Decisão 1201196-58.2024.8.26.0100

Processo: 1201196-58.2024.8.26.0100

Recurso: Apelação

Relator: Daniela Cilento Morsello;

Câmara julgadora:

Data do julgamento: 8 de maio de 2025

Ementa Técnica

APELAçãO – INFÂNCIA E JUVENTUDE. APELAÇÃO. DESCONSTITUIÇÃO DE ADOÇÃO. RECURSO DESPROVIDO. I. Caso em Exame 1. Recurso de apelação interposto por F.A.M. da S. contra M.B.M. da S., pretendendo a desconstituição de adoção. A sentença julgou extinto o processo, sem resolução do mérito, com base nos artigos 330, III e 485, inciso I, do Código de Processo Civil. O apelante alega que a irrevogabilidade da adoção pode ser afas- tada quando prejudicial à menor e à família adotante. II. Questão em Discussão 2. A questão em discussão consiste em determinar se a adoção pode ser desconstituída. III. Razões de Decidir 844 3. A adoção é irrevogável e produz efeitos a partir do trânsito em julgado da sentença constitutiva, confor- Jurisprudência - Câmara Especial me o Estatuto da Criança e do Adolescente. 4. A desconstituição dos efeitos de coisa julgada mate- rial deve ser deduzida por ação rescisória, não sendo cabível na via processual escolhida. IV. Dispositivo e Tese 5. Recurso desprovido. Tese de julgamento: 1. A adoção é irrevogável e seus efeitos são plenos e irreversíveis. 2. A desconstituição dos efeitos da sentença deve ser deduzida por ação rescisória. Legislação Citada: CPC, arts. 330, III e 485, inciso I; arte. 966; ECA, arts. 39, § 1º, 41, caput, e 47, § 7º. Jurisprudência Citada: TJSP, Apelação Cível 1005929-97.2021.8.26.0248, Rel. Daniela Cilento Mor- sello, Câmara Especial, j. 30/05/2022; TJSP, Apelação Cível 1010389-97.2019.8.26.0604, Rel. Lídia Concei- ção, Câmara Especial, j. 17/08/2020.(TJSP; Processo nº 1201196-58.2024.8.26.0100; Recurso: Apelação; Relator: Daniela Cilento Morsello;; Data do Julgamento: 8 de maio de 2025)

Voto / Fundamentação

, em sessão permanente e virtual da Câmara Especial do Tri- bunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimen- to ao recurso. V.U.”, de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão. (Voto nº 69.826) O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores BERE- TTA DA SILVEIRA (VICE-PRESIDENTE) (Presidente) e CAMARGO ARA- NHA FILHO (PRESIDENTE DA SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL). São Paulo, 8 de maio de 2025. HERALDO DE OLIVEIRA, Relator e Presidente da Seção de Direito Privado


Ementa: INFÂNCIA E JUVENTUDE. APELAÇÃO. DESCONSTITUIÇÃO DE ADOÇÃO. RECURSO DESPROVIDO. I. Caso em Exame 1. Recurso de apelação interposto por F.A.M. da S. contra M.B.M. da S., pretendendo a desconstituição de adoção. A sentença julgou extinto o processo, sem resolução do mérito, com base nos artigos 330, III e 485, inciso I, do Código de Processo Civil. O apelante alega que a irrevogabilidade da adoção pode ser afas- tada quando prejudicial à menor e à família adotante. II. Questão em Discussão 2. A questão em discussão consiste em determinar se a adoção pode ser desconstituída. III. Razões de Decidir 844 3. A adoção é irrevogável e produz efeitos a partir do trânsito em julgado da sentença constitutiva, confor- Jurisprudência - Câmara Especial me o Estatuto da Criança e do Adolescente. 4. A desconstituição dos efeitos de coisa julgada mate- rial deve ser deduzida por ação rescisória, não sendo cabível na via processual escolhida. IV. Dispositivo e Tese 5. Recurso desprovido. Tese de julgamento: 1. A adoção é irrevogável e seus efeitos são plenos e irreversíveis. 2. A desconstituição dos efeitos da sentença deve ser deduzida por ação rescisória. Legislação Citada: CPC, arts. 330, III e 485, inciso I; arte. 966; ECA, arts. 39, § 1º, 41, caput, e 47, § 7º. Jurisprudência Citada: TJSP, Apelação Cível 1005929-97.2021.8.26.0248, Rel. Daniela Cilento Mor- sello, Câmara Especial, j. 30/05/2022; TJSP, Apelação Cível 1010389-97.2019.8.26.0604, Rel. Lídia Concei- ção, Câmara Especial, j. 17/08/2020.





