Decisão 1024312-83.2023.8.26.0562

Processo: 1024312-83.2023.8.26.0562

Recurso: Apelação

Relator: ACHILE ALESINA

Câmara julgadora: Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça

Data do julgamento: 13 de maio de 2025

Ementa Técnica

APELAçãO – DIREITO CIVIL. APELAÇÃO. RESCI- SÃO CONTRATUAL COM DEVOLUÇÃO DE VA- LORES. CONTRATO DE INVESTIMENTO COM PROMESSA DE RENDA FIXA. RISCO NÃO IN- FORMADO. OCULTAÇÃO DE INFORMAÇÕES RELEVANTES. RESPONSABILIDADE SOLI- DÁRIA. SENTENÇA DE PROCEDENCIA. ILE- GITIMIDADE PASSIVA DOS RÉUS AFASTADA. APLICABILIDADE DO CDC. MANTIDA A R. SEN- TENÇA RECURSOS NÃO PROVIDOS. I. Caso em Exame 1.Ação de rescisão de contrato cc devolução de dinhei- ro sob o fundamento de que o autor aceitou proposta de investimento em fundo de renda fixa, que prome- tia liquidez diária e segurança. Contudo, após alte- rações no regulamento do fundo, o prazo de resgate foi alterado e o autor não conseguiu resgatar o valor investido, além de sofrer desvalorização de -84,96% devido ao inadimplemento de operações na carteira do fundo. II. Questão em Discussão 2. A questão em discussão consiste em (i) a responsabi- lidade dos réus pela rescisão do contrato e devolução dos valores investidos, (ii) a aplicação do Código de Defesa do Consumidor ao caso, e (iii) a legitimidade dos réus para figurarem no polo passivo da demanda. III. Razões de Decidir 3. A responsabilidade dos réus é objetiva, conforme o art. 14 do Código de Defesa do Consumidor, devido a falha na prestação de serviços e má gestão do fundo de investimentos. 4. O Código de Defesa do Consumidor é aplicável, 193 pois o autor é o consumidor dos serviços prestados pelos réus, sendo parte vulnerável às ações dos réus. 5. O investimento foi ofertado como de baixo risco e Jurisprudência - Direito Privado liquidez diária, o que se revelou inverídico, violando os deveres de transparência e informação. 6. A não divulgação de fatos relevantes configura omissão dolosa. 7. A perda expressiva do valor investido (84,96%) e a negativa de resgate demonstram descumprimento contratual e falha na prestação do serviço, diante da deficiência de informações ao consumidor. 8. A responsabilidade solidária se impõe entre os agentes que atuaram de forma conjunta, inclusive com sucessão societária dissimulada. 9. Rescisão contratual em face do consumidor que é medida de rigor. IV. Dispositivo e Teses 10. Recursos não providos. Tese de julgamento: 1. É nulo o contrato de investimento firmado com base em informações omissas sobre o risco e a liqui- dez do fundo. 2. Respondem solidariamente os agentes que oculta- ram informações essenciais e promoveram produto incompatível com o perfil do investidor, revelando má gestão do fundo de investimentos. Legislação Citada: Código de Defesa do Consumidor, arts. 6º, 7º, pará- grafo único, e 14. CF/1988, art. 5º, XXXII; CC, arts. 421, 422 e 927. Jurisprudência Citada: STF, AO 2063, AgR/CE, rel. original. Min. Marco Aurélio, vermelho. p/ ac. Min. Luiz Fux, julgado em 18/05/2017. STJ, AgInt no AREsp 1604570/GO, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, 2ª Turma, j. em 24/08/2020. STJ, REsp 1599745/SP, Rel. Min. Paulo de Tarso San- severino, j. 25.10.2018.(TJSP; Processo nº 1024312-83.2023.8.26.0562; Recurso: Apelação; Relator: ACHILE ALESINA; Data do Julgamento: 13 de maio de 2025)

Voto / Fundamentação

, em 15ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento aos recursos. V.U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. (Voto nº 36.850) Jurisprudência - Direito Privado O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores ACHILE ALESINA (Presidente), MENDES PEREIRA e ELÓI ESTEVÃO TROLY. São Paulo, 13 de maio de 2025. ACHILE ALESINA, Relator.


