Decisão 1055941-55.2020.8.26.0053

Processo: 1055941-55.2020.8.26.0053

Recurso: Apelação

Relator: ANTONIO RIGOLIN

Câmara julgadora:

Data do julgamento: 13 de maio de 2025

Ementa Técnica

APELAçãO – LOCAÇÃO RESIDENCIAL. AÇÃO DE DESPEJO POR FALTA DE PAGAMENTIO CUMU- LADA COM COBRANÇA. JULGAMENTO ANTE- CIPADO DA LIDE. ALEGAÇÃO DE DANOS AO IMÓVEL E RESPECTIVO MOBILIÁRIO. PLEITO DE RESSARCIMENTO NÃO ANALISADO. AU- SÊNCIA TAMBÉM DE APRECIAÇÃO DO PEDI- DO DE PRODUÇÃO DE PROVA PERICIAL. JUL- GAMENTO “CITRA PETITA” E CERCEAMENTO DE DEFESA CONFIGURADOS. PRECEDENTES. NULIDADE PROCESSUAL. NECESSIDADE DE RETORNO DOS AUTOS AO JUÍZO DE ORIGEM. RECURSO DA AUTORA PROVIDO PARA TAL EFEITO, RESTANDO PREJUDICADO O APELO DOS RÉUS. Configura nulidade processual a senten- ça que deixa de apreciar pedido expressamente for- mulado na petição inicial, no caso, o pleito de ressar- cimento por danos materiais ao imóvel e respectivo mobiliário, bem como a pertinência da prova pericial requerida expressamente pela parte, caracterizando cerceamento de defesa e julgamento “citra petita”, a ensejar a necessidade de retorno dos autos ao juízo de origem para novo pronunciamento, após a análise da pertinência da prova postulada. 168(TJSP; Processo nº 1055941-55.2020.8.26.0053; Recurso: Apelação; Relator: ANTONIO RIGOLIN; Data do Julgamento: 13 de maio de 2025)

Voto / Fundamentação

, em sessão permanente e virtual da 31ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “De- ram provimento ao recurso da autora, restando prejudicado o recurso dos réus. V.U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. (Voto nº 59.437) O julgamento teve a participação dos Desembargadores ADILSON DE ARAUJO (Presidente) e LUIS FERNANDO NISHI. São Paulo, 13 de maio de 2025. ANTONIO RIGOLIN, Relator


Ementa: LOCAÇÃO RESIDENCIAL. AÇÃO DE DESPEJO POR FALTA DE PAGAMENTIO CUMU- LADA COM COBRANÇA. JULGAMENTO ANTE- CIPADO DA LIDE. ALEGAÇÃO DE DANOS AO IMÓVEL E RESPECTIVO MOBILIÁRIO. PLEITO DE RESSARCIMENTO NÃO ANALISADO. AU- SÊNCIA TAMBÉM DE APRECIAÇÃO DO PEDI- DO DE PRODUÇÃO DE PROVA PERICIAL. JUL- GAMENTO “CITRA PETITA” E CERCEAMENTO DE DEFESA CONFIGURADOS. PRECEDENTES. NULIDADE PROCESSUAL. NECESSIDADE DE RETORNO DOS AUTOS AO JUÍZO DE ORIGEM. RECURSO DA AUTORA PROVIDO PARA TAL EFEITO, RESTANDO PREJUDICADO O APELO DOS RÉUS. Configura nulidade processual a senten- ça que deixa de apreciar pedido expressamente for- mulado na petição inicial, no caso, o pleito de ressar- cimento por danos materiais ao imóvel e respectivo mobiliário, bem como a pertinência da prova pericial requerida expressamente pela parte, caracterizando cerceamento de defesa e julgamento “citra petita”, a ensejar a necessidade de retorno dos autos ao juízo de origem para novo pronunciamento, após a análise da pertinência da prova postulada. 168





