APELAçãO – Mandado de Segurança – Licitação – Direito certo e líquido – Requisito viabilizador da utilização da via do mandamus – Elementos constantes nos au- tos suficientes para fundamentar o direito alegado – Discussão sobre a existência ou não de ilegalidade do pregão eletrônico 070/CISE/2023 – Vedação à partici- pação de entidades sem fins lucrativos que está rela- cionada à condição não isonômica entre elas e os de- mais licitantes, decorrente do tratamento tributário diferenciado e mais benéfico conferido a tais institui- ções – Impedimento justificado em parecer do TCE/ SP – Precedentes desta E. Corte de Justiça e desta C. Câmara – Sentença reformada – Recurso provido.(TJSP; Processo nº 1032645-62.2024.8.26.0053; Recurso: Apelação; Relator: Osvaldo de Oliveira; Órgão Julgador: 12ª Câmara de Direito Público;; Data do Julgamento: 30 de abril de 2025)
, em 12ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça
de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento ao recurso. V.U.
Sustentou oralmente o Dr. Murilo Ramos Cagnon”, de conformidade com o
voto do Relator, que integra este acórdão. (Voto nº 24.777)
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores SOUZA
NERY (Presidente) e OSVALDO DE OLIVEIRA.
São Paulo, 30 de abril de 2025.
SOUZA MEIRELLES, Relator
Ementa: Mandado de Segurança – Licitação – Direito
certo e líquido – Requisito viabilizador da utilização
da via do mandamus – Elementos constantes nos au-
tos suficientes para fundamentar o direito alegado –
Discussão sobre a existência ou não de ilegalidade do
pregão eletrônico 070/CISE/2023 – Vedação à partici-
pação de entidades sem fins lucrativos que está rela-
cionada à condição não isonômica entre elas e os de-
mais licitantes, decorrente do tratamento tributário
diferenciado e mais benéfico conferido a tais institui-
ções – Impedimento justificado em parecer do TCE/
SP – Precedentes desta E. Corte de Justiça e desta C.
Câmara – Sentença reformada – Recurso provido.
VOTO
Apelação cível manejada por R.M.C. Gestão de Serviços Ltda. nos au-
tos de mandado de segurança impetrado em face do Estado de São Paulo, em
trâmite perante a 8ª Vara de Fazenda Pública da Comarca de São Paulo, cuja
ordem de segurança foi denegada.
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Vindica a apelante, em síntese, a desconstituição da r. sentença, para o fim
de conceder a segurança pleiteada consistente na anulação do pregão eletrônico
070/CISE/2023.
Recurso tempestivo, bem processado e devidamente contrariado (fls.
Jurisprudência - Direito Público
2224/2233).
A Procuradoria-Geral de Justiça opinou pelo provimento das irresigna-
ções interpostas (fls. 2252/2257).
Tal, em abreviado, o relatório.
Trata-se, na origem, de mandado de segurança impetrado por R.M.C.
Gestão de Serviços Ltda. em face do Estado de São Paulo, para o fim de
anular a homologação do pregão eletrônico 070/CISE/2023 pela Secretaria da
Educação do Estado de São Paulo.
A impetrante sustenta que o Estado de São Paulo afrontou seu direito
certo e líquido ao violar o princípio da isonomia e do caráter competitivo do cer-
tame, haja vista a permissão da concorrência desigual e desleal entre empresas
mercantis e pessoas jurídicas sem finalidade lucrativa.
Extrai-se do conjunto factual dos autos, que dos 13 (treze) lotes ofertados,
9 (nove) foram vencidos por essas entidades sem finalidade lucrativa, as quais
detém imunidade tributária nos termos do art. 150, VI, “c”, parte final, da Cons-
tituição da República.
Ab initio, cumpre ressaltar que na licitação de modalidade “pregão ele-
trônico”, o licitante vencedor só é conhecido após a escolha, pelo leiloeiro, da
melhor oferta, aquela que apresenta mais vantagens à administração nos termos
do edital. E como pregão é menor preço, logo a maior vantagem é aquela pro-
posta que traz mais benefícios à administração.
Pois bem.
De proêmio, insta ressalvar que o controle dos atos administrativos deve
ser feito apenas dentro dos estreitos liames da legalidade, não se cogitando de
invasão à seara discricionária da Administração.
