APELAçãO – INFÂNCIA E JUVENTUDE. APELAÇÃO. DESCONSTITUIÇÃO DE ADOÇÃO. RECURSO DESPROVIDO. I. Caso em Exame 1. Recurso de apelação interposto por F.A.M. da S. contra M.B.M. da S., pretendendo a desconstituição de adoção. A sentença julgou extinto o processo, sem resolução do mérito, com base nos artigos 330, III e 485, inciso I, do Código de Processo Civil. O apelante alega que a irrevogabilidade da adoção pode ser afas- tada quando prejudicial à menor e à família adotante. II. Questão em Discussão 2. A questão em discussão consiste em determinar se a adoção pode ser desconstituída. III. Razões de Decidir 844 3. A adoção é irrevogável e produz efeitos a partir do trânsito em julgado da sentença constitutiva, confor- Jurisprudência - Câmara Especial me o Estatuto da Criança e do Adolescente. 4. A desconstituição dos efeitos de coisa julgada mate- rial deve ser deduzida por ação rescisória, não sendo cabível na via processual escolhida. IV. Dispositivo e Tese 5. Recurso desprovido. Tese de julgamento: 1. A adoção é irrevogável e seus efeitos são plenos e irreversíveis. 2. A desconstituição dos efeitos da sentença deve ser deduzida por ação rescisória. Legislação Citada: CPC, arts. 330, III e 485, inciso I; arte. 966; ECA, arts. 39, § 1º, 41, caput, e 47, § 7º. Jurisprudência Citada: TJSP, Apelação Cível 1005929-97.2021.8.26.0248, Rel. Daniela Cilento Mor- sello, Câmara Especial, j. 30/05/2022; TJSP, Apelação Cível 1010389-97.2019.8.26.0604, Rel. Lídia Concei- ção, Câmara Especial, j. 17/08/2020.(TJSP; Processo nº 1201196-58.2024.8.26.0100; Recurso: Apelação; Relator: Daniela Cilento Morsello;; Data do Julgamento: 8 de maio de 2025)
, em sessão permanente e virtual da Câmara Especial do Tri-
bunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimen-
to ao recurso. V.U.”, de conformidade com o voto do relator, que integra este
acórdão. (Voto nº 69.826)
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores BERE-
TTA DA SILVEIRA (VICE-PRESIDENTE) (Presidente) e CAMARGO ARA-
NHA FILHO (PRESIDENTE DA SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).
São Paulo, 8 de maio de 2025.
HERALDO DE OLIVEIRA, Relator e Presidente da Seção de Direito
Privado
Ementa: INFÂNCIA E JUVENTUDE. APELAÇÃO.
DESCONSTITUIÇÃO DE ADOÇÃO. RECURSO
DESPROVIDO.
I. Caso em Exame
1. Recurso de apelação interposto por F.A.M. da S.
contra M.B.M. da S., pretendendo a desconstituição
de adoção. A sentença julgou extinto o processo, sem
resolução do mérito, com base nos artigos 330, III e
485, inciso I, do Código de Processo Civil. O apelante
alega que a irrevogabilidade da adoção pode ser afas-
tada quando prejudicial à menor e à família adotante.
II. Questão em Discussão
2. A questão em discussão consiste em determinar se a
adoção pode ser desconstituída.
III. Razões de Decidir
844
3. A adoção é irrevogável e produz efeitos a partir do
trânsito em julgado da sentença constitutiva, confor-
Jurisprudência - Câmara Especial me o Estatuto da Criança e do Adolescente.
4. A desconstituição dos efeitos de coisa julgada mate-
rial deve ser deduzida por ação rescisória, não sendo
cabível na via processual escolhida.
IV. Dispositivo e Tese
5. Recurso desprovido.
Tese de julgamento: 1. A adoção é irrevogável e seus
efeitos são plenos e irreversíveis. 2. A desconstituição
dos efeitos da sentença deve ser deduzida por ação
rescisória.
Legislação Citada: CPC, arts. 330, III e 485, inciso I;
arte. 966; ECA, arts. 39, § 1º, 41, caput, e 47, § 7º.
Jurisprudência Citada: TJSP, Apelação Cível
1005929-97.2021.8.26.0248, Rel. Daniela Cilento Mor-
sello, Câmara Especial, j. 30/05/2022; TJSP, Apelação
Cível 1010389-97.2019.8.26.0604, Rel. Lídia Concei-
ção, Câmara Especial, j. 17/08/2020.
