Decisão 1500815-92.2022.8.26.0052

Processo: 1500815-92.2022.8.26.0052

Recurso: Apelação

Relator: EDISON BRANDÃO

Câmara julgadora: Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça

Data do julgamento: 13 de maio de 2025

Ementa Técnica

APELAçãO – APELAÇÃO - HOMICÍDIO DUPLAMEN- TE QUALIFICADO - Recursos, ministerial e defensi- vo, buscando a anulação do julgamento por ter sido a decisão manifestamente contrária à prova dos autos, que demonstrou que os réus estavam juntos no dia dos fatos, tanto que vistos juntos em horário próxi- mo ao do crime - Decisão manifestamente contrária à prova dos autos - Ocorrência - Provimento dos recur- sos para anulação do julgamento com determinação de nova submissão ao Tribunal do Júri.(TJSP; Processo nº 1500815-92.2022.8.26.0052; Recurso: Apelação; Relator: EDISON BRANDÃO; Data do Julgamento: 13 de maio de 2025)

Voto / Fundamentação

, em 4ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento aos recursos. V. U. Usou da palavra o Exmo. Procurador de Justiça, Dr. Marcio Sergio Christino. Sustentaram oralmente os Ilmos. advs. Dr. Mauro da Costa Ribas Junior e Eu- genio Carlo Balliano Malavasi.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. (Voto nº 53.532) O julgamento teve a participação dos Exmo. Desembargadores LUIS SOARES DE MELLO (Presidente) E ROBERTO PORTO. São Paulo, 13 de maio de 2025. EDISON BRANDÃO, Relator


Ementa: APELAÇÃO - HOMICÍDIO DUPLAMEN- TE QUALIFICADO - Recursos, ministerial e defensi- vo, buscando a anulação do julgamento por ter sido a decisão manifestamente contrária à prova dos autos, que demonstrou que os réus estavam juntos no dia dos fatos, tanto que vistos juntos em horário próxi- mo ao do crime - Decisão manifestamente contrária à prova dos autos - Ocorrência - Provimento dos recur- sos para anulação do julgamento com determinação de nova submissão ao Tribunal do Júri.