Sobre a temática, cabe trazer à luz a doutrina de CELSO ANTÔNIO
BANDEIRA DE MELLO: in verbis
Assim, a discricionariedade existe, por definição, única e tão-somente para pro-
porcionar em cada caso a escolha da providência ótima, isto é, daquela que rea-
lize superiormente o interesse público almejado pela lei aplicanda. Não se trata,
portanto, de uma liberdade para a Administração decidir a seu talante, mas
para decidir-se do modo que torne possível o alcance perfeito do desiderato
normativo. A discricionariedade do ato só existe in concreto, ou seja, perante
o quadro da realidade fática com suas feições polifacéticas, pois foi em função
disto que a lei se compôs de maneira a obrigá-la. Assim, é óbvio que o Poder
Judiciário, a instâncias da parte, deverá invalidar atos que incorram nos vícios
apontados, pois nestes casos não há realmente discrição, mas vinculação, ou a
discrição não se estende até onde se pretendeu que exista, já que – repita-se – P
discricionariedade é margem de liberdade que efetivamente exista perante o caso
concreto. Discricionariedade ao nível da norma pode ou não engendrar discrição
em face de uma específica situação ocorrente na realidade empírica, e, de toda
sorte, estará sempre restringida aos limites que a situação vertente comporta (in
Curso de direito administrativo, 25ª ed., São Paulo, Malheiros, 2008, pp. 428/429
Jurisprudência - Direito Público
– o grifo o foi por nós)
A discricionariedade, nas claras palavras de HELY LOPES MEI-
RELLES, “é liberdade de ação administrativa, dentro dos limites permitidos pela lei”
(Direito Administrativo Brasileiro, 33ª ed. São Paulo: Editora Malheiros, p.120/121),
esta liberdade concedida pelo ordenamento jurídico, que permite a melhor alo-
cação dos recursos pela Administração Pública.
Firmando-se em tal premissa doutrinária, tratando-se de impetração de
mandado de segurança, antes mesmo de se perquirir sobre a extrapolação do
ato administrativo em relação aos limites da legalidade aos quais está adstri-
to o juízo discricionário, reservado à Administração Pública, cabe aferir, de
imediato, se há a presença de prova pré-constituída, ou seja, direito certo
e líquido, requisito de ordem processual, a atestar a cognoscibilidade do
mandamus.
E, no caso vertente, o requisito exigido para a impetração de mandado
de segurança encontra-se presente, pois há flagrante violação aos princípios
constitucionais que sustentam o direito certo e líquido da impetrante.
Recrutamos, sobre esse ponto, o que a mais abalizada doutrina tem ex-
pendido como sendo direito certo e líquido: in litteris
“É o direito translúcido, evidente, acima de toda dúvida razoável, apurável de
plano, sem detido exame, nem laboriosas cogitações”1
“O ato contra o qual se requer o mandado de segurança terá que ser manifes-
tamente inconstitucional ou ilegal para que se autorize a concessão da medida.
Se ilegalidade ou a inconstitucionalidade não se apresenta aos olhos do Juiz em
termos inequívocos, patente não será a violação e, portanto, certo e incontestável
não será o direito. É pela evidência do dever legal da autoridade, seja para pra-
ticar o ato, seja para abster-se de o praticar, que se mede que se o direito corres-
pondente, com a qualificação de certo e incontestável”2
A Lei 12.016/09, por sua vez, em seu artigo 1º, elenca o cabimento da
concessão de mandado de segurança, nos seguintes termos:
Art. 1º. Conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e cer-
to, não amparado por habeas corpus ou habeas data, sempre que, ilegalmente ou
com abuso de poder, qualquer pessoa física ou jurídica sofrer violação ou houver
justo receio de sofrê-la por parte de autoridade, seja de que categoria for e sejam
quais forem as funções que exerça.
Com efeito, o inciso XXI, do art. 37 da Constituição da República pre-
ceitua caminho inverso a forma utilizada no pregão 070/CISE/2023, que não
respeitou a igualdade de condições a todos os concorrentes.
Como bem observou a impetrante, não se trata, aqui, de igualdade apenas
1 CARLOS MAXIMILIANO, Parecer no Jornal do Comércio de 28 de agosto de 1934, in E. de
QUEIROZ LIMA, Princípios de Sociologia Jurídica, 6 a edição, Record Editora, 1958, p. 79.
2 CASTRO NUNES, Do Mandado de Segurança, Editora Forense, 8 a Edição, p. 129.
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formal, mas também material, mormente pelo fato de haver verdadeira imuni-
dade tributária extensível apenas às pessoas jurídicas sem finalidade lucrativa,
o que lhes permite, como de fato se deu, apresentar ofertas mais vantajosas
economicamente à administração estatal.
