Decisão 1069374-41.2022.8.26.0576

Processo: 1069374-41.2022.8.26.0576

Recurso: Apelação

Relator: Jurisprudência - Direito Privado ADILSON DE ARAUJO

Câmara julgadora:

Data do julgamento: 18 de junho de 2025

Ementa Técnica

APELAçãO – DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE COBRANÇA DE- CORRENTE DE VÍCIO OCULTO EM VEÍCULO. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO AOS FUNDAMEN- TOS DA SENTENÇA. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE. RECURSO CONHECIDO PARCIALMENTE E, NA PARTE CONHECIDA, IMPROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Apelação interposta pelo réu contra sentença em que sentença que julgou procedente pedido de co- brança por vício oculto em veículo adquirido da par- te ré, condenando-a ao pagamento de R$11.937,00 a título de ressarcimento de reparos. Alega ausência de má-fé e nexo causal, sustentando que o veículo foi vendido em condição de repasse. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 1. São duas as questões em discussão: (i) há prejudi- cial ao mérito, envolvendo análise se houve impugna- ção específica dos fundamentos da sentença de forma a atender aos requisitos de admissibilidade recursal; (ii) examinar se é cabível a reforma da sentença que reconheceu a responsabilidade do alienante por vício oculto em veículo. III. RAZÕES DE DECIDIR 2. Na apelação não há elementos suficientes para afas- tar a responsabilidade por vício oculto no motor do veículo, impondo ressarcimento dos gastos incorridos pela autora para reparo do vício no motor, que preci- sou ser refeito. 3. Na apelação, o réu não impugnou, de forma espe- cífica, os fundamentos da sentença recorrida, limitan- do-se a alegações genéricas e dela dissociadas. 4. A ausência de impugnação específica configura a violação do princípio da dialeticidade, tornando in- viável o conhecimento do recurso de apelação. IV. DISPOSITIVO E TESE 341 5. Recurso de apelação conhecido em parte e, na parte conhecida, improvido. Tese de julgamento: “1. O princípio da dialeticidade Jurisprudência - Direito Privado impõe a necessidade de impugnação específica dos fundamentos da sentença, sob pena de não conheci- mento do recurso de apelação. 2. Considerada a reve- lia da ré e a comprovação do vício pela parte autora, responde o comerciante por vício oculto em motor de veículo, ainda que desconheça o defeito.”. Dispositivos relevantes citados: CPC, art. 1010, II e III. Jurisprudência relevante citada: STJ, AgInt no REsp 1790742/CE, Rel. Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, j. 27.05.2019; TJSP, Apelação Cível 1093505-29.2017.8.26.0100, Rel. Des. Adilson de Araújo, 31ª Câmara de Direito Privado, j. 19.10.2018.(TJSP; Processo nº 1069374-41.2022.8.26.0576; Recurso: Apelação; Relator: Jurisprudência - Direito Privado ADILSON DE ARAUJO; Data do Julgamento: 18 de junho de 2025)

Voto / Fundamentação

, em sessão permanente e virtual da 31ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Co- nheceram em parte do recurso e, na parte conhecida, negaram-lhe provimento. V.U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. (Voto nº 46.175) O julgamento teve a participação dos Desembargadores ADILSON DE 340 ARAUJO (Presidente), LUIS FERNANDO NISHI e ROSANGELA TELLES. São Paulo, 18 de junho de 2025. Jurisprudência - Direito Privado ADILSON DE ARAUJO, Relator.