VOTO

Cuida-se de recurso de apelação, nos autos da ação de suspensão provi- sória do poder familiar para desconstituição de adoção proposta por F. A. M. da S. contra M. B. M. da S. A r. sentença de fls. 219/222 julgou extinto o processo, sem resolução do mérito, nos termos dos artigos 330, III e 485, inciso I, do Có- digo de Processo Civil. Apela o requerente, alegando que a irrevogabilidade não é absoluta, po- dendo ser afastada quando a manutenção da medida não for apta a satisfazer os princípios da proteção integral e do melhor interesse da criança. Afirma que a manutenção da adoção tem se mostrado prejudicial à menor e à família adotante, porquanto o convívio entre a menor e mãe adotiva é marcado por violência e desrespeito, gerando um ambiente insustentável. Pleiteia a concessão da tutela de urgência recursal, para determinar seja realizado estudos sociais e psicoló- gicos no núcleo familiar, de forma a sustentar o presente processo, e o pedido de suspensão provisória do poder familiar e/ou revogação da adoção. Ao final, pugna pelo provimento do recurso (fls. 234/241). Parecer do Ministério Público às fls. 246/249. A D. Procuradoria Geral de Justiça se manifestou pelo desprovimento do recurso (fls. 262/266). É o relatório. Ex ante, com o julgamento da apelação, fica prejudicado o pedido de 845 tutela de urgência. O autor ajuizou a presente ação pretendendo, em última análise, a des- constituição da adoção da adolescente M. B. M. S. Jurisprudência - Câmara Especial Consta da narrativa dos fatos que o autor e sua esposa adotaram M. B. M. S., por meio de decisão judicial proferida pela Vara da Infância e da Juventude do Foro Regional do Ipiranga/SP (Processo (...)). Referido processo extinguiu o poder familiar da genitora M. E. da S, concedendo a adoção aos requerentes, e alterando o nome da adolescente (fls. 174/180). A sentença transitou em jul- gado em 29.02.2024 (fls. 185). Apesar do empenho do casal em oferecer um lar estável à menor, ao longo do convívio familiar, a menor começou a apresentar comportamentos rebeldes e violentos, que se agravaram com o tempo, além de se recusar a frequentar a escola. Diante disso, considerando a gravidade da situação, ingressou com a presente ação. Não obstante as alegações do apelante, a pretensão deduzida encontra óbice legal e insuperável nesta via processual escolhida. Conforme preconiza o artigo 47, § 7º, do Estatuto da Criança e do Ado- lescente, “a adoção produz seus efeitos a partir do trânsito em julgado da sen- tença constitutiva...”. Já o art. 39, § 1º, do mesmo diploma, dispõe: “a adoção é medida excepcional e irrevogável, à qual se deve recorrer apenas quando esgotados os recursos de manutenção da criança ou adolescente na família natural ou extensa, na forma do parágrafo único do art. 25 desta Lei. Desta maneira, o ato jurídico em comento atribui à adotada a condição de filha, de forma definitiva (art. 41, caput, do ECA), excepcional e irrevogável. Portanto, visando preservar os interesses da adolescente, o ato é insuscetível de eventuais impulsos comportamentais supervenientes, irrefletidos, ou oscilações de ânimo e de anseios dos adotantes. O que se pretende é a desconstituição dos efeitos de coisa julgada mate- rial, em virtude de suposta impossibilidade do exercício dos deveres parentais, matéria adstrita à ação rescisória, uma vez preenchidos os requisitos previstos no art. 966, do Código de Processo Civil. Ademais, o apelante, em sua tese de defesa, aduz: “É possível e acre- ditamos que tais comportamentos estejam relacionados a traumas e transtor- nos preexistentes da criança, oriundos de sua vivência antes da adoção. Esses fatores estão dificultando a convivência familiar saudável, comprometendo o desenvolvimento pleno de M.”