Decisão 1501657-11.2024.8.26.0664

Processo: 1501657-11.2024.8.26.0664

Recurso: Apelação

Relator: ROBERTO SOLIMENE

Câmara julgadora: Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça

Data do julgamento: 16 de junho de 2025

Ementa Técnica

APELAçãO – Coação no curso do processo. Materiali- dade e autoria comprovadas pela prova oral. Negativa 618 dos réus sem embasamento probatório. Dosimetria. Abrandamento do regime inicial de cumprimento em Jurisprudência - Seção de Direito Criminal relação ao corréu C. E. F. F., para o semiaberto. Sú- mula 269do eg. STJ. Provimento em parte.(TJSP; Processo nº 1501657-11.2024.8.26.0664; Recurso: Apelação; Relator: ROBERTO SOLIMENE; Data do Julgamento: 16 de junho de 2025)

Voto / Fundamentação

, em 2ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento em parte ao re- curso. V. U. Sustentou oralmente o advogado, dr. Marcelo Leal da Silva, e usou da palavra a Exmª Srª Procuradora de Justiça, drª Sílvia Reiko Kawamoto.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. (Voto n. 62.113) O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores ALEX ZILENOVSKI (Presidente sem voto), LUIZ FERNANDO VAGGIONE e FRANCISCO ORLANDO. São Paulo, 16 de junho de 2025. ROBERTO SOLIMENE, Relator


EMENTA: Coação no curso do processo. Materiali- dade e autoria comprovadas pela prova oral. Negativa 618 dos réus sem embasamento probatório. Dosimetria. Abrandamento do regime inicial de cumprimento em Jurisprudência - Seção de Direito Criminal relação ao corréu C. E. F. F., para o semiaberto. Sú- mula 269do eg. STJ. Provimento em parte.





VOTO

Ao relatório da respeitável sentença de fls. 339/350, acrescenta-se que a MMª Juíza da eg. 1ª Vara Criminal da Comarca de Votuporanga condenou C. E. F. F. às penas de 2 (dois) anos, 2 (dois) meses e 20 (vinte) dias de reclusão, a começar no regime fechado, bem como ao pagamento de 21 (vinte e um) dias- multa, por infração ao art. 344 e seu parágrafo único c.c. art. 71, parágrafo único e art. 61, inc. II, alíneas ‘e’ e ‘f’, todos do CP, contra duas vítimas, a ex-mulher e o filho, e L. F. F. às penas de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de reclusão, a começar no regime aberto, bem como ao pagamento de 13 (treze) dias-multa, por infração ao art. 344, parágrafo único c.c. art. 61, inc. II, alínea ‘e’, todos do CP, suspendendo a execução da pena, em relação à esta ré, na forma dos arts. 77 e 78 do CP. Os sentenciados responderam soltos ao processo. Inconformados, ambos, mãe e filho, recorreram, em arrazoado único, postulando, preliminarmente, a nulidade dos áudios e mensagens juntados aos autos via captura de tela de aplicativo de whatsapp, por suposta falha na cadeia de custódia e ausência de laudo pericial que demonstrasse a autenticidade dos documentos. No mérito, requerem a absolvição, alegando insuficiência proba- tória para a condenação e ausência de dolo em relação à conduta da ré L. F. F. Subsidiariamente, requereram a fixação da pena dos sentenciados no mínimo legal, bem como a alteração do regime inicial de cumprimento de pena do acu- sado C. E. F. F. para o aberto (fls. 367/383). A fl. 395 os apelantes manifestaram oposição ao julgamento virtual, dian- te do interesse em realizar sustentação oral. Contrarrazoado o recurso, a Procuradoria de Justiça opinou pelo despro- vimento. É o resumo do necessário, passo a votar. Consta da denúncia que em datas e horários incertos, mas no mês de junho de 2024 e no dia 13 de junho de 2024, por meio de ligação telefônica e mensagens de aplicativo de celular e em redes sociais, na cidade de Votuporan- ga, C. E. F. F., de forma continuada, teria usado de grave ameaça, com o fim de favorecer interesse próprio, ameaças direcionadas contra a ex-esposa A. T. P. F. e também contra o filho V. H. P. F., que figuraram, respectivamente, como testemunha e vítima na ação penal nº 1503436-06.2021.8.26.0664, que apurou crime contra dignidade sexual (estupro de vulnerável), que teve curso perante a 1ª Vara Criminal de Votuporanga. Consta ainda dos inclusos autos que no dia 26 de junho de 2024, em ho- rário incerto, por meio de ligação telefônica, na cidade de Votuporanga, L. F. F., teria usado de grave ameaça contra o neto V. H. P. F., com o fim de favorecer Jurisprudência - Seção de Direito Criminal interesse de seu filho, C. E. F. F., eis que o neto V. figurou como vítima na ação penal nº 1503436-06.2021.8.26.0664, instaurada para apurar crime contra dig- nidade sexual (estupro de vulnerável), repito, que teve curso perante a 1ª Vara Criminal de Votuporanga. Consoante o apurado, o denunciado C. E. F. F. foi casado com a vítima A., sendo V. H. o filho advindo deste relacionamento. L. F. F., a corré, por sua vez, é genitora do codenunciado e avó da vítima V. H. Torno a dizer, segundo consta, tramitou perante a eg. 1ª Vara Criminal de Votuporanga a ação penal nº 1503436-06.2021.8.26.0664, versando sobre delito de estupro de vulnerável, imputado contra o