Ementa: DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE COBRANÇA DE- CORRENTE DE VÍCIO OCULTO EM VEÍCULO. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO AOS FUNDAMEN- TOS DA SENTENÇA. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE. RECURSO CONHECIDO PARCIALMENTE E, NA PARTE CONHECIDA, IMPROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Apelação interposta pelo réu contra sentença em que sentença que julgou procedente pedido de co- brança por vício oculto em veículo adquirido da par- te ré, condenando-a ao pagamento de R$11.937,00 a título de ressarcimento de reparos. Alega ausência de má-fé e nexo causal, sustentando que o veículo foi vendido em condição de repasse. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 1. São duas as questões em discussão: (i) há prejudi- cial ao mérito, envolvendo análise se houve impugna- ção específica dos fundamentos da sentença de forma a atender aos requisitos de admissibilidade recursal; (ii) examinar se é cabível a reforma da sentença que reconheceu a responsabilidade do alienante por vício oculto em veículo. III. RAZÕES DE DECIDIR 2. Na apelação não há elementos suficientes para afas- tar a responsabilidade por vício oculto no motor do veículo, impondo ressarcimento dos gastos incorridos pela autora para reparo do vício no motor, que preci- sou ser refeito. 3. Na apelação, o réu não impugnou, de forma espe- cífica, os fundamentos da sentença recorrida, limitan- do-se a alegações genéricas e dela dissociadas. 4. A ausência de impugnação específica configura a violação do princípio da dialeticidade, tornando in- viável o conhecimento do recurso de apelação. IV. DISPOSITIVO E TESE 341 5. Recurso de apelação conhecido em parte e, na parte conhecida, improvido. Tese de julgamento: “1. O princípio da dialeticidade Jurisprudência - Direito Privado impõe a necessidade de impugnação específica dos fundamentos da sentença, sob pena de não conheci- mento do recurso de apelação. 2. Considerada a reve- lia da ré e a comprovação do vício pela parte autora, responde o comerciante por vício oculto em motor de veículo, ainda que desconheça o defeito.”. Dispositivos relevantes citados: CPC, art. 1010, II e III. Jurisprudência relevante citada: STJ, AgInt no REsp 1790742/CE, Rel. Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, j. 27.05.2019; TJSP, Apelação Cível 1093505-29.2017.8.26.0100, Rel. Des. Adilson de Araújo, 31ª Câmara de Direito Privado, j. 19.10.2018.