. No entanto, ao que se infere da sentença de fls. 174/180, antes que de- cretasse a adoção, a menor residiu por mais de um ano com o casal adotante. Ainda, o núcleo familiar passou por entrevistas pela equipe técnica judicial que concluiu favoravelmente quanto ao procedimento. Saliente-se que M. foi a adotada aos 11 anos de idade, sendo certo que carrega consigo experiências e memórias de seu núcleo familiar de origem, pas- 846 síveis de observação pelo apelante. Por fim, não se vislumbrando qualquer situação excepcional de revoga- Jurisprudência - Câmara Especial ção da adoção, a r. sentença deve ser mantida. Nesse sentido, precedentes jurisprudenciais desta C. Câmara Especial: “APELAÇÃO. INFÂNCIA E JUVENTUDE. ADOÇÃO. IRREVOGA- BILIDADE. Sentença que julgou extinta, sem resolução do mérito, ação que visava à reversão da adoção. Irresignação dos demandantes. Efeitos da ado- ção que são plenos e irreversíveis, em razão de sua irrevogabilidade. Inteli- gência do art. 39, § 1º, do ECA. Natureza constitutiva do provimento judicial de mérito, proferido nos autos da ação de adoção, acobertado pela autoridade da coisa julgada material. Pretensão de desconstituição dos efeitos da senten- ça que deve ser deduzida pelo manejo da ação rescisória. Precedentes do E. STJ e do TJSP. Inadequação da via eleita. Recurso desprovido.” (TJSP; Ape- lação Cível 1005929-97.2021.8.26.0248; Relatora: Daniela Cilento Morsello; Órgão Julgador: Câmara Especial; Foro de Indaiatuba – 1ª Vara Criminal; Data do Julgamento: 30/05/2022; Data de Registro: 30/05/2022). “APELAÇÃO. Ação de revogação da adoção. Falta de interesse pro- cessual. Natureza constitutiva do ato, de caráter excepcional e irrevogável. Artigos 39, § 1º 41 e 47, § 7º, todos do ECA. Desconstituição dos efeitos da coi- sa julgada material. Discussão afeta à ação rescisória, sujeita a prazo deca- dencial. Precedentes. Situação excepcional. Inocorrência. Sentença mantida. Recurso desprovido”. (TJSP; Apelação Cível 1010389-97.2019.8.26.0604; Re- latora: Lídia Conceição; Órgão Julgador: Câmara Especial; Foro de Sumaré - 2ª Vara Criminal; Data do Julgamento: 17/08/2020; Data de Registro: 17/08/2020). Ante o exposto, NEGA-SE PROVIMENTO ao recurso. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1500090-90.2024.8.26.0357, da Comarca de (...), em que é apelante L.F.S. (MENOR), é apelado MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO. ACORDAM, em sessão permanente e virtual da Câmara Especial do Tri- bunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “CONHECERAM EM PARTE do recurso e, nessa parte, NEGARAM PROVIMENTO. V.U.”, de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão. (Voto nº 45.060) O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores BERE- TTA DA SILVEIRA (VICE-PRESIDENTE) (Presidente) e DAMIÃO COGAN (DECANO). São Paulo, 15 de maio de 2025. CAMARGO ARANHA FILHO, Relator e Presidente da Seção de Direito 847 Criminal Ementa. DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLES- Jurisprudência - Câmara Especial CENTE. APELAÇÃO. ATO INFRACIONAL. LE- SÃO CORPORAL CULPOSA, AMEAÇA, PER- TURBAÇÃO AO SOSSEGO E VIAS DE FATO. RECURSO PREJUDICADO EM PARTE E, NO RESTANTE, DESPROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Apelação contra r. sentença que julgou procedente a representação e aplicou medida socioeducativa de semiliberdade. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. As questões em discussão consistem em saber: (i) se há prova da materialidade e autoria dos atos infracio- nais; (ii) se há tipicidade nas condutas de ameaça; (iii) se deve ser reconhecida a inimputabilidade do ado- lescente em razão de transtornos mentais; e, (iv) se é juridicamente viável a aplicação de medida socioedu- cativa mais branda. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. Materialidade e autoria devidamente comprova- das pelo conjunto probatório carreado aos autos. Pa- lavras das vítimas firmes e coesas, corroboradas por testemunhas. 4. Prova que demonstra a vontade livre e consciente de perturbar o trabalho e o sossego alheios. Gritaria e algazarras promovidas pelo adolescente que atingi- ram a tranquilidade de alunos, professores e funcio- nários da escola. 