APELAçãO – DIREITO CIVIL. APELAÇÃO. RESCI- SÃO CONTRATUAL COM DEVOLUÇÃO DE VA- LORES. CONTRATO DE INVESTIMENTO COM PROMESSA DE RENDA FIXA. RISCO NÃO IN- FORMADO. OCULTAÇÃO DE INFORMAÇÕES RELEVANTES. RESPONSABILIDADE SOLI- DÁRIA. SENTENÇA DE PROCEDENCIA. ILE- GITIMIDADE PASSIVA DOS RÉUS AFASTADA. APLICABILIDADE DO CDC. MANTIDA A R. SEN- TENÇA RECURSOS NÃO PROVIDOS. I. Caso em Exame 1.Ação de rescisão de contrato cc devolução de dinhei- ro sob o fundamento de que o autor aceitou proposta de investimento em fundo de renda fixa, que prome- tia liquidez diária e segurança. Contudo, após alte- rações no regulamento do fundo, o prazo de resgate foi alterado e o autor não conseguiu resgatar o valor investido, além de sofrer desvalorização de -84,96% devido ao inadimplemento de operações na carteira do fundo. II. Questão em Discussão 2. A questão em discussão consiste em (i) a responsabi- lidade dos réus pela rescisão do contrato e devolução dos valores investidos, (ii) a aplicação do Código de Defesa do Consumidor ao caso, e (iii) a legitimidade dos réus para figurarem no polo passivo da demanda. III. Razões de Decidir 3. A responsabilidade dos réus é objetiva, conforme o art. 14 do Código de Defesa do Consumidor, devido a falha na prestação de serviços e má gestão do fundo de investimentos. 4. O Código de Defesa do Consumidor é aplicável, 193 pois o autor é o consumidor dos serviços prestados pelos réus, sendo parte vulnerável às ações dos réus. 5. O investimento foi ofertado como de baixo risco e Jurisprudência - Direito Privado liquidez diária, o que se revelou inverídico, violando os deveres de transparência e informação. 6. A não divulgação de fatos relevantes configura omissão dolosa. 7. A perda expressiva do valor investido (84,96%) e a negativa de resgate demonstram descumprimento contratual e falha na prestação do serviço, diante da deficiência de informações ao consumidor. 8. A responsabilidade solidária se impõe entre os agentes que atuaram de forma conjunta, inclusive com sucessão societária dissimulada. 9. Rescisão contratual em face do consumidor que é medida de rigor. IV. Dispositivo e Teses 10. Recursos não providos. Tese de julgamento: 1. É nulo o contrato de investimento firmado com base em informações omissas sobre o risco e a liqui- dez do fundo. 2. Respondem solidariamente os agentes que oculta- ram informações essenciais e promoveram produto incompatível com o perfil do investidor, revelando má gestão do fundo de investimentos. Legislação Citada: Código de Defesa do Consumidor, arts. 6º, 7º, pará- grafo único, e 14. CF/1988, art. 5º, XXXII; CC, arts. 421, 422 e 927. Jurisprudência Citada: STF, AO 2063, AgR/CE, rel. original. Min. Marco Aurélio, vermelho. p/ ac. Min. Luiz Fux, julgado em 18/05/2017. STJ, AgInt no AREsp 1604570/GO, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, 2ª Turma, j. em 24/08/2020. STJ, REsp 1599745/SP, Rel. Min. Paulo de Tarso San- severino, j. 25.10.2018.(TJSP; Processo nº 1024312-83.2023.8.26.0562; Recurso: Apelação; Relator: ACHILE ALESINA; Data do Julgamento: 13 de maio de 2025)
, em 15ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça
de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento aos recursos.
V.U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. (Voto
nº 36.850)
Jurisprudência - Direito Privado
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores ACHILE
ALESINA (Presidente), MENDES PEREIRA e ELÓI ESTEVÃO TROLY.
São Paulo, 13 de maio de 2025.
ACHILE ALESINA, Relator.
EMENTA: DIREITO CIVIL. APELAÇÃO. RESCI-
SÃO CONTRATUAL COM DEVOLUÇÃO DE VA-
LORES. CONTRATO DE INVESTIMENTO COM
PROMESSA DE RENDA FIXA. RISCO NÃO IN-
FORMADO. OCULTAÇÃO DE INFORMAÇÕES
RELEVANTES. RESPONSABILIDADE SOLI-
DÁRIA. SENTENÇA DE PROCEDENCIA. ILE-
GITIMIDADE PASSIVA DOS RÉUS AFASTADA.
APLICABILIDADE DO CDC. MANTIDA A R. SEN-
TENÇA RECURSOS NÃO PROVIDOS.
I. Caso em Exame
1.Ação de rescisão de contrato cc devolução de dinhei-
ro sob o fundamento de que o autor aceitou proposta
de investimento em fundo de renda fixa, que prome-
tia liquidez diária e segurança. Contudo, após alte-
rações no regulamento do fundo, o prazo de resgate
foi alterado e o autor não conseguiu resgatar o valor
investido, além de sofrer desvalorização de -84,96%
devido ao inadimplemento de operações na carteira
do fundo.
II. Questão em Discussão
2. A questão em discussão consiste em (i) a responsabi-
lidade dos réus pela rescisão do contrato e devolução
dos valores investidos, (ii) a aplicação do Código de
Defesa do Consumidor ao caso, e (iii) a legitimidade
dos réus para figurarem no polo passivo da demanda.
III. Razões de Decidir
3. A responsabilidade dos réus é objetiva, conforme o
art. 14 do Código de Defesa do Consumidor, devido a
falha na prestação de serviços e má gestão do fundo
de investimentos.
4. O Código de Defesa do Consumidor é aplicável,
193
pois o autor é o consumidor dos serviços prestados
pelos réus, sendo parte vulnerável às ações dos réus.
