APELAçãO – DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE COBRANÇA DE- CORRENTE DE VÍCIO OCULTO EM VEÍCULO. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO AOS FUNDAMEN- TOS DA SENTENÇA. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE. RECURSO CONHECIDO PARCIALMENTE E, NA PARTE CONHECIDA, IMPROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Apelação interposta pelo réu contra sentença em que sentença que julgou procedente pedido de co- brança por vício oculto em veículo adquirido da par- te ré, condenando-a ao pagamento de R$11.937,00 a título de ressarcimento de reparos. Alega ausência de má-fé e nexo causal, sustentando que o veículo foi vendido em condição de repasse. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 1. São duas as questões em discussão: (i) há prejudi- cial ao mérito, envolvendo análise se houve impugna- ção específica dos fundamentos da sentença de forma a atender aos requisitos de admissibilidade recursal; (ii) examinar se é cabível a reforma da sentença que reconheceu a responsabilidade do alienante por vício oculto em veículo. III. RAZÕES DE DECIDIR 2. Na apelação não há elementos suficientes para afas- tar a responsabilidade por vício oculto no motor do veículo, impondo ressarcimento dos gastos incorridos pela autora para reparo do vício no motor, que preci- sou ser refeito. 3. Na apelação, o réu não impugnou, de forma espe- cífica, os fundamentos da sentença recorrida, limitan- do-se a alegações genéricas e dela dissociadas. 4. A ausência de impugnação específica configura a violação do princípio da dialeticidade, tornando in- viável o conhecimento do recurso de apelação. IV. DISPOSITIVO E TESE 341 5. Recurso de apelação conhecido em parte e, na parte conhecida, improvido. Tese de julgamento: “1. O princípio da dialeticidade Jurisprudência - Direito Privado impõe a necessidade de impugnação específica dos fundamentos da sentença, sob pena de não conheci- mento do recurso de apelação. 2. Considerada a reve- lia da ré e a comprovação do vício pela parte autora, responde o comerciante por vício oculto em motor de veículo, ainda que desconheça o defeito.”. Dispositivos relevantes citados: CPC, art. 1010, II e III. Jurisprudência relevante citada: STJ, AgInt no REsp 1790742/CE, Rel. Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, j. 27.05.2019; TJSP, Apelação Cível 1093505-29.2017.8.26.0100, Rel. Des. Adilson de Araújo, 31ª Câmara de Direito Privado, j. 19.10.2018.(TJSP; Processo nº 1069374-41.2022.8.26.0576; Recurso: Apelação; Relator: Jurisprudência - Direito Privado ADILSON DE ARAUJO; Data do Julgamento: 18 de junho de 2025)
, em sessão permanente e virtual da 31ª Câmara de Direito
Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Co-
nheceram em parte do recurso e, na parte conhecida, negaram-lhe provimento.
V.U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. (Voto
nº 46.175)
O julgamento teve a participação dos Desembargadores ADILSON DE
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ARAUJO (Presidente), LUIS FERNANDO NISHI e ROSANGELA TELLES.
São Paulo, 18 de junho de 2025.
Jurisprudência - Direito Privado ADILSON DE ARAUJO, Relator.
Ementa: DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL.
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE COBRANÇA DE-
CORRENTE DE VÍCIO OCULTO EM VEÍCULO.
AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO AOS FUNDAMEN-
TOS DA SENTENÇA. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO
DA DIALETICIDADE. RECURSO CONHECIDO
PARCIALMENTE E, NA PARTE CONHECIDA,
IMPROVIDO.
I. CASO EM EXAME
1. Apelação interposta pelo réu contra sentença em
que sentença que julgou procedente pedido de co-
brança por vício oculto em veículo adquirido da par-
te ré, condenando-a ao pagamento de R$11.937,00 a
título de ressarcimento de reparos. Alega ausência
de má-fé e nexo causal, sustentando que o veículo foi
vendido em condição de repasse.
II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO
1. São duas as questões em discussão: (i) há prejudi-
cial ao mérito, envolvendo análise se houve impugna-
ção específica dos fundamentos da sentença de forma
a atender aos requisitos de admissibilidade recursal;
(ii) examinar se é cabível a reforma da sentença que
reconheceu a responsabilidade do alienante por vício
oculto em veículo.