5. Adolescente que ameaçou verbalmente as vítimas, de forma livre e consciente, de causar-lhes mal injusto e grave, atemorizando-as, tanto que registraram bole- tim de ocorrência sobre o ocorrido. Dolo inequívoco. 6. Eventual reconhecimento da incapacidade mental do adolescente que não acarretaria a improcedência da representação. 7. Conversão da medida socioeducativa de semiliber- dade por liberdade assistida já determinada pelo Juí- zo da Execução. IV. DISPOSITIVO E TESE 848 8. Recurso prejudicado em parte e, na parte conheci- da, desprovido. Jurisprudência - Câmara Especial Tese de Julgamento: “1. A suficiência de provas e a idoneidade das ameaças justificam a manutenção da sentença. 2. Transtornos mentais não excluem a res- ponsabilidade, mas podem influenciar na aplicação da medida socioeducativa.” Dispositivos relevantes citados: ECA, art. 112, § 3º; CP, arts. 129, § 6º, e 147; Lei nº 12.594/12, arts. 43, § 1º, II, e 60, III; Decreto-Lei nº 3.688/41, arts. 21 e 42, inciso I. Jurisprudência relevante citada: STJ, AREsp n. 2.554.624/SE, Rel. Min. Daniela Teixeira, Quinta Tur- ma, j. 27.11.2024. VOTO Trata-se de apelação interposta por L.F.S. contra r. sentença (fls. 336/348) que julgou parcialmente procedente a representação, reconhecendo a prática de atos infracionais equiparados aos crimes descritos nos artigos 147, caput, por duas vezes, e 129, § 6º, ambos do Código Penal, e às contravenções penais descritas nos artigos 21 e 42, inciso I, do Decreto-Lei 3.688/41, aplicando-lhe medida socioeducativa de semiliberdade. Em suas razões, busca a improcedência da representação, pela insuficiên- cia de provas; quanto às ameaças, também pela atipicidade da conduta, porque não teriam causado fundado temor às vítimas ou, no tocante àquela proferida contra P.S.O., porque direcionada a bem patrimonial. Também postula a impro- cedência da representação pelo reconhecimento de causa excludente de culpa- bilidade e ilicitude, argumentando que o adolescente, em razão de seu estado mental e da dependência química, não tinha integral condição de entender e determinar-se de acordo com o caráter ilícito de sua conduta. Subsidiariamente, pleiteia o abrandamento da medida socioeducativa imposta (fls. 368/383). Mantida a r. sentença em juízo de retratação (fls. 384) e oferecidas con- trarrazões (fls. 388/394), a douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo des- provimento do apelo (fls. 433/441). É o relatório. Conheço em parte do recurso, presentes os requisitos de desenvolvimento válido e regular e de admissibilidade para, na parte conhecida, negar-lhe provi- mento. Consta dos autos que, no dia (...), o adolescente L.F.S., agindo de forma imprudente, arremessou uma faca em direção de seu irmão, E.G.A.S., causando- lhe lesão corporal de natureza leve. 849 Consta, ainda, que, no dia (...), L.F.S. ameaçou Y.P.S. dizendo que iria jogar uma cadeira na cabeça dela e que iria rachar a sua cabeça; em seguida, teria atrapalhado o bom andamento das aulas, promovendo algazarra e pertur- Jurisprudência - Câmara Especial bando os demais alunos. Ainda, é descrito que, no dia (...), L.F.S. agrediu sua colega de classe, P.S.O., com pontapés; e que no dia (...), L.F.S. ameaçou-a, dizendo que iria quebrar seu celular, e que se a escola não resolver eu vou resolver do meu jeito. A materialidade e a autoria dos atos infracionais ficaram sobejamente de- monstradas pelos boletins e registros de ocorrência (fls. 09/10, 12/20, 31/32, 38/39, 41/44 e 59/60), pela ficha de atendimento ambulatorial (fl. 21), pelo lau- do pericial (fls. 23/24) e pela prova oral colhida. A vítima E.G.A.S., em depoimento especial, afirmou que o representado e sua mãe discutiam, quando o chamou de um nome que não agradou ele e tinha a faca do lado dele e ele tacou, mas não foi na minha perna, bateu no chão e, no que movimentou o pé, a faca entrou. Disse que sente saudades do irmão. A vítima Y.P.S., em depoimento especial, relatou que o representado surtou