EMENTA: DIREITO CIVIL. APELAÇÃO. RESCI- SÃO CONTRATUAL COM DEVOLUÇÃO DE VA- LORES. CONTRATO DE INVESTIMENTO COM PROMESSA DE RENDA FIXA. RISCO NÃO IN- FORMADO. OCULTAÇÃO DE INFORMAÇÕES RELEVANTES. RESPONSABILIDADE SOLI- DÁRIA. SENTENÇA DE PROCEDENCIA. ILE- GITIMIDADE PASSIVA DOS RÉUS AFASTADA. APLICABILIDADE DO CDC. MANTIDA A R. SEN- TENÇA RECURSOS NÃO PROVIDOS. I. Caso em Exame 1.Ação de rescisão de contrato cc devolução de dinhei- ro sob o fundamento de que o autor aceitou proposta de investimento em fundo de renda fixa, que prome- tia liquidez diária e segurança. Contudo, após alte- rações no regulamento do fundo, o prazo de resgate foi alterado e o autor não conseguiu resgatar o valor investido, além de sofrer desvalorização de -84,96% devido ao inadimplemento de operações na carteira do fundo. II. Questão em Discussão 2. A questão em discussão consiste em (i) a responsabi- lidade dos réus pela rescisão do contrato e devolução dos valores investidos, (ii) a aplicação do Código de Defesa do Consumidor ao caso, e (iii) a legitimidade dos réus para figurarem no polo passivo da demanda. III. Razões de Decidir 3. A responsabilidade dos réus é objetiva, conforme o art. 14 do Código de Defesa do Consumidor, devido a falha na prestação de serviços e má gestão do fundo de investimentos. 4. O Código de Defesa do Consumidor é aplicável, 193 pois o autor é o consumidor dos serviços prestados pelos réus, sendo parte vulnerável às ações dos réus. 5. O investimento foi ofertado como de baixo risco e Jurisprudência - Direito Privado liquidez diária, o que se revelou inverídico, violando os deveres de transparência e informação. 6. A não divulgação de fatos relevantes configura omissão dolosa. 7. A perda expressiva do valor investido (84,96%) e a negativa de resgate demonstram descumprimento contratual e falha na prestação do serviço, diante da deficiência de informações ao consumidor. 8. A responsabilidade solidária se impõe entre os agentes que atuaram de forma conjunta, inclusive com sucessão societária dissimulada. 9. Rescisão contratual em face do consumidor que é medida de rigor. IV. Dispositivo e Teses 10. Recursos não providos. Tese de julgamento: 1. É nulo o contrato de investimento firmado com base em informações omissas sobre o risco e a liqui- dez do fundo. 2. Respondem solidariamente os agentes que oculta- ram informações essenciais e promoveram produto incompatível com o perfil do investidor, revelando má gestão do fundo de investimentos. Legislação Citada: Código de Defesa do Consumidor, arts. 6º, 7º, pará- grafo único, e 14. CF/1988, art. 5º, XXXII; CC, arts. 421, 422 e 927. Jurisprudência Citada: STF, AO 2063, AgR/CE, rel. original. Min. Marco Aurélio, vermelho. p/ ac. Min. Luiz Fux, julgado em 18/05/2017. STJ, AgInt no AREsp 1604570/GO, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, 2ª Turma, j. em 24/08/2020. STJ, REsp 1599745/SP, Rel. Min. Paulo de Tarso San- severino, j. 25.10.2018.





VOTO

Trata-se de recursos à r. sentença de fls. 1503/1522, proferida pelo MM. 194 Juiz de Direito, Dr. Rodrigo Garcia Martinez, que, nos autos da ação de rescisão de contrato ajuizada pelo apelado, julgou procedentes os pedidos deduzidos. Recorrem os réus e buscam a reforma da sentença, cada qual na parte em que restou vencido. Jurisprudência - Direito Privado Recursos regularmente processados e respondidos às fls. 1956/1984. Oposição ao julgamento virtual manifestada pelas rés PIPA FIRF LP (fl. 1988), VANQUISH CAPITAL LTDA (fl. 1996), BANCO MODAL S/A (fl. 2000). É o relatório. JOSÉ CARLOS MORELLI propôs a presente ação de rescisão de contra- to c.c cobrança em face de Banco Modal S.A, Infinity Asset Management Ad- ministração de Recursos Ltda. (“INFINITY ASSET”), Infinity Select Fundo de Investimento Renda Fixa Longo Prazo (atual razão social Vanquish Pipa FIRF LP), Vanquish Asset Management Ltda. (“Vanquish Asset”) e RJI Corretora de Títulos e Valores Mobiliários Ltda., alegando, em síntese, que, em meados de abril de 2022, o autor acabou aceitando uma proposta de investimento, formu- lada por um dos assessores financeiros do BANCO MODAL, consistente no aporte de recursos no fundo de investimento denominado INFINITY SELECT FI RF. Este investimento garantiria-lhe rendimentos promissores, além de dis- por de certa segurança, por se tratar de um fundo de investimento de renda fixa. Ainda, asseverou-lhe que tal tipo de investimento adequava-se ao seu perfil conservador, de modo que poderia, com facilidade, efetuar o resgate imediato do valor investido (isto é, liquidez diária ou “D+0”). Todavia, em 06/03/2023, o Autor tentou resgatar todo o valor investido, de R$ 217.918,50 (duzentos e dezessete mil, novecentos e dezoito reais e cinquenta centavos), mas não logrou êxito algum, em virtude da alteração do regulamento do fundo, alguns dias an- tes, em 03/03/2023, de forma que o novo prazo de resgate passou a ser D+75, com mais um dia útil para realização do pagamento, totalizando, assim, 76 (se- tenta e seis) dias. Posteriormente, o autor descobriu que, em 07/02/2023, a ad- ministradora do fundo, a corré RJI CORRETORA DE TÍTULOS E VALORES MOBILIÁRIOS LTDA, reportou o fechamento deste em razão da iliquidez dos ativos componentes da sua carteira, o que levou, em 28/02/2023, à instalação de uma assembleia geral, com o escopo de aprovar a seguinte proposta da gestora à época (INFINITY ASSET): reabertura do fundo para resgates, desde que o pagamento das cotas, no caso de resgate, ocorresse em D+75. Além disto, no dia indicado para o resgate (19/05/2023), o Autor recebeu um comunicado de um fato relevante, ocorrido no dia 17/05/2023, divulgado