APELAçãO – PARCERIA COMERCIAL - Partes que são empresas chamadas “ticketeiras”, ou seja, que co- mercializam ingressos de eventos em plataforma di- gital, aproximando os realizadores dos eventos, seus clientes, do público, disponibilizando a estes últimos a aquisição dos tickets - Serviço de intermediação que é feito mediante a cobrança de uma taxa, que é da onde vem a receita dessas empresas - Autora que cedeu a marca “Sem Hora” à requerida Eventbrite, ajustando o recebimento de participação nas taxas de vendas de ingressos de eventos com exploração da marca - Ação de ressarcimento de valores não repassados, indeni- zação por lucros cessantes e danos morais por atos de concorrência desleal - Sentença de procedência, condenada a ré ao pagamento dos valores não repas- sados, apurados em R$ 3.811.146,48 pela perícia con- tábil, indenização por lucros cessantes, cujo valor de- verá ser apurado em liquidação, mais R$ 500.000,00 a título de indenização por danos morais por atos de concorrência desleal - Inconformismo da ré - Aco- lhimento em parte - Inocorrência de cerceamento de defesa - Produção de provas oportunizada às partes - Bloqueio de valores em sede de tutela provisória con- firmado no julgamento de agravo de instrumento por esta C. 9ª Câmara de Direito Privado - Necessidade de preservação do direito, uma vez que não houve re- passe de valores ajustados, conforme já apurado em prévia cautelar de produção antecipada de provas - Inadimplemento da ré que deixou de repassar à au- tora valores milionários relativos a sua participação ajustada no contrato a título de compartilhamento de receitas advindas das cobranças das taxas de serviços - Repasse devido, cujo valor foi apurado pela perícia 285 técnico contábil feita nos autos - Ré que não apre- sentou prova documental do pagamento dos valores apurados, tampouco de eventual incorreção dos cál- Jurisprudência - Direito Privado culos da perícia, os quais devem, portanto, prevalecer - Indenização por lucros cessantes e danos morais por concorrência desleal devidos - Ré que demitiu funcio- nário da autora essencial à operação, violando o con- trato e prejudicando o regular desenvolvimento das atividades da autora, impondo-lhe prejuízos em seus ganhos - Lucros cessantes devidos a serem apurados em liquidação - Ré que também se utilizou indevida- mente, sem autorização, das mídias sociais da autora, valendo-se de seus seguidores para promover a sua marca, alterando o nome de perfil, dando destaque à marca “Eventbrite” e apagando a marca “Sem Hora” - Conjuntos de atos ilícitos caracterizados como con- corrência desleal com a finalidade de prejudicar a atuação da autora no mercado - Dano moral devido e que, segundo a jurisprudência, é “in re ipsa” - Pre- cedentes - Redução, contudo, do quantum fixado ao patamar de R$ 300.000,00 para melhor adequação aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, com juros de mora desde a demissão indevida do fun- cionário, em conformidade com a Súmula 54 do C. STJ - Quantia que também se mostra suficiente para cumprimento do escopo admoestatório - Apelo provi- do em parte.(TJSP; Processo nº 1038450-88.2020.8.26.0100; Recurso: Apelação; Relator: GALDINO TOLEDO JÚNIOR; Data do Julgamento: 27 de maio de 2025)
, em 9ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de
São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento em parte ao recurso.
284
V.U. Sustentaram oralmente o Dr. Carlo de Lima Verona, OAB/SP 169.508 e o
Dr. Lucas Britto Mejias, OAB/SP 301.549.”, de conformidade com o voto do
Relator, que integra este acórdão. (Voto nº 42.702)
O julgamento teve a participação dos Exmo. Desembargadores ALE-
Jurisprudência - Direito Privado
XANDRE LAZZARINI (Presidente) e EDSON LUIZ DE QUEIROZ.
São Paulo, 27 de maio de 2025.
GALDINO TOLEDO JÚNIOR, Relator.