VOTO
Cuida-se de recurso de apelação, nos autos da ação de suspensão provi-
sória do poder familiar para desconstituição de adoção proposta por F. A. M. da
S. contra M. B. M. da S. A r. sentença de fls. 219/222 julgou extinto o processo,
sem resolução do mérito, nos termos dos artigos 330, III e 485, inciso I, do Có-
digo de Processo Civil.
Apela o requerente, alegando que a irrevogabilidade não é absoluta, po-
dendo ser afastada quando a manutenção da medida não for apta a satisfazer os
princípios da proteção integral e do melhor interesse da criança. Afirma que a
manutenção da adoção tem se mostrado prejudicial à menor e à família adotante,
porquanto o convívio entre a menor e mãe adotiva é marcado por violência e
desrespeito, gerando um ambiente insustentável. Pleiteia a concessão da tutela
de urgência recursal, para determinar seja realizado estudos sociais e psicoló-
gicos no núcleo familiar, de forma a sustentar o presente processo, e o pedido
de suspensão provisória do poder familiar e/ou revogação da adoção. Ao final,
pugna pelo provimento do recurso (fls. 234/241).
Parecer do Ministério Público às fls. 246/249.
A D. Procuradoria Geral de Justiça se manifestou pelo desprovimento do
recurso (fls. 262/266).
É o relatório.
Ex ante, com o julgamento da apelação, fica prejudicado o pedido de
845
tutela de urgência.
O autor ajuizou a presente ação pretendendo, em última análise, a des-
constituição da adoção da adolescente M. B. M. S.
Jurisprudência - Câmara Especial
Consta da narrativa dos fatos que o autor e sua esposa adotaram M. B. M.
S., por meio de decisão judicial proferida pela Vara da Infância e da Juventude
do Foro Regional do Ipiranga/SP (Processo (...)). Referido processo extinguiu
o poder familiar da genitora M. E. da S, concedendo a adoção aos requerentes,
e alterando o nome da adolescente (fls. 174/180). A sentença transitou em jul-
gado em 29.02.2024 (fls. 185). Apesar do empenho do casal em oferecer um lar
estável à menor, ao longo do convívio familiar, a menor começou a apresentar
comportamentos rebeldes e violentos, que se agravaram com o tempo, além
de se recusar a frequentar a escola. Diante disso, considerando a gravidade da
situação, ingressou com a presente ação.
Não obstante as alegações do apelante, a pretensão deduzida encontra
óbice legal e insuperável nesta via processual escolhida.
Conforme preconiza o artigo 47, § 7º, do Estatuto da Criança e do Ado-
lescente, “a adoção produz seus efeitos a partir do trânsito em julgado da sen-
tença constitutiva...”. Já o art. 39, § 1º, do mesmo diploma, dispõe: “a adoção
é medida excepcional e irrevogável, à qual se deve recorrer apenas quando
esgotados os recursos de manutenção da criança ou adolescente na família
natural ou extensa, na forma do parágrafo único do art. 25 desta Lei.
Desta maneira, o ato jurídico em comento atribui à adotada a condição de
filha, de forma definitiva (art. 41, caput, do ECA), excepcional e irrevogável.
Portanto, visando preservar os interesses da adolescente, o ato é insuscetível de
eventuais impulsos comportamentais supervenientes, irrefletidos, ou oscilações
de ânimo e de anseios dos adotantes.
O que se pretende é a desconstituição dos efeitos de coisa julgada mate-
rial, em virtude de suposta impossibilidade do exercício dos deveres parentais,
matéria adstrita à ação rescisória, uma vez preenchidos os requisitos previstos
no art. 966, do Código de Processo Civil.
Ademais, o apelante, em sua tese de defesa, aduz: “É possível e acre-
ditamos que tais comportamentos estejam relacionados a traumas e transtor-
nos preexistentes da criança, oriundos de sua vivência antes da adoção. Esses
fatores estão dificultando a convivência familiar saudável, comprometendo o
desenvolvimento pleno de M.”.
No entanto, ao que se infere da sentença de fls. 174/180, antes que de-
cretasse a adoção, a menor residiu por mais de um ano com o casal adotante.
Ainda, o núcleo familiar passou por entrevistas pela equipe técnica judicial que
concluiu favoravelmente quanto ao procedimento.