VOTO

Cuida-se de recursos de apelação interpostos por R. V. e pelo MINISTÉ- RIO PÚBLICO contra a r. sentença de fls. 2114/2116 que, absolvendo R. R. DE S., condenou o primeiro por incursão ao art. 121, § 2º, IV, do Código Penal, a 19 anos de reclusão, em regime inicial fechado. Consta da denúncia, resumidamente, que no dia 26 de junho de 2022, por volta das 15h40, agindo em concurso de agentes, por motivo torpe e mediante recurso que dificultou a defesa da vítima, R. e R., absolvido, mataram S. de A. mediante disparos de arma de fogo. Segundo apurado, R. era agiota e, neste afa- zer, realizava empréstimos a comerciantes da zona norte da capital, com juros altos, e efetuava cobranças de maneira agressiva e violenta. R., policial militar na ativa, trabalhava para R., utilizando de sua função pública para intimidar e pressionar os comerciantes a pagarem suas dívidas. A vítima S., por sua vez, 600 também era agiota. Inicialmente trabalhava para R. e, posteriormente, vislum- brando um maior lucro do negócio ilícito e aproveitando-se da relação mais próxima que passou a exercer com a clientela (comerciantes locais), passou a Jurisprudência - Seção de Direito Criminal trabalhar por conta própria, na mesma região de R., exercendo forte concorrên- cia. Não aceitando a concorrência e verificando que estava perdendo parte de seus clientes, R. deliberou matar S. e para tanto acionou R., policial militar que trabalhava ilegalmente para ele e, na data dos fatos, depois de se aproximarem do veículo do ofendido e desembarcarem do que estavam, passaram a efetuar diversos disparos contra a vítima, matando-a por motivo torpe, em razão de uma disputa por ponto de agiotagem e mediante recurso que dificultou a defesa da vítima, colhida de surpresa (fls. 319/321). Inconformado, o MINISTÉRIO PÚBLICO quer a anulação do julgamen- to em relação a R., por ter sido sua absolvição manifestamente contrária à prova dos autos (fls. 2170/2186). R., que já havia sido condenado no julgamento anterior, anulado apenas porque não foi apresentado em roupas civis, aponta preliminar de nulidade ale- gando contradição entre os quesitos e as respostas dos jurados, pois sendo ine- quívoco que ambos os réus estavam juntos no dia dos fatos, a absolvição de um deveria levar à absolvição do outro, inclusive porque ambos negaram a autoria. No mérito reclama ter sido a decisão dos jurados manifestamente contrária a prova dos autos, que demonstrou que ambos estavam juntos no dia dos fatos e, alternativamente ao pleito de submissão a novo julgamento por seus pares, re- clama refazimento da dosimetria com desconsideração da condenação superada pelo quinquênio depurador na primeira fase e, na segunda, o afastamento do acréscimo em razão da reincidência, instituto não recepcionado pela Constitui- ção Cidadã (fls. 2218/2253). Ofertadas as contrarrazões (fls. 2197/2201 e 2258/2270), o parecer da Douta Procuradoria Geral de Justiça foi pelo provimento, somente, do recurso ministerial (fls. 2295/2314). Relatei. Não existe nulidade alguma na quesitação, tanto que sequer houve insur- gência defensiva com superveniência da preclusão, tratando-se a preliminar de questão que se confunde com o mérito, já que a alegação é sobre a contradição nas respostas, sem qualquer relação com a forma como os quesitos foram apre- sentados. Confundindo-se, assim, a preliminar, com o mérito, com ele será anali- sada. Trata-se de recursos interpostos pela zelosa representante do Ministério Público e pela combativa defesa de R. que, pelo mesmo motivo, buscam nova submissão dos réus a julgamento pelo Tribunal do Júri alegando ter sido a deci- são dos jurados manifestamente contrária à prova dos autos. Em primeiro lugar cabe enfatizar que na presente sede recursal, em se 600 tratando de matéria de competência do Tribunal do Júri, não é permitida me- ticulosa e profunda valoração das provas, sob pena de se ofender o princípio constitucional da soberania dos veredictos. Compete verificar, única e tão somente, se a decisão foi proferida com fundamento nos elementos de prova constantes nos autos. Ambos recorrentes, apoiados nas provas colhidas, defendem ter ficado claro que os réus estavam juntos no momento dos fatos - quando dois sujeitos desembarcaram de um veículo e desferiram diversos disparos fatais entenden- do, por isso, o Ministério Público, que ambos deveriam ter sido condenados Jurisprudência - Seção de Direito Criminal enquanto a Defesa, que alega que ambos estavam em outro lugar, entende que ambos deveriam ter sido absolvidos sendo, portanto, a decisão dos jurados ma- nifestamente contrária à prova dos autos. Note-se que na Lei não existem palavras inúteis. Segundo o léxico, ma- nifestamente quer dizer aquilo que é patente, claro, salta aos olhos como acon- tecimento. A materialidade é indiscutível