Decisão 1017936-33.2024.8.26.0405

Processo: 1017936-33.2024.8.26.0405

Recurso: Apelação

Relator: LUIS FERNANDO CAMARGO DE BARROS VIDAL

Câmara julgadora: Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça

Data do julgamento: 14 de maio de 2025

Ementa Técnica

APELAçãO – Apelação. Obrigação de fazer. Cessão e transferência de crédito. Cota de consórcio cancela- da. Anuência da administradora do consórcio para a sub-rogação. Desnecessidade. Procedência. Apelo da ré. Inexistência, na Lei nº 11.795/2008 e nas normas editadas pelo órgão regulador e fiscalizador (Reso- lução BCB nº 285/2023), de disposição obrigando a administradora de consórcio a efetuar o registro da cessão de direitos creditórios, a pedido do cessioná- rio, com o qual a administradora não mantém vínculo obrigacional. Entendimento em consonância a recen- tíssimo precedente do C. STJ. Risco da atividade a ser assumido pela autora. Sentença reformada. Recurso, da ré, provido. 180

(TJSP; Processo nº 1017936-33.2024.8.26.0405; Recurso: Apelação; Relator: LUIS FERNANDO CAMARGO DE BARROS VIDAL; Data do Julgamento: 14 de maio de 2025)

Voto / Fundamentação

, em 14ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça
de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento ao recurso. V.U.
Compareceu para sustentar oralmente, a Dra. Regina Aparecida Maneira”, de
conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. (Voto nº 32.038)
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores CAR-
LOS ABRÃO (Presidente sem voto), PENNA MACHADO e CÉSAR ZALAF.
São Paulo, 14 de maio de 2025.
LUIS FERNANDO CAMARGO DE BARROS VIDAL, Relator

Ementa: Apelação. Obrigação de fazer. Cessão e
transferência de crédito. Cota de consórcio cancela-
da. Anuência da administradora do consórcio para a
sub-rogação. Desnecessidade. Procedência. Apelo da
ré. Inexistência, na Lei nº 11.795/2008 e nas normas
editadas pelo órgão regulador e fiscalizador (Reso-
lução BCB nº 285/2023), de disposição obrigando a
administradora de consórcio a efetuar o registro da
cessão de direitos creditórios, a pedido do cessioná-
rio, com o qual a administradora não mantém vínculo
obrigacional. Entendimento em consonância a recen-
tíssimo precedente do C. STJ. Risco da atividade a ser
assumido pela autora. Sentença reformada. Recurso,
da ré, provido.





VOTO
Vistos.
A r. sentença de págs. 288/291, cujo relatório é adotado, julgou proce-
dente ação de obrigação de fazer para condenar a requerida a anotar em seus
sistemas e registros que a autora é a cessionária do crédito derivado das cotas
de consórcio canceladas em questão (cotas de consórcio 0231-01 e 0517-01,
dos grupos n.ºs 002912 e 002709, contratos n.ºs 0190677730 e 0190052454) a
fim de viabilizar pagamentos oportunos dos créditos em questão à demandante.
Em razão da sucumbência, a ré foi condenada ao pagamento das custas e
despesas processuais, além de honorários advocatícios, que fixou em 10% sobre
o valor atribuído à causa, nos termos do art. 85, § 2º, do CPC.
Entendeu, em síntese, o r. julgado que “a jurisprudência do E. TJSP está
pacificada no sentido de que as cotas de consórcio canceladas são passíveis
de cessão quanto aos direitos creditórios independentemente de anuência da
administradora, admitindo-se, inclusive, a via judicial para o implemento das
anotações pretendidas pela autora”, tudo em conformidade ao Enunciado nº
16 da Seção de Direito Privado e para se evitar pagamentos a pessoa diversa da
atual titular do crédito, além de garantir a eficácia da cessão, nos termos dos arts.
286 e 290 do CC.
A administradora de consórcio ré apela às págs. 309/332 com vistas à re-
forma do julgado. Inicialmente, pede o recebimento do recurso no duplo efeito
e sustenta, em preliminar, ausência do interesse de agir.
No mérito, afirma que há cláusula proibitiva da cessão de crédito em con-
formidade à previsão do art. 286 do CC e sustenta a impossibilidade de sub-ro-
gação nas prerrogativas de consorciado pela autora consoante o art. 13 da Lei
de Consórcio, pois esta não passou a integrar a relação contratual de consórcio
e apenas se tornou credora de um crédito a ser constituído por meio da cessão
particular baseada nos arts. 286 e ss., do CC. Pede a revisão do Enunciado nº 16,
considerada a nítida contradição com o entendimento do STJ e, ao final, reiterou
a impugnação ao valor atribuído à causa.
O recurso foi processado e respondido (págs. 362/384).
Houve oposição ao julgamento virtual (pág. 393).