Ementa: PARCERIA COMERCIAL - Partes que são
empresas chamadas “ticketeiras”, ou seja, que co-
mercializam ingressos de eventos em plataforma di-
gital, aproximando os realizadores dos eventos, seus
clientes, do público, disponibilizando a estes últimos a
aquisição dos tickets - Serviço de intermediação que é
feito mediante a cobrança de uma taxa, que é da onde
vem a receita dessas empresas - Autora que cedeu a
marca “Sem Hora” à requerida Eventbrite, ajustando
o recebimento de participação nas taxas de vendas de
ingressos de eventos com exploração da marca - Ação
de ressarcimento de valores não repassados, indeni-
zação por lucros cessantes e danos morais por atos
de concorrência desleal - Sentença de procedência,
condenada a ré ao pagamento dos valores não repas-
sados, apurados em R$ 3.811.146,48 pela perícia con-
tábil, indenização por lucros cessantes, cujo valor de-
verá ser apurado em liquidação, mais R$ 500.000,00
a título de indenização por danos morais por atos de
concorrência desleal - Inconformismo da ré - Aco-
lhimento em parte - Inocorrência de cerceamento de
defesa - Produção de provas oportunizada às partes -
Bloqueio de valores em sede de tutela provisória con-
firmado no julgamento de agravo de instrumento por
esta C. 9ª Câmara de Direito Privado - Necessidade
de preservação do direito, uma vez que não houve re-
passe de valores ajustados, conforme já apurado em
prévia cautelar de produção antecipada de provas -
Inadimplemento da ré que deixou de repassar à au-
tora valores milionários relativos a sua participação
ajustada no contrato a título de compartilhamento de
receitas advindas das cobranças das taxas de serviços
- Repasse devido, cujo valor foi apurado pela perícia
285
técnico contábil feita nos autos - Ré que não apre-
sentou prova documental do pagamento dos valores
apurados, tampouco de eventual incorreção dos cál-
Jurisprudência - Direito Privado
culos da perícia, os quais devem, portanto, prevalecer
- Indenização por lucros cessantes e danos morais por
concorrência desleal devidos - Ré que demitiu funcio-
nário da autora essencial à operação, violando o con-
trato e prejudicando o regular desenvolvimento das
atividades da autora, impondo-lhe prejuízos em seus
ganhos - Lucros cessantes devidos a serem apurados
em liquidação - Ré que também se utilizou indevida-
mente, sem autorização, das mídias sociais da autora,
valendo-se de seus seguidores para promover a sua
marca, alterando o nome de perfil, dando destaque à
marca “Eventbrite” e apagando a marca “Sem Hora”
- Conjuntos de atos ilícitos caracterizados como con-
corrência desleal com a finalidade de prejudicar a
atuação da autora no mercado - Dano moral devido
e que, segundo a jurisprudência, é “in re ipsa” - Pre-
cedentes - Redução, contudo, do quantum fixado ao
patamar de R$ 300.000,00 para melhor adequação
aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade,
com juros de mora desde a demissão indevida do fun-
cionário, em conformidade com a Súmula 54 do C.
STJ - Quantia que também se mostra suficiente para
cumprimento do escopo admoestatório - Apelo provi-
do em parte.
VOTO
1. Ao relatório constante de fls. 2923/2930, acrescento que a sentença jul-
gou procedente ação de indenização proposta por SH Entretenimento Ltda. ME
contra Eventbrite Brasil Gestão Online de Eventos Ltda. e Eventbrite Inc. para
o fim de: “1-) CONDENAR as requeridas solidariamente a pagar o valor de R$
3.811.146,48, com correção monetária pela Tabela Prática do Tribunal de Jus-
tiça, e juros de mora de 1% ao mês, ambos a partir do inadimplemento (mora
ex re). 2-) CONDENAR as requeridas solidariamente a pagar indenização a
título de danos morais no valor de R$ 500.000,00, com correção monetária
pela Tabela Prática do Tribunal de Justiça, a partir da presente data, e juros de
mora de 1% ao mês, a partir da data da demissão do Sr. Luis Palomares (Súm.
54-STJ). 3-) CONDENAR as requeridas solidariamente a pagar indenização a
título de lucros cessantes, a ser liquidados, com correção monetária pela Ta-
286
bela Prática do Tribunal de Justiça, a partir do efetivo prejuízo (Súm. 43-STJ),
e juros de mora de 1% ao mês, a partir da citação.” Em face da sucumbência,
deverão as rés arcar solidariamente com as custas e despesas processuais e ho-
norários advocatícios fixados em 10% sobre o valor total da condenação.