do nada, explicando que às vezes você não podia falar com ele, ele ameaçava. Registrou a ocorrência por questão de medo. Especificamente quan- to aos fatos narrados na representação, afirmou que, após deixar a sala de aula, para se afastar do representado, foi seguida por ele que surtou e começou a gritar, ao que L.F.S. afirmou que iria estourar minha cabeça e que ia pegar um revólver dentro da bolsa. No mais, contou que o representado a importunava, puxando sua bolsa e seu cabelo, com toques no ombro e chutes cutucando, ex- plicando que não era muito forte, mas incomodava. Ainda, afirmou ter visto o representado ameaçando outro aluno, dizendo-lhe que iria tacar a cadeira nele. Por fim, afirmou que L.F.S. ia para a escola apenas para perturbar, e que ele ia fazendo isso de sala em sala, falando que ia matar todo mundo ali. A vítima P.S.O., em depoimento especial, declarou que o representado era muito provocativo e se irritava quando não lhe davam atenção; por essa razão, certo dia ele a chutou na altura do quadril, através da cadeira, e quebrou sua bolsa. Relatou os fatos à Diretora e à sua mãe, decidindo registrar a ocorrência. Em outra oportunidade, enquanto mexia no seu telefone celular, o representado puxava a cadeira do inspetor e supôs que o estaria filmando, pelo que a ameaçou de que iria quebrar seu telefone e que se a escola não desse um jeito ele iria dar. A testemunha G.F.A., colega de classe, em depoimento especial, disse ter presenciado o representado assediando Y.P.S. e P.S.O. Afirmou ter assistido L.F.S. puxar os cabelos das colegas, chutá-las, quebrar a bolsa de P.S.O. e segu- rá-las pelos braços, impedindo-as de sair da sala. Acrescentou que o comporta- mento do representado atrapalhava o bom andamento da aula. A testemunha R.P.G., diretora da escola, afirmou que o representado cau- sava tumulto e prejudicava seus colegas, além de perturbar outras turmas, alu- 850 nos e inspetores, muitas vezes impedindo os professores de ministrar as aulas. Quanto a P.S.O., disse que a aluna relatou ter sido agredida com um chute e que Jurisprudência - Câmara Especial teve sua bolsa quebrada pelo representado. Afirmou, ainda, que os relatos que recebia davam conta de que as ocorrências tinham início sempre em razão da indisciplina do representado. A testemunha W.R.A.S., coordenadora na escola, contou que o represen- tado não obedecia às regras da escola, incomodando a todos. Y.P.S. e P.S.O queixavam-se de L.F.S. A testemunha M.C.J.S., avó do representado, afirmou que o neto feriu o irmão acidentalmente. Quanto aos fatos ocorridos na escola, disse que L.F.S. queixava-se de suas colegas de classe, dizendo que elas o atormentavam, dizen- do-lhe que foi preso e que ele não deveria estar na escola. Afirmou que o neto contava que as provocações também provinham da diretora da escola, que lhe dizia que deveria ficar em casa e que deveria tomar seus remédios. Disse que seu neto é um menino excelente e que nunca deu trabalho. A testemunha P.M., vizinha do apelante, disse que soube, pela mãe do adolescente, que este teria atingido o irmão de forma acidental. Afirmou que ela relatava que o filho vinha sendo vítima de bullying na escola, em razão de fazer uso de remédios controlados. A testemunha S.M.C. esclareceu não ter presenciado os fatos, mas soube do episódio envolvendo o irmão do apelante. Tinha ciência de que o apelante sofria bullying, diante dos problemas psiquiátricos que enfrentava. A genitora do representado afirmou que o filho tem TDAH e tomava me- dicamentos e que as meninas o chamavam de doido e diziam que ele não deve- ria estar na escola. Argumentou que o filho sofre de depressão e tentou suicídio; e que relatou à escola sobre a necessidade da ingestão dos medicamentos, mas não teve apoio. E o adolescente, ao ser ouvido em juízo, afirmou que nunca teve a inten- ção de machucar seu irmão. Quanto aos fatos ocorridos na escola, afirmou sofrer muito bullying, me chamavam de negro, falavam que eu não