5. O investimento foi ofertado como de baixo risco e
Jurisprudência - Direito Privado
liquidez diária, o que se revelou inverídico, violando
os deveres de transparência e informação.
6. A não divulgação de fatos relevantes configura
omissão dolosa.
7. A perda expressiva do valor investido (84,96%) e
a negativa de resgate demonstram descumprimento
contratual e falha na prestação do serviço, diante da
deficiência de informações ao consumidor.
8. A responsabilidade solidária se impõe entre os
agentes que atuaram de forma conjunta, inclusive
com sucessão societária dissimulada.
9. Rescisão contratual em face do consumidor que é
medida de rigor.
IV. Dispositivo e Teses
10. Recursos não providos.
Tese de julgamento:
1. É nulo o contrato de investimento firmado com
base em informações omissas sobre o risco e a liqui-
dez do fundo.
2. Respondem solidariamente os agentes que oculta-
ram informações essenciais e promoveram produto
incompatível com o perfil do investidor, revelando má
gestão do fundo de investimentos.
Legislação Citada:
Código de Defesa do Consumidor, arts. 6º, 7º, pará-
grafo único, e 14.
CF/1988, art. 5º, XXXII; CC, arts. 421, 422 e 927.
Jurisprudência Citada:
STF, AO 2063, AgR/CE, rel. original. Min. Marco
Aurélio, vermelho. p/ ac. Min. Luiz Fux, julgado em
18/05/2017.
STJ, AgInt no AREsp 1604570/GO, Rel. Min. Mauro
Campbell Marques, 2ª Turma, j. em 24/08/2020.
STJ, REsp 1599745/SP, Rel. Min. Paulo de Tarso San-
severino, j. 25.10.2018.
VOTO
Trata-se de recursos à r. sentença de fls. 1503/1522, proferida pelo MM.
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Juiz de Direito, Dr. Rodrigo Garcia Martinez, que, nos autos da ação de rescisão
de contrato ajuizada pelo apelado, julgou procedentes os pedidos deduzidos.
Recorrem os réus e buscam a reforma da sentença, cada qual na parte em que
restou vencido.
Jurisprudência - Direito Privado
Recursos regularmente processados e respondidos às fls. 1956/1984.
Oposição ao julgamento virtual manifestada pelas rés PIPA FIRF LP (fl.
1988), VANQUISH CAPITAL LTDA (fl. 1996), BANCO MODAL S/A (fl.
2000).
É o relatório.
JOSÉ CARLOS MORELLI propôs a presente ação de rescisão de contra-
to c.c cobrança em face de Banco Modal S.A, Infinity Asset Management Ad-
ministração de Recursos Ltda. (“INFINITY ASSET”), Infinity Select Fundo de
Investimento Renda Fixa Longo Prazo (atual razão social Vanquish Pipa FIRF
LP), Vanquish Asset Management Ltda. (“Vanquish Asset”) e RJI Corretora de
Títulos e Valores Mobiliários Ltda., alegando, em síntese, que, em meados de
abril de 2022, o autor acabou aceitando uma proposta de investimento, formu-
lada por um dos assessores financeiros do BANCO MODAL, consistente no
aporte de recursos no fundo de investimento denominado INFINITY SELECT
FI RF. Este investimento garantiria-lhe rendimentos promissores, além de dis-
por de certa segurança, por se tratar de um fundo de investimento de renda
fixa. Ainda, asseverou-lhe que tal tipo de investimento adequava-se ao seu perfil
conservador, de modo que poderia, com facilidade, efetuar o resgate imediato
do valor investido (isto é, liquidez diária ou “D+0”). Todavia, em 06/03/2023,
o Autor tentou resgatar todo o valor investido, de R$ 217.918,50 (duzentos e
dezessete mil, novecentos e dezoito reais e cinquenta centavos), mas não logrou
êxito algum, em virtude da alteração do regulamento do fundo, alguns dias an-
tes, em 03/03/2023, de forma que o novo prazo de resgate passou a ser D+75,
com mais um dia útil para realização do pagamento, totalizando, assim, 76 (se-
tenta e seis) dias. Posteriormente, o autor descobriu que, em 07/02/2023, a ad-
ministradora do fundo, a corré RJI CORRETORA DE TÍTULOS E VALORES
MOBILIÁRIOS LTDA, reportou o fechamento deste em razão da iliquidez dos
ativos componentes da sua carteira, o que levou, em 28/02/2023, à instalação de
uma assembleia geral, com o escopo de aprovar a seguinte proposta da gestora
à época (INFINITY ASSET): reabertura do fundo para resgates, desde que o
pagamento das cotas, no caso de resgate, ocorresse em D+75. Além disto, no
dia indicado para o resgate (19/05/2023), o Autor recebeu um comunicado de
um fato relevante, ocorrido no dia 17/05/2023, divulgado pela administradora
do fundo, levando a um novo fechamento da carteira, para resgates. Consequen-
temente, em decorrência dos atos acima, o Autor ficou impedido de resgatar
seus investimentos, apesar da solicitação formal efetuada no dia 06/03/2023.
Como se tudo isto não fosse suficiente, ainda, à véspera de se expirar o referi-
do prazo para resgate, as corrés RJI CTVM LTDA (administradora) e INFINI-
TY SELECT FIRF (razão social alterada para VANQUISH PIPA FIRF LP) em
19/05/2023, emitiram um novo comunicado de fato relevante, informando aos
Jurisprudência - Direito Privado
cotistas o reajuste da carteira do fundo, acabando por deteriorar no percentual
de (-)84,96% por “inadimplemento das operações na carteira intituladas “BOX
PU” cuja opção foi exercida”. Dessa forma, não só o Autor teve seu resgate
impedido de ser realizado, mas também suportou a desvalorização do seu inves-
timento, com a perda de -84,96% deste total. Asseverou que, na época dos seus
aportes, não lhe foi noticiado que os principais executivos da corré INFINITY
ASSET, desde o ano de 2020, já vinham sendo investigados pela Comissão de
Valores Mobiliários (CVM), por graves falhas da administração e da gestão.