É o relatório.
Inexiste óbice ao conhecimento do recurso.
Narra a inicial que a empresa autora é cessionária de cota de consórcio
cancelada e a ré, administradora do consórcio, disso foi notificada.
Dessa forma, a ação foi ajuizada para que a ré anote em seu sistema a con-
dição da demandante de cessionária do crédito da cota de consórcio cancelada
a fim de que a demandada se abstenha de efetuar o pagamento ao consorciado
cedente, sob pena de ter de fazê-lo novamente.
Inicialmente, anote-se que não há motivos para a atribuição de efeito sus-
pensivo ao recurso, não havendo qualquer indicação de risco grave ou de difícil
reparação, anotado também o pronto julgamento da apelação.
Com relação à matéria preliminar, não há que se falar em falta de interes-
/> se de agir, pois o interesse processual da autora emerge da pretensão de regula-
rizar a cessão do crédito atinente à cota administrada pela apelante.
Em relação ao valor da causa, da mesma forma, melhor sorte não assiste
à apelante, pois, conforme bem asseverado pela r. sentença: A impugnação ao
valor da causa pese tenha sido apresentada na peça defensiva trazida em dupli-
cidade não merece guarida, porque ele diz com o crédito que alega ter a parte
autora a receber, ainda que se pretenda, meramente, anotação (pág. 289).
Superada a matéria preliminar, passa-se ao exame do mérito.
Nos moldes relatados, a ação foi julgada procedente, mas, em que pese
o respeito ao entendimento adotado em primeiro grau, razão assiste à ré para a
reforma da sentença, pois, não obstante a validade da cessão de crédito, nada
obriga a administradora do consórcio anotar em seus registros que a autora se
sub-rogou aos direitos do cedente da cota de consórcio, entendimento em con-
formidade a recentíssimo precedente do C. STJ1:
RECURSO ESPECIAL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE OBRI-
GAÇÃO DE FAZER. CONSÓRCIO. COTA CANCELADA. CESSÃO DE
CRÉDITO. REGISTRO A PEDIDO DO CESSIONÁRIO. ADMINISTRA-
DORA. OBRIGATORIEDADE. AUSÊNCIA. 1. A controvérsia principal
dos autos resume-se em definir se a administradora de consórcio é obri-
gada a efetuar o registro, em seus assentamentos, a pedido do cessioná-
rio, de cessão de direitos creditórios inerente à cota de consórcio cance-
lada. 2. Hipótese na qual não se questiona, propriamente, a validade e
eficácia da cessão de crédito, mas apenas o dever de anotação e registro
do negócio jurídico celebrado pelo consorciado com um terceiro, e a pe-
dido deste, nos assentamentos cadastrais da administradora de consór-
cio. 3. Não há, nem na Lei nº 11.795/2008 nem nas normas editadas pelo
órgão regulador e fiscalizador (Resolução BCB nº 285/2023), nenhuma
disposição obrigando a administradora de consórcio a efetuar o registro
da cessão de direitos creditórios, a pedido do cessionário, com o qual

aquela não mantém nenhum vínculo obrigacional. 4. Ao efetuar a aqui-
sição de direitos creditórios inerentes a cotas de consórcios canceladas,
notadamente diante da existência de previsão legal e contratual especí-
fica exigindo a prévia anuência da administradora, deve o cessionário
assumir os riscos de sua atividade, não podendo impor à administradora
de consórcios obrigações que ela só tem para com o próprio consorcia-
do. 5. Recurso especial provido.
De referido voto condutor extrai-se a seguinte passagem, que bem ilustra
1REsp 2183131 / SP; julgamento pela T3 - Terceira Turma; Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas
Cueva; data de julgamento: 18/3/2025; publ. 24/3/2025.

a questão:
No caso em apreço, conforme destacado pelo recorrente, existe
convenção expressa, no Regulamento do Consórcio, dispondo o seguinte:
“(...)

