro fica sem perspectiva da devolução imediata e privado
de usufruir de seus bens pessoais no local de destino. Incontestável que os re-
correntes vivenciaram injusto transtorno e evidentes percalços, o que desborda
do simples inadimplemento contratual ou mero dissabor, considerado principal-
mente o estresse inerente à circunstância do caso em apreço, envolvendo duas
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crianças de tenra idade.
Em decorrência do ato ilícito praticado, surge o dever de reparação do
dano, com obrigação de indenizar os danos morais decorrentes da conduta, nos
termos do art. 14, § 3º do CDC.
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Não pode a ré se eximir da responsabilidade de suportar os prejuízos cau-
sados aos autores pela prestação defeituosa do serviço contratado, constituindo-
se em fato que merece, efetivamente, tutela no campo da responsabilidade civil
por danos morais.
Com efeito, já decidiu o Superior Tribunal de Justiça que “a indenização
por dano moral deve atender a uma relação de proporcionalidade, não podendo
ser insignificante a ponto de não cumprir com sua função penalizante, nem ser
excessiva a ponto de desbordar da razão compensatória para a qual foi predis-
posta” (STJ, REsp 318379-MG, Rel. Min. NANCY ANDRIGHI, j. 20.9.01).
Assim, destinando-se a indenização por danos morais a desestimular a
repetição da falha da prestação dos serviços e levando-se em linha de considera-
ção a extensão dos danos e o caráter preventivo da reparação, o valor da indeni-
zação deve ser fixado no valor de R$. 8.000,00 (oito mil reais), para cada autor,
o que se mostra compatível com as circunstâncias do caso concreto e atende aos
princípios da proporcionalidade e razoabilidade.
Confira-se alguns precedentes deste Tribunal em casos análogos:
AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. Trans-
porte aéreo internacional. Cancelamento de voo e remarcação para 24 horas após
o inicialmente contratado. Extravio temporário de bagagens por 4 dias. Falha
na prestação de serviços da ré. Responsabilidade objetiva. Circunstância que
desborda do simples inadimplemento contratual ou mero dissabor. DANO MO-
RAL. Caracterização. Indenização fixada em R$10.000,00, que se coaduna com
os princípios da razoabilidade e proporcionalidade e à gravidade do ato. DANO
MATERIAL. Ausência de comprovação de prejuízo patrimonial suportado pelos
autores (art. 333, I, CPC). Afastamento da condenação da ré ao pagamento de
indenização em 1.000 Direitos Especiais de Saque por Passageiro. Sentença re-
formada no ponto. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
(TJSP; Apelação Cível 1014300-04.2024.8.26.0003; Relator (a): Flávio Cunha
da Silva; Órgão Julgador: 38ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional III -
Jabaquara - 1ª Vara Cível; Data do Julgamento: 03/12/2024; Data de Registro:
03/12/2024)
Responsabilidade Civil - Postulação de condenação da requerida ao pagamento
de indenização por danos morais decorrentes do extravio de bagagem por 7 (sete)
dias em viagem internacional - Dano moral evidente, na medida em que, apesar
da recuperação da bagagem antes dos 21 dias previstos em Resolução da ANAC,
o extravio se deu no voo de ida ao país de destino, e não no retorno ao domicílio
da apelante - Hipótese de condenação da ré ao pagamento de indenização no
importe de R$ 5.000,00, com inversão dos ônus decorrentes da sucumbência -
Apelo parcialmente provido.
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(TJSP; Apelação Cível 1137945-03.2023.8.26.0100; Relator (a): Jacob Valente;
Órgão Julgador: 12ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível - 5ª Vara
Cível; Data do Julgamento: 27/11/2024; Data de Registro: 03/04/2025)
TRANSPORTE AÉREO INTERNACIONAL. Aplicação do CDC. Cancelamen-
Jurisprudência - Direito Privado
to do voo. Alegação de problemas operacionais com a aeronave, que impediram
o cumprimento do contrato. Ausência de comprovação. Fortuito interno. Falha
na prestação dos serviços contratados. Atraso de mais de 7 horas para chegada ao
destino. Extravio temporário de bagagem. Convenções de Montreal e de Varsó-
via que se aplicam somente nas hipóteses de danos patrimoniais, como decidido
nos RE 636.331 e ARE 766.618. Entrega com atraso de três dias. Dano moral
in re ipsa. Caracterizado. Quantum fixado em observância aos critérios de ra-
zoabilidade e proporcionalidade. Precedentes. Sentença reformada. RECURSO
PROVIDO.
(TJSP; Apelação Cível 1058658-54.2024.8.26.0100; Relator (a): Anna Pau-
la Dias da Costa; Órgão Julgador: 38ª Câmara de Direito Privado; Foro Cen-
tral Cível - 18ª Vara Cível; Data do Julgamento: 21/10/2024; Data de Registro:
21/10/2024)
De rigor, portanto, a reforma da r., sentença para julgar a ação parcial-
mente procedente e condenar a ré ao pagamento de indenização por danos mo-
rais, nos termos deste acórdão.
Diante da reforma, ainda que parcial, do julgado, fica condenada a ré pelo
pagamento integral das custas, despesas processuais e honorários advocatícios,
que vão fixados em 20% sobre o valor atualizado da condenação, considerado o
trabalho realizado na fase recursal.
Ante o exposto, dou provimento parcial ao recurso.