VOTO

ANA PAULA RISSI DEOLINDO ajuizou ação de cobrança em face de RAFAEL ULIAN OLICÉRIO em decorrência de vício oculto em veículo adquirido deste, que teria gerado à autora despesas com reparos. Pela respeitável sentença de fls. 115/116, cujo relatório adoto, o douto Juiz julgou procedente o pedido, para condenar o réu a pagar à autora a quantia de R$11.937,00, atualizada monetariamente e com juros de mora a partir da citação. Em razão da sucumbência, suportará o réu o pagamento das custas e despesas processuais e dos honorários advocatícios, fixados em 10% sobre o valor da condenação. Inconformado, recorre o réu. Formula pedido de concessão da gratuidade da justiça, aduzindo dificuldades financeiras. No mérito, sustenta que o veículo foi vendido em condição de repasse, por valor abaixo do mercado, e que a au- tora teve oportunidade de vistoriá-lo previamente. Argumenta que os defeitos apresentados são compatíveis com o desgaste natural de veículo seminovo, ine- xistindo má-fé ou omissão de sua parte. Alega inexistência de nexo causal entre os danos e sua conduta. (fls. 122/127). Em contrarrazões (fls. 131/141), impugna o pedido de concessão da gra- tuidade da justiça aduzindo percepção de valores em outras ações judiciais. Invoca a matéria preliminar de ausência de dialeticidade recursal, sustentando que o recurso não impugna especificamente os fundamentos da sentença, limi- tando-se a repetir argumentos anteriores. No mérito, defende a manutenção da sentença, destacando que a revelia do réu implica presunção de veracidade dos fatos alegados na inicial, corroborados por documentos como notas fiscais, fotos e notificação extrajudicial. 342 Recurso tempestivo. É o relatório. Parcial razão assiste ao réu apelante. Inicialmente, alegação genérica de normalidade de defeito no motor de Jurisprudência - Direito Privado veículo usado, que precisou ser refeito, conformes notas fiscais a fls. 56 e 57, não comporta acolhida. É evidente o dever do réu indenizar a autora pelos danos sofridos, tendo em vista que o veículo a ela alienado possui inequívocos defeitos que o tornaram impróprio para o seu uso normal. Não bastasse isso, o dever de indenizar exsurge da condição de comer- ciante do réu, a qual tem responsabilidade objetiva perante o cliente, indepen- dentemente de ter agido com culpa. Por esse motivo é que não se está aqui a analisar a conduta moral e pro- fissional da parte ré e nem mesmo a acusá-la de ter vendido um automóvel imprestável de forma dolosa. O que aqui se afirma é que, tendo ou não a ré conhecimento dos defeitos do automóvel por si comercializado, sabendo ela ou não da presença de peças automotivas com extrema fadiga, tem o dever legal de absorver os prejuízos daí decorrentes e também aqueles sofridos pela autora, e de ressarcir esta última de qualquer dano oriundo do negócio comercial. Dentro do risco de sua atividade comercial, o apelante responde pelo ví- cio redibitório, sendo irrelevante a circunstância de o vício oculto não existir ao tempo da venda do automóvel ao autor, considerando que obteve benefício eco- nômico com a operação, sendo que “pela teoria do risco-proveito, responsável é aquele que tira proveito da atividade danosa, com base no princípio de que, onde está o ganho, aí reside o encargo ubi emolumentum, ibi onus”, conforme leciona SÉRGIO CAVALLIERI FILHO (Programa de Responsabilidade Civil, Malheiros, 3ª ed., p.167). Cumpre ressaltar que não é caso de se avaliar eventual conduta culposa do réu vendedor ou mesmo a boa-fé, pois tais situações não afastam a responsa- bilidade pelo vício ou defeito da coisa. Desse modo, constatado o vício no veículo, pois inadequado ao fim que se destina, de rigor a restituição do valor pago pela parte autora a título de reparos mecânicos. Em prosseguimento, a apelação não comporta conhecimento em relação ao pedido de afastamento de dano moral, que sequer foi formulado na petição inicial, configurada ausência de impugnação específica dos fundamentos da sen- tença. Cabia à parte apelante indicar os motivos pelos quais a sentença proferida deveria ser reformada ou cassada, o que não ocorreu no caso. Com efeito, a sentença de procedência está fundamentada em revelia do apelante e pela comprovação dos danos materiais que se pretende ressarcidos. A propósito, confira-se excerto da fundamentação da sentença, com des- taques meus: Jurisprudência - Direito Privado O pedido procede, visto que a revelia faz presumir aceitos como verdadeiros os fatos alegados pela autora, na forma dos artigos 334 e 344 do Código do Processo Civil, e estes acarretam as consequências jurídicas apontadas na inicial. A presunção decorrente da revelia encontra reforço nos autos, porquanto a autora junta documentos que comprovam a relação jurídica narrada na inicial, dentre eles os comprovantes de pagamento, a nota fiscal do reparo do veículo e a no- tificação extrajudicial feita ao requerido (pp. 20/57), sendo a procedência do pedido medida que se impõe. Todavia, as razões recursais não aludem especificamente aos fundamen- tos da sentença que resultou no reconhecimento de procedência do pedido in- denizatório; aliás, não apresenta o apelante única razão para afastamento do montante acolhido. Na verdade, estão completamente