Decisão 1055244-53.2021.8.26.0100

Processo: 1055244-53.2021.8.26.0100

Recurso: Apelação

Relator: FLÁVIO CUNHA DA SILVA

Câmara julgadora:

Data do julgamento: 5 de junho de 2025

Ementa Técnica

APELAçãO – APELAÇÃO. Ação objetivando o paga- mento de valores retidos em operações com cartão de crédito. Discussão fundada em “Contrato de Cre- denciamento e Adesão de Estabelecimentos ao Siste- ma REDE”. Mercado de Meios de Pagamento. Ré, na qualidade de credenciadora, que, invocando dis- positivo contratual, deixou de repassar autor valores decorrentes de transações comerciais. Abusividade do dispositivo contratual. Dever do fornecedor de asse- gurar a segurança do serviço prestado. Sentença con- firmada por seus próprios fundamentos, nos termos do art. 252 do RITJSP. Recurso desprovido.(TJSP; Processo nº 1055244-53.2021.8.26.0100; Recurso: Apelação; Relator: FLÁVIO CUNHA DA SILVA; Data do Julgamento: 5 de junho de 2025)

Voto / Fundamentação

, em sessão permanente e virtual da 38ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Nega- ram provimento ao recurso. V.U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. (Voto nº 51.525) O julgamento teve a participação dos Desembargadores SPENCER ALMEIDA FERREIRA (Presidente sem voto), LAVÍNIO DONIZETTI PAS- CHOALÃO e ANNA PAULA DIAS DA COSTA. São Paulo, 5 de junho de 2025. FLÁVIO CUNHA DA SILVA, Relator.


Ementa: APELAÇÃO. Ação objetivando o paga- mento de valores retidos em operações com cartão de crédito. Discussão fundada em “Contrato de Cre- denciamento e Adesão de Estabelecimentos ao Siste- ma REDE”. Mercado de Meios de Pagamento. Ré, na qualidade de credenciadora, que, invocando dis- positivo contratual, deixou de repassar autor valores decorrentes de transações comerciais. Abusividade do dispositivo contratual. Dever do fornecedor de asse- gurar a segurança do serviço prestado. Sentença con- firmada por seus próprios fundamentos, nos termos do art. 252 do RITJSP. Recurso desprovido.