III. RAZÕES DE DECIDIR
2. Na apelação não há elementos suficientes para afas-
tar a responsabilidade por vício oculto no motor do
veículo, impondo ressarcimento dos gastos incorridos
pela autora para reparo do vício no motor, que preci-
sou ser refeito.
3. Na apelação, o réu não impugnou, de forma espe-
cífica, os fundamentos da sentença recorrida, limitan-
do-se a alegações genéricas e dela dissociadas.
4. A ausência de impugnação específica configura a
violação do princípio da dialeticidade, tornando in-
viável o conhecimento do recurso de apelação.
IV. DISPOSITIVO E TESE
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5. Recurso de apelação conhecido em parte e, na parte
conhecida, improvido.
Tese de julgamento: “1. O princípio da dialeticidade
Jurisprudência - Direito Privado
impõe a necessidade de impugnação específica dos
fundamentos da sentença, sob pena de não conheci-
mento do recurso de apelação. 2. Considerada a reve-
lia da ré e a comprovação do vício pela parte autora,
responde o comerciante por vício oculto em motor de
veículo, ainda que desconheça o defeito.”.
Dispositivos relevantes citados: CPC, art. 1010, II e III.
Jurisprudência relevante citada: STJ, AgInt no REsp
1790742/CE, Rel. Ministro Marco Buzzi, Quarta
Turma, j. 27.05.2019; TJSP, Apelação Cível 1093505-29.2017.8.26.0100, Rel. Des. Adilson de Araújo, 31ª
Câmara de Direito Privado, j. 19.10.2018.
VOTO
ANA PAULA RISSI DEOLINDO ajuizou ação de cobrança em face
de RAFAEL ULIAN OLICÉRIO em decorrência de vício oculto em veículo
adquirido deste, que teria gerado à autora despesas com reparos.
Pela respeitável sentença de fls. 115/116, cujo relatório adoto, o douto
Juiz julgou procedente o pedido, para condenar o réu a pagar à autora a quantia
de R$11.937,00, atualizada monetariamente e com juros de mora a partir da
citação. Em razão da sucumbência, suportará o réu o pagamento das custas e
despesas processuais e dos honorários advocatícios, fixados em 10% sobre o
valor da condenação.
Inconformado, recorre o réu. Formula pedido de concessão da gratuidade
da justiça, aduzindo dificuldades financeiras. No mérito, sustenta que o veículo
foi vendido em condição de repasse, por valor abaixo do mercado, e que a au-
tora teve oportunidade de vistoriá-lo previamente. Argumenta que os defeitos
apresentados são compatíveis com o desgaste natural de veículo seminovo, ine-
xistindo má-fé ou omissão de sua parte. Alega inexistência de nexo causal entre
os danos e sua conduta. (fls. 122/127).
Em contrarrazões (fls. 131/141), impugna o pedido de concessão da gra-
tuidade da justiça aduzindo percepção de valores em outras ações judiciais.
Invoca a matéria preliminar de ausência de dialeticidade recursal, sustentando
que o recurso não impugna especificamente os fundamentos da sentença, limi-
tando-se a repetir argumentos anteriores. No mérito, defende a manutenção da
sentença, destacando que a revelia do réu implica presunção de veracidade dos
fatos alegados na inicial, corroborados por documentos como notas fiscais, fotos
e notificação extrajudicial.
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Recurso tempestivo.
É o relatório.
Parcial razão assiste ao réu apelante.
Inicialmente, alegação genérica de normalidade de defeito no motor de
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veículo usado, que precisou ser refeito, conformes notas fiscais a fls. 56 e 57,
não comporta acolhida.
É evidente o dever do réu indenizar a autora pelos danos sofridos, tendo
em vista que o veículo a ela alienado possui inequívocos defeitos que o tornaram
impróprio para o seu uso normal.
Não bastasse isso, o dever de indenizar exsurge da condição de comer-
ciante do réu, a qual tem responsabilidade objetiva perante o cliente, indepen-
dentemente de ter agido com culpa.
Por esse motivo é que não se está aqui a analisar a conduta moral e pro-
fissional da parte ré e nem mesmo a acusá-la de ter vendido um automóvel
imprestável de forma dolosa.
