Decisão 1055001-85.2023.8.26.0053

Processo: 1055001-85.2023.8.26.0053

Recurso: Apelação

Relator: SOUZA NERY

Câmara julgadora: Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça

Data do julgamento: 14 de maio de 2025

Ementa Técnica

APELAçãO – DIREITO CIVIL. APELAÇÃO. CONTRA- TOS. RECURSOS DESPROVIDOS. I. Caso em Exame 1. Ação de cobrança ajuizada referente ao Contrato n.º 1000371601, celebrado em 18/10/2019, estipula- do em dólar e reais. A autora alega variação cambial 428 de 46,09% entre a data do contrato e a nacionaliza- ção dos equipamentos, e requer pagamento de R$ 4.486.826,14, correspondente ao desequilíbrio econô- mico-financeiro e desconto indevido. Jurisprudência - Direito Público II. Questão em Discussão 2. A questão em discussão consiste em: (i) se o Metrô deve ressarcir o Consórcio pelos tributos de importa- ção devido à variação cambial; (ii) se o reequilíbrio econômico-financeiro deve consi- derar toda a variação cambial ou apenas a parte que ultrapassa 10%. III. Razões de Decidir 3. O equilíbrio econômico-financeiro no contrato deve considerar encargos do contratado e tributos de im- portação. 4. O laudo pericial técnico, sob o crivo do contraditó- rio, determinou variação cambial de 46,29%, sendo que o gatilho de 10% deve ser aplicado, resultando em variação de 36,29% a ser paga. IV. Dispositivo e Tese 5. Recursos desprovidos. Tese de julgamento: 1. O reequilíbrio econômico-fi- nanceiro deve considerar a variação cambial superior a 10%. 2. A variação cambial de 36,29% sobre tribu- tos deve ser paga pelo Metrô. Legislação Citada: Lei 8.66/93, art. 65, d; Regulamento de Licitações do Metrô, art. 134, VII. Jurisprudência Citada: Tema 810/STF; EC 113/21.(TJSP; Processo nº 1055001-85.2023.8.26.0053; Recurso: Apelação; Relator: SOUZA NERY; Data do Julgamento: 14 de maio de 2025)

Voto / Fundamentação

, em 12ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento aos recursos. V.U.” Sustentaram oralmente o Dr. João Henrique Martins Diogo e o Dr. Viní- cius Minaré Mendonça.” de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. (Voto nº 60.519) O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores EDSON FERREIRA (Presidente sem voto), OSVALDO DE OLIVEIRA e J. M. RIBEI- RO DE PAULA. São Paulo, 14 de maio de 2025. SOUZA NERY, Relator


Ementa: DIREITO CIVIL. APELAÇÃO. CONTRA- TOS. RECURSOS DESPROVIDOS. I. Caso em Exame 1. Ação de cobrança ajuizada referente ao Contrato n.º 1000371601, celebrado em 18/10/2019, estipula- do em dólar e reais. A autora alega variação cambial 428 de 46,09% entre a data do contrato e a nacionaliza- ção dos equipamentos, e requer pagamento de R$ 4.486.826,14, correspondente ao desequilíbrio econô- mico-financeiro e desconto indevido. Jurisprudência - Direito Público II. Questão em Discussão 2. A questão em discussão consiste em: (i) se o Metrô deve ressarcir o Consórcio pelos tributos de importa- ção devido à variação cambial; (ii) se o reequilíbrio econômico-financeiro deve consi- derar toda a variação cambial ou apenas a parte que ultrapassa 10%. III. Razões de Decidir 3. O equilíbrio econômico-financeiro no contrato deve considerar encargos do contratado e tributos de im- portação. 4. O laudo pericial técnico, sob o crivo do contraditó- rio, determinou variação cambial de 46,29%, sendo que o gatilho de 10% deve ser aplicado, resultando em variação de 36,29% a ser paga. IV. Dispositivo e Tese 5. Recursos desprovidos. Tese de julgamento: 1. O reequilíbrio econômico-fi- nanceiro deve considerar a variação cambial superior a 10%. 2. A variação cambial de 36,29% sobre tribu- tos deve ser paga pelo Metrô. Legislação Citada: Lei 8.66/93, art. 65, d; Regulamento de Licitações do Metrô, art. 134, VII. Jurisprudência Citada: Tema 810/STF; EC 113/21.