VOTO

Trata-se de recurso de apelação interposto contra a r. sentença de fls. 258/261, que julgou procedentes os pedidos em ação de obrigação de fazer c/c pedido de reparação de danos, conforme seguintes termos dispositivos: “Diante do exposto e pelo mais que dos autos consta, julgo PROCEDEN- TE a ação, com resolução de mérito, nos termos do art. 487, I, do CPC, para CONDENAR a ré, confirmando a tutela deferida às fls. 70/71: 1 - na obrigação de se abster de efetuar cobranças relativas ao referido débito, incluindo-se vedação a protesto ou negativações em cadastros de proteção de crédito, sob pena de multa diária de R$ 500,00, limitada a R$ 10.000,00; 304 2 - no pagamento da importância de R$ 19.320,00, que deverá ser devi- damente corrigida de acordo com a tabela prática do Tribunal de Justiça desde o ajuizamento da ação, computando-se juros legais de 1% ao mês, a partir da citação. Jurisprudência - Direito Privado Em face da sucumbência experimentada, arcará a requerida com o paga- mento das custas e despesas processuais, além de honorários advocatícios em favor do(s) patrono(s) da autora, que fixo em 10% sobre o valor atua- lizado da condenação, nos termos do artigo 85, § 2º do cpc”. Recorre a parte ré alegando, em síntese, que não atua como instituição fi- nanceira propriamente dita, mas como mera instituição de pagamento, realizan- do o credenciamento de estabelecimentos comerciais para aceitação dos cartões como meios eletrônicos de pagamento, conforme disposto na Lei 12.865/2013. Desse modo, sua atividade se restringe à captura, transmissão de dados e proces- samento do retorno da autorização concedida pelo emissor), não sendo respon- sável pela autorização ou negativa da transação, cuja incumbência é do Banco Emissor do cartão. Por conseguinte, não se tratando de instituição financeira, entende que a ela não se aplica a teoria da responsabilidade objetiva, tampouco a súmula nº 479 do Superior Tribunal de Justiça. Afirma que a apelada não recebeu o crédito de suas vendas em razão do portador do cartão ter contestado as despesas junto ao emissor, conforme comprovado nos autos, e que se trata de transação realizada com cartão “não presente”, modalidade de venda em que o estabelecimento comercial assume total responsabilidade pela transação em caso de contestação de despesa pelo portador. Sustenta que não se trata de risco da atividade do apelante, mas da ação de fraudadores, existindo mecanismos de proteção de foram passados à apelada, como a utilização de direcionamento do site para o Banco emissor do cliente, sistemas antifraudes, o uso de tokens e confirmação da transação antes da libera- ção. Contudo, o estabelecimento comercial não tomou o devido cuidado ao rea- lizar as transações, tendo em vista que a mera juntada de conversa de WhatsApp e nota fiscal não fazem prova que a compra foi realizada pelo real portador do cartão (nome impresso no plástico). Por conseguinte, o apelante apenas cumpriu com os termos do contrato de credenciamento, que prevê o cancelamento da transação não reconhecida pelo portador do cartão ou estorno do valor, caso o pagamento já tenha sido realizado ao estabelecimento comercial, ou, ainda, a retenção de futuras transações, inexistindo ilicitude em qualquer procedimento. Requer a reforma da sentença para afastar a condenação a indenizar os danos materiais, informando ainda que a obrigação de fazer se encontra cum- prida, com o ressarcimento dos valores efetivados na conta bancária cadastrada junto ao sistema. Afirma a inaplicabilidade da multa coercitiva, bem como a ausência de razoabilidade e proporcionalidade. Recurso tempestivo, preparado e contrariado (fls. 280/292). Valor atribuído à causa em 20/06/2024: R$ 41.287,34. É o relatório. Jurisprudência - Direito Privado O recurso não comporta provimento, devendo a r. sentença ser confir- mada pelos seus próprios e bem deduzidos fundamentos, os quais ficam intei- ramente adotados como razão de decidir, nos termos do art. 252 do Regimento Interno deste Egrégio Tribunal de Justiça: “Nos recursos em geral, o relator poderá limitar-se a ratificar os fundamentos da decisão recorrida, quando, su- ficientemente motivada, houver de mantê-la”. Nesta Seção de Direito Privado, o dispositivo regimental tem sido utiliza- do, quer para evitar inútil repetição, quer para cumprir o princípio constitucional da razoável duração dos processos. Anote-se, dentre tantos outros precedentes: Apelações 99406023739-8, 99402069946-8 (1ª Câmara); AI 99010153930-6 (1ª Câmara); Apelações 99405106096-7, 99404069012-1 (2ª Câmara); Ape- lação 99010031478-5 (3ª Câmara); Apelação 994050097355-6 (5ª Câmara); Apelação 99401017050-8 (6ª Câmara); Apelação 99109079089-9 (11ª Câma- ra); Apelação 99010237099-2 (13ª Câmara); AI 99010032298-2 (15ª Câmara); Apelação 99109084177-9 (17ª Câmara); Apelação 99100021389-1 (23ª Câma- ra); Apelação 99207038448-6 (28ª Câmara). O E. Superior Tribunal de Justiça