Saliente-se que M. foi a adotada aos 11 anos de idade, sendo certo que
carrega consigo experiências e memórias de seu núcleo familiar de origem, pas-
846
síveis de observação pelo apelante.
Por fim, não se vislumbrando qualquer situação excepcional de revoga-
Jurisprudência - Câmara Especial ção da adoção, a r. sentença deve ser mantida.
Nesse sentido, precedentes jurisprudenciais desta C. Câmara Especial:
“APELAÇÃO. INFÂNCIA E JUVENTUDE. ADOÇÃO. IRREVOGA-
BILIDADE. Sentença que julgou extinta, sem resolução do mérito, ação que
visava à reversão da adoção. Irresignação dos demandantes. Efeitos da ado-
ção que são plenos e irreversíveis, em razão de sua irrevogabilidade. Inteli-
gência do art. 39, § 1º, do ECA. Natureza constitutiva do provimento judicial
de mérito, proferido nos autos da ação de adoção, acobertado pela autoridade
da coisa julgada material. Pretensão de desconstituição dos efeitos da senten-
ça que deve ser deduzida pelo manejo da ação rescisória. Precedentes do E.
STJ e do TJSP. Inadequação da via eleita. Recurso desprovido.” (TJSP; Ape-
lação Cível 1005929-97.2021.8.26.0248; Relatora: Daniela Cilento Morsello;
Órgão Julgador: Câmara Especial; Foro de Indaiatuba – 1ª Vara Criminal; Data
do Julgamento: 30/05/2022; Data de Registro: 30/05/2022).
“APELAÇÃO. Ação de revogação da adoção. Falta de interesse pro-
cessual. Natureza constitutiva do ato, de caráter excepcional e irrevogável.
Artigos 39, § 1º 41 e 47, § 7º, todos do ECA. Desconstituição dos efeitos da coi-
sa julgada material. Discussão afeta à ação rescisória, sujeita a prazo deca-
dencial. Precedentes. Situação excepcional. Inocorrência. Sentença mantida.
Recurso desprovido”. (TJSP; Apelação Cível 1010389-97.2019.8.26.0604; Re-
latora: Lídia Conceição; Órgão Julgador: Câmara Especial; Foro de Sumaré - 2ª
Vara Criminal; Data do Julgamento: 17/08/2020; Data de Registro: 17/08/2020).
Ante o exposto, NEGA-SE PROVIMENTO ao recurso.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1500090-90.2024.8.26.0357, da Comarca de (...), em que é apelante L.F.S. (MENOR), é
apelado MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO.
ACORDAM, em sessão permanente e virtual da Câmara Especial do Tri-
bunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “CONHECERAM
EM PARTE do recurso e, nessa parte, NEGARAM PROVIMENTO. V.U.”, de
conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão. (Voto nº 45.060)
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores BERE-
TTA DA SILVEIRA (VICE-PRESIDENTE) (Presidente) e DAMIÃO COGAN
(DECANO).
São Paulo, 15 de maio de 2025.
CAMARGO ARANHA FILHO, Relator e Presidente da Seção de Direito
847
Criminal
Ementa. DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLES-
Jurisprudência - Câmara Especial
CENTE. APELAÇÃO. ATO INFRACIONAL. LE-
SÃO CORPORAL CULPOSA, AMEAÇA, PER-
TURBAÇÃO AO SOSSEGO E VIAS DE FATO.
RECURSO PREJUDICADO EM PARTE E, NO
RESTANTE, DESPROVIDO.
I. CASO EM EXAME
1. Apelação contra r. sentença que julgou procedente
a representação e aplicou medida socioeducativa de
semiliberdade.
II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO
2. As questões em discussão consistem em saber: (i) se
há prova da materialidade e autoria dos atos infracio-
nais; (ii) se há tipicidade nas condutas de ameaça; (iii)
se deve ser reconhecida a inimputabilidade do ado-
lescente em razão de transtornos mentais; e, (iv) se é
juridicamente viável a aplicação de medida socioedu-
cativa mais branda.
III. RAZÕES DE DECIDIR
3. Materialidade e autoria devidamente comprova-
das pelo conjunto probatório carreado aos autos. Pa-
lavras das vítimas firmes e coesas, corroboradas por
testemunhas.
4. Prova que demonstra a vontade livre e consciente
de perturbar o trabalho e o sossego alheios. Gritaria
e algazarras promovidas pelo adolescente que atingi-
ram a tranquilidade de alunos, professores e funcio-
nários da escola.