dissociadas do contexto dos autos e da sentença, discorrendo genericamente sobre ocorrência do dano moral. Ou seja, não há sintonia entre os fundamentos genéricos do recurso de apelação e os específicos da sentença recorrida, além dos que aqui foram en- frentados. Assim, a argumentação apresentada no recurso não guarda relação dialé- tica com a r. sentença atacada. Incumbe à parte, ao recorrer, oferecer a indispen- sável motivação para que seja apreciada pelo Tribunal, atacando o conteúdo da decisão recorrida de forma clara e objetiva, buscando com a utilização da dialé- tica, demonstrar o suposto equívoco cometido pelo Julgador, o que não ocorreu. Citado em julgamento de caso análogo, ensina EDUARDO ARRUDA ALVIM: “Importante ter-se presente que as razões devem guardar estreita correlação com os termos da decisão impugnada, sob pena do não conhecimento do recurso, consoante já decidiu o 2º TACivSP, que inadmitiu (não conheceu) de recurso ‘na medida em que os réus (ali recorrentes) não adequaram seu recurso à hipótese submetida à apreciação judicial, impugnando matéria diversa da discutida nos autos’. A correlação ou a pertinência que as razões devem ter em relação à de- cisão, em particular, com a sua fundamentação, evidenciam uma das dimensões dialéticas do processo; ausente essa relação, não há dialeticidade alguma” (“Cur- so de Direito Processual Civil”, v. 2, nº 7.5, Ed. RT p. 119). O princípio da dialeticidade, no dizer de FLÁVIO CHEIM JORGE, re- presenta a fundamentação com impugnação específica dos fundamentos da de- cisão recorrida e pedido de nova decisão, a fim de possibilitar ao julgador ava- liação dos limites fixados no recurso (“Teoria Geral dos Recursos Cíveis”, Ed. Revista dos Tribunais, 4ª ed. 2009, pág. 206). Caracterizada a violação do princípio da dialeticidade no recurso de ape- lação interposto pela parte, enseja o seu não conhecimento em parte, por infrin- 344 gência ao disposto no art. 1010, II e III, do CPC. Nesse sentido o entendimento do C. Superior Tribunal de Justiça (STJ), a saber: “AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL - AÇÃO CONDENATÓRIA Jurisprudência - Direito Privado - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU PROVIMENTO AO RECLAMO - INSURGÊNCIA RECURSAL DA DEMANDADA. 1. A ausência de enfrentamento da matéria objeto da controvérsia pelo Tribunal de origem, não obstante a oposição de embargos de declaração, impede o aces- so à instância especial, porquanto não preenchido o requisito constitucional do prequestionamento. Incidência da Súmula 211 do STJ. 1.1. In casu, deixou a recorrente de indicar, nas razões do apelo extremo, a violação ao art. 1022 do CPC/15, a fim de que esta Corte pudesse averiguar possível omissão no julgado quanto ao tema. 1.2. “A admissão de prequestionamento ficto (art. 1.025 do CPC/15), em recur- so especial, exige que no mesmo recurso seja indicada violação ao art. 1.022 do CPC/15, para que se possibilite ao Órgão julgador verificar a existência do vício inquinado ao acórdão, que uma vez constatado, poderá dar ensejo à supres- são de grau facultada pelo dispositivo de lei”. (REsp 1639314/MG, Rel. Minis- tra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 04/04/2017, DJe 10/04/2017). 2. A jurisprudência deste Tribunal Superior é no sentido de que, embora a mera reprodução da petição inicial nas razões da apelação não enseje, por si só, afronta ao princípio da dialeticidade, se a parte não impugna os fundamentos da senten- ça, não há como conhecer da apelação, por descumprimento do art. 514, II, do CPC/73, atual art. 1010, II, do CPC/15. Incidência do teor da Súmula 83/STJ. 3. Agravo interno desprovido”. (AgInt no REsp 1790742/CE, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TUR- MA, julgado em 27/05/2019, DJe 03/06/2019) - destaques meus. A propósito, assim já decidiu esta 31ª Câmara de Direito Privado: “APELAÇÃO. LOCAÇÃO DE IMÓVEL. AÇÃO DE DESPEJO POR FALTA DE PAGAMENTO, CUMULADA COM COBRANÇA. RAZÕES RECURSAIS QUE REPRODUZEM OS TERMOS DA CONTESTAÇÃO. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO ESPECÍFICA DA SENTENÇA. RECURSO NÃO CONHE- CIDO. A apelante, em suas razões recursais, não impugnou especificamente os fundamentos da sentença proferida, tendo em vista que reproduziu inteiramente os termos da contestação apresentada. É decorrência do princípio da dialetici- dade a impugnação específica dos fundamentos do ato decisório, cuja inobser- vância implica irregularidade formal, por infringência ao disposto no art. 1.010, II e III, do CPC/2015, tornando inadmissível o presente recurso de apelação” (TJSP; Apelação Cível 1093505-29.2017.8.26.0100; Relator (a): ADILSON DE ARAUJO; Órgão Julgador: 31ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível - 22ª Vara Cível; Data do Julgamento: 19/10/2018; Data de Registro: 19/10/2018). Ante o exposto, por meu voto, conheço parcialmente o recurso do réu e, na parte conhecida, nego provimento. Levando em conta o trabalho adicio- nal em grau recursal, em atenção ao previsto no art. 85, § 11, do CPC majoro 344 os honorários advocatícios para 12% da base adotada na sentença, observada limitação da gratuidade da justiça deferida apenas para o presente recurso. Jurisprudência - Direito Privado