réu C. E. F. F. em face do filho, V. H. A. Pois bem, referida ação penal, que também contou com o testemunho da ora vítima A., restou julgada procedente e o denunciado foi apenado com 14 (quatorze) anos de reclusão, a começar no regime fechado, por infração ao art. 217-A caput, c/c art. 226, inc. II, do CP. Interposto recurso de apelação, foi desprovido, por consequência expe- diu-se, em 21/06/2024, mandado de prisão contra o genitor, novamente réu, cumprido em 16/08/2024 (fl. 170). No entanto, ainda em meio ao trâmite da referida ação penal, C. E. F. F. e L. F. F. teriam perpetrado graves ameaças contra as vítimas, ameaças que tinham por objetivo absolver o genitor naquela ação penal, torno a dizer, autos de n. 1503436-06.2021.8.26.0664. As investidas contra as vítimas se iniciaram em data incerta, porém, no início do mês de junho de 2024, quando C. E. F. F., inclusive, supostamente utilizando-se de perfil falso em rede social (O. F.), enviou mensagens ao filho V. H., oferecendo-lhe emprego e dinheiro, em troca de que fosse “retirado” o processo em que era acusado de estupro de vulnerável. Nas mesmas ocasiões, C. E. F. F. teria intimidado a vítima V. H., em razão da ação penal em trâmite, dizendo: “eu vou armar para te colocar na ca- deia! vagabundo, você está acabando com a minha vida, se eu morrer você será o responsável e até depois de morto irei te atormentar!”; “eu vou me matar e fazer da sua vida um inferno, como fez com a minha”. Entretanto, não atendido o pleito para que retirasse as acusações, o corréu C. E. F. F. teria aumentado as graves ameaças contra as vítimas. Para tanto, um indivíduo, por ora não identificado, a pedido do denuncia- do, ligou para V. H. e passou a ameaçá-lo, dizendo, na versão dos ofendidos: “O V., boa tarde! Vc não conheceu eu, mas já ouvi falar de vc, já... O negócio é o seguinte... SEU PAI PROCUROU EU AQUI, CERTO!... Eu estou de saidinha, 620 estou até retornando hoje...E passou uma situação referente sua pessoa e do seu pai, quando tinha 14 anos... Uma situação que ele falou que cometeu, certo... Jurisprudência - Seção de Direito Criminal Você tinha 09 anos até 13... Hoje tem 19 anos, tá ligado... teu pai pediu apoio para mim, tá ligado. Não conhecia teu pai, conheci agora, tá ligado, mano... Pediu apoio para mim apresentar os irmãos na disciplina de Votuporanga...Teu pai apresentou as ideias lá para os irmãos...as ideias já está na disciplina do Primeiro Comando da Capital (PCC), tá ligado, parça... Quem tem a perder nestas caminhadas é você, mano...vai lá tirar o BO de seu pai, ele vai ficar pu- nhados de anos na cadeia sem dever... qualquer momento os irmãos vai pular nessa linha aí, referente a essa situação, tá ligado!... Teu pai tá aqui do meu lado comprando as ideias, certo...a partir do momento que você tirar o BO aí, nós tira aqui... resolve a situação aí parça...Senão os irmãos vão pular nessa linha aí...resolve a situação aí, vai lá no cartório com seu advogado tirar esse BO aí...” [sic]. Prossegue a acusação dizendo que, não satisfeito, no dia 13/06/2024, C. E. F. F. teria telefonado para o local de trabalho da vítima A. e, em meio a ofensas, também passou a ameaçá-la de morte, dizendo: “vagabunda, bandida, você não presta, ladrona! (...) eu não vou preso, e, se for, eu matarei seu mari- do, você, seu filho bandido e sua neném, depois eu me mato, não tenho nada a perder!” [sic]. Não bastasse, no dia 26/06/2024, vale dizer, poucos dias após a expedição do mandado de prisão contra C. E. F. F., lá nos autos da ação penal n. 1503436-06.2021.8.26.0664, L. F. F., magoada com o neto por ele ter denunciado os abusos que alega ter sofrido, passou a proferir grave ameaça contra V. H., por meio de ligação telefônica realizada à namorada da vítima, G. R. S., ocasião em que teria afirmado: “se V. não retirasse o processo contra o pai, ela o mataria”. Os denunciados teriam proferido as ameaças com o intuito de intimidar II. H., de modo que ele voltasse atrás para absolver o pai C. E. F. F., repito, réu na ação penal de estupro de vulnerável (vide fls. 65/69). Esse o resumo do ocorrido. A defesa sustenta a imprestabilidade dos documentos referentes às con- versas mantidas no aplicativo Whatsapp, argumentando que não poderiam ter sido utilizados como provas válidas, por não terem sido periciados. Sobre a matéria preliminar, observo que a condenação deu-se com base na prova oral, tendo os sobreditos documentos eletrônicos ficado em segundo plano, tão-apenas para reforçar a seriedade do aqui tratado. Aliás, quando instados a se defender, leia-se a sua manifestação de fls. 149/154 (defesa preliminar), os apelantes apenas pediram a concessão da ANPP em favor da senhora, negaram o contido na exordial e postularam as próprias absolvições, não impugnando as cópias das mensagens transmitidas pelo apli- cativo de WhatsApp. Aliás, quando interrogados (leiam-se as transcrições a fls. 346 e 347), não contestaram a veracidade dos documentos. Em homenagem