APELAçãO – LOCAÇÃO RESIDENCIAL. AÇÃO DE DESPEJO POR FALTA DE PAGAMENTIO CUMU- LADA COM COBRANÇA. JULGAMENTO ANTE- CIPADO DA LIDE. ALEGAÇÃO DE DANOS AO IMÓVEL E RESPECTIVO MOBILIÁRIO. PLEITO DE RESSARCIMENTO NÃO ANALISADO. AU- SÊNCIA TAMBÉM DE APRECIAÇÃO DO PEDI- DO DE PRODUÇÃO DE PROVA PERICIAL. JUL- GAMENTO “CITRA PETITA” E CERCEAMENTO DE DEFESA CONFIGURADOS. PRECEDENTES. NULIDADE PROCESSUAL. NECESSIDADE DE RETORNO DOS AUTOS AO JUÍZO DE ORIGEM. RECURSO DA AUTORA PROVIDO PARA TAL EFEITO, RESTANDO PREJUDICADO O APELO DOS RÉUS. Configura nulidade processual a senten- ça que deixa de apreciar pedido expressamente for- mulado na petição inicial, no caso, o pleito de ressar- cimento por danos materiais ao imóvel e respectivo mobiliário, bem como a pertinência da prova pericial requerida expressamente pela parte, caracterizando cerceamento de defesa e julgamento “citra petita”, a ensejar a necessidade de retorno dos autos ao juízo de origem para novo pronunciamento, após a análise da pertinência da prova postulada. 168(TJSP; Processo nº 1055941-55.2020.8.26.0053; Recurso: Apelação; Relator: ANTONIO RIGOLIN; Data do Julgamento: 13 de maio de 2025)
, em sessão permanente e virtual da 31ª Câmara de Direito
Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “De-
ram provimento ao recurso da autora, restando prejudicado o recurso dos réus.
V.U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. (Voto
nº 59.437)
O julgamento teve a participação dos Desembargadores ADILSON DE
ARAUJO (Presidente) e LUIS FERNANDO NISHI.
São Paulo, 13 de maio de 2025.
ANTONIO RIGOLIN, Relator
Ementa: LOCAÇÃO RESIDENCIAL. AÇÃO DE
DESPEJO POR FALTA DE PAGAMENTIO CUMU-
LADA COM COBRANÇA. JULGAMENTO ANTE-
CIPADO DA LIDE. ALEGAÇÃO DE DANOS AO
IMÓVEL E RESPECTIVO MOBILIÁRIO. PLEITO
DE RESSARCIMENTO NÃO ANALISADO. AU-
SÊNCIA TAMBÉM DE APRECIAÇÃO DO PEDI-
DO DE PRODUÇÃO DE PROVA PERICIAL. JUL-
GAMENTO “CITRA PETITA” E CERCEAMENTO
DE DEFESA CONFIGURADOS. PRECEDENTES.
NULIDADE PROCESSUAL. NECESSIDADE DE
RETORNO DOS AUTOS AO JUÍZO DE ORIGEM.
RECURSO DA AUTORA PROVIDO PARA TAL
EFEITO, RESTANDO PREJUDICADO O APELO
DOS RÉUS. Configura nulidade processual a senten-
ça que deixa de apreciar pedido expressamente for-
mulado na petição inicial, no caso, o pleito de ressar-
cimento por danos materiais ao imóvel e respectivo
mobiliário, bem como a pertinência da prova pericial
requerida expressamente pela parte, caracterizando
cerceamento de defesa e julgamento “citra petita”, a
ensejar a necessidade de retorno dos autos ao juízo de
origem para novo pronunciamento, após a análise da
pertinência da prova postulada.
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VOTO
Visto.
1. Trata-se de ação de despejo por falta de pagamento cumulada com
cobrança de alugueres e acessórios proposta por SOARES SERVIÇOS DE ES-
Jurisprudência - Direito Privado
CRITÓRIO LTDA. em face de LARISSA MARIA GAVA DOS SANTOS, AN-
DRÉIA DE FÁTIMA GAVA DOS SANTOS e PAULO LIRA DOS SANTOS.
A r. sentença julgou parcialmente procedentes os pedidos para, assim,
declarar rescindido o contrato de locação e condenar os réus ao pagamento dos
valores dos alugueres vencidos e não pagos até a data da entrega das chaves,
além dos débitos de condomínio, água e IPTU, e da multa contratual de 10%
sobre o valor do débito, com correção monetária pela Tabela Prática deste Egré-
gio Tribunal de Justiça e juros moratórios de 1% ao mês computados desde cada
vencimento. Os réus foram condenados também ao pagamento das despesas
processuais e dos honorários advocatícios, esses fixados em 10% sobre o valor
corrigido do débito.