pela administradora do fundo, levando a um novo fechamento da carteira, para resgates. Consequen- temente, em decorrência dos atos acima, o Autor ficou impedido de resgatar seus investimentos, apesar da solicitação formal efetuada no dia 06/03/2023. Como se tudo isto não fosse suficiente, ainda, à véspera de se expirar o referi- do prazo para resgate, as corrés RJI CTVM LTDA (administradora) e INFINI- TY SELECT FIRF (razão social alterada para VANQUISH PIPA FIRF LP) em 19/05/2023, emitiram um novo comunicado de fato relevante, informando aos Jurisprudência - Direito Privado cotistas o reajuste da carteira do fundo, acabando por deteriorar no percentual de (-)84,96% por “inadimplemento das operações na carteira intituladas “BOX PU” cuja opção foi exercida”. Dessa forma, não só o Autor teve seu resgate impedido de ser realizado, mas também suportou a desvalorização do seu inves- timento, com a perda de -84,96% deste total. Asseverou que, na época dos seus aportes, não lhe foi noticiado que os principais executivos da corré INFINITY ASSET, desde o ano de 2020, já vinham sendo investigados pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), por graves falhas da administração e da gestão. Além disto, foi-lhe omitido, também, que a ANBIMA divulgou o desligamento da então gestora do fundo INFINITY SELECT FI RG (INFINITY ASSET), devido à penalidade decorrente do Processo de Regulação e Melhores Práticas nº ART004/2020, o que levou ao expressivo número de resgates, em dezembro de 2022, os quais superaram 50% (cinquenta por cento) do capital financeiro, o que teria sido o gatilho da iliquidez do referido fundo de investimentos fato omitido pelas corrés já na época da adesão ao referido fundo. Todavia, o corréu Banco MODAL, mesmo sabendo de todas as condutas ilícitas e má gestão do FUNDO INFINITY, continuou vendendo este fundo para seus clientes, inclu- sive ao autor. Por outra banda, a Gestora do fundo não informou a composição da carteira, tampouco o lastro financeiro da custódia/posição, de modo que, em março/2023, o fundo chegou a possuir 72,59% do seu patrimônio líquido aloca- do em “outras aplicações”, em vez de priorizar pela renda fixa. Em 30/03/2023, a auditora independente AUDIPEC - AUDITORIA E PERÍCIA CONTÁBIL S/S exarou Relatório dos Auditores Independentes com ressalva que em dezem- bro/2022, o fundo possuía investimento em operações de Box no montante de 72,59% do patrimônio líquido, mensuradas pela taxa da operação e negociadas no mercado de balcão, sem garantia, configurando maior risco de crédito para a carteira do fundo, condicionada diretamente à capacidade da contraparte em honrar as suas obrigações financeiras. Posteriormente, em 19/05/2023, a nova Gestora (VANQUISH ASSET), informou que a desvalorização de 84,96% da carteira do fundo decorrera da aplicação de 100% (cem por cento) de PDD (Pro- visão para Devedores Duvidosos), do ativo IDI’s Flexíveis, não liquidadas em 17/05/2023. A Corré RJI (administradora do fundo), contratou nova gestora, a corré VANQUISH ASSET MANAGEMENT LTDA., contudo, esta última de- tém, no seu quadro de sócios, os sócios retirantes da antiga Gestora (INFINITY ASSET MANAGEMENT), configurando sucessão empresarial, para burlar re- gras impostas pela ANBIMA. Dessa forma, requer (i) o deferimento de limi- nar, determinando o arresto da quantia de R$ 217.918,50 (duzentos e dezessete mil, novecentos e dezoito reais e cinquenta centavos), (ii) a ação seja julgada 196 procedente, confirmando a tutela concedida, declarando a rescisão do contrato firmado entre as partes e condenando as rés, solidariamente, a pagarem a quantia acima, em favor da parte autora. Subsidiariamente, na eventual impossibilidade de cumprimento da obrigação, requer-se a conversão em perdas e danos, nos Jurisprudência - Direito Privado termos do artigo 499 do Código de Processo Civil. Banco Modal contestou a fls. 322/348. Alegou, preliminarmente, ausência de interesse de agir e ilegitimidade passiva, visto que s atos questionados pelo autor foram praticados apenas pela Administradora e pela Gestora (as quais têm deveres e responsabilidades próprias), não cabendo qualquer responsabilidade à contestante, na condição de Distribuidora de Valores, quanto aos valores inves- tidos. No mérito, defende que não recebeu qualquer valor da parte autora, atuan- do como mera intermediária da negociação de valores mobiliários, de modo que apenas divulgava informações aos clientes sobre o fundo e intermediava negócios, por meio de sua plataforma. A Modal DTVM não possui qualquer obrigação ligada à evolução e performance desse investimento, pois não tem nenhuma ingerência sobre os ativos que compunham a carteira do fundo, ou so- bre a prática dos atos administrativos necessários ao seu regular funcionamento. Arguiu que cumpriu seu dever de manter todos os clientes/investidores informados a respeito o de todos os fatos relevantes de que teve ciência. So- mente em 19/12/2022, pela primeira vez, tornou-se pública informação de des- credenciamento do Fundo. Nesse sentido, diante do comunicado da ANBIMA, a Ré Modal DTVM imediatamente contatou os representantes da Infinity Asset Management para obter maiores explicações. Ante o potencial da informação de afetar o Fundo e o valor de suas cotas, a Modal DTVM optou por suspender temporariamente as aplicações realizadas junto ao Infinity, bem como expediu comunicado de fato relevante, em 20 de dezembro de 2022, a todos os clientes que já haviam adquirido cotas do Fundo, inclusive o Autor, através do e-mail piola.loterias@uol.com.br, de modo que poderia, nesta data, ter resgatado a in- tegralidade