5. Adolescente que ameaçou verbalmente as vítimas,
de forma livre e consciente, de causar-lhes mal injusto
e grave, atemorizando-as, tanto que registraram bole-
tim de ocorrência sobre o ocorrido. Dolo inequívoco.
6. Eventual reconhecimento da incapacidade mental
do adolescente que não acarretaria a improcedência
da representação.
7. Conversão da medida socioeducativa de semiliber-
dade por liberdade assistida já determinada pelo Juí-
zo da Execução.
IV. DISPOSITIVO E TESE
848
8. Recurso prejudicado em parte e, na parte conheci-
da, desprovido.
Jurisprudência - Câmara Especial Tese de Julgamento: “1. A suficiência de provas e a
idoneidade das ameaças justificam a manutenção da
sentença. 2. Transtornos mentais não excluem a res-
ponsabilidade, mas podem influenciar na aplicação
da medida socioeducativa.”
Dispositivos relevantes citados: ECA, art. 112, § 3º; CP,
arts. 129, § 6º, e 147; Lei nº 12.594/12, arts. 43, § 1º, II,
e 60, III; Decreto-Lei nº 3.688/41, arts. 21 e 42, inciso
I.
Jurisprudência relevante citada: STJ, AREsp n.
2.554.624/SE, Rel. Min. Daniela Teixeira, Quinta Tur-
ma, j. 27.11.2024.
VOTO
Trata-se de apelação interposta por L.F.S. contra r. sentença (fls. 336/348)
que julgou parcialmente procedente a representação, reconhecendo a prática de
atos infracionais equiparados aos crimes descritos nos artigos 147, caput, por
duas vezes, e 129, § 6º, ambos do Código Penal, e às contravenções penais
descritas nos artigos 21 e 42, inciso I, do Decreto-Lei 3.688/41, aplicando-lhe
medida socioeducativa de semiliberdade.
Em suas razões, busca a improcedência da representação, pela insuficiên-
cia de provas; quanto às ameaças, também pela atipicidade da conduta, porque
não teriam causado fundado temor às vítimas ou, no tocante àquela proferida
contra P.S.O., porque direcionada a bem patrimonial. Também postula a impro-
cedência da representação pelo reconhecimento de causa excludente de culpa-
bilidade e ilicitude, argumentando que o adolescente, em razão de seu estado
mental e da dependência química, não tinha integral condição de entender e
determinar-se de acordo com o caráter ilícito de sua conduta. Subsidiariamente,
pleiteia o abrandamento da medida socioeducativa imposta (fls. 368/383).
Mantida a r. sentença em juízo de retratação (fls. 384) e oferecidas con-
trarrazões (fls. 388/394), a douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo des-
provimento do apelo (fls. 433/441).
É o relatório.
Conheço em parte do recurso, presentes os requisitos de desenvolvimento
válido e regular e de admissibilidade para, na parte conhecida, negar-lhe provi-
mento.
Consta dos autos que, no dia (...), o adolescente L.F.S., agindo de forma
imprudente, arremessou uma faca em direção de seu irmão, E.G.A.S., causando-
lhe lesão corporal de natureza leve.
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Consta, ainda, que, no dia (...), L.F.S. ameaçou Y.P.S. dizendo que iria
jogar uma cadeira na cabeça dela e que iria rachar a sua cabeça; em seguida,
teria atrapalhado o bom andamento das aulas, promovendo algazarra e pertur-
Jurisprudência - Câmara Especial
bando os demais alunos.
Ainda, é descrito que, no dia (...), L.F.S. agrediu sua colega de classe,
P.S.O., com pontapés; e que no dia (...), L.F.S. ameaçou-a, dizendo que iria
quebrar seu celular, e que se a escola não resolver eu vou resolver do meu jeito.
A materialidade e a autoria dos atos infracionais ficaram sobejamente de-
monstradas pelos boletins e registros de ocorrência (fls. 09/10, 12/20, 31/32,
38/39, 41/44 e 59/60), pela ficha de atendimento ambulatorial (fl. 21), pelo lau-
do pericial (fls. 23/24) e pela prova oral colhida.