Inconformada, apela a autora sustentando, em resumo, que apresentou
relatório fotográfico e laudos de vistoria que demonstram a ocorrência de danos
ao imóvel e ao respectivo mobiliário, razão pela qual requereu, desde a inicial,
a realização de perícia técnica, que, embora tenha sido indicada em despachos
no curso do processo, não foi efetivamente determinada pelo Juízo a quo. Alega
ainda que a sentença foi omissa ao não se manifestar sobre o reconhecimento,
pela própria ré, da necessidade de indenizar ao menos parte dos danos recla-
mados (revisteiro e cortina), tampouco sobre as provas constantes dos autos,
deixando de lhe garantir a justa reparação pelos prejuízos suportados. No to-
cante aos honorários advocatícios, aduz que, além de haver previsão expressa
no contrato de locação para o percentual de 20%, a sucumbência dos réus foi
quase total, o que justifica a majoração da verba para o patamar contratualmente
estipulado, que está em consonância com o disposto no artigo 85, § 2º, do CPC.
Pugna, ao final, pela condenação dos réus ao ressarcimento dos danos materiais
apontados ou, subsidiariamente, pela decretação de nulidade da sentença com
retorno dos autos à origem para a realização da perícia requerida, bem como
pela fixação dos honorários advocatícios sucumbenciais no percentual de 20%
sobre o valor do débito corrigido.
Apelam também os réus arguindo preliminar de cerceamento de defesa
decorrente do indeferimento da produção de prova testemunhal, que seria es-
sencial para demonstrar a má-fé da autora por reiteradamente recusar o recebi-
mento das chaves, apresentando exigências sucessivas de reparos já sanados,
com o intuito de prorrogar indevidamente a locação e auferir alugueres após a
rescisão. Alegam que, após o término do contrato, em outubro de 2018, comuni-
caram formalmente o interesse em encerrá-lo, tendo a rescisão se concretizado
em dezembro daquele ano. Aduzem que a apelada recusou o recebimento das
chaves, exigindo sucessivos reparos sem lastro probatório, sendo certo que o
próprio Juízo reconheceu a ausência de prova suficiente para condenação por
danos ao imóvel ou mobiliário, incorrendo em contradição ao presumir a mora e
Jurisprudência - Direito Privado
fixar responsabilidade pelos aluguéis vencidos até setembro de 2019. Destacam
que a apelada não produziu qualquer prova técnica para justificar a imputação
de reparos impeditivos à nova locação, e que, ao contrário, restou comprovado
por laudo de corretor que os desgastes eram compatíveis com o uso regular, não
havendo qualquer impedimento à nova contratação. Apontam, ainda, que houve
violação ao contraditório e à ampla defesa, pois lhes foi suprimido o prazo de
trinta dias para manifestação antes da prolação da sentença, em violação aos
artigos 5º, LV, da Constituição Federal e 369 a 373 do Código de Processo Civil.
Pugnam pela anulação da sentença ou, alternativamente, pela improcedência
dos pedidos formulados, por ausência de prova do fato constitutivo, requerendo
a reforma da sentença para reconhecer a rescisão contratual em dezembro de
2018, com a exclusão das cobranças posteriores a tal data, inclusive multa, juros
e correção.
Recursos tempestivos e bem processados, oportunamente preparados,
tendo os réus apresentado resposta.
É o relatório.
2. Segundo a petição inicial, a autora locou à primeira demandada o imó-
vel situado na Avenida Engenheiro Augusto Figueiredo, em Campinas/SP, para
fins residenciais, com cláusula de reajuste pelo IGP-M e obrigação de pagamen-
to das despesas ordinárias, como condomínio, IPTU, água e luz. Ocorre que
a locatária deixou de pagar os alugueres a partir de novembro de 2018, além
dos encargos locatícios e obrigações acessórias, totalizando um débito de R$
37.434,95, sem contar as obrigações vincendas e reparações pendentes no imó-
vel e mobiliário, constatadas em vistorias realizadas após a tentativa frustrada
de devolução formal das chaves. Embora tenha havido comunicação da intenção
de desocupação, os reparos exigidos não foram realizados, o que torna legítimo
o pleito pela retomada da posse, requerendo ainda o pagamento da multa contra-
tual prevista na cláusula IX (três alugueres), no valor de R$ 8.908,53.
Os réus, em sua defesa, alegaram que a locação foi regularmente encerra-
da em dezembro de 2018, conforme notificação e posterior entrega das chaves,
sendo indevidas quaisquer cobranças de aluguéis ou encargos após essa data. A
autora se recusou injustificadamente a receber as chaves, sob a alegação da exis-
tência de reparos pendentes, embora a cada vistoria surgissem novas exigências
não previstas no contrato e, em laudo independente, ficou demonstrado que o
imóvel apresentava apenas desgastes decorrentes do uso normal. Reconheceram
apenas o dever de indenizar o valor de R$ 930,00, relativo à substituição de
revisteiro e cortina, quantia essa que foi recusada pela autora. Defenderam que
as faturas de água, energia elétrica e gás foram quitadas até a data da rescisão
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e que o imóvel foi inclusive anunciado para nova locação pela própria autora,
evidenciando a inexistência de impedimento à rescisão. Rejeitaram a aplicação
de multa contratual em favor da autora, sustentando que eventual inadimple-
mento decorreu da conduta dela, que se utilizou de subterfúgios para perpetuar
Jurisprudência - Direito Privado
a locação e auferir novos alugueres.