Jurisprudência - Direito Privado
Recorre a ré Eventbrite Brasil Gestão Online de Eventos Ltda. contra
a decisão, esclarecendo, inicialmente que é uma das maiores plataformas de
tecnologia de eventos do mundo, com a atuação em diversos países, realizando
a venda de ingressos em diversas áreas de entretenimento. Narra que a SH,
por sua vez, à época em crise financeira, também atuava no ramo de comer-
cialização de ingressos online para os mais variados eventos. Informa que as
partes firmaram em 09/11/2017 contrato por meio do qual a SH, em benefício
da Eventbrite, licenciou todos os direitos intelectuais a ela pertencentes, incluin-
do o direito de exploração temporário da marca “Sem Hora”; cedeu a sua lista
de Clientes Referenciados e transferiu alguns dos seus colaboradores para a
Eventbrite (“Funcionários-Chave”). Para tanto, a Eventbrite se comprometeu
a realizar o pagamento inicial de R$ 4.200.000,00 (quatro milhões e duzentos
mil reais), denominado de “Adiantamento”, posteriormente majorado para R$
4.880.000,00 (quatro milhões, oitocentos e oitenta mil reais), a pedido da SH em
razão de suas elevadas dívidas, conforme o Segundo Aditamento ao Contrato,
e a realizar o compartilhamento de Receitas/Participação na Receita pelo prazo
de 3 (três) anos, a contar da 01 de novembro de 2018 (“Data de Referência”).
Menciona que toda a sua receita é formada por taxas de serviços cobradas nas
operações de venda de ingressos, sendo percentual que a SH teria direito calcu-
lado sobre as taxas de serviços auferidas nas vendas de ingressos pelos clientes
referenciados, descontados os chargebacks/estornos eventualmente realizados.
Esclarece, contudo, que se não houve receita, não há valores a serem compar-
tilhados com a SH. Alega que foi indevidamente acusada de praticar concor-
rência desleal, adotando medidas contrárias ao retorno da SH ao mercado e de
demitir, sem justa causa, o Sr. Palomares, fundador acionista da SH. Defende
que cumpriu com exatidão as obrigações contratuais de entregar relatórios e
manter a transparência das informações, bem como não colocou qualquer óbice
ao retorno da SH ao mercado de venda online de ingressos, atentando-se ao
fato de que a Apelada sequer tentou demonstrar que teria buscado retomar suas
atividades, e provou que não houve qualquer concorrência desleal para com a
Apelada, tendo a Eventbrite explorado a marca “Sem Hora” nos exatos termos
do Contrato, não havendo que se falar em indenização por danos morais. Alega
que foi surpreendida como bloqueio judicial de suas contas no montante de R$
483.773,00 que decorreu do deferimento de pedido formulado pela Sem Hora
sem qualquer prova. Defende que havia incompatibilidade da penhora com a
fase processual da demanda, diante da ausência de qualquer título executivo
judicial ou probabilidade de direito que justificassem um pedido de bloqueio.
Informou nos autos outros três bloqueios, realizados em contas diversas, no
montante de R$ 254.959,39 conforme fls. 1.386/1.387, que foram proferidas no
pior momento da pandemia, em que o mercado de eventos estava completamen-
Jurisprudência - Direito Privado
te abalado. Alega que a questão se a Eventbrite desconta ou não o valor integral
do ingresso não era um ponto controvertido nos autos de origem, mas sim o pon-
to verdadeiramente controvertido nos autos seria se a forma com que a Even-
tbrite realiza os descontos de Chargeback/Estornos está ou não de acordo com
as disposições contratuais. Menciona que o MM. Magistrado rejeitou o pedido
da Eventbrite para que os seus documentos contábeis e sigilosos, concernentes
a seus segredos de negócios, permanecessem em sigilo em relação à Sem Hora.
Pondera que ocorreram inconsistências técnicas no laudo pericial que foram
ignoradas pelo D. Juízo a quo. Esclarece que os valores não considerados no
curso da perícia totalizam R$ 5.988.746,45 para o período de novembro de 2018
a novembro de 2021 (período acordado pelas Partes para o Compartilhamento
de Receitas). Alega que o MM. Magistrado incorreu em cerceamento de defesa
ao indeferir a oitiva do Sr. Palomares, Sr. Perito e assistentes técnicos. São am-
plos os indícios de amizade íntima entre as testemunhas e o Sr. Palomares e, por
isso, elas deveriam ter sido ouvidas como informantes, e não como testemunhas.