ao art. 563 do Código de Processo Penal, não se declara a nulidade do ato processual se a irregularidade: a) não foi suscitada em prazo Jurisprudência - Seção de Direito Criminal oportuno e b) não vier acompanhada da prova do efetivo prejuízo para a parte. E ainda com fundamento nos arts. 563 e 566 daquele mesmo diploma legal, impossível declarar a invalidade de prova que não tenha sido considerada para a formação da convicção do julgador. Basta ler a respeitável sentença para confe- rir que o resultado foi construído por sobre as palavras das vítimas e da namora- da do jovem. Ademais a corré admite ter realizado uma das ligações telefônicas, apenas recusando o dolo de constranger. São inaplicáveis ao presente caso os precedentes do eg. STJ agitados pela defesa (confira-se a fls. 374 e 375), que trataram, especificamente, da capta- ção de conversas por terceiro não interlocutor (espelhamento de conversas pelo whatsapp-web pela autoridade policial), hipótese, portanto, distinta da aqui tra- tada nestes autos, em que as mensagens foram captadas pelos ofendidos, direta- mente vinculados à ação penal em curso. Não bastasse, peço emprestada a argumentação de nosso colega de Câma- ra, o Des. Laerte Marrone de Castro Sampaio, encontrável no julgamento leva- do a cabo em 11/11/2024, no recurso de apelação 1503398-61.2019.8.26.0050: “Cabe observar ser válida a prova obtida por meio de “prints” do “WhatsApp”, ainda que não submetidos à perícia, mormente quando corroborados por outros elementos, como no caso concreto” e ainda de igual teor outros julgados mais deste nosso TJSP: Apelação Criminal 1501517-96.2019.8.26.0002; Relator Xis- to Albarelli Rangel Neto; Órgão Julgador: 13ª Câmara de Direito Criminal; Foro Regional II - Santo Amaro - 1ª Vara de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; Data do Julgamento: 14/12/2023; Data de Registro: 15/12/2023. Não se há cogitar a alegada quebra de cadeia de custódia. No mais, com relação ao mérito, a meu sentir, é caso de manutenção da condenação dos sentenciados. A materialidade foi demonstrada pelo Boletim de Ocorrência (fls. 8/11); o relatório final da autoridade policial (fls. 60/61); denúncia, sentença e acórdão referentes ao processo criminal nº 1503436-06.2021.8.26.0664 (fls. 71/103), respectivo mandado de prisão expedido em 20/06/2024 (fls. 104/105), bem como pela prova oral colhida em juízo. Não temos dúvidas em relação às autorias. A vítima V. H. P. F., ouvida na Delegacia, narrou ser filho de A. e de C. E., pontuando que sua mãe foi casada com C. E. por vinte anos, e está divorciada dele há cinco anos. E o que culminou no divórcio de seus pais, foi sua mãe ter ciência que seu genitor lhe estuprava dos nove até os treze anos de idade. Que, após a separação de seus pais, sua mãe nunca mais teve paz, pois C. E. nunca aceitou a separação, e ainda ‘mexia com o seu emocional’. Que como a notitia 622 criminis virou processo de estupro, e C. E. perdeu em todas as instâncias e es- tava, naquela quadra, na iminência de ser preso, na semana anterior, seu pai lhe Jurisprudência - Seção de Direito Criminal enviou mensagens oferecendo emprego e dinheiro em troca do depoente ‘reti- rar’ o processo. E, como o declarante se negou, C. E. passou a lhe enviar áudios e mensagens dizendo: “eu vou armar para te colocar na cadeia! vagabundo, você está acabando com a minha vida, se eu morrer você será o responsável e até depois de morto irei te atormentar!”. Que, ainda, C. E. pediu a um desco- nhecido que lhe enviasse uma mensagem, dizendo que era de conhecida facção criminosa, e conhecia o depoente e sua mãe, e que, se ele não retirasse o pro- cesso contra seu pai, iria colocar o declarante ‘nas ideias da facção’. Esclareceu ainda o declarante, que sua avó, genitora de C. E., tomando as dores do filho, enviou mensagens desesperada, diariamente, alegando que o declarante estava acabando com a vida dela e de seu filho, o qual estava “sumido” por culpa do declarante. Que L. F. F. prometeu se vingar do declarante, dizendo: “vou pôr você na cadeia ainda esta semana, você pode esperar!”. E, diante dos fatos, o declarante desejou representar criminalmente contra C. E. e contra sua avó, bem como desejou medidas protetivas de urgência contra o pai e contra a sua avó (fl. 14). Uma semana após prestar suas declarações, a vítima V. H. P. F. retornou à Delegacia, acrescentando que mesmo após o registro da ocorrência, sua avó L. F. F. não parava de enviar mensagens pelos aplicativos whatsapp e Facebook. O declarante afirmou que as mensagens continuavam com conteúdos ameaçado- res, caluniosos, e a situação estava o deixando muito abalado psicologicamente, tendo em vista toda a situação que já vivenciou no passado, e ainda naquela qua- dra continuava sendo atormentado pela avó paterna. O declarante informou que, no dia 27/06/2024, sua avó L. F. F. entrou em contato com G. R. S. (17-...), sua namorada, e passou a caluniar tanto o declarante, quanto sua