A vítima E.G.A.S., em depoimento especial, afirmou que o representado e
sua mãe discutiam, quando o chamou de um nome que não agradou ele e tinha a
faca do lado dele e ele tacou, mas não foi na minha perna, bateu no chão e, no
que movimentou o pé, a faca entrou. Disse que sente saudades do irmão.
A vítima Y.P.S., em depoimento especial, relatou que o representado
surtou do nada, explicando que às vezes você não podia falar com ele, ele
ameaçava. Registrou a ocorrência por questão de medo. Especificamente quan-
to aos fatos narrados na representação, afirmou que, após deixar a sala de aula,
para se afastar do representado, foi seguida por ele que surtou e começou a
gritar, ao que L.F.S. afirmou que iria estourar minha cabeça e que ia pegar um
revólver dentro da bolsa. No mais, contou que o representado a importunava,
puxando sua bolsa e seu cabelo, com toques no ombro e chutes cutucando, ex-
plicando que não era muito forte, mas incomodava. Ainda, afirmou ter visto o
representado ameaçando outro aluno, dizendo-lhe que iria tacar a cadeira nele.
Por fim, afirmou que L.F.S. ia para a escola apenas para perturbar, e que ele ia
fazendo isso de sala em sala, falando que ia matar todo mundo ali.
A vítima P.S.O., em depoimento especial, declarou que o representado era
muito provocativo e se irritava quando não lhe davam atenção; por essa razão,
certo dia ele a chutou na altura do quadril, através da cadeira, e quebrou sua
bolsa. Relatou os fatos à Diretora e à sua mãe, decidindo registrar a ocorrência.
Em outra oportunidade, enquanto mexia no seu telefone celular, o representado
puxava a cadeira do inspetor e supôs que o estaria filmando, pelo que a ameaçou
de que iria quebrar seu telefone e que se a escola não desse um jeito ele iria dar.
A testemunha G.F.A., colega de classe, em depoimento especial, disse
ter presenciado o representado assediando Y.P.S. e P.S.O. Afirmou ter assistido
L.F.S. puxar os cabelos das colegas, chutá-las, quebrar a bolsa de P.S.O. e segu-
rá-las pelos braços, impedindo-as de sair da sala. Acrescentou que o comporta-
mento do representado atrapalhava o bom andamento da aula.
A testemunha R.P.G., diretora da escola, afirmou que o representado cau-
sava tumulto e prejudicava seus colegas, além de perturbar outras turmas, alu-
850
nos e inspetores, muitas vezes impedindo os professores de ministrar as aulas.
Quanto a P.S.O., disse que a aluna relatou ter sido agredida com um chute e que
Jurisprudência - Câmara Especial teve sua bolsa quebrada pelo representado. Afirmou, ainda, que os relatos que
recebia davam conta de que as ocorrências tinham início sempre em razão da
indisciplina do representado.
A testemunha W.R.A.S., coordenadora na escola, contou que o represen-
tado não obedecia às regras da escola, incomodando a todos. Y.P.S. e P.S.O
queixavam-se de L.F.S.
A testemunha M.C.J.S., avó do representado, afirmou que o neto feriu o
irmão acidentalmente. Quanto aos fatos ocorridos na escola, disse que L.F.S.
queixava-se de suas colegas de classe, dizendo que elas o atormentavam, dizen-
do-lhe que foi preso e que ele não deveria estar na escola. Afirmou que o neto
contava que as provocações também provinham da diretora da escola, que lhe
dizia que deveria ficar em casa e que deveria tomar seus remédios. Disse que
seu neto é um menino excelente e que nunca deu trabalho.
A testemunha P.M., vizinha do apelante, disse que soube, pela mãe do
adolescente, que este teria atingido o irmão de forma acidental. Afirmou que ela
relatava que o filho vinha sendo vítima de bullying na escola, em razão de fazer
uso de remédios controlados.
A testemunha S.M.C. esclareceu não ter presenciado os fatos, mas soube
do episódio envolvendo o irmão do apelante. Tinha ciência de que o apelante
sofria bullying, diante dos problemas psiquiátricos que enfrentava.
A genitora do representado afirmou que o filho tem TDAH e tomava me-
dicamentos e que as meninas o chamavam de doido e diziam que ele não deve-
ria estar na escola. Argumentou que o filho sofre de depressão e tentou suicídio;
e que relatou à escola sobre a necessidade da ingestão dos medicamentos, mas
não teve apoio.