prestigia este entendimento quando re- conhece em seus julgados “a viabilidade de o órgão julgador adotar ou ratifi- car o juízo de valor firmado na sentença, inclusive transcrevendo-a no acórdão, sem que tal medida encerre omissão ou ausência de fundamentação no deci- sum” (REsp n° 662.272-RS, 2ª Turma, Rel. Min. João Otávio de Noronha, j. 4.9.2007; REsp n° 641.963-ES, 2ª Turma, Rel. Min. Castro Meira, j. 21.11.2005; REsp n° 592.092-AL, 2ª Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, j. 17.12.2004 e REsp n° 265.534-DF, 4ª Turma, Rel. Min. Fernando Gonçalves, j. 1.12.2003). Consigna-se apenas que a r. sentença assentou, corretamente, a abusi- vidade ínsita à previsão contratual que carreia exclusivamente à apelada, em- presária individual, a responsabilidade pelos prejuízos relacionados ao pro- cedimento de chargeback, haja vista a existência de evidente desequilíbrio na contratação. Ressaltou ainda que a apelante é a responsável pelo fornecimento dos sistemas de pagamento e vendas pela internet, devendo zelar pela segurança e efetividade do serviço. Transcreve-se, por oportuno, os seguintes fragmentos da decisão: “A ação é procedente. Com efeito, em caso de eventual fraude, como provavelmente ocorrera no presente feito, em que a mercadoria é enviada ao consumidor, mas este efetiva o denominado chargeback (comprador entra em contato com a Administradora do Cartão de Crédito utilizado para realizar compra pela internet e a cancela), a responsabilidade por eventuais prejuízos suporta- 306 dos pelo vendedor é da ré, pois recebe percentual sobre o valor da venda justamente em contrapartida pelo serviço prestado, alardeado nas mídias como ambiente seguro para pagamentos e vendas pela internet. Trata-se de aplicação da teoria do risco da atividade (CC, art. 927, pará- Jurisprudência - Direito Privado grafo único, in fine). Salienta-se, inclusive, que se trata de modalidade de responsabilidade objetiva, o que torna desnecessária qualquer discussão a respeito da culpa. Nesse sentido: “Ação de cobrança - venda de mercadorias por meio de cartão de crédito - operação contestada - chargeback - pagamentos não realizados ao ven- dedor - responsabilidade da prestadora de serviços por risco inerente ao próprio negócio - cerceamento de defesa não configurado - ação julgada procedente - sentença mantida - recurso improvido.” (TJSP; Apelação Cí- vel 1055244-53.2021.8.26.0100; Relator (a): Coutinho de Arruda; Órgão Julgador: 16ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível - 39ª Vara Cível; Data do Julgamento: 14/04/2022; Data de Registro: 14/04/2022) “INEXIGIBILIDADE. Contrato de credenciamento de cartões de débito e de crédito. Cerceamento de defesa. Inocorrência. Retenção de repas- se de valores. Inadmissibilidade. Chargeback. Nulidade de pleno direito. Ofensa aos princípios da boa-fé objetiva e da função social do contrato. Inteligência dos arts. 421 e 422 do CC. Não bastasse, fraude não demons- trada. Precedentes deste E. Tribunal. Sentença mantida, nestes pontos. Condenação ao pagamento de valores não repassados. Valor que deve corresponder às notas fiscais de venda, conforme apurado pela perícia. Vedação ao enriquecimento sem causa. Exegese do art. 884 do CC. Honorários advocatícios em grau recursal. Majoração. Impossibilidade, diante do parcial provimento do recurso. Inteligência do art. 85, § 11, do NCPC. Recurso parcialmente provido.” (TJSP; Apelação Cível 1122611-36.2017.8.26.0100; Relator (a): Tasso Duarte de Melo; Órgão Julgador: 12ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível - 13ª Vara Cível; Data do Julgamento: 23/03/2022; Data de Registro: 24/03/2022) Dessa forma, são abusivas as cláusulas que determinam a responsabili- dade do contratante em caso de “chargeback”, com observância ao artigo 927, parágrafo único do Código Civil. Isto porque com a transferência da responsabilidade para o contratante, há um claro desequilíbrio contratual. Assim, a ré assumiu os riscos quando aprovou a compra de forma errônea e, portanto, deve ressarcir a parte autora”. Outrossim, incumbia à requerida fazer prova cabal dos motivos a justifi- car a retenção dos pagamentos, inclusive da fraude e culpa do comerciante. Vale ressaltar que o risco pela autorização indevida deve ser suportado pela ré, ora apelante. Ainda que se reconhecesse que as partes foram vítimas de suposta fraude, o fato é que cabe à parte demanda conferir segurança às transa- ções realizadas por meio do produto que oferece, considerando que é a detentora Jurisprudência - Direito Privado das informações hábeis para apuração de eventual ocorrência do tipo. Observa-se que a apelante não trouxe elementos a contrariar a conclusões da r. sentença. Em casos semelhantes envolvendo a fornecedora de meios de pagamento, assim se pronunciou esta E. Tribunal de Justiça: “AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS - Contrato de Credenciamento ao Sistema Cielo - Vendas realizadas pela Autora através do sistema de pagamentos administrado pela Ré - Ausência do repasse de valores devidos à Autora - Transação supostamente impugnada pelo titular do cartão e cancelada pela Ré Alegação de fraude - Retenção do repasse à Autora - Descabimento - Disposição contratual nula, por trans- ferir ao comerciante a responsabilidade da Ré pelos riscos da sua ativida- de - Afronta ao princípio da boa-fé objetiva e à função social do contrato - Ausência de prova da suposta fraude - Negligência da Autora quanto à falta de diligências não demonstrada - Desmembramento da operação de pagamento que, embora contrária a disposição contratual, não implicou, no caso, em negligência ou má-fé da Autora - Sentença mantida Recurso improvido. (TJSP; Apelação Cível 1002268-74.2021.8.26.0066; Relator (a): Ma- rio de Oliveira; Órgão Julgador: 38ª Câmara de Direito Privado; Foro de Barretos - 2ª Vara Cível; Data do Julgamento: 21/05/2022; Data de Registro: 21/05/2022) “A ré, por sua vez, alegou que dentro do mercado de meios de paga- mentos realiza a função de credenciadora, ou seja, habilita os lojistas a aceitarem pagamentos com cartões, bem como habilita os facilitadores de pagamento que fazem a ponte entre si e o lojista. Aduziu que algu- mas transações foram contestadas e resultaram no não pagamento pelo portador do cartão ou, ainda, no seu estorno e que a retenção de valores é pautada em cláusula contratual. Restou incontroverso nos autos que o repasse de parte da quantia não foi realizado em razão de chargebacks. A cláusula chargeback é aquela que autoriza o não processamento ou não pagamento das transações irregularmente realizadas pelo estabelecimen- to, sob quaisquer modalidades, de forma conivente ou não, em circuns- tâncias que caracterizem indícios ou suspeita de fraude que objetivem a obtenção de vantagens ilícitas ou estejam em desacordo com o contrato. Não se ignora que no campo das relações privadas há a autonomia da von- tade e tal dinâmica foi devidamente ajustada. Contudo, referida cláusula não pode preponderar sobre o princípio da boa-fé objetiva e o da seguran- ça que se espera nas relações negociais. Isso porque, a intermediadora não deveria autorizar a transação, e, em seguida, unilateralmente, proceder ao estorno, lesando o comerciante que já se desfez da mercadoria adquirida pelo possível fraudador, sob pena de caracterizar transferência indevida Jurisprudência - Direito Privado do risco do negócio a terceiro, onerando-o, em detrimento do enriqueci- mento do requerido que afasta qualquer ônus da atividade desenvolvida. E ainda que se admitisse a regularidade da clausula contratual, o requeri- do não apresentou a impugnação de cada transação feita pelo portador do cartão para garantir-lhe o direito de retenção. A listagem apresentada (fls. 132/135), não é suficiente a tanto. Assim como, os ofícios juntados aos autos em nada contribuíram para a contatação inequívoca das fraudes e, consequentemente, o não recebimento das quantias pela ré. Ou seja, a fraude mencionada não consta comprovada nos autos, ônus que lhe cabia, posto que constitui fundamento da licitude de sua conduta”. (TJSP; Apelação Cível 1003478-88.2019.8.26.0533; Relator (a): Achi- le Alesina; Órgão Julgador: 15ª Câmara de Direito Privado; Foro de Santa Bárbara d’Oeste - 2ª Vara Cível; Data do Julgamento: 30/03/2021; Data de Registro: 30/03/2021) E outros fundamentos são dispensáveis diante da adoção integral dos que foram deduzidos na r. sentença, e aqui expressamente adotados para evitar inútil e desnecessária repetição, nos termos artigo 252 do Regimento Interno deste Egrégio Tribunal de Justiça. Por fim, concernente à multa imposta em caso de descumprimento da obrigação de fazer, revelou-se adequada sua previsão, ante o contexto dos autos, a fim de fomentar o imediato cumprimento da obrigação, conforme normativo autorizador do art. 536, §1º do CPC. O valor da multa não é excessivo e objetiva assegurar que a medida seja efetivamente coercitiva e dissuasiva da reiteração da prática indevida, sendo fixada com razoabilidade, pelo que não comporta reforma. Diante da manutenção da sentença, cabível a majoração da verba hono- rária pelo acréscimo de trabalho ao advogado na fase recursal, conforme pre- conizado no artigo 85, § 11, do CPC. Por conseguinte, arcará a apelante com o adicional de 5% (cinco por cento) sobre o valor da condenação atualizado, totalizando 15% (quinze por cento), referente aos honorários recursais. Ante o exposto, nega-se provimento ao recurso. São as partes advertidas, desde já, que eventuais embargos de declaração opostos sem o devido cabimento (art. 1022 CPC) estarão sujeitos ao pagamento de multa de até dois por cento sobre o valor atualizado da causa, conforme art. 1026, §2º do CPC. Para fins de acesso aos Egrégios Tribunais Superiores, ficam expressa- mente prequestionados todos os artigos legais e constitucionais mencionados.