Além disto, foi-lhe omitido, também, que a ANBIMA divulgou o desligamento
da então gestora do fundo INFINITY SELECT FI RG (INFINITY ASSET),
devido à penalidade decorrente do Processo de Regulação e Melhores Práticas
nº ART004/2020, o que levou ao expressivo número de resgates, em dezembro
de 2022, os quais superaram 50% (cinquenta por cento) do capital financeiro,
o que teria sido o gatilho da iliquidez do referido fundo de investimentos fato
omitido pelas corrés já na época da adesão ao referido fundo. Todavia, o corréu
Banco MODAL, mesmo sabendo de todas as condutas ilícitas e má gestão do
FUNDO INFINITY, continuou vendendo este fundo para seus clientes, inclu-
sive ao autor. Por outra banda, a Gestora do fundo não informou a composição
da carteira, tampouco o lastro financeiro da custódia/posição, de modo que, em
março/2023, o fundo chegou a possuir 72,59% do seu patrimônio líquido aloca-
do em “outras aplicações”, em vez de priorizar pela renda fixa. Em 30/03/2023,
a auditora independente AUDIPEC - AUDITORIA E PERÍCIA CONTÁBIL
S/S exarou Relatório dos Auditores Independentes com ressalva que em dezem-
bro/2022, o fundo possuía investimento em operações de Box no montante de
72,59% do patrimônio líquido, mensuradas pela taxa da operação e negociadas
no mercado de balcão, sem garantia, configurando maior risco de crédito para
a carteira do fundo, condicionada diretamente à capacidade da contraparte em
honrar as suas obrigações financeiras. Posteriormente, em 19/05/2023, a nova
Gestora (VANQUISH ASSET), informou que a desvalorização de 84,96% da
carteira do fundo decorrera da aplicação de 100% (cem por cento) de PDD (Pro-
visão para Devedores Duvidosos), do ativo IDI’s Flexíveis, não liquidadas em
17/05/2023. A Corré RJI (administradora do fundo), contratou nova gestora, a
corré VANQUISH ASSET MANAGEMENT LTDA., contudo, esta última de-
tém, no seu quadro de sócios, os sócios retirantes da antiga Gestora (INFINITY
ASSET MANAGEMENT), configurando sucessão empresarial, para burlar re-
gras impostas pela ANBIMA. Dessa forma, requer (i) o deferimento de limi-
nar, determinando o arresto da quantia de R$ 217.918,50 (duzentos e dezessete
mil, novecentos e dezoito reais e cinquenta centavos), (ii) a ação seja julgada
196
procedente, confirmando a tutela concedida, declarando a rescisão do contrato
firmado entre as partes e condenando as rés, solidariamente, a pagarem a quantia
acima, em favor da parte autora. Subsidiariamente, na eventual impossibilidade
de cumprimento da obrigação, requer-se a conversão em perdas e danos, nos
Jurisprudência - Direito Privado
termos do artigo 499 do Código de Processo Civil.
Banco Modal contestou a fls. 322/348. Alegou, preliminarmente, ausência
de interesse de agir e ilegitimidade passiva, visto que s atos questionados pelo
autor foram praticados apenas pela Administradora e pela Gestora (as quais têm
deveres e responsabilidades próprias), não cabendo qualquer responsabilidade à
contestante, na condição de Distribuidora de Valores, quanto aos valores inves-
tidos. No mérito, defende que não recebeu qualquer valor da parte autora, atuan-
do como mera intermediária da negociação de valores mobiliários, de modo
que apenas divulgava informações aos clientes sobre o fundo e intermediava
negócios, por meio de sua plataforma. A Modal DTVM não possui qualquer
obrigação ligada à evolução e performance desse investimento, pois não tem
nenhuma ingerência sobre os ativos que compunham a carteira do fundo, ou so-
bre a prática dos atos administrativos necessários ao seu regular funcionamento.
Arguiu que cumpriu seu dever de manter todos os clientes/investidores
informados a respeito o de todos os fatos relevantes de que teve ciência. So-
mente em 19/12/2022, pela primeira vez, tornou-se pública informação de des-
credenciamento do Fundo. Nesse sentido, diante do comunicado da ANBIMA,
a Ré Modal DTVM imediatamente contatou os representantes da Infinity Asset
Management para obter maiores explicações. Ante o potencial da informação
de afetar o Fundo e o valor de suas cotas, a Modal DTVM optou por suspender
temporariamente as aplicações realizadas junto ao Infinity, bem como expediu
comunicado de fato relevante, em 20 de dezembro de 2022, a todos os clientes
que já haviam adquirido cotas do Fundo, inclusive o Autor, através do e-mail
piola.loterias@uol.com.br, de modo que poderia, nesta data, ter resgatado a in-
tegralidade de seu investimento. Posteriormente enviou-lhes outro e-mail. infor-
mando-o acerca do fechamento do Fundo Infinity para resgates, em 18.05.2023.
Tal fechamento foi resultado direto da corrida por resgates do Fundo Infinity,
que ocorreu após notícia do descredenciamento, em dezembro de 2022. Pos-
teriormente, em conformidade com a assembleia realizada em 28/02/2023, foi
deliberada a reabertura do fundo e a modificação do prazo de resgate para D+75.