O que aqui se afirma é que, tendo ou não a ré conhecimento dos defeitos
do automóvel por si comercializado, sabendo ela ou não da presença de peças
automotivas com extrema fadiga, tem o dever legal de absorver os prejuízos daí
decorrentes e também aqueles sofridos pela autora, e de ressarcir esta última de
qualquer dano oriundo do negócio comercial.
Dentro do risco de sua atividade comercial, o apelante responde pelo ví-
cio redibitório, sendo irrelevante a circunstância de o vício oculto não existir ao
tempo da venda do automóvel ao autor, considerando que obteve benefício eco-
nômico com a operação, sendo que “pela teoria do risco-proveito, responsável
é aquele que tira proveito da atividade danosa, com base no princípio de que,
onde está o ganho, aí reside o encargo ubi emolumentum, ibi onus”, conforme
leciona SÉRGIO CAVALLIERI FILHO (Programa de Responsabilidade Civil,
Malheiros, 3ª ed., p.167).
Cumpre ressaltar que não é caso de se avaliar eventual conduta culposa
do réu vendedor ou mesmo a boa-fé, pois tais situações não afastam a responsa-
bilidade pelo vício ou defeito da coisa.
Desse modo, constatado o vício no veículo, pois inadequado ao fim que se
destina, de rigor a restituição do valor pago pela parte autora a título de reparos
mecânicos.
Em prosseguimento, a apelação não comporta conhecimento em relação
ao pedido de afastamento de dano moral, que sequer foi formulado na petição
inicial, configurada ausência de impugnação específica dos fundamentos da sen-
tença.
Cabia à parte apelante indicar os motivos pelos quais a sentença proferida
deveria ser reformada ou cassada, o que não ocorreu no caso.
Com efeito, a sentença de procedência está fundamentada em revelia do
apelante e pela comprovação dos danos materiais que se pretende ressarcidos.
A propósito, confira-se excerto da fundamentação da sentença, com des-
taques meus:
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O pedido procede, visto que a revelia faz presumir aceitos como verdadeiros
os fatos alegados pela autora, na forma dos artigos 334 e 344 do Código do
Processo Civil, e estes acarretam as consequências jurídicas apontadas na inicial.
A presunção decorrente da revelia encontra reforço nos autos, porquanto a autora
junta documentos que comprovam a relação jurídica narrada na inicial, dentre
eles os comprovantes de pagamento, a nota fiscal do reparo do veículo e a no-
tificação extrajudicial feita ao requerido (pp. 20/57), sendo a procedência do
pedido medida que se impõe.
Todavia, as razões recursais não aludem especificamente aos fundamen-
tos da sentença que resultou no reconhecimento de procedência do pedido in-
denizatório; aliás, não apresenta o apelante única razão para afastamento do
montante acolhido.
Na verdade, estão completamente dissociadas do contexto dos autos e da
sentença, discorrendo genericamente sobre ocorrência do dano moral.
Ou seja, não há sintonia entre os fundamentos genéricos do recurso de
apelação e os específicos da sentença recorrida, além dos que aqui foram en-
frentados.
Assim, a argumentação apresentada no recurso não guarda relação dialé-
tica com a r. sentença atacada. Incumbe à parte, ao recorrer, oferecer a indispen-
sável motivação para que seja apreciada pelo Tribunal, atacando o conteúdo da
decisão recorrida de forma clara e objetiva, buscando com a utilização da dialé-
tica, demonstrar o suposto equívoco cometido pelo Julgador, o que não ocorreu.
Citado em julgamento de caso análogo, ensina EDUARDO ARRUDA
ALVIM:
“Importante ter-se presente que as razões devem guardar estreita correlação com
os termos da decisão impugnada, sob pena do não conhecimento do recurso,
consoante já decidiu o 2º TACivSP, que inadmitiu (não conheceu) de recurso ‘na
medida em que os réus (ali recorrentes) não adequaram seu recurso à hipótese
submetida à apreciação judicial, impugnando matéria diversa da discutida nos
autos’. A correlação ou a pertinência que as razões devem ter em relação à de-
cisão, em particular, com a sua fundamentação, evidenciam uma das dimensões
dialéticas do processo; ausente essa relação, não há dialeticidade alguma” (“Cur-
so de Direito Processual Civil”, v. 2, nº 7.5, Ed. RT p. 119).