de seu investimento. Posteriormente enviou-lhes outro e-mail. infor- mando-o acerca do fechamento do Fundo Infinity para resgates, em 18.05.2023. Tal fechamento foi resultado direto da corrida por resgates do Fundo Infinity, que ocorreu após notícia do descredenciamento, em dezembro de 2022. Pos- teriormente, em conformidade com a assembleia realizada em 28/02/2023, foi deliberada a reabertura do fundo e a modificação do prazo de resgate para D+75. No dia 17/05/2023, o Fundo Infinity foi novamente encerrado para resgates e novas aplicações, com base na mesma justificativa de falta de liquidez dos ati- vos e na necessidade de realizar uma avaliação aprofundada. Poucos dias de- pois, em 19/05/2023, a administradora, RJI, comunicou um novo fato relevante bastante impactante, diga-se. Pelo que foi informado, as cotas do Fundo Infinity teriam sofrido um reajuste de - 84,96% (menos oitenta e quatro vírgula noventa e seis por cento) em seus valores, , em razão de constituição de provisão de de- vedores duvidosos, fruto de inadimplemento da contraparte de operações com derivativos detidas em carteira do fundo. Desta forma, antes de dezembro de 2022 a Modal DTVM não possuía ciência do descredenciamento da Infinity Jurisprudência - Direito Privado Asset Management, nem do processo na ANBIMA; enquanto os fatos que leva- ram aos seguidos fechamentos do Fundo Infinity, à alteração da regra de resgate e, posteriormente, ao reajuste das cotas, não possuíam nenhuma ligação com a Modal DTVM que atuou como mero intermediador na negociação dos ati- vos. Consequentemente, a Modal DTVM cumpriu seu dever de manter todos os clientes/investidores informados a respeito de todos os fatos relevantes de que teve ciência, bem como aqueles comunicados pela administradora, RJI. Dessa forma, requereu a improcedência dos pedidos da ação. Juntou documentos. Infinity Select Fundo de Investimento Renda Fixa Longo Prazo, atual ra- zão social Vanquish Pipa FIRF LP (Fundo de Investimento Réu), contestou a fls. 484/518. Preliminarmente, alega ausência de interesse de agir e ilegitimidade passiva. No mérito, aduz que o autor não traz qualquer comprovação documen- tal de que teria efetuado alguma solicitação de resgate, nem que os pedidos de resgate efetuados após o fechamento do fundo são inexigíveis. Desta forma, o autor agiu de forma precipitada, visto inexistir algum dano, que não pode ser presumido apenas pelo fechamento do fundo de investimentos para resgates. O ato de fechamento do Fundo Vanquish Pipa foi efetivado de forma regular, visto que se trata de uma faculdade atribuída a seu administrador, no caso excepcional de iliquidez. Além disso, o Autor também ignorou que os riscos são inerentes à natureza de qualquer investimento, na medida em que buscam simplesmente serem “restituídas” na integralidade do valor inicialmente aportado, sem con- siderar que a desvalorização de suas cotas decorreu da natureza da operação que ele escolheu efetuar. Segundo o Regulamento do Fundo, a cotização para resgate deve observar o prazo de 75 dias, o que se daria em 02 de junho de 2023, de maneira que não há liquidez do valor pretendido pelo autor. Aduzem, ainda, que à época do fechamento do Fundo os emitentes dos títulos de crédito, com- ponentes da carteira do Fundo réu, estavam inadimplentes com as obrigações de pagamento das parcelas descritas nos referidos títulos, tendo alguns deles soli- citado recuperação judicial ou mesmo tido a sua falência decretada, situações que ocasionaram a inadimplência quase que integral dos ativos que compõem a carteira do Fundo réu, razão pela qual a Resolução 555 CVM autorizava à administradora o fechamento do Fundo. No caso de resgate das cotas, o cálculo do valor devido não é aquele solicitado pelo Autor, mas sim o valor da cota no encerramento do dia do pedido de resgate (o resultado da divisão do valor do patrimônio líquido pelo número de cotas). Logo, o valor a lhe ser pago é o valor da cota do Fundo Réu na data da conversão do pedido de resgate das cotas em dinheiro (D+75 dias do pedido de resgate), na data de 20.05.2023 (multiplicado pelo número de cotas adquiridas pelo Autor), nos exatos termos fixados pela 198 Cláusula 5.2 do Regulamento do Fundo. O fundo réu não tem legitimidade para discutir as alegações de supostas condutas ilícitas (dolosas) atribuídas pelo autor aos seus prestadores de serviços, visto que o Fundo réu não se confunde com a sua gestora (Vanquish Asset Management Ltda.). A Administradora do Fundo Jurisprudência - Direito Privado não exerceu qualquer função relacionada com a gestão da carteira, sem qualquer envolvimento nas decisões de investimento, alocação de recursos ou tomada de decisões relacionadas à valorização ou desvalorização das cotas do fundo de investimento”. Por fim, arguiu que a parte autora concordou com os termos do negócio firmado, submetendo-se a eventuais riscos. Dessa forma, requereu a improcedência dos pedidos da ação. RJI Corretora de Títulos e Valores Mobiliários LTDA. (administrador do Fundo) contestou a fls.617/640. Preliminarmente, alega ausência de interesse de agir, em virtude da inexistência de dano atual, ilegitimidade passiva (pois jamais prestou algum serviço ao autor) e incompetência, por cláusula de eleição de foro. No mérito, argui que jamais prestou serviço algum ao autor, tendo ape- nas prestado os serviços de administração fiduciária e de custódia de ativos ao Fundo Vanquish Pipa. Defende a inexistência de qualquer falha no cumprimento das obrigações. Dessa forma, requereu a improcedência dos pedidos da ação. VANQUISH CAPITAL LTDA. (“Vanquish”), gestora da carteira do