No dia 17/05/2023, o Fundo Infinity foi novamente encerrado para resgates e
novas aplicações, com base na mesma justificativa de falta de liquidez dos ati-
vos e na necessidade de realizar uma avaliação aprofundada. Poucos dias de-
pois, em 19/05/2023, a administradora, RJI, comunicou um novo fato relevante
bastante impactante, diga-se. Pelo que foi informado, as cotas do Fundo Infinity
teriam sofrido um reajuste de - 84,96% (menos oitenta e quatro vírgula noventa
e seis por cento) em seus valores, , em razão de constituição de provisão de de-
vedores duvidosos, fruto de inadimplemento da contraparte de operações com
derivativos detidas em carteira do fundo. Desta forma, antes de dezembro de
2022 a Modal DTVM não possuía ciência do descredenciamento da Infinity
Jurisprudência - Direito Privado
Asset Management, nem do processo na ANBIMA; enquanto os fatos que leva-
ram aos seguidos fechamentos do Fundo Infinity, à alteração da regra de resgate
e, posteriormente, ao reajuste das cotas, não possuíam nenhuma ligação com
a Modal DTVM que atuou como mero intermediador na negociação dos ati-
vos. Consequentemente, a Modal DTVM cumpriu seu dever de manter todos os
clientes/investidores informados a respeito de todos os fatos relevantes de que
teve ciência, bem como aqueles comunicados pela administradora, RJI. Dessa
forma, requereu a improcedência dos pedidos da ação. Juntou documentos.
Infinity Select Fundo de Investimento Renda Fixa Longo Prazo, atual ra-
zão social Vanquish Pipa FIRF LP (Fundo de Investimento Réu), contestou a fls.
484/518. Preliminarmente, alega ausência de interesse de agir e ilegitimidade
passiva. No mérito, aduz que o autor não traz qualquer comprovação documen-
tal de que teria efetuado alguma solicitação de resgate, nem que os pedidos de
resgate efetuados após o fechamento do fundo são inexigíveis. Desta forma, o
autor agiu de forma precipitada, visto inexistir algum dano, que não pode ser
presumido apenas pelo fechamento do fundo de investimentos para resgates. O
ato de fechamento do Fundo Vanquish Pipa foi efetivado de forma regular, visto
que se trata de uma faculdade atribuída a seu administrador, no caso excepcional
de iliquidez. Além disso, o Autor também ignorou que os riscos são inerentes
à natureza de qualquer investimento, na medida em que buscam simplesmente
serem “restituídas” na integralidade do valor inicialmente aportado, sem con-
siderar que a desvalorização de suas cotas decorreu da natureza da operação
que ele escolheu efetuar. Segundo o Regulamento do Fundo, a cotização para
resgate deve observar o prazo de 75 dias, o que se daria em 02 de junho de 2023,
de maneira que não há liquidez do valor pretendido pelo autor. Aduzem, ainda,
que à época do fechamento do Fundo os emitentes dos títulos de crédito, com-
ponentes da carteira do Fundo réu, estavam inadimplentes com as obrigações de
pagamento das parcelas descritas nos referidos títulos, tendo alguns deles soli-
citado recuperação judicial ou mesmo tido a sua falência decretada, situações
que ocasionaram a inadimplência quase que integral dos ativos que compõem
a carteira do Fundo réu, razão pela qual a Resolução 555 CVM autorizava à
administradora o fechamento do Fundo. No caso de resgate das cotas, o cálculo
do valor devido não é aquele solicitado pelo Autor, mas sim o valor da cota no
encerramento do dia do pedido de resgate (o resultado da divisão do valor do
patrimônio líquido pelo número de cotas). Logo, o valor a lhe ser pago é o valor
da cota do Fundo Réu na data da conversão do pedido de resgate das cotas em
dinheiro (D+75 dias do pedido de resgate), na data de 20.05.2023 (multiplicado
pelo número de cotas adquiridas pelo Autor), nos exatos termos fixados pela
198
Cláusula 5.2 do Regulamento do Fundo. O fundo réu não tem legitimidade para
discutir as alegações de supostas condutas ilícitas (dolosas) atribuídas pelo autor
aos seus prestadores de serviços, visto que o Fundo réu não se confunde com a
sua gestora (Vanquish Asset Management Ltda.). A Administradora do Fundo
Jurisprudência - Direito Privado
não exerceu qualquer função relacionada com a gestão da carteira, sem qualquer
envolvimento nas decisões de investimento, alocação de recursos ou tomada de
decisões relacionadas à valorização ou desvalorização das cotas do fundo de
investimento”. Por fim, arguiu que a parte autora concordou com os termos do
negócio firmado, submetendo-se a eventuais riscos. Dessa forma, requereu a
improcedência dos pedidos da ação.
RJI Corretora de Títulos e Valores Mobiliários LTDA. (administrador do
Fundo) contestou a fls.617/640. Preliminarmente, alega ausência de interesse
de agir, em virtude da inexistência de dano atual, ilegitimidade passiva (pois
jamais prestou algum serviço ao autor) e incompetência, por cláusula de eleição
de foro. No mérito, argui que jamais prestou serviço algum ao autor, tendo ape-
nas prestado os serviços de administração fiduciária e de custódia de ativos ao
Fundo Vanquish Pipa. Defende a inexistência de qualquer falha no cumprimento
das obrigações. Dessa forma, requereu a improcedência dos pedidos da ação.
VANQUISH CAPITAL LTDA. (“Vanquish”), gestora da carteira do
Fundo, cuja denominação passou a ser VANQUISH ASSET MANAGEMENT
LTDA., contestou a fls. 739/775. Alegou ilegitimidade de parte do autor (pois
somente o Fundo suportou danos) e incompetência, ante a cláusula e eleição de
foro, não se aplicando as normas consumeristas. Reiterou as matérias acima, as
das outras defesas, asseverando que a Vanquish e seus sócios jamais tiveram
qualquer participação nos atos que levaram ao fechamento do Fundo Pipa. Em-
bora a Anbima tenha afirmado que houve uma “percepção do mercado” e uma
“aparência” de que os sócios da Infinity teriam se transferido para a Vanquish,
com o escopo de burlar as sanções imposta pela Anbima à Infinity, tal fato ja-
mais ocorreu. Em uma Ação Anulatória, proposta pela contestante, ela demons-
trou que apenas alguns dos seus sócios são alguns daqueles que participaram do
quadro societário da Infinity, mas figuraram nessa condição por um curto perío-
do, cuja participação era “minoritaríssima”. As negociações com a ICP, contra-
parte das operações Box PU inadimplidas, seguem em curso e a Vanquish vem
auxiliando o Fundo e os seus cotistas a encontrar a melhor solução para questão.