e, como bem apontado, está sobejamente provada no auto de exibição e apreensão do veículo utilizado pelos réus (fls. 19); nas fotografias do veículo da vítima e de seu cadáver (fls. 21/27); na recognição visuográfica (fls. 29/48); perícia dos estojos balísticos (fls. 208/214); laudo dos celulares com extração dos dados por meio do programa Cellebrite (fls. 652 e 1346/13560); laudo com fotografias dos armamentos apreendidos na casa de R., quais sejam 6 pistolas, 1 revólver, 1 carabina, 15 carregadores e quase 800 projéteis (fls. 656/672); laudo do celular de R. (em nome de sua filha M. V. (fls. 673/759); laudo do celular da vítima (fls. 761/856); laudo dos documentos das armas (fls. 857/871); laudo das algemas apreendidas na casa de R. (fls. 882); laudo do caderno de contabilidade apreendido na casa de R. (fls. 885/893); lau- do com documentos de confissões de dívidas apreendido na casa de R. (fls. 933/939); laudos coletes balísticos apreendidos na casa de R. (fls. 941); laudo de exame necroscópico da vítima (fls. 947/953 e croqui do corpo a fls. 1320/1322); laudo balístico (fls. 1060/1081) e laudo de local (fls. 1156/1192). Diante da prova que foi exibida ao Conselho de Sentença, os jurados admitiram a autoria delitiva em relação a R., mas a negaram em relação a R. hi- pótese em que, sem que se invada o soberano terreno da decisão do Tribunal do Júri, existe a possibilidade de que a decisão tenha sido manifestamente contrária à prova dos autos, embora não seja impossível, nem incomum, a absolvição de um réu e a condenação de outro. As respostas dos jurados, contraditórias diante das provas, como afirmam os apelantes, apontam a necessidade de nova submissão dos réus para que os jurados voltem a se manifestar sobre o caso, já que a decisão não é irrevogável ou absoluta. Segundo a denúncia, R. era agiota, realizava empréstimos a comerciantes com juros altos e efetuava cobranças de maneira agressiva e violenta com apoio, inclusive, do policial militar R., que utilizava de sua função pública para intimi- dar e pressionar os devedores. A vítima S. também era agiota e havia trabalhado para R., mas em busca de lucro maior e aproveitando-se da relação que adquiriu com os comerciantes, resolveu trabalhar por conta própria na mesma região de R., com ele concorrendo. Como estava perdendo clientes, R. teria deliberado matar S. e, para tanto, teria acionado R., policial militar que trabalhava ilegalmente para ele e, no mo- Jurisprudência - Seção de Direito Criminal mento em que o ofendido parou o veículo na via pública, segundo a acusação, os réus desembarcaram do veículo que o seguia e efetuaram diversos disparos de arma de fogo que o levaram a óbito. Segundo apurado, pouco depois dos fatos, os réus estacionaram o veículo nas proximidades e dele desembarcaram e, por isso, os apelantes e a denúncia indicam que eles estavam juntos no momento do crime. O Ministério Público entende que estavam juntos, praticando o crime en- quanto a defesa do apelante garante que estavam juntos, mas em outro local. Depois de responderam afirmativamente ao primeiro quesito de cada sé- rie: “1. No dia 26 de junho de 2022, por volta de 15h40, na Rua ..., altura do nº. ..., Jardim Joamar, nesta cidade e comarca da Capital, a vítima S. de A. recebeu disparos de arma de fogo que lhe causaram os ferimentos descritos no laudo do exame necroscópico de fls. 947/950 que foram a causa de sua morte?”, os jurados trouxeram respostas diferentes ao segundo: “2. O réu R. V. foi um dos autores da conduta descrita no item anterior?” (fls. 2110) - sim e “2. O réu R. R. DE S. foi um dos autores da conduta descrita no item Anterior?” (fls. 2111) - não, estando neste ponto a contrariedade. Não se olvida ser possível e, aliás, comum, a absolvição de um réu e a condenação de outro, mas a preservação de um resultado em detrimento do ou- tro, na hipótese, não se mostra aconselhável. Como é sabido, o Tribunal de Justiça não deve fazer um aprofundado exa- me de provas, reservado ao Conselho de Sentença, sendo também tênue a linha que separa uma interpretação da prova, reservada à soberania dos veredicta, e ser a decisão manifestamente contraria à prova dos autos. Mas, a despeito da soberania do Tribunal do Júri para decidir sobre ques- tões ligadas aos crimes dolosos contra a vida, tal soberania é adstrita à obser- vância da prova regular, eis que caso a decisão seja absolutamente contrária à prova dos autos, ao que foi apresentado, é evidente a possibilidade de cassação desta decisão. Não é conveniente tecer mais comentários, sob pena de se influir no âni- mo dos jurados que comporão o novo conselho de Sentença. Posto isto, DOU PROVIMENTO aos recursos, anulando a decisão pro- ferida pelo r. Conselho de Sentença e determinando sejam os réus submetidos a novo julgamento pelo Tribunal do Júri.