genitora, e acres- centou que se V. H. não “retirasse o processo” contra o pai, ela mataria o decla- rante. V. H. esclareceu que tanto L. F. F., quanto C. E., insistem para que ele assine um documento dizendo que teria mentido a respeito do crime de estupro, para que C. E. não seja preso. O declarante afirmou que, após sua avó ter ligado para sua namorada G., a família da namorada a expulsou de casa e proibiu o relacionamento do casal, por estarem com medo de C. E. e de sua genitora. V. H. relatou que, além de todo prejuízo emocional que já teve com a família paterna, continuava sofrendo com as ameaças e coações constantes (fl. 44). Em juízo, ele ratificou toda a narrativa então prestada à autoridade po- licial, asseverando, verbis: “(...) começou quando meu pai começou a mandar mensagem. Começou pelo meu pai na realidade. Ele mandava mensagem, ele pedia... chegou a fazer até proposta de me dar as coisas, pra eu poder retirar o processo que eu tinha contra ele. Ia na oficina que eu trabalhava na época, ficava lá todo dia. Eu cheguei lá outro dia ele estava sentado com meu patrão na época, conversando lá, falando sobre a situação. “Tipo assim”, foi cercando de diversas formas, sabe, e acabou que a gente se desentendeu mais uma vez. A gente “tava” conversando normal, eu falei: “pai, independente de qualquer Jurisprudência - Seção de Direito Criminal coisa, você é meu pai, tudo, só que não tem como perdoar uma coisa que... desse jeito”. Aí foi onde ele começou as ameaças. Aí com o tempo ele foi parando. Fazia perfil fake pra todo lado, mandava mensagem pra minha mãe, pra G., pro meu padrasto. Sempre isso. Desde a separação da minha mãe, nunca pa- rou. Só que aí quando ele descobriu que eu “tava” namorando, essas coisas, foi piorando. Aí com o tempo ele parou e começou a minha avó. A minha avó, as minhas tias. Aí eu fui bloqueando, conforme foi vindo. Eu fui bloqueando, e “tipo assim”, não respondia minha avó, não respondia ninguém. Aí minha avó começou a procurar parentes da G., até que conseguiu entrar em contato com uma prima da G., que é advogada também, e conseguiu o telefone da família dela, acho que é a mãe dela, primeiro. Aí foi onde começou. Começou a falar inúmeras coisas, sabe assim, difamar. Aí conseguiu falar com a mãe da G., conseguiu falar com ela. E assim foi indo. Foi virando aquela bola de neve. (...) Meu pai trabalhou numa clínica de recuperação. Lá tinham várias pessoas que faziam musculação. Era “tipo assim”, em outra língua eu posso te dizer: “ca- ras bombados, fortões”, sabe. E o “cara” não tinha condição de ter um telefo- ne, conseguir fazer um perfil daquele jeito e mandar mensagem justo pra G. Era coisa do meu pai fazer isso, porque direto eu pegava o telefone dele, na época que a gente morava junto, e eu via essas coisas. Ele pegou e mandou, fez um perfil falso, estava até Tiago... eu não lembro o sobrenome, mas eu tenho print. É o “Tiagão”. (...) A minha avó mandava por tudo também. Foi pelo Facebook, WhatsApp. Mais pelo WhatsApp. (...). Minha avó telefonava também. (...). Ela falou pra G. Se não retirasse o processo, que ela ia me matar, que ele ia acabar com a minha vida. Pra mim ela já falou isso. Pra G. ela já falou também: “vou acabar com a vida desse vagabundo, desse bandido”. Falava essas coisas, des- se jeito, sabe. (...). Sim. No meio dessas mensagens todas, ela já ia falando. Eles são tão sem vergonha, que eles iam mandando as mensagens e já iam apagando “rapidinho”. A maioria das coisas eu tirei print, mas eles iam mandando as mensagens e já iam apagando. Chamavam minha mãe de vagabunda, de “bis- cate”. Essas coisas desse tipo. (...). A minha avó. A minha avó manda pra mãe da G. Fala sobre meu pai, a situação dele lá na cadeia, que ele está preso. Eles pegam e ficam falando pra mãe da G. assim: “olha lá, olha a situação que o C. está, por causa do V., por causa de uma mentira que ele inventou”. Eles inven- tam uma mentira e eles próprios acreditam na mentira. Doutora, acabou com a minha vida, acabou com a minha vida, em todos os sentidos. Em todos. Em todos. Não foi só um. Na questão minha, do meu relacionamento com a G., eu me dava super bem com a mãe dela, com o padrasto dela. Sabe, assim, de uma hora pra outra virou um “pé de guerra” que você não faz ideia. Todo dia eu 624 deito na cama pra dormir... e como ela falou: “eu vou acabar com a sua vida”. Se fosse a senhora, o que a senhora esperaria? A gente não sabe se vai pagar Jurisprudência - Seção de Direito Criminal uma pessoa pra tentar matar a gente, alguma coisa do tipo. Eu não sei mais o que esperar. (...)” (vide transcrições de fls. 240/261, abreviações nossas). Por seu turmo, a segunda vítima, A. T. P., quando ouvida na Delegacia asseverou que V. H. é seu filho (de 19 anos de idade), e relatou que foi casada com C. E. por vinte anos, e naquela quadra estava divorciada dele há cinco. Que, segundo a declarante, o que culminou com o divórcio foi ter ciência de que o ex-marido tinha estuprado seu filho V., quando este tinha entre nove anos de idade até os treze anos de idade. Que, após a separação, a depoente nunca mais teve paz, pois C. E. nunca aceitou a separação, e ainda mexia com o emocional do filho, quando este ainda era menor de idade. Que, como a notitia criminis virou processo de estupro, e C. E. perdeu em todas as instâncias e estava prestes a ser preso, na data dos fatos, C. E. telefonou, para a depoente, em seu local de trabalho, e a xingou de: “vagabunda, bandida, você não presta, ladrona!” [sic],”eu não vou preso e se for eu matarei seu marido, você, seu filho bandido e sua nenem depois eu me mato, não tenho nada a perder!”