Jurisprudência - Direito Público
Nesse sentido, o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCE/SP), no
julgamento do TC-011455.989.21-0, que versa sobre “Representação formulada
em face do edital do Pregão Eletrônico nº 017/2021, certame instaurado pela Prefeitura
Municipal de Jahu objetivando a contratação de empresa/cooperativa do ramo médico
para prestação de serviços médicos junto à rede municipal de saúde”, determinou que
a Prefeitura realizasse ampla revisão de seu edital, com a finalidade de dele fazer
constar expressa vedação à participação de cooperativas e de entidades sem fins
lucrativos no certame.
Destarte, não se pode negar que a fundamentação da decisão do TCESP
também esbarra na condição não isonômica existente entre tais instituições e
as demais licitantes. Ou seja, a vedação à participação de entidades sem fins
lucrativos no Pregão Eletrônico debatido na ocasião não está relacionada apenas
à subordinação dos serviços licitados, mas também à condição não isonômica
entre as partes.
No mesmo sentido, são os precedentes deste E. Tribunal de Justiça:
“APELAÇÃO CÍVEL. 1. Mandado de segurança – Procedimento licitatório
– Restrição à participação de Organizações da Sociedade Civil de Interes-
se Público (OSCIP), Organizações Sociais (OS) e Cooperativas de mão-de
-obra – Viabilidade – Preservação da isonomia e da competitividade entre
os licitantes – Associações sem fins lucrativos que têm tratamento tributá-
rio mais benéfico, de modo que podem apresentar proposta excessivamente
vantajosa, em desproporcionalidade aos demais interessados – Precedentes
– Denegação da segurança almejada – Manutenção da sentença. 2. Recurso não
provido”. (TJSP; Apelação Cível 1021499-06.2022.8.26.0114; Relator:
Osvaldo de Oliveira; Órgão Julgador: 12ª Câmara de Direito Público;
Foro de Campinas - 2ª Vara da Fazenda Pública; Data do Julgamento:
06/12/2023; Data de Registro: 12/12/2023) (g.n.)
“APELAÇÃO. MANDADO DE SEGURANÇA. DENEGAÇÃO DA SEGU-
RANÇA. LICITAÇÃO. EDITAL. Abertura de procedimento licitatório ob-
jetivando a contratação de entidade empresarial especializada na prestação de
serviços médicos para o Município de Sertãozinho. Existência de cláusulas
restritivas de participação de associações sem fins lucrativos. Pressupostos
da impetração. Configuração. Certeza jurídica considera orientação do Tri-
bunal de Contas do Estado de São Paulo para promover a preservação da
isonomia. Prevalência do princípio da maior competitividade. Indispensável
assegurar a paridade entre aqueles que participam da competição. Impe-
trante integra o grupo denominado entidades do terceiro setor. Evidente possi-
bilidade de apresentar proposta com excessiva vantagem na licitação, dada as
benesses tributárias, entre o de que desfruta. Constatação de possível quebra da
isonomia. Distinção existente em relação as microempresas e empresas de pe-
queno porte, uma vez que as isenções a estas concedidas são voltadas para o
fomento da atividade empresarial. Recorrente que tem objeto ligado a atividades
que não visam lucro, devendo colaborar com os serviços públicos de saúde por
meio de convênio. Restrição à participação de associações sem fins lucrativos
que não configura ato ilegal, uma vez que visa o estabelecimento e manutenção
de condições similares aos que participarão do procedimento licitatório. Prece-
Jurisprudência - Direito Público
dentes. Sentença mantida. NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO”. (TJSP;
Apelação Cível 1000384-37.2019.8.26.0597; Relator: José Maria Câma-
ra Junior; Órgão Julgador: 8ª Câmara de Direito Público; Foro de Sertão-
zinho - 1ª Vara Cível; Data do Julgamento: 24/05/2020; Data de Registro:
24/05/2020) (g.n.)
DIREITO ADMINISTRATIVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. PREGÃO
ELETRÔNICO. HABILITAÇÃO DE ASSOCIAÇÃO SEM FINS LUCRA-
TIVOS. ENTIDADE QUE GOZA DA IMUNIDADE TRIBUTÁRIA. VIO-
LAÇÃO AO PRINCÍPIO DA ISONOMIA. RECURSO PROVIDO. I. Caso
em Exame: Agravo de instrumento interposto contra decisão que indeferiu tutela
de urgência em mandado de segurança, visando suspender os efeitos de decisões
administrativas que negaram provimento ao recurso interposto pela agravante,
relacionado ao Pregão n. 378/2024 para contratação de serviços médicos no mu-
nicípio de Botucatu, que habilitou para o certame associação sem fins lucrativos.