tinha que ficar na escola, que era para eu tomar remédio. Negou ter ameaçado suas colegas Y.P.S. e P.S.O., acreditando tratar-se de um mal-entendido; quanto ao fato de ter chuta- do P.S.O., afirmou que estava com o pé na cadeira e o pé relou nela de novo, mas sem intenção de agredi-la. Sofria de ansiedade e, por isso, saía muito da sala de aula. Nunca desligou a energia da escola e seu tom de voz é mais alto. Pela análise da prova, inviável a pretendida reforma da r. sentença. De antemão, correta a desclassificação do ato infracional análogo ao cri- me de lesão corporal para a forma culposa, uma vez que o conjunto probatório é uníssono no sentido de que o representado não agiu com laedendi animus, de ofender a integridade física de seu irmão, mas sim com imprudência, sem ob- servar o dever de cuidado. 851 No tocante aos demais atos infracionais, as vítimas expuseram os fatos ocorridos de maneira coerente e harmônica, e seus relatos foram corroborados por testemunha presencial, que atestou ter visto o representado agredindo, im- Jurisprudência - Câmara Especial portunando e ameaçando Y.P.S. e P.S.O.; e pelas testemunhas R.P.G. e W.R.A.S., diretora e coordenadora da escola, que discorreram acerca das queixas recebidas pelas vítimas e da conduta indisciplinada do adolescente, que perturbava a tran- quilidade dos alunos, professores e funcionários da escola. Ainda, evidente que as ameaças foram capazes de incutir fundado temor às vítimas, tanto que registraram boletim de ocorrência. De todo modo, o crime de ameaça é de natureza formal, consumando-se com a intimidação ou idonei- dade intimidativa da ação, sendo desnecessário o efetivo temor da vítima ou a ocorrência de um resultado lesivo. (AREsp n. 2.554.624/SE, Rel. Min. Daniela Teixeira, Quinta Turma, j. em 27/11/2024). Anote-se, ainda, que o bem jurídico tutelado pelo crime de ameaça – e por seu correspondente ato infracional – é a tranquilidade psíquica e a liberdade individual da vítima. Assim, certo é que a promessa de mal injusto e grave vol- tada contra os bens da vítima tem o condão de violar o bem jurídico protegido. No mais, a despeito dos transtornos mentais e comportamentais decor- rentes do uso de drogas, não há indícios de que o representado, ao tempo dos atos infracionais, não detinha consciência de suas ações. Além disso, em atenta análise à audiência de instrução, percebe-se que respondeu a todas as indaga- ções, inclusive, negando a prática de todos os atos infracionais que lhe foram imputados na representação ministerial. Assim, não se verificam elementos suficientes que comprovem a ausência de consciência do representado. De todo modo, o reconhecimento de eventual distúrbio mental que lhe afetasse o discernimento no agir, tornando-o incapaz de entender o caráter ilí- cito de suas atitudes, não ensejaria a improcedência da representação, e sim a revisão da medida socioeducativa aplicada, conforme dispõe o artigo 112, § 3º, do Estatuto da Criança e do Adolescente. Nesse sentido, considerando que a execução da medida socioeducativa está em curso, não há nada que impeça à Defesa de comunicar eventual inadap- tação ao programa ressocializador ou reivindicar qualquer tipo de tratamento de saúde que lhe é devido, na forma dos artigos 43, § 1º, inciso II, e 60, inciso III, ambos da Lei do SINASE. Em arremate, como bem apontado na r. sentença, ainda que se admitisse a veracidade da alegação da ocorrência de bullying – o que não é o caso –, tal não lhe autorizaria “revidar” o que sofria através das atitudes praticadas. Portanto, a procedência da representação, nos termos da r. sentença, era mesmo de rigor. A insurgência quanto à medida socioeducativa aplicada, como visto, não será apreciada, uma vez que essa questão se tornou prejudicada com a substi- 851 tuição da semiliberdade por liberdade assistida no respectivo processo de exe- cução. Jurisprudência - Câmara Especial Ante o exposto, CONHEÇO EM PARTE do recurso e, nessa parte, NE- GO-LHE PROVIMENTO.