INFINITY ASSET MANAGEMENT ADMINISTRAÇÃO DE RECUR-
SOS LTDA. (“Infinity”- antiga gestora do Fundo), contestou a fls. 1023/1050.
Em suma, preliminarmente aduz incompetência, em virtude da cláusula de elei-
ção de foro, e ilegitimidade passiva (por jamais ter celebrado contrato com o
autor, além de não ser mais a gestora do fundo). A assembleia geral de cotistas
deliberou a substituição da contestante pela Vanquish Asset, atual gestora do
Fundo Vanquish Pipa. O fato de ex-sócios da Infinity integrarem o quadro so-
cietário da Vanquish Asset em nada aproxima essas duas sociedades. A relação
entre cotista e Fundo de Investimento não é de consumo e, assim, não se aplicam
a ela as normas do Código de Defesa do Consumidor. No que se refere especi-
Jurisprudência - Direito Privado
ficamente ao desligamento da Infinity pela ANBIMA, a questão é atualmente
discutida no processo nº 0118897-47.2021.8.19.0001, em trâmite no Tribunal
de Justiça do Rio de Janeiro. Na referida ação, a Infinity busca a anulação da de-
cisão da ANBIMA de rescisão do seu vínculo associativo, em razão de violação
do contraditório e ampla defesa em seu procedimento administrativo interno.
Enquanto a contestante era gestora do Fundo, ela agiu seguindo a legislação
aplicável para preservar os ativos do fundo, fechando-o para resgate e modi-
ficando seu prazo de resgate. A possibilidade de fechamento de um fundo de
investimentos é autorizada expressamente pelo art. 39 da Resolução da CVM,
555/2014. Após esse prazo, a nova gestora não honrou as obrigações assumi-
das, de modo que não pode a contestante continuar a ser responsabilizada por
uma conduta que não deu causa. Assim, negou qualquer gestão temerária do
Fundo. As operações de BOX são consideradas de renda fixa, embora possam
resultar em significativas perdas patrimoniais para seus cotistas, especialmente
porque o Fundo Vanquish Pipa se tratava de um produto com alta rentabilidade,
que destoava positivamente dos demais fundos de renda fixa do mercado, cujo
performance estava acima do CDI. Por fim, o desenquadramento passivo não
caracteriza inadimplemento ou violação ao regulamento do fundo, pois o gestor
não está sujeito às penalidades aplicáveis pelo descumprimento dos limites de
concentração, diversificação de carteira e concentração de risco definidos no
regulamento.
Réplica (fls.1212/1234).
Instados a especificarem as provas que pretendiam produzir (fl. 1318), as
partes se manifestaram da seguinte forma:
INFINITY (fls. 1321/1323), alega como fato incontroverso: Operações
de BOX PU sempre foram divulgadas pela Infinity; que a situação do fundo era
publica e disponível ao autor; que, houve a divulgação do fechamento do fun-
do, dentro dos parâmetros determinados pela CVM; que, devido a iliquidez do
Fundo, foi deliberado entre os cotistas seu fechamento para resgates, o que foi
feito quando a Infinity não era mais gestora. Requereu o julgamento antecipado
da lide.
VANQUISH PIPA FIRF LP (Fls. 1384/1392), e RJI CORRETORA (fls.
1429/1437) manifestaram desinteresse em realizar novas provas e requereu o
julgamento antecipado da lide. Entende como incontroversos: (i) a ausência res-
ponsabilidade por parte da RJI; (ii) a inexistência de qualquer falha; e (iii) que,
quando for reaberto, o valor de resgate será limitado ao atual valor de suas cotas.
JOSÉ CARLOS MORELLI (fls. 1496/1502) requereu o julgamento ante-
cipado da lide. Reiterou os pontos expostos na inicial e em réplica.
200
Sobreveio a r. sentença de fls. 1503/1522, que julgou procedente a ação
e declarou a rescisão do contrato celebrado entre as partes, condenando os réus
solidariamente ao pagamento de R$ 217.918,50 ao autor, corrigidos monetaria-
mente desde o ajuizamento da ação e com juros de mora à taxa legal desde a
Jurisprudência - Direito Privado
citação.
Diante da sucumbência, condenou os réus ao pagamento de honorários
advocatícios em favor do patrono do autor, fixados em 10% do valor da conde-
nação.
Recorrem os réus.
INFINITY ASSET MANAGEMENT ADMINISTRAÇÃO DE RECUR-
SOS LTDA. (fls. 1591/1605), alegando incompetência do juízo ante a cláusula
de eleição de foro no regulamento do fundo Vanquish Pipa; ilegitimidade pas-
siva; inaplicabilidade do CDC, por inexistência de relação de consumo; que
a sentença partiu de premissas fáticas equivocadas. Afirma que o apelado foi
informado e estava ciente dos riscos e só decidiu sair do negócio quando julgou
que a operação não lhe interessava mais economicamente, após já materializado
o risco. Busca a reforma do decidido.
BANCO MODAL S/A (fls. 1609/1630) alegando ilegitimidade passiva;
condenação com base em conjecturas. Aduz que as distribuidoras/intermediárias
não detém qualquer participação ou possibilidade de ingerência nas decisões
acerca de sua gestão e administração, que são tomadas exclusivamente pelos
administradores e gestores dos fundos. Afirma a impossibilidade de restituição
de valores. Busca a reforma da r. sentença.