7.1. a Administradora não autoriza a transferência de titularidade
de cotas canceladas/excluídas sem que exista uma comprovação
real da necessidade dessa operação, em atenção aos controles de
PLD/FT.
Conforme monitoramento do segmento de consórcios pelo Banco
Central do Brasil e pela ABAC - Associação Brasileira de Admi-
nistradoras de Consórcio, as transferências de cotas nessa situa-
ção apresentam riscos elevados e precisam ser realizadas de forma
atenta e criteriosa por todas as empresas do segmento” (e-STJ fl.
287).
A princípio, portanto, sem que seja questionada a validade de tal
cláusula à luz das normas existentes no Código de Defesa do Consumi-
dor, também aplicáveis aos consórcios, haveria de ser observada a livre
convenção das partes, sobretudo por haver previsão específica na Lei nº
11.795/2008, que dispõe sobre o Sistema do Consórcio, prevendo que “os
direitos e obrigações decorrentes do contrato de participação em grupo
de consórcio, por adesão, poderão ser transferidos a terceiros, mediante
prévia anuência da administradora” (art. 13).
De todo modo, esse não é o aspecto mais importante para a solu-
ção da controvérsia, tendo em vista que, na presente demanda, não se
questiona, propriamente, a validade e eficácia da cessão de crédito, mas
apenas o dever de anotação e registro do negócio jurídico celebrado
pelo consorciado com um terceiro, e a pedido deste, nos assentamentos
cadastrais da administradora de consórcio.
Não há, contudo, nem na Lei nº 11.795/2008 nem nas normas edi-
tadas pelo órgão regulador e fiscalizador (Resolução BCB nº 285/2023),
nenhuma disposição obrigando a administradora de consórcio a efetuar
o registro da cessão de direitos creditórios, a pedido do cessionário, com
o qual aquela não mantém nenhum vínculo obrigacional.
A propósito, pela leitura das disposições contidas na Resolução
BCB nº 285/2023, é possível perceber que o dever de manter atualiza-
das informações cadastrais e de apresentar relatórios, demonstrativos e
informações variadas está sempre relacionado ou com o próprio órgão
fiscalizador ou com o consorciado, inclusive o excluído por desligamento
ou desistência.
Em tais circunstâncias, ao efetuar a aquisição de direitos credi-
tórios inerentes a cotas de consórcios canceladas, notadamente diante
da existência de previsão legal específica exigindo a prévia anuência da
administradora, deve o cessionário assumir os riscos de sua atividade,
não podendo impor à administradora de consórcios obrigações que ela
só tem para com o próprio consorciado.
E ainda que seja válida a cessão de crédito - questão que, como já
dito, não é objeto da presente demanda -, sua eficácia dependeria, ape-
nas e tão somente, da notificação do devedor, nos moldes do art. 290 do
Código Civil, pelos mais variados meios admitidos, não havendo, contu-
do, a obrigatoriedade do registro na forma pretendida pela autora.
Assim, tendo em vista que no caso trazido a exame também não se ques-
tiona a validade e eficácia da cessão de crédito, mas apenas o dever de anotação
e registro do negócio jurídico celebrado pelo consorciado com um terceiro2 nos
assentamentos cadastrais da administradora de consórcio, a ação deve ser jul-
gada improcedente em razão do recente entendimento adotado pelo C. STJ, que
também explicita que a autora deve suportar os riscos de sua atividade.
Em razão da inversão do julgado, condeno a autora a arcar com as custas
e despesas do processo, além de honorários de advogado, que arbitro em 15%
do valor da causa levando-se em conta a sucumbência recursal (pág. 290).
Pelo exposto, voto pelo PROVIMENTO do recurso.