Deve ser reconhecida a nulidade da r. sentença por cerceamento de defesa. No
mais, superada a preliminar, a r. sentença deve ser reformada para julgar a ação
principal improcedente por inexistirem violações contratuais por parte da Even-
tbrite, inexistirem lucros cessantes indenizáveis, na medida em que a Eventbrite
jamais impediu o retorno da Sem Hora ao mercado de ingressos e a Sem Hora
jamais comprovou ofensa a sua honra objetiva e, portanto, não há que se falar
em indenização por danos morais. Afirma que jamais se recusou a apresentar
informações necessárias para o cálculo, mas a apelada jamais ditou como se-
riam os relatórios a serem fornecidos. O Sr. Palomares deu causa à sua própria
demissão, comprometendo o trabalho em equipe e contaminando a integração
de outros colaboradores. Assevera que jamais impediu o retorno da Sem Hora
ao mercado, mas não possuía a obrigação de administrar a marca “Sem Hora”
e suas redes sociais. Defende que não houve comprovação do dano material e
nem dos danos morais sofridos pela Sem Hora. Sustenta que, subsidiariamente,
a fixação do quantum a ser indenizado a título de danos morais deve observar
a razoabilidade e proporcionalidade. Ressalta que o quantum indenizatório de
R$ 500.000,00 foi fixado sem quaisquer razões para o arbitramento da referida
quantia. Observa que os juros de mora referentes à reparação de dano moral
devem ser contados a partir do arbitramento na sentença que determinou o valor
da indenização. Reforça que a Eventbrite jamais encerrou suas operações no
Brasil, sendo falaciosas as acusações da Sem Hora em tal Sentido. Requer, por
fim, que a r. sentença seja anulada por cerceamento de defesa, determinando-se
o retorno dos autos à origem para novo julgamento da matéria. Subsidiaria-
288
mente, requer que: a) seja afastada a existência de qualquer ilícito contratual
supostamente cometido pela Eventbrite, tendo em vista que o repasse de valores
a título de Compartilhamento de Receitas foi realizado em plena consonância
com as previsões do Contrato, bem como as prestações de informações à Sem
Jurisprudência - Direito Privado
Hora; b) seja afastada a condenação da Eventbrite ao pagamento de lucros ces-
santes, considerando que (i) não houve impedimento à concorrência da Sem
Hora após a demissão do Sr. Palomares; (ii) a Eventbrite não tinha a obrigação
de administrar a marca “Sem Hora”; e (iii) não foram comprovados os danos
materiais supostamente sofridos; c) seja afastada a condenação da Eventbrite ao
pagamento de danos morais, considerando (i) a ausência de crime de concorrên-
cia desleal; e (ii) a ausência de comprovação dos danos materiais supostamente
sofrido. Ainda, requer de forma subsidiária que a condenação a título de danos
morais observe os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, com juros de
mora contados a partir da sentença, bem como para que seja afastado o bloqueio
judicial nas contas da Eventbrite, no montante de R$ 483.773,00, considerando
que: (i) a Eventbrite jamais encerrou suas operações no Brasil; e (ii) não houve
manifestação expressa da r. Sentença Apelada em confirmação à ordem liminar.
Dessa forma, requer a reforma da r. sentença (fls. 3110/3172).
Recurso regularmente processado, com oferecimento de contrarrazões às
fls. 3191/3248.
O feito foi inicialmente distribuído para a C. 1ª Câmara Reservada de
Direito Empresarial, tendo sido determinada a redistribuição para esta C. 9ª Câ-
mara de Direito Privado por prevenção, pela r. decisão monocrática do Ilustre
Desembargador Alexandre Lazzarini (fls. 3262/3271).