E o adolescente, ao ser ouvido em juízo, afirmou que nunca teve a inten-
ção de machucar seu irmão. Quanto aos fatos ocorridos na escola, afirmou sofrer
muito bullying, me chamavam de negro, falavam que eu não tinha que ficar na
escola, que era para eu tomar remédio. Negou ter ameaçado suas colegas Y.P.S.
e P.S.O., acreditando tratar-se de um mal-entendido; quanto ao fato de ter chuta-
do P.S.O., afirmou que estava com o pé na cadeira e o pé relou nela de novo, mas
sem intenção de agredi-la. Sofria de ansiedade e, por isso, saía muito da sala de
aula. Nunca desligou a energia da escola e seu tom de voz é mais alto.
Pela análise da prova, inviável a pretendida reforma da r. sentença.
De antemão, correta a desclassificação do ato infracional análogo ao cri-
me de lesão corporal para a forma culposa, uma vez que o conjunto probatório
é uníssono no sentido de que o representado não agiu com laedendi animus, de
ofender a integridade física de seu irmão, mas sim com imprudência, sem ob-
servar o dever de cuidado.
851
No tocante aos demais atos infracionais, as vítimas expuseram os fatos
ocorridos de maneira coerente e harmônica, e seus relatos foram corroborados
por testemunha presencial, que atestou ter visto o representado agredindo, im-
Jurisprudência - Câmara Especial
portunando e ameaçando Y.P.S. e P.S.O.; e pelas testemunhas R.P.G. e W.R.A.S.,
diretora e coordenadora da escola, que discorreram acerca das queixas recebidas
pelas vítimas e da conduta indisciplinada do adolescente, que perturbava a tran-
quilidade dos alunos, professores e funcionários da escola.
Ainda, evidente que as ameaças foram capazes de incutir fundado temor
às vítimas, tanto que registraram boletim de ocorrência. De todo modo, o crime
de ameaça é de natureza formal, consumando-se com a intimidação ou idonei-
dade intimidativa da ação, sendo desnecessário o efetivo temor da vítima ou a
ocorrência de um resultado lesivo. (AREsp n. 2.554.624/SE, Rel. Min. Daniela
Teixeira, Quinta Turma, j. em 27/11/2024).
Anote-se, ainda, que o bem jurídico tutelado pelo crime de ameaça – e
por seu correspondente ato infracional – é a tranquilidade psíquica e a liberdade
individual da vítima. Assim, certo é que a promessa de mal injusto e grave vol-
tada contra os bens da vítima tem o condão de violar o bem jurídico protegido.
No mais, a despeito dos transtornos mentais e comportamentais decor-
rentes do uso de drogas, não há indícios de que o representado, ao tempo dos
atos infracionais, não detinha consciência de suas ações. Além disso, em atenta
análise à audiência de instrução, percebe-se que respondeu a todas as indaga-
ções, inclusive, negando a prática de todos os atos infracionais que lhe foram
imputados na representação ministerial.
Assim, não se verificam elementos suficientes que comprovem a ausência
de consciência do representado.
De todo modo, o reconhecimento de eventual distúrbio mental que lhe
afetasse o discernimento no agir, tornando-o incapaz de entender o caráter ilí-
cito de suas atitudes, não ensejaria a improcedência da representação, e sim a
revisão da medida socioeducativa aplicada, conforme dispõe o artigo 112, § 3º,
do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Nesse sentido, considerando que a execução da medida socioeducativa
está em curso, não há nada que impeça à Defesa de comunicar eventual inadap-
tação ao programa ressocializador ou reivindicar qualquer tipo de tratamento de
saúde que lhe é devido, na forma dos artigos 43, § 1º, inciso II, e 60, inciso III,
ambos da Lei do SINASE.
Em arremate, como bem apontado na r. sentença, ainda que se admitisse a
veracidade da alegação da ocorrência de bullying – o que não é o caso –, tal não
lhe autorizaria “revidar” o que sofria através das atitudes praticadas.
Portanto, a procedência da representação, nos termos da r. sentença, era
mesmo de rigor.
A insurgência quanto à medida socioeducativa aplicada, como visto, não
será apreciada, uma vez que essa questão se tornou prejudicada com a substi-
851
tuição da semiliberdade por liberdade assistida no respectivo processo de exe-
cução.
Jurisprudência - Câmara Especial Ante o exposto, CONHEÇO EM PARTE do recurso e, nessa parte, NE-
GO-LHE PROVIMENTO.