Fundo, cuja denominação passou a ser VANQUISH ASSET MANAGEMENT LTDA., contestou a fls. 739/775. Alegou ilegitimidade de parte do autor (pois somente o Fundo suportou danos) e incompetência, ante a cláusula e eleição de foro, não se aplicando as normas consumeristas. Reiterou as matérias acima, as das outras defesas, asseverando que a Vanquish e seus sócios jamais tiveram qualquer participação nos atos que levaram ao fechamento do Fundo Pipa. Em- bora a Anbima tenha afirmado que houve uma “percepção do mercado” e uma “aparência” de que os sócios da Infinity teriam se transferido para a Vanquish, com o escopo de burlar as sanções imposta pela Anbima à Infinity, tal fato ja- mais ocorreu. Em uma Ação Anulatória, proposta pela contestante, ela demons- trou que apenas alguns dos seus sócios são alguns daqueles que participaram do quadro societário da Infinity, mas figuraram nessa condição por um curto perío- do, cuja participação era “minoritaríssima”. As negociações com a ICP, contra- parte das operações Box PU inadimplidas, seguem em curso e a Vanquish vem auxiliando o Fundo e os seus cotistas a encontrar a melhor solução para questão. INFINITY ASSET MANAGEMENT ADMINISTRAÇÃO DE RECUR- SOS LTDA. (“Infinity”- antiga gestora do Fundo), contestou a fls. 1023/1050. Em suma, preliminarmente aduz incompetência, em virtude da cláusula de elei- ção de foro, e ilegitimidade passiva (por jamais ter celebrado contrato com o autor, além de não ser mais a gestora do fundo). A assembleia geral de cotistas deliberou a substituição da contestante pela Vanquish Asset, atual gestora do Fundo Vanquish Pipa. O fato de ex-sócios da Infinity integrarem o quadro so- cietário da Vanquish Asset em nada aproxima essas duas sociedades. A relação entre cotista e Fundo de Investimento não é de consumo e, assim, não se aplicam a ela as normas do Código de Defesa do Consumidor. No que se refere especi- Jurisprudência - Direito Privado ficamente ao desligamento da Infinity pela ANBIMA, a questão é atualmente discutida no processo nº 0118897-47.2021.8.19.0001, em trâmite no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Na referida ação, a Infinity busca a anulação da de- cisão da ANBIMA de rescisão do seu vínculo associativo, em razão de violação do contraditório e ampla defesa em seu procedimento administrativo interno. Enquanto a contestante era gestora do Fundo, ela agiu seguindo a legislação aplicável para preservar os ativos do fundo, fechando-o para resgate e modi- ficando seu prazo de resgate. A possibilidade de fechamento de um fundo de investimentos é autorizada expressamente pelo art. 39 da Resolução da CVM, 555/2014. Após esse prazo, a nova gestora não honrou as obrigações assumi- das, de modo que não pode a contestante continuar a ser responsabilizada por uma conduta que não deu causa. Assim, negou qualquer gestão temerária do Fundo. As operações de BOX são consideradas de renda fixa, embora possam resultar em significativas perdas patrimoniais para seus cotistas, especialmente porque o Fundo Vanquish Pipa se tratava de um produto com alta rentabilidade, que destoava positivamente dos demais fundos de renda fixa do mercado, cujo performance estava acima do CDI. Por fim, o desenquadramento passivo não caracteriza inadimplemento ou violação ao regulamento do fundo, pois o gestor não está sujeito às penalidades aplicáveis pelo descumprimento dos limites de concentração, diversificação de carteira e concentração de risco definidos no regulamento. Réplica (fls.1212/1234). Instados a especificarem as provas que pretendiam produzir (fl. 1318), as partes se manifestaram da seguinte forma: INFINITY (fls. 1321/1323), alega como fato incontroverso: Operações de BOX PU sempre foram divulgadas pela Infinity; que a situação do fundo era publica e disponível ao autor; que, houve a divulgação do fechamento do fun- do, dentro dos parâmetros determinados pela CVM; que, devido a iliquidez do Fundo, foi deliberado entre os cotistas seu fechamento para resgates, o que foi feito quando a Infinity não era mais gestora. Requereu o julgamento antecipado da lide. VANQUISH PIPA FIRF LP (Fls. 1384/1392), e RJI CORRETORA (fls. 1429/1437) manifestaram desinteresse em realizar novas provas e requereu o julgamento antecipado da lide. Entende como incontroversos: (i) a ausência res- ponsabilidade por parte da RJI; (ii) a inexistência de qualquer falha; e (iii) que, quando for reaberto, o valor de resgate será limitado ao atual valor de suas cotas. JOSÉ CARLOS MORELLI (fls. 1496/1502) requereu o julgamento ante- cipado da lide. Reiterou os pontos expostos na inicial e em réplica. 200 Sobreveio a r. sentença de fls. 1503/1522, que julgou procedente a ação e declarou a rescisão do contrato celebrado entre as partes, condenando os réus solidariamente ao pagamento de R$ 217.918,50 ao autor, corrigidos monetaria- mente desde o ajuizamento da ação e com juros de mora à taxa legal desde a Jurisprudência - Direito Privado citação. Diante da sucumbência, condenou os réus ao pagamento de honorários advocatícios em favor do patrono do autor, fixados em 10% do valor da conde- nação. Recorrem os réus. INFINITY ASSET MANAGEMENT ADMINISTRAÇÃO DE RECUR- SOS LTDA. (fls. 1591/1605), alegando incompetência do juízo ante a cláusula de eleição de foro no regulamento do fundo Vanquish Pipa; ilegitimidade pas- siva; inaplicabilidade do CDC, por inexistência de relação de consumo; que a sentença partiu de premissas fáticas equivocadas. Afirma que o apelado foi informado e estava ciente dos riscos e só decidiu sair do negócio quando julgou que a operação não lhe interessava mais economicamente, após já