O princípio da dialeticidade, no dizer de FLÁVIO CHEIM JORGE, re-
presenta a fundamentação com impugnação específica dos fundamentos da de-
cisão recorrida e pedido de nova decisão, a fim de possibilitar ao julgador ava-
liação dos limites fixados no recurso (“Teoria Geral dos Recursos Cíveis”, Ed.
Revista dos Tribunais, 4ª ed. 2009, pág. 206).
Caracterizada a violação do princípio da dialeticidade no recurso de ape-
lação interposto pela parte, enseja o seu não conhecimento em parte, por infrin-
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gência ao disposto no art. 1010, II e III, do CPC.
Nesse sentido o entendimento do C. Superior Tribunal de Justiça (STJ),
a saber:
“AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL - AÇÃO CONDENATÓRIA
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- DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU PROVIMENTO AO RECLAMO
- INSURGÊNCIA RECURSAL DA DEMANDADA.
1. A ausência de enfrentamento da matéria objeto da controvérsia pelo Tribunal
de origem, não obstante a oposição de embargos de declaração, impede o aces-
so à instância especial, porquanto não preenchido o requisito constitucional do
prequestionamento.
Incidência da Súmula 211 do STJ. 1.1. In casu, deixou a recorrente de indicar,
nas razões do apelo extremo, a violação ao art. 1022 do CPC/15, a fim de que esta
Corte pudesse averiguar possível omissão no julgado quanto ao tema.
1.2. “A admissão de prequestionamento ficto (art. 1.025 do CPC/15), em recur-
so especial, exige que no mesmo recurso seja indicada violação ao art. 1.022
do CPC/15, para que se possibilite ao Órgão julgador verificar a existência do
vício inquinado ao acórdão, que uma vez constatado, poderá dar ensejo à supres-
são de grau facultada pelo dispositivo de lei”. (REsp 1639314/MG, Rel. Minis-
tra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 04/04/2017, DJe
10/04/2017).
2. A jurisprudência deste Tribunal Superior é no sentido de que, embora a mera
reprodução da petição inicial nas razões da apelação não enseje, por si só, afronta
ao princípio da dialeticidade, se a parte não impugna os fundamentos da senten-
ça, não há como conhecer da apelação, por descumprimento do art. 514, II, do
CPC/73, atual art. 1010, II, do CPC/15. Incidência do teor da Súmula 83/STJ.
3. Agravo interno desprovido”.
(AgInt no REsp 1790742/CE, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TUR-
MA, julgado em 27/05/2019, DJe 03/06/2019) - destaques meus.
A propósito, assim já decidiu esta 31ª Câmara de Direito Privado:
“APELAÇÃO. LOCAÇÃO DE IMÓVEL. AÇÃO DE DESPEJO POR FALTA
DE PAGAMENTO, CUMULADA COM COBRANÇA. RAZÕES RECURSAIS
QUE REPRODUZEM OS TERMOS DA CONTESTAÇÃO. AUSÊNCIA DE
IMPUGNAÇÃO ESPECÍFICA DA SENTENÇA. RECURSO NÃO CONHE-
CIDO. A apelante, em suas razões recursais, não impugnou especificamente os
fundamentos da sentença proferida, tendo em vista que reproduziu inteiramente
os termos da contestação apresentada. É decorrência do princípio da dialetici-
dade a impugnação específica dos fundamentos do ato decisório, cuja inobser-
vância implica irregularidade formal, por infringência ao disposto no art. 1.010,
II e III, do CPC/2015, tornando inadmissível o presente recurso de apelação”
(TJSP; Apelação Cível 1093505-29.2017.8.26.0100; Relator (a): ADILSON DE
ARAUJO; Órgão Julgador: 31ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível -
22ª Vara Cível; Data do Julgamento: 19/10/2018; Data de Registro: 19/10/2018).
Ante o exposto, por meu voto, conheço parcialmente o recurso do réu
e, na parte conhecida, nego provimento. Levando em conta o trabalho adicio-
nal em grau recursal, em atenção ao previsto no art. 85, § 11, do CPC majoro
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os honorários advocatícios para 12% da base adotada na sentença, observada
limitação da gratuidade da justiça deferida apenas para o presente recurso.
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