Seguiu-se o julgamento antecipado. A sentença julgou parcialmente pro-
cedente o pedido, declarando a rescisão contratual e condenando os réus ao
pagamento dos alugueres e encargos locatícios vencidos até 25 de setembro de
2019, data da efetiva entrega das chaves, com aplicação de multa contratual.
Ocorre que a ilustre julgadora, embora tenha determinado que os réus se
manifestassem sobre os documentos de fls. 216/287, deixou de apreciar o plei-
to de ressarcimento dos danos materiais expressamente formulado na petição
inicial, bem como o pedido de realização de perícia formulado às fls. 201/202,
de modo que houve cerceamento de defesa e prolação de sentença citra petita,
assim entendida como “aquela que não aprecia todos os pedidos formulados
pela parte em sua petição inicial”.1
Cuida-se de omissões relevantes que comprometem o devido processo
legal, ferindo os princípios do contraditório e da ampla defesa (art. 5º, incisos
LIV e LV, da CF).
Diante desse contexto, advém necessariamente o reconhecimento da nu-
lidade processual. Há vício a reconhecer, portanto, pois evidenciado restou o
julgamento citra petita, não havendo a possibilidade de julgamento imediato da
matéria por este tribunal, ante a ausência de apreciação fundamentada sobre a
pertinência da prova pericial postulada para apurar as divergências no imóvel
e nos móveis entregues em locação com o que fora devolvido por ocasião da
saída.
Nesse sentido:
“NULIDADE DA SENTENÇA - DECISÃO ‘CITRA PETITA’ E
CERCEAMENTO DE DEFESA - Cabimento - Ausência de análise de
todos os pedidos formulados na peça inicial, bem como da pertinência
da prova oral requerida - Prestação jurisdicional falha - Incongruências,
ainda, no laudo pericial obstétrico, que demanda deliberação do Juízo ‘a
quo’ para avaliação da necessidade de nova perícia e/ou novos esclare-
cimentos - Processo anulado a partir da sentença. - Apelo provido, com
determinação”.2
“EMBARGOS DE DECLARAÇÃO - Acórdão que deu provimento
ao recurso de apelação, reconheceu o cerceamento de defesa, anulou a r.
sentença, e determinou o retorno dos autos ao Juízo de origem para apre-
1 - STJ - AgInt no REsp n. 1.760.472/PR, relator Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, julgado em
19/10/2020, DJe de 23/10/2020.
2 - TJSP - Apelação Cível 1055941-55.2020.8.26.0053 - Rel. Des. Spoladore Dominguez - 13ª
Câmara de Direito Público - J. 09/04/2025.
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ciação fundamentada dos pedidos de produção de prova - Embargante
que alega contradição no julgado por condicionar a análise da neces-
sidade das provas ao Juízo de primeiro grau, apesar do reconhecimento
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de sua relevância - Inexistência de contradição - Incumbe ao Juízo a quo
deliberar sobre a necessidade e pertinência da prova - Reconhecimento
do cerceamento de defesa que não implica determinação automática de
produção das provas requeridas, mas apenas a exigência de motivação
idônea em eventual indeferimento - Aplicação do princípio do devido
processo legal e do contraditório - Retorno dos autos que não implica
risco de nova negativa arbitrária, visto que o Acórdão embargado já fi-
xou diretriz interpretativa ao Juízo de primeiro grau - Impertinência do
artigo 1.013, §3º, IV, do CPC, pois a nulidade decretada decorreu da fal-
ta de fundamentação sobre o indeferimento das provas, e não de omissão
na análise do mérito da demanda - Embargos rejeitados”.3
“Apelação. Representação comercial. Rescisão indireta c.c. exibi-
ção de documentos e indenização. Improcedência. Nulidade. Configura-
ção. Decisão ‘citra petita’. Medida que se impõe diante da ausência de
análise de todos os temas e pedidos da lide a fim de se evitar a supres-
são de instâncias. Sentença nula e cassada. Retorno dos autos à vara
de origem para reapreciação de todos os pedidos. Recurso a que se dá
provimento”.4
Identificado o vício na sentença, impõe-se anular o processo a partir da
sua prolação, determinando-se o retorno dos autos ao Juízo de origem para novo
pronunciamento, após a análise da pertinência da prova postulada.
Cumpre observar que não está a magistrada impedida de julgar anteci-
padamente a lide, desde que analise todos os pedidos formulados e justifique
a impertinência ou irrelevância da produção da prova para a formação do seu
convencimento.
3. Ante o exposto, e para tal efeito, dou provimento ao apelo da autora,
restando prejudicada a análise do recurso dos réus.