VOTO

Trata-se de recursos de apelação interpostos pela COMPANHIA DO ME- TROPOLITANO DE SÃO PAULO - METRÔ e pelo CONSÓRCIO HASCO RAIL MINERALS contra r. sentença que julgou parcialmente procedente o pedido para condenar o réu ao pagamento do valor da variação cambial (36,29%) dos di- reitos alfandegários e outros tributos de importação incidentes sobre os bens importados licitados, já considerada a exclusão do gatilho inicial de 10% da cláusula de desequilíbrio. Consectários legais nos termos do Tema 810/STF e, após, EC 113/21. Diante da sucumbência recíproca, determinou o rateio das cus- tas e despesas processuais, e fixou honorários advocatícios em 5% do proveito econômico para cada uma das partes.1 Apela o Metrô sustentando, em suma, inexistência de previsão contra- tual que lhe imponha o ressarcimento dos custos havidos pelo Consórcio recor- rido com os dispêndios a maior, relativos aos tributos de importação. Aponta Jurisprudência - Direito Público equívocos no laudo pericial, já que o I. Perito utilizou outros marcos que têm relação com institutos jurídicos diversos da variação cambial, como o reajuste contratual e o critério temporal dos tributos incidentes na importação do item contratual fornecido, contendo mácula insanável e não podendo, por tanto, ser acolhido. Requer o provimento do recurso para que seja julgado improcedente o pedido.2 Apela, também, o Consórcio, alegando, em síntese, que possui o direito ao reequilíbrio econômico-financeiro em sua integralidade, bem como à resti- tuição do desconto indevidamente concedido ao Metrô. Aduz que não existe nenhuma previsão na sobredita Cláusula CGC 15.1 que limite o reequilíbrio econômico-financeiro do Contrato apenas ao percentual da variação cambial que ultrapassar os 10%, sendo que, havendo variação cambial maior que 10%, o reequilíbrio econômico-financeiro deverá corresponder ao total da variação cambial. Aduz que o desconto de 10% foi concedido por equívoco, e que a sua não devolução caracterizaria enriquecimento ilícito do Metrô. Requer o provi- mento do recurso para que os pedidos sejam julgados totalmente procedentes.3 Sobrevieram as contrarrazões.4 É o relatório. No caso, trata-se de ação de cobrança ajuizada por Consórcio Hasco Rail Minerals contra o Metrô, na qual a autora alega, em suma, ter celebrado junto ao réu o Contrato n.º 1000371601, celebrado em 18/10/2019, estipulado em duas moedas distintas devido a diferença de natureza dos pagamentos, um em dólar, relativo ao valor dos bens importados, e outro em reais, relativo aos va- lores alfandegários e outros tributos incidentes sobre a importação dos bens. Aponta que, em razão da parcela em dólar, foi previsto no contrato, nos itens 3 e 4 da CGG 15.1 do Contrato e artigo 134, VII, do Regulamento de Licitações do Metrô como fato previsível, de consequências impeditivas da execução do ajustado, variação cambial de preços e equipamentos de mais ou menos de 10%. Alega que, quando o contrato foi assinado, em 18/10/2019, a cotação do dólar utilizada como referência foi a da data base de 01/08/2019, conforme previsto no Edital e nas Planilhas de Preços do Contrato, ou seja, de R$ 3,84. To- davia, quando da nacionalização dos equipamentos, em 2020, a cotação do dólar estava na ordem de R$ 5,61, o que significou uma variação cambial de 46,09% 1 Fls. 788-799 - de lavra do MM. Juiz de Direito Dr. KENICHI KOYAMA, da 15ª Vara da Fazen- da Pública da Comarca da Capital, cujo relatório se adota, acrescida das decisões de fls. 807-808 e 816-818, que rejeitou os embargos de declaração opostos por ambas as partes. 2 Fls. 821-840. 3 Fls. 846-865. 4 Fls. 876-896 e 897-910. 430 da cotação do dólar entre a data do contrato e nacionalização dos equipamentos. Alega que o Metrô realizou a atualização cambial do pagamento relativo aos bens importados, mas não do valor maior de impostos pagos em decorrência da variação cambial, alegando não fazerem parte do preço do Contrato. Aduz, Jurisprudência - Direito Público por fim, ter sido concedido erroneamente desconto linear de 10% em função da errônea interpretação que se fez, à época, do gatilho previsto no item 4 da CGC 15.15, apesar de este desconto não haver sido objeto de nenhum acordo ou comunicação trocada entre as partes. Requer, portanto, seja o réu condenado a pagar o valor total de R$ 4.486.826,14, correspondente à soma dos valores de R$ 2.701.650,32, relativo