2. Comporta parcial acolhida o reclamo.
Alega a autora que atuava no comércio online de ingressos para eventos
explorando a marca “Sem Hora”, que foi cedida para as requeridas pelo preço
de R$ 4.200.000,00 mais uma parcela da renda de venda de ingressos. Sustenta,
porém, que a requerida violou o contrato, ao desrespeitar uma série de obriga-
ções contratuais, bem como praticou atos de concorrência desleal com intenção
de prejudicar o desenvolvimento de suas atividades. Em razão disso, requer
procedência da ação para condenar as requeridas solidariamente a pagar o valor
inadimplido a título de compartilhamento de taxa de serviço, indenização por
lucros cessantes que auferiria se tivesse voltado a atuar no mercado de “ticketei-
ras” a partir da demissão do Sr. Luis Palomares e danos morais por concorrência
desleal no valor de R$ 1.000.000,00.
Defenderam-se as rés afirmando que não houve inadimplemento contra-
tual. Afirmam que não houve violação do direito de prestar informações sobre
os pagamentos realizados. Alegam que sua forma de cálculo dos “chargebacks”
está correta. Argumenta, na verdade, que a autora violou cláusula de representa-
ções e garantias e que não deve ser condenada ao pagamento de indenização por
lucros cessantes e danos morais por concorrência desleal.
A r. sentença julgou procedente a ação para o fim de condenar as reque-
ridas solidariamente ao pagamento de R$ 3.811.146,48, que se refere à quantia
Jurisprudência - Direito Privado
que não foi repassada à autora, conforme apurado pela perícia técnica contábil,
mais R$ 500.000,00 a título de indenização por danos morais e indenização por
lucros cessantes, cujo valor deverá ser apurado em liquidação.
Insurge-se a parte ré, nesta oportunidade, contra a r. decisão.
De início, não há falar em cerceamento de defesa, uma vez que às partes
foi oportunizada ampla produção de provas requeridas.
Ademais, não foi devidamente esclarecido nas razões recursais quais pro-
vas essenciais ao deslinde da controvérsia e comprobatórias das teses da apelan-
te deixaram de ser produzidas, prejudicando sua defesa.
Mais ainda, não vinga alegação de que os bloqueios de valores da ré em
ordem liminar se deram sem início da fase probatória, o que também teria carac-
terizado cerceamento defesa.
Isso porque os bloqueios ocorreram diante da verificação dos requisitos
para a ordem em sede de tutela provisória, quais sejam a plausabilidade do di-
reito e o perigo da demora, sobretudo em vista da necessidade de preservação do
direito, impedindo a dilapidação de valores que não foram repassados à autora,
ausente, portanto, violação ao devido processo legal.
Cumpre mencionar que a questão relativa aos bloqueios foi analisada nos
autos do agravo de instrumento nº 2298989-28.2020.8.26.0000, julgado por esta
C. 9ª Câmara de Direito Privado, sob minha relatoria.
Foi consignado no v. acórdão que: “No caso a ordem de arrestar valo-
res depositados em instituição financeira objetiva assegurar a efetividade de
eventual sentença de procedência, ante o risco de dilapidação de patrimônio
por parte de quem supostamente assumirá a condição de devedor. Assim sendo,
não se afigura a hipótese de ofensa ao contraditório e à ampla defesa, enquanto
a menção do juiz à “parte executada”, ou mesmo à transferência dos valores
à conta vinculada “ao juízo da execução” representam meros equívocos ter-
minológicos que não afastam o caráter tão somente conservativo da decisão.