. Que, segundo a depoente, C. E., na semana anterior, enviou mensagens para o filho oferecendo emprego e dinheiro em troca dele ‘retirar’ o processo, e como o filho se negou, C. E. passou a enviar áudios e mensagens para o filho dizendo: “eu vou armar para te colocar na cadeia! vagabundo, você está acabando com a minha vida, se eu morrer você será o responsável e até depois de morto irei te atormentar!”. Que, ainda, C. E. pediu a um desconhecido, que enviasse uma mensagem para o filho da declarante, dizendo que era de conhecida facção criminosa, e conhecia V. e a declarante, e que se não retirasse o processo contra C. E., iria colocar o filho ‘nas ideias da facção’. Que, segundo a declarante, sua sogra tomou as dores do filho, e enviou mensagens desesperada, diariamente, alegando que V. H. aca- bou com a vida dela e de seu filho, o qual está “sumido” por culpa do neto. Que L. F. F. prometia vingar-se de V. H., dizendo: “vou pôr você na cadeia ainda esta semana, você pode esperar!”. Que, diante dos fatos, a declarante desejou representar criminalmente contra C. E., bem como desejou medidas protetivas de urgência contra ele e sua sogra L. F. F., sendo as medidas para ela e seu filho V. H. Segundo a declarante, C. E. e L. F. F. não sabiam onde ela residia com a família, mas naquela data, viu o carro de C. E. passar em frente à sua casa com L. F. F. em seu interior (fl. 27). Em juízo, a mesma fonte relatou sobre os fatos apontados na peça acusa- tória, verbis: “Olha, esses fatos foram constantes. Primeiro vindos do pai dele e depois da avó [de V. H.]. Eram constantes as ameaças, as imposições. E eu achei que eles estavam ultrapassando tudo quanto é limite suportável por um ser humano, porque eu vi o estado que o V. estava ficando e foi onde o V. falou: “mãe, vamos pra delegacia. A senhora vai comigo?”. Eu falei: “vou”. A L. uma vez me pediu pra que eu, como mãe, interferisse na decisão do V., pra ele “estar retirando”, pra que o filho dela não fosse preso. Ele, várias vezes... eu não tenho contato com eles, na verdade. Uma vez só que ela me ligou. Só que Jurisprudência - Seção de Direito Criminal antigamente eles tentavam de todas as formas, com números novos, tentar falar comigo e eu bloqueando. Eu não quero aproximação com essa família. Destruiu meu filho psicologicamente, emocionalmente, em todos os sentidos. Não quero aproximação. Não posso ouvir a voz deles. (...). Foi, foi. No meu antigo serviço. Ele [o acusado C. E.] me ligou na hora do meu almoço, mandou me chamar e na hora que eu atendi o telefone era ele. Eu fiquei muito surpresa porque jamais imaginei que ele pudesse chegar nesse ponto. Aí ele começou com as ameaças, falando sobre o V., aí eu comecei a defender meu filho e ele falou pra mim que se acontecesse alguma coisa com ele, que eu e o V. íamos sofrer as consequências graves e ele poderia até fazer alguma coisa comigo, contra a minha vida, me matar, por exemplo. Ah, ameaçou de várias formas. (...) Sim, ela [a acusada L.] falou que eu, como mãe, eu tinha que intervir. Inclusive ele, na ligação, também falou, que eu como mãe tinha que intervir, pedir pra que o V. retirasse, já que na verdade não teve penetração, só foi coisas de fora, entendeu. Eles entendem que não é um estupro, porque não teve penetração. Eles acham que o fato do C. ter feito aquilo com o V. é superficial, não caracteriza como estupro, então o V. tinha que retirar esse B.O. porque não foi estupro. (...) É. Ela disse que ela es- tava muito alterada, que falou um monte de besteira pra mãe da G. e falou pra G. no telefone que se o V. levasse isso pra frente, não retirasse esse processo, que ela ia matar o V. Que ele podia esperar. (...) Intensificou quando ele perdeu em todas as instâncias. Aí intensificou. Aí ela e ele vieram com tudo pra cima da gente. Inclusive, falando sobre o perfil falso, ele também fez um outro chamado O. F., no qual ele entrou em contato comigo no meu Messenger, começou a falar comigo como se fosse um “cara” desconhecido, se eu estava solteira. Aí logo eu me liguei quem era, porque não chega esse tipo de mensagem pra mim. Aí logo eu me liguei. Aí na hora que eu comecei a falar com ele como se eu estivesse “dando corda”, meu marido entrou e começou a falar com ele e aí ele começou a falar sobre o processo. Ele mesmo