ao desequilíbrio econômico-financeiro decorrente dos impactos cambiais sobre os impostos e de R$ 1.785.175,82, referente ao desconto de 10% indevidamente concedido pelo Consórcio ao Metrô, corrigido com base no IPC e acrescido dos juros legais. A r. sentença julgou o pedido parcialmente procedente para condenar o réu ao pagamento do valor da variação cambial (36,29%) dos direitos alfan- degários e outros tributos de importação incidentes sobre os bens importados licitados, já considerada a exclusão do gatilho inicial de 10% da cláusula de desequilíbrio. Ambas as partes apelaram, sendo que os recursos serão analisados em conjunto. Pois bem. Os recursos não merecem provimento. O contrato de n° 1000371601, firmado pelas partes, decorrente de pro- cesso licitatório internacional, e que tinha como objeto o “fornecimento de um veículo para correção de perfil de trilhos com ferramentas rotativas – bitola 1600mm”, como ressaltado pela r. sentença, possui termos válidos e eficazes judicialmente, sendo que a controvérsia é decorrente de interpretações diversas acerca do item CGG 15.1 do Contrato, que previa reequilíbrio contratual em caso de variação cambial, para menos ou para mais, superior a 10%, nos seguin- tes termos: “1. Os preços cobrados pelos Bens fornecidos e Serviços Conexos prestados se- rão ajustáveis. 2. Se os preços forem ajustáveis, o método que será utilizado para calcular o reajuste de preços consta anexo à esta CEC. 3. Firmado o contrato, além das demais disposições legais, em ocorrendo dese- quilíbrio econômico-financeiro da proposta nas hipóteses do REGULAMENTO DE LICITAÇÕES, CONTRATOS E DEMAIS AJUSTES DA COMPANHIA DO METROPOLITANDO DE SÃO PAULO METRÔ, a situação será analisada pelo Comprador. 4. Considera-se ‘fato previsível’, ‘de consequências impeditivas da execução do ajustado’, a variação cambial de preços de equipamentos/materiais importados, quando ela ultrapassar 10% (dez por cento) para mais ou para menos.” (fl. 86) Primeiramente, importa ressaltar que, apesar de o Metrô sustentar inexis- tência de previsão contratual que lhe imponha o ressarcimento dos custos havi- dos pelo Consórcio recorrido com os dispêndios a maior, relativos aos tributos de importação, essa alegação não pode prosperar. Jurisprudência - Direito Público Isso, porque, o equilíbrio econômico-financeiro no contrato de concessão é uma relação de equivalência entre as obrigações assumidas pelo contratado (concessionário) e a remuneração que lhe corresponderá pelo desempenho de tais obrigações, decorrente do princípio da boa-fé contratual, evitando que que qualquer das partes contratantes obtenha vantagem indevida à custa da outra. E, considerando que o contrato abrange como encargos do contratado tanto a aqui- sição de bens importados quanto valores alfandegários e outros tributos inciden- tes sobre a importação dos bens, é certo que, havendo desequilíbrio relacionado a qualquer destes dois encargos, cabe o reequilíbrio. Ademais, o art. 134, VII, do Regulamento de Licitações, Contratos e demais ajustes da Companhia do Metropolitano de São Paulo - Metrô, como ressaltado pelo MM. Juiz, toma por medida de equilíbrio “os encargos do con- tratado” e a “retribuição da administração”, sem qualquer distinção de parcelas: Artigo 134. Os contratos, exceto os firmados pelo regime de CONTRATAÇÃO INTEGRADA, contarão com cláusula que estabeleça a possibilidade de altera- ção, por acordo entre as partes, mediante termo aditivo, nos seguintes casos: VII - para restabelecer a relação que as partes pactuaram inicialmente entre os encargos do contratado e a retribuição da administração para a justa remunera- ção da obra, serviço ou fornecimento, objetivando a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato, na hipótese de sobrevirem fatos im- previsíveis, ou previsíveis, porém de consequências incalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução do ajustado, ou, ainda, em caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe, configurando álea econômica extraordinária e extra- contratual. E, por fim, sobre o tema, a própria Lei 8.66/93, vigente na época da cele- bração do contrato, estabelece: Art. 65. Os contratos regidos por esta Lei poderão ser alterados, com as devidas justificativas, nos seguintes casos: d) para restabelecer a relação que as partes pactuaram inicialmente entre os en- cargos do contratado e