VOTO

Visto. 1. Trata-se de ação de despejo por falta de pagamento cumulada com cobrança de alugueres e acessórios proposta por SOARES SERVIÇOS DE ES- Jurisprudência - Direito Privado CRITÓRIO LTDA. em face de LARISSA MARIA GAVA DOS SANTOS, AN- DRÉIA DE FÁTIMA GAVA DOS SANTOS e PAULO LIRA DOS SANTOS. A r. sentença julgou parcialmente procedentes os pedidos para, assim, declarar rescindido o contrato de locação e condenar os réus ao pagamento dos valores dos alugueres vencidos e não pagos até a data da entrega das chaves, além dos débitos de condomínio, água e IPTU, e da multa contratual de 10% sobre o valor do débito, com correção monetária pela Tabela Prática deste Egré- gio Tribunal de Justiça e juros moratórios de 1% ao mês computados desde cada vencimento. Os réus foram condenados também ao pagamento das despesas processuais e dos honorários advocatícios, esses fixados em 10% sobre o valor corrigido do débito. Inconformada, apela a autora sustentando, em resumo, que apresentou relatório fotográfico e laudos de vistoria que demonstram a ocorrência de danos ao imóvel e ao respectivo mobiliário, razão pela qual requereu, desde a inicial, a realização de perícia técnica, que, embora tenha sido indicada em despachos no curso do processo, não foi efetivamente determinada pelo Juízo a quo. Alega ainda que a sentença foi omissa ao não se manifestar sobre o reconhecimento, pela própria ré, da necessidade de indenizar ao menos parte dos danos recla- mados (revisteiro e cortina), tampouco sobre as provas constantes dos autos, deixando de lhe garantir a justa reparação pelos prejuízos suportados. No to- cante aos honorários advocatícios, aduz que, além de haver previsão expressa no contrato de locação para o percentual de 20%, a sucumbência dos réus foi quase total, o que justifica a majoração da verba para o patamar contratualmente estipulado, que está em consonância com o disposto no artigo 85, § 2º, do CPC. Pugna, ao final, pela condenação dos réus ao ressarcimento dos danos materiais apontados ou, subsidiariamente, pela decretação de nulidade da sentença com retorno dos autos à origem para a realização da perícia requerida, bem como pela fixação dos honorários advocatícios sucumbenciais no percentual de 20% sobre o valor do débito corrigido. Apelam também os réus arguindo preliminar de cerceamento de defesa decorrente do indeferimento da produção de prova testemunhal, que seria es- sencial para demonstrar a má-fé da autora por reiteradamente recusar o recebi- mento das chaves, apresentando exigências sucessivas de reparos já sanados, com o intuito de prorrogar indevidamente a locação e auferir alugueres após a rescisão. Alegam que, após o término do contrato, em outubro de 2018, comuni- caram formalmente o interesse em encerrá-lo, tendo a rescisão se concretizado em dezembro daquele ano. Aduzem que a apelada recusou o recebimento das chaves, exigindo sucessivos reparos sem lastro probatório, sendo certo que o próprio Juízo reconheceu a ausência de prova suficiente para condenação por danos ao imóvel ou mobiliário, incorrendo em contradição ao presumir a mora e Jurisprudência - Direito Privado fixar responsabilidade pelos aluguéis vencidos até setembro de 2019. Destacam que a apelada não produziu qualquer prova técnica para justificar a imputação de reparos impeditivos à nova locação, e que, ao contrário, restou comprovado por laudo de corretor que os desgastes eram compatíveis com o uso regular, não havendo qualquer impedimento à nova contratação. Apontam, ainda, que houve violação ao contraditório e à ampla defesa, pois lhes foi suprimido o prazo de trinta dias para manifestação antes da prolação da sentença, em violação aos artigos 5º, LV, da Constituição Federal e 369 a 373 do Código de Processo Civil. Pugnam pela anulação da sentença ou, alternativamente, pela improcedência dos pedidos formulados, por ausência de prova do fato constitutivo, requerendo a reforma da sentença para reconhecer a rescisão contratual em dezembro de 2018, com a exclusão das cobranças posteriores a tal data, inclusive multa, juros e correção. Recursos tempestivos e bem processados, oportunamente preparados, tendo os réus apresentado resposta. É o relatório. 2. Segundo a petição inicial, a autora locou à primeira demandada o imó- vel situado na Avenida Engenheiro Augusto Figueiredo, em Campinas/SP, para fins residenciais, com cláusula de reajuste pelo IGP-M e obrigação de pagamen- to das despesas ordinárias, como condomínio, IPTU, água e luz. Ocorre que a locatária deixou de pagar os alugueres a partir de novembro de 2018, além dos encargos locatícios e obrigações acessórias, totalizando um débito de R$ 37.434,95, sem contar as obrigações vincendas e reparações pendentes no imó- vel e mobiliário, constatadas em vistorias realizadas após a tentativa frustrada de devolução formal das chaves. Embora tenha havido comunicação da intenção de desocupação, os reparos exigidos não foram realizados, o que torna legítimo o pleito pela retomada da posse, requerendo ainda o pagamento da multa contra- tual prevista na cláusula IX (três alugueres), no valor de R$ 8.908,53. Os réus, em sua defesa, alegaram que a locação foi regularmente encerra- da em dezembro de 2018, conforme notificação e posterior entrega das chaves, sendo indevidas quaisquer cobranças de aluguéis ou encargos após essa