A plausibilidade do direito alegado (fumus boni iuris) está presente em razão
do valor retido pela agravante, que supostamente deveria ter sido repassado
para a agravada, e anotado como “montante devido reservado até 31-03-2020
483.773” (fl. 1.298, dos autos principais). A resposta, por meio de e-mail, pres-
tada pela agravante é que não haveria saldo a ser pago em favor da agravada,
porque “os estornos e chargebacks ocorridos em razão da pandemia foram
superiores à receita gerada em taxas. Assim, o resultado do segundo quarter
foi equivalente a R$ 24.512,51”. Afirmou-se ainda que um “relatório detalhado
sobre esses números estava sendo preparado” (fl. 1.318, dos autos principais),
porém tal relatório não foi apresentado nas tratativas extrajudiciais. É bem
290
verdade que a agravante menciona em suas razões recursais (fl. 16) que acostou
nos autos principais aludido relatório às fls. 1.109/1.118, porém o documento
está escrito em língua inglesa e não foi vertido para o vernáculo, de modo
que insuficiente para comprovar nesta sede a alegada correção na conduta de
Jurisprudência - Direito Privado
retenção dos valores que aparentemente deveriam ter sido repassados. As expli-
cações dadas ao sócio fundador da empresa agravada (fl. 20) não suscitaram
uma manifestação expressa de concordância, razão por que insuficientes para
conferir de plano higidez à retenção imposta pela agravante em verbas ajusta-
das em contrato. Quanto ao perigo da demora e ao risco ao resultado útil do
processo (periculum in mora), tais circunstâncias decorrem de indícios sobre
a paralisação dos serviços prestados pela recorrente no território brasileiro,
com a demissão de toda equipe de trabalho e ausência de novas postagens em
rede social após abril de 2.020 (fls. 1.367/1.373, 1.376, 1.378/1.379 e 1.381,
dos autos principais). A agravante não apresentou elementos de convicção que
demonstrassem de forma robusta a efetiva continuidade da prestação dos ser-
viços em território brasileiro, como número de funcionários, atuação em sua
sede física e postagens atualizadas em redes sociais. Tampouco identificou por
meio de dados contábeis que os valores constritos teriam atingido capital de
giro imprescindível para o pagamento de custos ordinários. Nesse passo, não
se vislumbra motivo para afastar o arresto determinado, tendo em vista que a
retenção realizada pela agravante deverá ser melhor justificada no curso da
instrução e insuficientes são os elementos que indiquem a efetiva continuidade
da agravante no país.”_.
Desse modo, não houve irregularidade ou cerceamento de defesa relacio-
nado aos bloqueios determinados em sede de tutela, porquanto observados os
parâmetros legais para a concessão da medida.
Logo, foi genérica a alegação de cerceamento de defesa e, portanto, não
há amparo ao pedido de nulidade da r. sentença.
Quanto ao mérito, em síntese, colhe-se dos autos que as partes são empre-
sas chamadas “ticketeiras”, ou seja, que comercializam ingressos de eventos em
plataforma digital, aproximando os realizadores dos eventos, seus clientes, do
público, disponibilizando a estes últimos a aquisição dos tickets.
Esse serviço de intermediação é feito mediante a cobrança de uma taxa,
que é de onde vem a receita dessas empresas.
Os litigantes, então, firmaram contrato de “renúncia, licença e quitação”,
em 09/11/2017, pelo qual a autora SH cedeu a marca “Sem Hora” à requerida
Eventbrite, ajustando o recebimento de participação nas vendas com exploração
da marca.
Os elementos vindos aos autos, contudo, foram suficientes para revelar
o inadimplemento contratual da ré, tanto que na ação de produção antecipada
de provas nº 1115947-18.2019.8.26.0100 foi descoberto pela autora que a ré
deixou de lhe repassar valores milionários relativos a sua participação ajustada
no contrato a título de compartilhamento de receitas advindas das cobranças das
taxas de serviços.
Jurisprudência - Direito Privado
Mais ainda, a perícia contábil, ao analisar os documentos, apurou que
a requerida realmente deixou de repassar à autora o valor de R$ 3.811.146,48
(fl. 2158), não tendo sido feita nos autos contraprova do respectivo pagamento
retido indevidamente.
Logo, o fato é que não foi comprovado o adimplemento do contrato, uma
vez que a própria ré não apresentou prova documental do pagamento dos valo-
res apurados, tampouco de eventual incorreção dos cálculos da perícia, os quais
devem, portanto, prevalecer.
No mais, postulou a autora indenização por lucros cessantes e danos mo-
rais por concorrência desleal.
Alega a autora que a ré demitiu o Sr. Luiz Palomares, que, por obrigação
contratual, seria mantido na operação como “funcionário-chave”, assegurando
a continuidade do sucesso da autora. Argumenta autora que tal providência di-
ficultou ou impediu o seu retorno ao mercado de venda de ingressos. Também
sustentou que suas mídias sociais foram indevidamente usadas pela ré como se
fossem suas, com alteração do nome do perfil, apropriando-se de seus seguido-
res, sem autorização, o que também contribuiu para o seu declínio.