VANQUISH CAPITAL LTDA (fls. 1639/1680), preliminares de incom-
petência do juízo e ilegitimidade ativa de José Carlos. No mérito, alega ausên-
cia de responsabilidade dos sócios; inaplicabilidade do CDC; que, aplicação do
CDC não exclui a necessidade de se comprovar dolo ou má-fé ou pelo menos
nexo de causalidade. Busca a reforma da r. sentença.
PIPA FIRF LP (fls. 1822/1841) preliminar de ilegitimidade passiva; que,
é necessária a distinção entre a figura do fundo e de seus prestadores de serviço;
impossibilidade de cumprimento do pedido de resgate no momento; inaplicabi-
lidade do CDC. Busca a extinção da ação ou alternativamente que o pedido de
resgate seja realizado no limite da cota-parte do apelado.
RJI CORRETORA DE TÍTULOS E VALORES MOBILIÁRIOS LTDA
(fls. 1915/1937) alegando inaplicabilidade do CDC; inexistência de responsabi-
lidade civil; inexistência de dolo/má-fé; que, a apelante cumpriu todas as deter-
minações da IN 555/2014 da CVM. Busca a reforma.
É a síntese do necessário.
De proemio, constata-se que todas as preliminares foram muito bem afas-
tadas em sentença.
Com efeito, apesar das alegações recursais, todos os réus são partes legi-
timas para figurarem no polo passivo da demanda.
O Código de Defesa do Consumidor é aplicável ao caso à medida em que
o autor, pessoa física, é sim consumidor dos serviços postos à sua disposição
Jurisprudência - Direito Privado
pelos réus, fornecedores de serviços, podendo ainda, como bem ponderado na r.
sentença, classifica-lo como pessoa tecnicamente vulnerável às ações dos réus.
Deve-se ter em mente que o art. 14 do Código de Defesa do Consumidor
prevê expressamente a responsabilização objetiva do fornecedor pela reparação
dos danos gerados ao consumidor em virtude de defeitos na prestação de servi-
ços.
São defeituosos, nos termos do § 1º deste dispositivo, os serviços que
não forneçam padrões adequados de segurança no modo como são prestados,
levando-se em consideração os riscos que razoavelmente deles pode-se esperar.
Note-se que, para afastar sua responsabilidade aferida aqui de maneira
objetiva caberia aos réus o ônus de demonstrar a regularidade de seus serviços
ou a ocorrência de causas excludentes, notadamente a culpa exclusiva de tercei-
ro, culpa exclusiva da vítima, caso fortuito ou força maior, porém não produzi-
ram nenhuma prova nesse sentido.
Irrefutável, portanto, a responsabilidade dos réus pelos danos causados ao
autor, verificada aqui de forma objetiva, tendo ficado demonstrado o ato ilícito
por eles perpetrado na gestão do fundo de investimentos, não se podendo con-
fundir prejuízos decorrentes de variações de mercado com danos sofridos em
decorrência da má-fé daqueles que foram contratados e estão sendo remunera-
dos para trabalhar em benefício dos investidores.
A responsabilidade é solidária, inclusive em relação ao Banco Modal,
que ao escolher e negociar com parceiros que prestarão os serviços necessários
à gestão de investimentos de seus clientes, além de assumir os riscos daquele
negócio, passa a integrar a cadeia de fornecedores daqueles serviços.
Nas ações de reparação de dano por má prestação de serviços, envolvendo
responsabilidade civil de fornecedor de serviços, o CDC autoriza ao consumidor
o direito de demandar contra quaisquer dos integrantes da cadeia produtiva.
O art. 7º, parágrafo único, da Lei nº 8078/90 é expresso no sentido de to-
dos os qualificados como fornecedores, atuantes na mesma cadeia de consumo,
são solidariamente responsáveis pelos eventuais danos causados ao consumidor:
“Art. 7° Os direitos previstos neste código não excluem outros decorrentes
de tratados ou convenções internacionais de que o Brasil seja signatário, da
legislação interna ordinária, de regulamentos expedidos pelas autoridades
administrativas competentes, bem como dos que derivem dos princípios ge-
rais do direito, analogia, costumes e eqüidade.
Parágrafo único. Tendo mais de um autor a ofensa, todos responderão so-
lidariamente pela reparação dos danos previstos nas normas de consumo.”
E, quanto à alegação de ilegitimidade ativa do autor, melhor sorte não
socorre aos recorrentes. Isto porque, conforme já dito, o autor é consumidor dos
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serviços prestados pelos réus, e, titular do valor investido em produtos por estes
oferecidos, sendo-lhe legitima a pretensão de rescisão contratual e pedido de
devolução de valores que lhes pertenciam.
O interesse de agir é evidente.
Jurisprudência - Direito Privado
No mérito, a impecável sentença deve ser mantida.
O fundo de investimento apresentado ao autor, intitulado como INFINI-
TY SELECT FUNDO DE INVESTIMENTO RENDA FIXA LONGO PRA-
ZO, tem suas regras e características expostas às fls. 73/88.
Em referido documento observa-se que o fundo consiste de investimentos
de renda fixa, o que para o consumidor, pode passar a idéia de uma certa segu-
rança, que não se mostrou verdadeira no presente caso.
E, apesar de os recorrentes buscarem eximir-se da culpa, não se pode ad-
mitir a transferência de responsabilidade ao consumidor, evidenciada que está a
deficiência de informação quanto aos riscos do investimento.
Como bem ponderado na r. sentença:
“O autor aderiu ao “Fundo Infinity Select”, registrado na Comissão de
Valores Mobiliários em 23.01.2018 (conforme lâmina de informações de fls.