foi se identificando no perfil oculto dele, entendeu. Aí a gente teve a certeza que era ele mesmo. (...) Até que chegou a protetiva pra ele, aí deu uma cessada, porém, para os meus familiares distantes, a dona L. não para de ligar para os meus familiares, falando muito mal de mim e do V. e da minha família, dos meus pais. É constante. Tem familiar meu que já trocou de celular por conta disso, que não aguenta essa perturbação. Direta- mente pra nós, parou. A única coisa que aconteceu de estranho é que a polícia invadiu a minha casa, coisa que nunca aconteceu, por uma denúncia que tinha arma ilegal dentro da minha casa. Uma denúncia anônima. Então é um fato que nunca aconteceu em toda minha vida e, de repente, do nada, vem essa denúncia anônima. (...) Faz uns dois meses. Foi após a protetiva. Daí um tempo “abaixou 626 a poeira”, aí aconteceu essa denúncia da polícia. Eu tenho uma nenê de dois anos, que entrou em pânico, e assim, é evidente a situação, né. (...)” (vide trans- Jurisprudência - Seção de Direito Criminal crições de fls. 262/275, abreviações nossas). Não bastasse, ainda a corroborar a versão acusatória, tem-se a testemunha G. R. S., que, ouvida em juízo, afirmou ter visto mensagens enviadas tanto pelo genitor, quanto pela avó de V. H., no celular dele, contendo “ameaças de que ia acabar com a vida dele” (fl. 278), pontuando que a acusada L. entrou em contato com a depoente, por meio de seus pais e de sua família, e quando conversou com ela, ela disse “que se alguma coisa acontecesse com o C., ela ia matar ele” (fl. 279). Por seu turno, o réu C. E., em seu interrogatório, assim declarou, verbis: “Eu tenho satisfação de explicar o que está acontecendo, porque, no entanto, eu não estava entendendo, não estavam encaixando algumas coisas e hoje eu con- segui entender tudo o que aconteceu, mesmo estando dentro de uma penitenciá- ria, por causa do meu próprio filho. Eu queria estar aqui, Excelência, falando bem do meu filho. Falando que meu filho fosse assumir o seu cargo quando fosse aposentar. O orgulho da minha vida é o meu filho, mas infelizmente meu filho está tomando umas atitudes que não “condiz”. O que aconteceu: o V. en- trou no Facebook um dia à noite e mandou um “oi”. Aí eu respondi: “oi filho”. E ele falou: “você está bem?”. Eu falei: “tô bem”. Ele falou: “me passa teu “zap”. Falei: “tá bom”. Ele falou: “vou te ligar”. Aí ele me ligou e falou: “e aí pai, como é que “cê” “tá”? Eu falei: “tô bem”. Eu falei: “o que aconteceu que “cê” “tá” me ligando? Estranho, “cê” nunca me ligou esse tempo todo”. Aí ele me questionou: “eu que te pergunto. Eu queria te fazer uma pergunta: por que o senhor nunca me procurou?”. Eu falei: “é simples, eu nunca te procurei por- que vocês fizeram a medida protetiva e eu não iria desrespeitar a medida prote- tiva pra ir atrás de você. Eu não faria isso jamais”. Aí nós conversamos bastan- te, e “tal”, e até então ele ficou de ir lá na casa da minha mãe. Ele falou: “eu vou. Amanhã ou depois eu vou aí, vou “dar um pulo” aí”. Eu falei: “tá bom, pode vir”. Ele falou: “e a avó, não vai brigar comigo?”. Eu falei: “não, de jeito nenhum. Você vem aqui e a gente vai sentar, vamos conversar. Não tem nada pra ficar brigando com você. Cada cabeça uma sentença”. Aí ele falou pra mim que estava muito arrependido de tudo que fez, que falou. O que ele poderia fazer pra amenizar esse estrago que ele teria feito. E eu falei: “vem pra cá que a gente conversa”. Aí passou um dia ou dois, ele foi na minha casa de moto, na casa dos meus pais. Aí ele chegou lá, me abraçou, chorou. Falou: “pai, eu quero corrigir tudo que eu fiz de errado. Eu “tô” namorando, eu arru- mei uma menina legal, “tô” namorando. O pai dela é agente penitenciário e eu não quero fazer as coisas que eu venho fazendo. O pai dela é agente penitenciá- rio e eu não quero isso pra minha vida. Eu preciso de ajuda, você me ajuda?”. Eu falei: “sempre vou te ajudar. Eu sou teu pai. Eu nunca deixei de pagar sua pensão, mesmo você estando brigado e falando coisas ao meu respeito, que eu nunca fiz”. Aí ele falou: “não pai, eu vou corrigir isso. Nós vamos ver o que tem que fazer”. E eu falei: “o advogado me falou um dia que a gente poderia ir até Jurisprudência - Seção de Direito Criminal um cartório, bater um papel, pra que o advogado entrasse com uma ação pra tentar amenizar o problema, pra “mim” não ir pra cadeia”. Aí eu peguei e fiz uma pergunta pra ele ainda. Eu falei: “V., onde “cê” “tá” com a cabeça de ir lá e inventar uma mentira dessa, porque lá são pessoas estudadas, pessoas ins- truídas. Você passou por um monte de gente e mentiu, falou tudo isso, sustentou tudo isso. Lá tem Juíza, lá tem Promotor, lá tem pessoas capacitadas”. Aí ele falou: “pai, espera aí, eu sou vivido, eu sou “da rua”. Esse povo aí eu “ponho no bolso. Eu tinha que ser ator da Globo”. Falou pra mim desse jeito. E eu fa- lei: “V., você não quer que eu me alegre de você falar uma coisa dessas. Você fez isso, ser “ator da Globo”, pra prejudicar o seu pai?”