a retribuição da administração para a justa remuneração da obra, serviço ou fornecimento, objetivando a manutenção do equilíbrio eco- nômico-financeiro inicial do contrato, na hipótese de sobrevirem fatos impre- visíveis, ou previsíveis porém de consequências incalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução do ajustado, ou, ainda, em caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe, configurando álea econômica extraordinária e ex- tracontratual. Assim, é certo que se impõe o reequilíbrio do contrato no caso de dispên- dios a maior pelo contratado, relativos aos tributos de importação. E, considerando que o item CGG 15.1 do Contrato, acima transcrito, 432 prevê como requisito à configuração do desequilíbrio econômico-financeiro a variação cambial de preços de equipamentos/materiais importados superior a 10%, afasto a pretensão da autora de que toda a variação cambial seja reconhe- cida como desequilíbrio a ser corrigido. Isso, porque, como ressaltado pela r. Jurisprudência - Direito Público sentença, “tal entendimento implicaria em integral e abusiva distribuição do risco cambial à parte contratante, tendo o referido item CGG 15.1 do contrato, ao prever gatilho de 10%, buscado justamente estipular limites claros à parcela do risco que, por excessiva, deve dar azo ao reequilíbrio. É dizer, portanto, que tampouco se acolhe a aventada tese de que teria se concedido desconto indevido ao pagamento do reequilíbrio cambial do pagamento dos bens impor- tados. Não se trata de imposto, mas de necessária dedução inerente à cláusula aplicada, que reporta, sem qualquer abusividade nisso, à distribuição de risco pactuada entre as partes”. Ultrapassados tais pontos, a única controvérsia que resta é exclusivamen- te técnica, decorrente do valor da variação cambial. Para solucionar tal questão, o MM. Juiz determinou que fosse produzido laudo pericial técnico5, sob o crivo do contraditório, sendo que tal laudo mostra-se devidamente hígido e equidis- tante dos interesses das partes, vez que produzido por profissional capacitado e de confiança do juízo, inexistindo nos autos quaisquer elementos técnicos capa- zes de afastar as conclusões nele contidas. E, nesse sentido, em resposta aos quesitos da autora, o I. Perito consignou que: “3 – Queira o Sr. Perito informar, considerando as datas mencionadas nos que- sitos 1 e 2 acima, qual foi, percentualmente, a variação cambial do dólar neste período.” Resposta: A variação cambial do dólar, entre 01/08/2019 e 19/10/2020, resultou em 46,29%, conforme demonstrado no Apêndice 3. Importante ressaltar que a RADAC IMPORTADORA E DISTRIBUIDORA LTDA., responsável pelo desembaraço aduaneiro, do tipo Conta e Ordem, consi- derou taxas de câmbio próximas dos oficiais, cuja variação cambial de 46,09%, serviram de base para a apuração e recolhimento dos tributos.” Diante disso, o I. Perito concluiu que a variação cambial, portanto, foi de 46,29%, sendo que utilizou a data da nacionalização dos equipamentos, 19/10/2020, como data base ao cômputo da variação cambial, sendo que, como ratificado pela r. sentença, já na nacionalização, com o pagamento dos tributos sobre o valor convertido de dólar para real dos bens importados, deu-se a varia- ção cambial que se discute. Dessa maneira, considerando o gatilho de 10% iniciais do desequilíbrio, é certo que a autora faz jus ao pagamento da variação cambial superior a 10% incidente sobre os tributos decorrentes da importação dos bens contratados, sen- do de rigor a condenação do Metrô ao pagamento do valor da variação cambial 5 Fls. 669-705. 432 (36,29%) dos direitos alfandegários e outros tributos de importação incidentes sobre os bens importados licitados. Assim, fica mantida a r. sentença de parcial procedência por seus próprios fundamentos, inclusive no tocante aos honorários advocatícios devidos por am- Jurisprudência - Direito Público bas as partes, sendo que, diante da sucumbência recursal recíproca, majoro em 2% os honorários advocatícios, devidos também por ambas as partes e sobre a mesma base de cálculo estabelecida pela r. sentença. Para os devidos fins de direito, consideram-se prequestionados os dispo- sitivos legais e constitucionais mencionados pelos litigantes. Pelos motivos expendidos, pelo meu voto proponho aos meus ilustres pares que seja NEGADO PROVIMENTO aos recursos de apelação, nos termos da fundamentação acima.