73/88). Desde 21.12.2020, ele era administrado pela RJI Corretora. A gestão
das carteiras do Fundo ficou, inicialmente, por conta da Infinity Asset Mana-
gement Administração de Recursos Ltda (“Infinity”), posteriormente assumida
pela VANQUISH ASSET MANAGEMENT LTDA. (“VANQUISH ASSET”). Tal
tipo de fundo fazia parte do gênero “Fundo de Renda Fixa” (aparentemente
referenciado), o qual objetivava acompanhar a variação de um determinado
“benchmark”, que no caso era o CDI. Por esse motivo, tais tipos de fundos
que se enquadrassem neste gênero, deveriam manter no mínimo 95% de seu
patrimônio investido em ativos que acompanhem o referido indicador, sendo
no mínimo 80%do patrimônio representado por títulos públicos federais, ativos
de renda fixa, de modo a serem qualificados de investimento de baixo risco de
crédito (“Fundos de Investimento - material de estudos 5 da certificação CPA-
1 (Luiz Roberto Calado et al). Este tipo de fundo era destinado para aqueles
investidores, com o perfil de risco conservador, cuja rentabilidade perseguida
deveria estar acima do CDI (benchmark) no curto, médio e longo prazo, com
liquidez diária Além disto, esses fundos deveriam incluir, na sua denominação
o índice de referência que seguem e poderiam utilizar derivativos apenas para
proteção de sua carteira (hedge). Desta forma, o Fundo Infinity Select oferecia
liquidez imediata de suas cotas (isto é, resgate D+0) e tinha como meta pos-
sibilitar aos seus cotistas rendimentos acima do CDI, mediante investimentos
em títulos públicos e privados. O referido fundo cobrava uma Taxa de admi-
nistração de 0,70% ao ano e uma Taxa de performance de 20% sobre o que
excedesse a 102% do CDI. Portanto, ao administrador e o gestor eram muito
bem remunerados, para tornar seguro e rentável um fundo que por si só já era
rentável e seguro.
Segundo o item 6.2 da lâmina de informações (fls. 78): “Para alcançar
seu objetivo são realizadas operações direcionais (compra de um determinado
Jurisprudência - Direito Privado
ativo, apostando em uma tendência) e arbitragens (operações que envolvam
a utilização simultânea de mais de um dos mercados de juros, câmbio, bolsa
e índice de preços). Por sua definição o FUNDO não terá comprometimento
em concentração de fator de risco (taxa de juros, taxa de inflação, variação
cambial, ações, etc), devendo seguir os critérios de composição e diversificação
estabelecidos neste regulamento” (grifei).
Em seguida, o seu 6.3 dispõe que: “O FUNDO pode participar de opera-
ções nos mercados de derivativos e de liquidação futura, que poderá se dar tan-
to para proteção (hedge) como para arbitragens e apostas direcionais”. Pelo
seu item 6.3.2 (fls. 79), o fundo efetuava “... operações estruturadas de opções,
com resultados pré-fixados (BOX de quatro pontas)” - as operações “Box PU”
-, além de marcação a mercado semelhante à de um título pré-fixado. Um “box
de quatro pontas”, em suma,, é uma operação estruturada de opções (envolve
mais de uma call ou uma put - respectivamente, direito de compra e direito de
venda), pela qual se compra uma Call ITM (dentro do dinheiro, isto é apresenta
um valor intrínseco), vende uma Call OTM (fora do dinheiro, isto é,, apresenta
somente um valor extrínseco, decorrente somente da especulação), compra uma
Put ITM (dentr do dinheiro) e se vende uma Put OTM (fora do dinheiro) -infe-
lizmente não há espaço nesta sentença para maiores explicações, cuja análise
e descrição podem ser consultadas no livro “Opções, Futuros e outros Deri-
vativos”, John C. Hull, pag. 279, ou “Mercado de Opções”, de Luiz Maurício
da Silva, ou buscar alguma aula no Youtube a respeito deste tipo de aplicação.
“Marcação a mercado” consiste em um tipo de operação de atualização de
ativo, trazendo-o a valor presente, para verificar uma possível lucratividade de
ganhar antes do seu vencimento (ou seja, vende-lo, antes do vencimento com o
escopo de lucro).
Assim, se o fundo não estivava comprometido com a concentração de
fator de risco, então deveriam estar, relativamente afastados, os riscos não sis-
têmicos. Por outro lado, se era efetuado um hedge, inclusive por meio de arbi-
tragens (no caso, por meio de operações “que envolvam a utilização simultânea
de mais de um dos mercados de juros, câmbio, bolsa e índice de preços”), então
o fundo deveria estar relativamente protegido contra os riscos sistêmicos.
Portanto, à luz destas características deste tipo de fundo, o autor deveria
estar protegido contra os três tipos de risco acima (além dos riscos classifica-
dos como sistêmicos e não sistêmicos, como vimos), o que justificava atribuir
ao referido fundo um baixo risco de crédito, enquanto tanto o risco de liquidez,
quanto o risco de mercado eram muito remotos, uma vez que o fundo era com-
posto por títulos mais seguros do mercado, os título públicos (é cediço que, na
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história, são raríssimos os casos de calotes do governo, aliás, justamente por
este motivo que os investidores de diversos países participam dos leilões de
títulos no Brasil). Então por qual motivo as corrés atribuíram o fracasso do
desempenho do fundo à ocorrência do risco de liquidez?
Jurisprudência - Direito Privado
Na realidade o que eles denominaram de “risco de liquidez”, na verdade
consistiu na perda de confiança da administração e gestão do Fundo, causados
pelos seus próprios administradores e gestores. A falta de liquidez, em verdade,
foi consequência dos atos destes sujeitos, ao invés de fatos que configurassem o
risco de liquidez, tais quais vistos acima, que no caso, jamais ocorreram.