. Aí ele falou: “pai, vamos parar com isso daí, porque eu já resolvi, eu quero mudar, eu vou te aju- dar, vou fazer isso daí”. Eu falei: “tá bom, é da sua cabeça. Você faz da manei- ra que você achar certo”. Eu nuca falei pra ele: “vai lá e faz isso”. Não. Foi ele que decidiu. Tanto é que depois, a gente saiu várias vezes pra tomar sorvete. Ele com a namorada, eu com a minha esposa e com meu “filhinho”, saímos pra jantar. Ele pegou meu carro pra ir pra Rio Preto. A gente teve várias vezes jun- tos. Aí até que um dia ele foi lá em Parisi com a moto. Eu não estou dirigindo por causa do meu braço. Foi lá com a moto dele lá em Parisi, “pegou eu” lá na minha casa, com meu carro e falou: “pai, vamos lá no cartório hoje então”. Eu liguei pro meu advogado, meu advogado foi até o cartório, conversou lá com uma “tal” de Cássia e ela falou: “vamos fazer o seguinte: eu vou ouvir o que o V. tem a dizer, eu vou fazer o papel, mas eu tenho prazo de quinze dias pra que ele venha e assine o papel”. Eu falei: “tudo bem”. Deixei pago, e falei: “V., então assim que ela te ligar, você vem e assina o papel. Eu vou deixar pago”. Deixei pago. Aí depois disso o V., o que aconteceu, ele estava bem próximo de mim e ele estava com uma “motinha” 160, “velhinha”. Depois disso, o que aconteceu... o padrasto dele deu uma moto de trezentas cilindradas pra ele, pra tentar afastar ele de mim, como foi feito, doutora, no início de tudo isso, porque eu não sei se a senhora vai recordar, porque tem muita coisa na sua cabeça, imagino eu, mas eu disse que eu mandei prender a moto dele, uma certa vez, que ele estava empinando em Votuporanga, e “tal”, menor de idade. Ele revelou pra mim, o meu filho revelou pra mim, que ele “se vendeu”. Não falou com essas palavras, mas, mandei prender a moto e o padrasto dele deu uma XT 660, moto que todo adolescente sonha em ter. E aí novamente tentou afastar o V. de mim, dando outra moto. Aí o V. já mudou comigo, e “tal”. Mas aí ele queria... o pa- drasto deu essa moto e ficou dois mil pro V. pagar. Eu paguei esses dois mil, que ele me pediu e eu falei: “não, o pai paga”. Porque ele não estava trabalhando, como é que ele ia pagar isso. Paguei. Aí a moto começou a dar problema e ele 628 falou pra mim: “pai, precisava trocar essa moto. A moto é boa, que ele me deu, mas a moto não tem freio, a moto não tem “não sei o que”. Porque na realidade Jurisprudência - Seção de Direito Criminal ele queria pra empinar a moto, né. No começo das nossas audiências ele dizia que ficava só em casa, que ele era deprimido, mas nada disso é verdade, porque ele é um menino que corre da polícia, de moto. Todo final de semana ele está empinando lá na linha de trem. Todo final de semana ele está lá empinando de moto, tirando “racha”. Então, não condiz com o que ele disse no início, porque ele não é esse menino que “tá” aí chateado, “tá” “não sei o que”, porque so- freu uma violência ou sei lá o que foi que ele inventou aí. Aí então, retomando, ele queria uma outra moto e eu falei: “vamos fazer o seguinte: eu não tenho o dinheiro agora, você viu que eu acabei de trocar de carro, mas eu tenho uns implementos lá do seu avô, eu posso pedir pra sua avó, eu troco em bezerro, te dou dois implementos, você vende e compra outra moto. Pode ser?”. Ele falou: “pode”. Aí o que aconteceu: esses dois implementos, eu dei pra ele, ele foi lá no sítio com o padrasto dele buscar os dois implementos e eles “levou” todos os implementos que tinha do meu pai, que foi trabalhado arduamente, que meu pai lutou pra ter aquilo. O dia-a-dia do meu pai... meu pai hoje se encontra com Alzheimer eu “tô” aqui na cadeia, não posso nem ajudar meu pai. E tudo que o V. pegou lá, infelizmente, foi comprado com muito suor. Meu pai não tem estu- do, é lavrador, e conseguiu aquilo com muito trabalho. Eu fiquei muito chatea- do com o V. Eu fui tentar falar com o V., com as minhas irmãs e o V. foi embora pra “debaixo da asa” do padrasto. Aí foi feito um boletim de ocorrência. Eu gostaria também, Excelência, já que eu estou revelando essas coisas que ele me falou, se a senhora tiver um tempo, ver os antecedentes do padrasto, ver alguma coisa do padrasto, porque essa pessoa vem me prejudicando, me colocou numa cadeia e eu sempre trabalhei, desde a idade de treze anos. Eu ajudava meu pai. Tive meus erros de adolescente? Tive. Só que eu sempre fui um pai honesto com o V. Sempre falava pra ele: “V., se você errar filho, vem “em mim” e fala a ver- dade, porque eu posso até te dar uma bronca, mas vai ser menor, porque “cê” “tá” sendo sincero e honesto comigo”. Eu sempre tentei ensinar pra ele a ter caráter, e agora eu descubro que meu filho “tá” me vendendo por causa de uma moto.”