data. A autora se recusou injustificadamente a receber as chaves, sob a alegação da exis- tência de reparos pendentes, embora a cada vistoria surgissem novas exigências não previstas no contrato e, em laudo independente, ficou demonstrado que o imóvel apresentava apenas desgastes decorrentes do uso normal. Reconheceram apenas o dever de indenizar o valor de R$ 930,00, relativo à substituição de revisteiro e cortina, quantia essa que foi recusada pela autora. Defenderam que as faturas de água, energia elétrica e gás foram quitadas até a data da rescisão 170 e que o imóvel foi inclusive anunciado para nova locação pela própria autora, evidenciando a inexistência de impedimento à rescisão. Rejeitaram a aplicação de multa contratual em favor da autora, sustentando que eventual inadimple- mento decorreu da conduta dela, que se utilizou de subterfúgios para perpetuar Jurisprudência - Direito Privado a locação e auferir novos alugueres. Seguiu-se o julgamento antecipado. A sentença julgou parcialmente pro- cedente o pedido, declarando a rescisão contratual e condenando os réus ao pagamento dos alugueres e encargos locatícios vencidos até 25 de setembro de 2019, data da efetiva entrega das chaves, com aplicação de multa contratual. Ocorre que a ilustre julgadora, embora tenha determinado que os réus se manifestassem sobre os documentos de fls. 216/287, deixou de apreciar o plei- to de ressarcimento dos danos materiais expressamente formulado na petição inicial, bem como o pedido de realização de perícia formulado às fls. 201/202, de modo que houve cerceamento de defesa e prolação de sentença citra petita, assim entendida como “aquela que não aprecia todos os pedidos formulados pela parte em sua petição inicial”.1 Cuida-se de omissões relevantes que comprometem o devido processo legal, ferindo os princípios do contraditório e da ampla defesa (art. 5º, incisos LIV e LV, da CF). Diante desse contexto, advém necessariamente o reconhecimento da nu- lidade processual. Há vício a reconhecer, portanto, pois evidenciado restou o julgamento citra petita, não havendo a possibilidade de julgamento imediato da matéria por este tribunal, ante a ausência de apreciação fundamentada sobre a pertinência da prova pericial postulada para apurar as divergências no imóvel e nos móveis entregues em locação com o que fora devolvido por ocasião da saída. Nesse sentido: “NULIDADE DA SENTENÇA - DECISÃO ‘CITRA PETITA’ E CERCEAMENTO DE DEFESA - Cabimento - Ausência de análise de todos os pedidos formulados na peça inicial, bem como da pertinência da prova oral requerida - Prestação jurisdicional falha - Incongruências, ainda, no laudo pericial obstétrico, que demanda deliberação do Juízo ‘a quo’ para avaliação da necessidade de nova perícia e/ou novos esclare- cimentos - Processo anulado a partir da sentença. - Apelo provido, com determinação”.2 “EMBARGOS DE DECLARAÇÃO - Acórdão que deu provimento ao recurso de apelação, reconheceu o cerceamento de defesa, anulou a r. sentença, e determinou o retorno dos autos ao Juízo de origem para apre- 1 - STJ - AgInt no REsp n. 1.760.472/PR, relator Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, julgado em 19/10/2020, DJe de 23/10/2020. 2 - TJSP - Apelação Cível 1055941-55.2020.8.26.0053 - Rel. Des. Spoladore Dominguez - 13ª Câmara de Direito Público - J. 09/04/2025. 170 ciação fundamentada dos pedidos de produção de prova - Embargante que alega contradição no julgado por condicionar a análise da neces- sidade das provas ao Juízo de primeiro grau, apesar do reconhecimento Jurisprudência - Direito Privado de sua relevância - Inexistência de contradição - Incumbe ao Juízo a quo deliberar sobre a necessidade e pertinência da prova - Reconhecimento do cerceamento de defesa que não implica determinação automática de produção das provas requeridas, mas apenas a exigência de motivação idônea em eventual indeferimento - Aplicação do princípio do devido processo legal e do contraditório - Retorno dos autos que não implica risco de nova negativa arbitrária, visto que o Acórdão embargado já fi- xou diretriz interpretativa ao Juízo de primeiro grau - Impertinência do artigo 1.013, §3º, IV, do CPC, pois a nulidade decretada decorreu da fal- ta de fundamentação sobre o indeferimento das provas, e não de omissão na análise do mérito da demanda - Embargos rejeitados”.3 “Apelação. Representação comercial. Rescisão indireta c.c. exibi- ção de documentos e indenização. Improcedência. Nulidade. Configura- ção. Decisão ‘citra petita’. Medida que se impõe diante da ausência de análise de todos os temas e pedidos da lide a fim de se evitar a supres- são de instâncias. Sentença nula e cassada. Retorno dos autos à vara de origem para reapreciação de todos os pedidos. Recurso a que se dá provimento”.4 Identificado o vício na sentença, impõe-se anular o processo a partir da sua prolação, determinando-se o retorno dos autos ao Juízo de origem para novo pronunciamento, após a análise da pertinência da prova postulada. Cumpre observar que não está a magistrada impedida de julgar anteci- padamente a lide, desde que analise todos os pedidos formulados e justifique a impertinência ou irrelevância da produção da prova para a formação do seu convencimento. 3. Ante o exposto, e para tal efeito, dou provimento ao apelo da autora, restando prejudicada a análise do recurso dos réus.