Quando se fala em risco no mercado, se fala da possibilidade de ocorrer
um dano/prejuízo para todas as partes que ocupam uma ponta do negócio. A
aleatoridade faz parte da natureza juridica de qualquer investimento, a qual
atinge de forma uniforme as partes participantes deste. Alguns sujeitos podem
correr menos risco, mas tal risco não pode ser criado pelos envolvidos, tampou-
co deixar de ser informado, sob epna de não termos mais um certo risco, mas
uma fraude. Consequentemente, não pode afirmar que exista um risco de fraude
assumido por todos aqueles que compõem o mercado, sob pena de aceitarmos
o absurdo.
Além do mais, como vimos acima, administradores, gestores, distribui-
dores e intermediários devem cumprir certos deveres, sob pena de punições.
Ou seja, enquanto no âmbito do direito todo mundo conta com a presunção de
inocência, no mercado econômico ocorre algo totalmente contrário com os seus
profissionais: estes devem demonstrar a sua “inocência”, por meio do cumpri-
mento das obrigações acima elencadas, sob pena de não atrair investidores, ou
de fuga de capital, o que no caso foi o que acabou ocorrendo, especialmente a
partir do descredenciamento do gestor da Anbima.
.....
...., restou evidente que o Fundo acabou sendo composto por ativo de alto
risco (no caso, por opções das box), enquanto que o correto seria o emprego
dos derivativos como proteção da carteira, em vez do investimento principal.
Como não se lograva êxito com a operação, esta era “rolada”, ou seja, siste-
maticamente novada, enquanto os prejuízos só aumentavam. Entretanto, tudo
isto era realizado sobre a roupagem de “fundo de renda fixa”, violando as obri-
gações acima elencadas. Consequentemente, não havia outra coisa a ser feita,
senão buscar investimentos em ativos líquidos e com baixo risco de crédito, em
substituição às operações de box ilíquidas, o que NÃO foi feito.”
Conclui-se que a promessa de liquidez diária, rentabilidade e segurança
que o título renda fixa oferecia acabou por tornar-se uma inverdade.
Isto somado ao fato de que o prazo de 75 dias após o pedido, para resgatar
o fundo de investimento deve ser entendido como abusivo.
Com efeito, quando da celebração do negócio foi proposta a a opção de
resgate D+0, posteriormente alterado para resgate D+75, em flagrante descum-
primento contratual.
Jurisprudência - Direito Privado
A Opção do resgate D+0 decorreu da oferta de perfil de risco do inves-
timento conservador em fundo e sua alteração corresponde à violação à oferta,
indo de encontro ao dever de boa-fé objetiva (artigo 6º, IV e V do Código de
Defesa do Consumidor).
Tudo, absolutamente tudo nos autos, evidencia a falha na prestação dos
serviços.
Por fim, quanto ao montante a ser restituído, não prospera a tese de que
seja limitado ao valor das cotas no encerramento do dia do pedido de resgate
(fls. 1935, do recurso de apelação da RJI CORRETORA).
Isto porque, restou constatada a má gestão, a violação à boa-fé objetiva
e, nos termos do CDC, obviando-se a proteção integral da parte hipossuficiente,
deve se dar por inteiro, retornando as partes ao estado anterior.
Merece, pois, ser mantida integralmente a r. sentença.
Recursos não providos.
Por fim, é necessário dispor sobre os honorários recursais em recursos das
rés apelantes.
Dispõe a novel legislação processual:
“Art. 85. A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado
do vencedor. § 1º - São devidos honorários advocatícios na reconvenção, no
cumprimento de sentença provisório ou definitivo na execução, resistida ou
não, e nos recursos interpostos, cumulativamente. (...) § 11. O tribunal, ao
julgar recurso, majorará os honorários fixados anteriormente levando em
conta o trabalho adicional realizado em grau recursal, observando, confor-
me o caso, o disposto nos §§ 2º e 6º, sendo vedado ao tribunal, no cômputo
geral da fixação de honorários devidos ao advogado do vencedor, ultrapas-
sar os respectivos limites estabelecidos nos §§ 2º e 3ºo pra a fase de conhe-
cimento.”
O C. STF e o E. STJ já pacificaram:
“É cabível a fixação de honorários recursais, prevista no art. 85, § 11, do
CPC, mesmo quando não apresentadas contrarrazões ou contraminuta pelo
advogado. (STF, Plenário, AO 2063, AgR/CE, rel. orig. Min, Marco Aurélio,
red. p/ ac. Min. Luiz Fux, julgado em 18/05/2017)”.
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECUR-
SO ESPECIAL. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO N. 3/STJ. MAJO-
RAÇÃO DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. COMPROVAÇÃO DE
TRABALHO ADICIONAL. DESNECESSIDADE. AGRAVO INTERNO
NÃO PROVIDO. 1. A jurisprudência desta Corte Superior é firme no sen-
tido de que a majoração da verba honorária sucumbencial independe de
comprovação do efetivo trabalho adicional pelo advogado da parte recor-
rida, bem como independe da apresentação de contrarrazões ou contrami-
nuta, desde que a parte recorrida tenha advogado constituído e intimado
para apresentá-las. 2. Agravo interno não provido. (STJ, AgInt no AREsp
1604570 / GO - AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPE-
CIAL 2019/0312384-4, Relator Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES
Jurisprudência - Direito Privado
(1141), 2ª Turma, j. em 24/08/2020, DJe 02/09/2020”
Com o desprovimento do apelo das rés, não houve alteração da sucum-
bência imposta.
Observados os limites delineados pelo art. 85, § 11, do CPC, ficam ma-
jorados em definitivo os honorários de sucumbência em 15% sobre o valor da
condenação em favor dos patronos do autor.
Dispositivo final: Diante do exposto, NEGA-SE PROVIMENTO aos
recursos.