Verifica-se que a demissão de Luís Palomares sem justa causa violou o
contrato. Além disso, o uso indevido das mídias sociais da autora pela ré como
se fossem suas, apropriando-se de suas plataformas de marketing sem autoriza-
ção, consequentemente, dificultou a continuidade de suas atividades, repercutin-
do em seus ganhos, o que dá amparo à condenação por lucros cessantes.
Tal como destacou a r. sentença: “A requerida demitiu o Sr. Luís Pa-
lomares, que era a alma do negócio da autora, sem qualquer incidência nas
hipóteses de justa causa contidas na cláusula 12.3. As funcionárias que faziam
o ponto de contato do Sr. Luís Palomares com a sede da requerida nos EUA
declararam que ele teria sido demitido por “assédio” a funcionários, acusação
genérica e sem outros respaldos. Não satisfeita, a requerida passou a obstacu-
lizar o retorno da autora no mercado de ingressos, sendo relevante lembrar que
ambas as empresas são concorrentes no mercado de “ticketeiras”. A requerida
não devolveu o acesso às mídias sociais da autora, a sua principal ferramenta
de marketing e propaganda, usou-as como se fossem suas (referência apenas à
requerida), e informou que iria desativá-las (Instagram e website). A requeri-
da alterou o nome do perfil @semhora para @eventbritebr, sem comprovação
de qualquer comunicação oficial à autora, apropriando-se dos seguidores, do
alcance e da penetração da imagem da marca da autora, a “Sem Hora”, que
acabou sendo destruída. A requerida também não devolveu a lista de partici-
pantes que adquiriram ingressos de eventos de clientes referenciados. Assim, a
292
requerida incorreu na resolução contratual da cláusula 12, por inadimplemento
culposo, incorrendo em ato ilícito contratual, devendo ser condenada a ressar-
cir os prejuízos sofridos pela autora. O impedimento da autora ao retorno ao
mercado de ingressos causou danos materiais negativos, denominados lucros
Jurisprudência - Direito Privado
cessantes, na medida em que comprometeu a lucratividade normal da empresa.
Sendo assim, a requerida deve ser condenada a pagar lucros cessantes, referen-
tes aos resultados que a autora poderia estar auferindo se tivesse tido condições
de voltar a competir com a requerida, a ser apurados em liquidação de sentença
por arbitramento.”
No mesmo contexto, tendo em vista também o uso ilícito e indevido das
mídias sociais pela ré, valendo-se esta dos seguidores da autora para promover
a sua marca, modificando inclusive o nome do perfil, fazendo com que viesse a
desaparecer a marca “Sem Hora”, restringindo, por consequência lógica, o seu
alcance, correto o reconhecimento de que tais condutas caracterizam concorrên-
cia desleal.
Tais condutas da ré ultrapassam os limites do mero inadimplemento do
contrato, mas integram um conjunto de ações com a finalidade de prejudicar o
destaque mercadológico da autora e o sucesso de sua atividade.
Como destacado pela r. sentença: “Dispõe a Lei nº 9.279/96 (Lei de Pro-
priedade Industrial): “Art. 2º A proteção dos direitos relativos à propriedade
industrial, considerado o seu interesse social e o desenvolvimento tecnológico
e econômico do País, efetua-se mediante: V - repressão à concorrência des-
leal.” Dentre as modalidades de concorrência desleal, tipificadas no art. 195
da LPI estão: “II - presta ou divulga, acerca de concorrente, falsa informação,
com o fim de obter vantagem; III - emprega meio fraudulento, para desviar, em
proveito próprio ou alheio, clientela de outrem; IV - usa expressão ou sinal de
propaganda alheios, ou os imita, de modo a criar confusão entre os produtos
ou estabelecimentos; VI - substitui, pelo seu próprio nome ou razão social, em
produto de outrem, o nome ou razão social deste, sem o seu consentimento; XI
- divulga, explora ou utiliza-se, sem autorização, de conhecimentos, informa-
ções ou dados confidenciais, utilizáveis na indústria, comércio ou prestação de
serviços, excluídos aqueles que sejam de conhecimento público ou que sejam
evidentes para um técnico no assunto, a que teve acesso mediante relação con-
tratual ou empregatícia, mesmo após o término o contrato;” A LIP assegura
a reparação moral pela concorrência desleal: “Art. 209. Fica ressalvado ao
prejudicado o direito de haver perdas e danos em ressarcimento de prejuízos
causados por atos de violação de direitos de propriedade industrial e atos de
concorrência desleal não previstos nesta Lei, tendentes a prejudicar a reputa-
ção ou os negócios alheios, a criar confusão entre estabelecimentos comerciais,
industriais ou prestadores de serviço, ou entre os produtos e serviços postos no
comércio.” O dano moral pela concorrência desleal (que é “in re ipsa”) está,
portanto, caracterizado.”