materializado o risco. Busca a reforma do decidido. BANCO MODAL S/A (fls. 1609/1630) alegando ilegitimidade passiva; condenação com base em conjecturas. Aduz que as distribuidoras/intermediárias não detém qualquer participação ou possibilidade de ingerência nas decisões acerca de sua gestão e administração, que são tomadas exclusivamente pelos administradores e gestores dos fundos. Afirma a impossibilidade de restituição de valores. Busca a reforma da r. sentença. VANQUISH CAPITAL LTDA (fls. 1639/1680), preliminares de incom- petência do juízo e ilegitimidade ativa de José Carlos. No mérito, alega ausên- cia de responsabilidade dos sócios; inaplicabilidade do CDC; que, aplicação do CDC não exclui a necessidade de se comprovar dolo ou má-fé ou pelo menos nexo de causalidade. Busca a reforma da r. sentença. PIPA FIRF LP (fls. 1822/1841) preliminar de ilegitimidade passiva; que, é necessária a distinção entre a figura do fundo e de seus prestadores de serviço; impossibilidade de cumprimento do pedido de resgate no momento; inaplicabi- lidade do CDC. Busca a extinção da ação ou alternativamente que o pedido de resgate seja realizado no limite da cota-parte do apelado. RJI CORRETORA DE TÍTULOS E VALORES MOBILIÁRIOS LTDA (fls. 1915/1937) alegando inaplicabilidade do CDC; inexistência de responsabi- lidade civil; inexistência de dolo/má-fé; que, a apelante cumpriu todas as deter- minações da IN 555/2014 da CVM. Busca a reforma. É a síntese do necessário. De proemio, constata-se que todas as preliminares foram muito bem afas- tadas em sentença. Com efeito, apesar das alegações recursais, todos os réus são partes legi- timas para figurarem no polo passivo da demanda. O Código de Defesa do Consumidor é aplicável ao caso à medida em que o autor, pessoa física, é sim consumidor dos serviços postos à sua disposição Jurisprudência - Direito Privado pelos réus, fornecedores de serviços, podendo ainda, como bem ponderado na r. sentença, classifica-lo como pessoa tecnicamente vulnerável às ações dos réus. Deve-se ter em mente que o art. 14 do Código de Defesa do Consumidor prevê expressamente a responsabilização objetiva do fornecedor pela reparação dos danos gerados ao consumidor em virtude de defeitos na prestação de servi- ços. São defeituosos, nos termos do § 1º deste dispositivo, os serviços que não forneçam padrões adequados de segurança no modo como são prestados, levando-se em consideração os riscos que razoavelmente deles pode-se esperar. Note-se que, para afastar sua responsabilidade aferida aqui de maneira objetiva caberia aos réus o ônus de demonstrar a regularidade de seus serviços ou a ocorrência de causas excludentes, notadamente a culpa exclusiva de tercei- ro, culpa exclusiva da vítima, caso fortuito ou força maior, porém não produzi- ram nenhuma prova nesse sentido. Irrefutável, portanto, a responsabilidade dos réus pelos danos causados ao autor, verificada aqui de forma objetiva, tendo ficado demonstrado o ato ilícito por eles perpetrado na gestão do fundo de investimentos, não se podendo con- fundir prejuízos decorrentes de variações de mercado com danos sofridos em decorrência da má-fé daqueles que foram contratados e estão sendo remunera- dos para trabalhar em benefício dos investidores. A responsabilidade é solidária, inclusive em relação ao Banco Modal, que ao escolher e negociar com parceiros que prestarão os serviços necessários à gestão de investimentos de seus clientes, além de assumir os riscos daquele negócio, passa a integrar a cadeia de fornecedores daqueles serviços. Nas ações de reparação de dano por má prestação de serviços, envolvendo responsabilidade civil de fornecedor de serviços, o CDC autoriza ao consumidor o direito de demandar contra quaisquer dos integrantes da cadeia produtiva. O art. 7º, parágrafo único, da Lei nº 8078/90 é expresso no sentido de to- dos os qualificados como fornecedores, atuantes na mesma cadeia de consumo, são solidariamente responsáveis pelos eventuais danos causados ao consumidor: “Art. 7° Os direitos previstos neste código não excluem outros decorrentes de tratados ou convenções internacionais de que o Brasil seja signatário, da legislação interna ordinária, de regulamentos expedidos pelas autoridades administrativas competentes, bem como dos que derivem dos princípios ge- rais do direito, analogia, costumes e eqüidade. Parágrafo único. Tendo mais de um autor a ofensa, todos responderão so- lidariamente pela reparação dos danos previstos nas normas de consumo.” E, quanto à alegação de ilegitimidade ativa do autor, melhor sorte não socorre aos recorrentes. Isto porque, conforme já dito, o autor é consumidor dos 202 serviços prestados pelos réus, e, titular do valor investido em produtos por estes oferecidos, sendo-lhe legitima a pretensão de rescisão contratual e pedido de devolução de valores que lhes pertenciam. O interesse de agir é evidente. Jurisprudência - Direito Privado No mérito, a impecável sentença deve ser mantida. O fundo de investimento apresentado ao autor, intitulado como INFINI- TY SELECT FUNDO DE INVESTIMENTO RENDA FIXA LONGO PRA- ZO, tem suas regras e características expostas às fls. 73/88. Em referido documento observa-se que o fundo consiste de investimentos de renda fixa, o que para o consumidor, pode passar a idéia de uma certa segu- rança, que não se mostrou verdadeira no presente caso. E, apesar de os recorrentes buscarem eximir-se da culpa, não se pode ad- mitir a transferência de responsabilidade ao consumidor, evidenciada que está a deficiência de informação quanto aos riscos do investimento. Como bem ponderado na r. sentença: “O autor aderiu ao “Fundo Infinity Select”, registrado na Comissão de Valores Mobiliários em 23.01.2018 (conforme lâmina de informações de fls. 73/88). Desde 21.12.2020, ele era administrado pela RJI Corretora. A gestão das carteiras do Fundo ficou, inicialmente, por conta da Infinity Asset Mana- gement Administração de Recursos Ltda (“Infinity”), posteriormente assumida pela VANQUISH ASSET MANAGEMENT LTDA. (“VANQUISH ASSET”). Tal tipo de fundo fazia parte do gênero “Fundo de Renda Fixa” (aparentemente referenciado), o qual objetivava acompanhar a variação de um determinado “benchmark”, que no caso era o CDI. Por esse motivo, tais tipos de fundos que se enquadrassem neste gênero, deveriam manter no mínimo 95% de seu patrimônio investido em ativos que acompanhem o referido indicador, sendo no mínimo 80%do patrimônio representado por títulos públicos federais, ativos de renda fixa, de modo a serem qualificados de investimento de baixo risco de crédito (“Fundos de Investimento - material de estudos 5 da certificação CPA- 1 (Luiz Roberto Calado et al). Este tipo de fundo era destinado para aqueles investidores, com o perfil de risco conservador, cuja rentabilidade perseguida deveria estar acima do CDI (benchmark) no curto, médio e longo prazo, com liquidez diária Além disto, esses fundos deveriam incluir, na sua denominação o índice de referência que seguem e poderiam utilizar derivativos apenas para proteção de sua carteira (hedge). Desta forma, o Fundo Infinity Select oferecia liquidez imediata de suas cotas (isto é, resgate D+0) e tinha como meta pos- sibilitar aos seus cotistas rendimentos acima do CDI, mediante investimentos em títulos públicos e privados. O referido fundo cobrava uma Taxa de admi- nistração de 0,70% ao ano e uma Taxa de performance de 20% sobre o que excedesse a 102% do CDI. Portanto, ao administrador e o gestor eram muito bem remunerados, para tornar seguro e rentável um fundo que por si só já era rentável e seguro. Segundo o item 6.2 da lâmina de informações (fls. 78): “Para alcançar seu objetivo são realizadas operações direcionais (compra de um determinado Jurisprudência - Direito Privado ativo, apostando em uma tendência) e arbitragens (operações que envolvam a utilização simultânea de mais de um dos mercados de juros, câmbio, bolsa e índice de preços). Por sua definição o FUNDO não terá comprometimento em concentração de fator de risco (taxa de juros, taxa de inflação, variação cambial, ações, etc), devendo seguir os critérios de composição e diversificação estabelecidos neste regulamento” (grifei). Em seguida, o seu 6.3 dispõe que: “O FUNDO pode participar de opera- ções nos mercados de derivativos e de liquidação futura, que poderá se dar tan- to para proteção (hedge) como para arbitragens e apostas direcionais”. Pelo seu item 6.3.2 (fls. 79), o fundo efetuava “... operações estruturadas de opções, com resultados pré-fixados (BOX de quatro pontas)” - as operações “Box PU” -, além de marcação a mercado semelhante à de um título pré-fixado. Um “box de quatro pontas”, em suma,, é uma operação estruturada de opções (envolve mais de uma call ou uma put - respectivamente, direito de compra e direito de venda), pela qual se compra uma Call ITM (dentro do dinheiro, isto é apresenta um valor intrínseco), vende uma Call OTM (fora do dinheiro, isto é,, apresenta somente um valor extrínseco, decorrente somente da especulação), compra uma Put ITM (dentr do dinheiro) e se vende uma Put OTM (fora do dinheiro) -infe- lizmente não há espaço nesta sentença para maiores explicações, cuja análise e descrição podem ser consultadas no livro “Opções, Futuros e outros Deri- vativos”, John C. Hull, pag. 279, ou “Mercado de Opções”, de Luiz Maurício da Silva, ou buscar alguma aula no Youtube a respeito deste tipo de aplicação. “Marcação a mercado” consiste em um tipo de operação de atualização de ativo, trazendo-o a valor presente, para verificar uma possível lucratividade de ganhar antes do seu vencimento (ou seja, vende-lo, antes do vencimento com o escopo de lucro). Assim, se o fundo não estivava comprometido com a concentração de fator de risco, então deveriam estar, relativamente afastados, os riscos não sis- têmicos. Por outro lado, se era efetuado um hedge, inclusive por meio de arbi- tragens (no caso, por meio de operações “que envolvam a utilização simultânea de mais de um dos mercados de juros, câmbio, bolsa e índice de preços”), então o fundo deveria estar relativamente protegido contra os riscos sistêmicos. Portanto, à luz destas características deste tipo de fundo, o autor deveria estar protegido contra os três tipos de risco acima (além dos riscos classifica- dos como sistêmicos e não sistêmicos, como vimos), o que justificava atribuir ao referido fundo um baixo risco de crédito, enquanto tanto o risco de liquidez, quanto o risco de mercado eram muito remotos, uma vez que o fundo era com- posto por títulos mais seguros do mercado, os título públicos (é cediço que, na 204 história, são raríssimos os casos de calotes do governo, aliás, justamente por este motivo que os investidores de diversos países participam dos leilões de títulos no Brasil). Então por qual motivo as corrés atribuíram o fracasso do desempenho do fundo à ocorrência do risco de liquidez? Jurisprudência - Direito Privado Na realidade o que eles denominaram de “risco de liquidez”, na verdade consistiu na perda de confiança da administração e gestão do Fundo, causados pelos seus próprios administradores e gestores. A falta de liquidez, em verdade, foi consequência dos atos destes sujeitos, ao invés de fatos que configurassem o risco de liquidez, tais quais vistos