II. Questão em Discussão: 2. A questão em discussão consiste em verificar a
legalidade da participação de associações sem fins lucrativos em licitações pú-
blicas, considerando o princípio da isonomia e a ausência de vedação expressa
no edital. III. Razões de Decidir: 3. O entendimento do TCE-SP é firme quan-
to à vedação de associações sem fins lucrativos participarem de licitações,
devido ao tratamento tributário diferenciado que compromete a isonomia.
4. A concessão da liminar é razoável, pois a dúvida sobre a conformidade do
edital com o princípio da isonomia justifica a suspensão dos atos de execução do
contrato até o julgamento do mérito. IV. Dispositivo e Tese: 5. Recurso provido.
Tese de julgamento: 1. A participação de associações sem fins lucrativos em
licitações pode comprometer a isonomia entre os licitantes. 2. A suspensão de
atos administrativos é justificável diante de dúvida razoável sobre a legalidade do
edital. Legislação Citada: Lei n. 14.133/2021, art. 5º; Lei n. 12.016/09, art. 7º, III.
Jurisprudência Citada: TJSP, Apelação Cível 1000911-70.2020.8.26.0300, Rel.
MARIA FERNANDA DE TOLEDO RODOVALHO, 2ª Câmara de Direito Pú-
blico, j. 14/07/2021. TJSP, Agravo de Instrumento 2146709-43.2018.8.26.0000,
Rel. FLORA MARIA NESI TOSSI SILVA, 13ª Câmara de Direito Público, j.
13/2/2019. Decisão reformada. Recurso provido. (TJSP; Agravo de Instru-
mento 2072351-63.2025.8.26.0000; Relator: Carlos von Adamek; Órgão
Julgador: 2ª Câmara de Direito Público; Foro de Botucatu - 1ª Vara Cível;
Data do Julgamento: 09/04/2025; Data de Registro: 09/04/2025) (g.n)
A restrição é aplicável para assegurar justamente a isonomia e a com-
petitividade do certame, na medida em que as associações sem fins lucrativos
têm tratamento tributário mais benéfico e podem apresentar proposta excessiva-
mente mais vantajosa, em extrema desproporcionalidade em relação aos demais
licitantes.
Portanto, admitir a participação irrestrita de entidades que gozam de pri-
vilégios com outros concorrentes, afeta e compromete o necessário tratamento
isonômico que deve ser assegurado entre todos os participantes do certame, de
modo há flagrante prejudicialidade ao interesse público.
A terceirização do serviço público pode ocorrer por meio de entidades de
apoio, compreendidas como pessoas jurídicas de direito privado sem fins lucra-
tivos, instituídas por servidores públicos, porém em nome próprio, sob a forma
Jurisprudência - Direito Público
de fundação, associação ou cooperativa, para a prestação, em caráter privado, de
serviços não exclusivos do Estado.
Acontece que nessas hipóteses o vínculo jurídico com entidades da admi-
nistração direta ou indireta deve ser mantido por meio de convênio, visando não
incluir num procedimento licitatório os concorrentes que, observadas as vanta-
gens legais que lhes são conferidas, terão exorbitantes condições de apresentar
proposta vantajosa, não tendo que arcar com certos encargos trabalhistas.
Importa notar que a jurisprudência contempla a impossibilidade de asso-
ciações sem fins participarem de processo licitatório e, para tanto, considera a
paridade entre os licitantes com a manutenção de condições iguais ou similares
para participação do procedimento licitatório.
Consabido, a impetração de mandado de segurança obriga a existência
e, principalmente, a juntada à petição inicial de prova pré-constituída, apta a
demonstrar, de pronto, a alegada violação ao direito certo e líquido da parte
impetrante, o que ocorreu no presente caso.
Ante o exposto, impõe-se a reforma do veredicto singular, para conce-
der a ordem de segurança nos moldes pleiteados.
Ficam as partes notificadas de que, em caso de oposição de embargos
declaratórios, o processamento e o julgamento se realizarão por meio virtual.
Postas tais premissas, por meu voto, dá-se provimento ao recurso.