Com isso, consideradas as destacadas circunstâncias e em consonância
com o que dispõe a Lei de Propriedade Industrial e o entendimento jurispru-
Jurisprudência - Direito Privado
dencial sobre o tema, tem-se que é devida indenização por danos morais pela
concorrência desleal, anotando-se que tais danos derivam dos próprios atos pra-
ticados e se caracterizam in re ipsa.
Neste sentido: “PROPRIEDADE INDUSTRIAL - Marca nominativa
“Marabraz” - Utilização indevida em e-mail de ex-funcionária para constituir
pessoa jurídica em ramo concorrente, ainda na vigência do contrato de traba-
lho - Inauguração da loja física dois meses depois da constituição da empresa
individual - Potencial desvio de clientela - Condenação ao pagamento de danos
materiais em montante a ser apurado na fase de liquidação da sentença - Inde-
nizatória por danos materiais procedente - Apelação desprovida. PROPRIEDA-
DE INDUSTRIAL - Dano moral - Marca nominativa “Marabraz” - Utilização
indevida em e-mail de ex-funcionária para constituir pessoa jurídica em ramo
concorrente, ainda na vigência do contrato de trabalho - Concorrência desleal
caracterizada - Dano moral presumido - Indenizatória procedente - Verba man-
tida em R$ 5.000,00 - Apelação desprovida. Dispositivo: negam provimento.”
(Apelação nº 1060486-54.2023.8.26.0100, 2ª Câmara Reservada de Direito Em-
presarial, Rel. Des. Ricardo Negrão, j. 04/12/2024).
Logo, reconhecida a concorrência desleal, pois comprovada a conduta
ilícita da ré, causadora de repercussão negativa à atividade da autora, por con-
tribuir para o apagamento mercadológico da marca, dificultando o exercício da
atividade, são incontestes os danos morais à pessoa jurídica, conforme orienta a
Súmula 227 do C. STJ.
Nesse passo, atento ao princípio da razoabilidade e da proporcionalidade,
entende-se que foi fixada em patamar elevado a indenização por danos morais
no valor de R$ 500.000,00, sendo de rigor a sua redução para a quantia de R$
300.000,00, com correção monetária desde este julgamento e juros de mora de
1% ao mês desde o evento danoso, isto é, desde a demissão indevida do Sr. Pa-
lomares, nos termos da Súmula 54 do C. STJ.
Anote-se que não é possível a contagem dos juros de mora desde a data da
sentença, como postularam as apelantes, mas sim desde o evento danoso, como
definiu a r. sentença.
Entende-se que tal quantia, restrita à reparação moral pelos atos ilícitos de
concorrência desleal, é apta, sobretudo, a desestimular a reiteração da conduta
pela ré perante seus concorrentes, destacando-se essencialmente o seu caráter
punitivo e admoestatório, sem repercutir em enriquecimento sem causa.
Cabe acrescentar também que é importante ter sempre em mente que
valor da indenização, consoante precedente oriundo do Superior Tribunal de
Justiça, “não pode contrariar o bom senso, mostrando-se manifestamente exa-
gerado ou irrisório” (RT 814/167).
Anote-se, ainda, que os demais prejuízos serão reparados com o ressarci-
mento dos lucros cessantes a serem apurados em liquidação, conforme definiu
a r. sentença.
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Nessa linha de raciocínio, conclui-se que o recurso deve ser provido em
parte apenas para o fim de reduzir a indenização por danos morais pela prática
de atos de concorrência desleal ao patamar de R$ 300.000,00, mantida, no mais,
a r. sentença combatida.
Por fim, cabe consignar que o presente julgamento não altera a definição
dos ônus sucumbenciais da r. sentença.
3. Ante o exposto, meu voto dá provimento em parte ao recurso.