acima, que no caso, jamais ocorreram. Quando se fala em risco no mercado, se fala da possibilidade de ocorrer um dano/prejuízo para todas as partes que ocupam uma ponta do negócio. A aleatoridade faz parte da natureza juridica de qualquer investimento, a qual atinge de forma uniforme as partes participantes deste. Alguns sujeitos podem correr menos risco, mas tal risco não pode ser criado pelos envolvidos, tampou- co deixar de ser informado, sob epna de não termos mais um certo risco, mas uma fraude. Consequentemente, não pode afirmar que exista um risco de fraude assumido por todos aqueles que compõem o mercado, sob pena de aceitarmos o absurdo. Além do mais, como vimos acima, administradores, gestores, distribui- dores e intermediários devem cumprir certos deveres, sob pena de punições. Ou seja, enquanto no âmbito do direito todo mundo conta com a presunção de inocência, no mercado econômico ocorre algo totalmente contrário com os seus profissionais: estes devem demonstrar a sua “inocência”, por meio do cumpri- mento das obrigações acima elencadas, sob pena de não atrair investidores, ou de fuga de capital, o que no caso foi o que acabou ocorrendo, especialmente a partir do descredenciamento do gestor da Anbima. ..... ...., restou evidente que o Fundo acabou sendo composto por ativo de alto risco (no caso, por opções das box), enquanto que o correto seria o emprego dos derivativos como proteção da carteira, em vez do investimento principal. Como não se lograva êxito com a operação, esta era “rolada”, ou seja, siste- maticamente novada, enquanto os prejuízos só aumentavam. Entretanto, tudo isto era realizado sobre a roupagem de “fundo de renda fixa”, violando as obri- gações acima elencadas. Consequentemente, não havia outra coisa a ser feita, senão buscar investimentos em ativos líquidos e com baixo risco de crédito, em substituição às operações de box ilíquidas, o que NÃO foi feito.” Conclui-se que a promessa de liquidez diária, rentabilidade e segurança que o título renda fixa oferecia acabou por tornar-se uma inverdade. Isto somado ao fato de que o prazo de 75 dias após o pedido, para resgatar o fundo de investimento deve ser entendido como abusivo. Com efeito, quando da celebração do negócio foi proposta a a opção de resgate D+0, posteriormente alterado para resgate D+75, em flagrante descum- primento contratual. Jurisprudência - Direito Privado A Opção do resgate D+0 decorreu da oferta de perfil de risco do inves- timento conservador em fundo e sua alteração corresponde à violação à oferta, indo de encontro ao dever de boa-fé objetiva (artigo 6º, IV e V do Código de Defesa do Consumidor). Tudo, absolutamente tudo nos autos, evidencia a falha na prestação dos serviços. Por fim, quanto ao montante a ser restituído, não prospera a tese de que seja limitado ao valor das cotas no encerramento do dia do pedido de resgate (fls. 1935, do recurso de apelação da RJI CORRETORA). Isto porque, restou constatada a má gestão, a violação à boa-fé objetiva e, nos termos do CDC, obviando-se a proteção integral da parte hipossuficiente, deve se dar por inteiro, retornando as partes ao estado anterior. Merece, pois, ser mantida integralmente a r. sentença. Recursos não providos. Por fim, é necessário dispor sobre os honorários recursais em recursos das rés apelantes. Dispõe a novel legislação processual: “Art. 85. A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor. § 1º - São devidos honorários advocatícios na reconvenção, no cumprimento de sentença provisório ou definitivo na execução, resistida ou não, e nos recursos interpostos, cumulativamente. (...) § 11. O tribunal, ao julgar recurso, majorará os honorários fixados anteriormente levando em conta o trabalho adicional realizado em grau recursal, observando, confor- me o caso, o disposto nos §§ 2º e 6º, sendo vedado ao tribunal, no cômputo geral da fixação de honorários devidos ao advogado do vencedor, ultrapas- sar os respectivos limites estabelecidos nos §§ 2º e 3ºo pra a fase de conhe- cimento.” O C. STF e o E. STJ já pacificaram: “É cabível a fixação de honorários recursais, prevista no art. 85, § 11, do CPC, mesmo quando não apresentadas contrarrazões ou contraminuta pelo advogado. (STF, Plenário, AO 2063, AgR/CE, rel. orig. Min, Marco Aurélio, red. p/ ac. Min. Luiz Fux, julgado em 18/05/2017)”. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECUR- SO ESPECIAL. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO N. 3/STJ. MAJO- RAÇÃO DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. COMPROVAÇÃO DE TRABALHO ADICIONAL. DESNECESSIDADE. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. 1. A jurisprudência desta Corte Superior é firme no sen- tido de que a majoração da verba honorária sucumbencial independe de comprovação do efetivo trabalho adicional pelo advogado da parte recor- rida, bem como independe da apresentação de contrarrazões ou contrami- nuta, desde que a parte recorrida tenha advogado constituído e intimado para apresentá-las. 2. Agravo interno não provido. (STJ, AgInt no AREsp 1604570 / GO - AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPE- CIAL 2019/0312384-4, Relator Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES Jurisprudência - Direito Privado (1141), 2ª Turma, j. em 24/08/2020, DJe 02/09/2020” Com o desprovimento do apelo das rés, não houve alteração da sucum- bência imposta. Observados os limites delineados pelo art. 85, § 11, do CPC, ficam ma- jorados em definitivo os honorários de sucumbência em 15% sobre o valor da condenação em favor dos patronos do autor. Dispositivo final: Diante do exposto, NEGA-SE PROVIMENTO aos recursos.