. Questionado, negou ter enviado mensagens a V. H. ou à sua namorada para que ele retificasse a versão do abuso sexual sofrido, asseverando não ter conhecimento técnico para criar um perfil falso nas redes sociais (vide transcri- ções de fls. 301/312, abreviações nossas). E a acusada L. F. F., por fim, disse em seu interrogatório, verbis: “Não, eu não quero ficar calada. Eu sou uma pessoa explosiva, amo meus netos todos e meus filhos todos. Eu jamais ia fazer qualquer coisa com o V. H., uma criança que eu amo, que eu criei, que eu fui na escola, que eu sentei o dia inteiro pra ele ficar na escola. Tanto é que agora que ele veio embora e pegou influência desse “J. da P.”, o menino nem estudar mais, não estuda. Só que eu amo essas crianças, jamais eu vou fazer alguma coisa, mas eu “tava” nervosa, eu falei sim: “que eu vou matar esse menino, eu vou matar”. Eu falo isso pros meus filhos em casa: “se vocês não fizerem isso, eu vou matar vocês”. Mas eu nunca Jurisprudência - Seção de Direito Criminal matei nenhuma barata. Mas é na ansiedade, naquela dor de ver meu filho pre- so, inocente. E o meu filho ia pra cadeia, “tava” nessa época, até, foragido. E nesse desespero, eu falei sim, mas eu jamais ia matar alguém. Ninguém precisa ter medo de mim, pra matar. A dona A., que “tá” falando com tanto ódio de mim assim, ela fez esse B.O. contra mim, eu lavei, passei, cozinhei pra ela, criei o fi- lho dela e eu não tenho contato nenhum com família nenhuma dela. Ninguém. É tudo bloqueado. Eu não tenho contato com ninguém deles, eu nunca mais vi ela, não pretendo ver, e o neto foi na minha casa pra usar do pai outra vez, que ele já tinha feito tudo isso com o pai. Ele foi lá, pediu pelo amor de Deus pro pai, que ele não tinha roupa. O pai foi comprar roupa. Eu vim aqui em Votuporanga comprar roupa pra ele. Ele não tinha camiseta, não tinha calça, eu trouxe doze calças pra ele, bermuda, cueca, meia. Ele não tinha nada. Ele foi pedir pro pai. Ele pediu perdão pro pai dele. Ele falou: “vó, jamais meu pai fez isso comigo, você sabe que não fez. Nem banho em mim, o pai não me dava. Você sabe vó, que foi o J. da P. e minha mãe que “fez” eu fazer isso”. Por que? Por causa de um aparelho, que era do Posto de Saúde, que ela veio embora, largou o apare- lho lá sem levar de volta, que ela não teve capacidade nem de devolver o que ela pegou, e aí, eu ainda falei pro meu filho: “pega isso e leva lá no Posto, que pode servir pra alguma coisa, eu não sei como funciona isso”. Nem no meu filho fez isso. O meu filho ficou doente, aleijado, na minha casa, eu cuidando e ela nunca cuidou e nunca fez uma fisioterapia nele. Aí o meu filho levou no Posto. Eles já tinham falado pra mim, ligado na minha casa e perguntado, se não tinha um aparelho de inalação. “Tá” lá o Posto pra falar pra vocês. E um infravermelho. Eu falei: “eu não sei nem o que é isso”. Eu falei: “eu não tenho isso”. Aí depois o meu filho foi levar lá no Posto. Era aquilo que “tava” faltan- do. Deu como roubado. Aí eles “caiu” em cima, bateu no meu filho, falou que era pra nós “vender” a casa, fez de conta que era gente que ia lá comprar a casa. O meu filho foi pra vender a casa, eles “bateu” no meu filho, aleijado. O padrasto, “J. da P.”, e o V. H., “bateu” no pai, “fez” tudo isso. Agora, como eu como mãe... vocês “é” mãe, se não for, vai ser ainda, numa situação dessa com o filho, sabendo que é inocente, como vocês reagiriam? Eu não mato ninguém, não quero matar ninguém, não quero nem ver essa A. nunca mais. Ela foi minha nora, eu respeitei, fiz de tudo pra ela. O V. H., até violão, que ele cantava na igreja evangélica, ele foi lá e falou: “vô”, eu preciso de um violão. Amanhã eu quero começar a aprender, pra tocar na igreja evangélica”. Nós “saiu”, era num sábado, nós não “conseguiu” achar o violão que ele queria (inaudível) pra tocar na igreja evangélica. Nós “ficou” feliz que ele ia tocar na igreja evangélica. Cadê? Até hoje ele não tocou. Ele veio embora, o “J. da P.” fez 630 tudo...”. Questionada, a acusada reconheceu que exagerou e acabou ‘reagindo’ à situação contra o neto, V. H., asseverando que foi uma vez só, por telefone, em Jurisprudência - Seção de Direito Criminal contato com a namorada do neto, G., dizendo que “Foi pra G., mas a mãe dela que ligou pra mim. Foi no telefone da mãe da G. que eu falei. A mãe dela ligou pra mim, aí ela deu o telefone pra G. e eu estava nervosa, desesperada, que eu falei. No telefone da menina, eu não sei como é o telefone dela, não sei...” (vide transcrições de fls. 313/325, abreviações nossas). Feito o recorrido sobre as provas orais, retornamos ao velho dilema sobre a validade das palavras das vítimas, que a jurisprudência já resolveu, dizendo que podem sim servir de fundamento da condenação se em concordância com outros indicadores mais que reforcem a confiabilidade daquelas fontes. E, no caso em curso, o acusado varão acabou condenado em duas ins- tâncias por crime infamante. Ou seja, o seu caso foi submetido a amplo crivo judiciário, que concluiu pela falta primeira. O dado é relevante para a confiabilidade das falas das vítimas, que ainda contam com outros argumentos mais, o primeiro deles a ratificação de todo o denunciado neste segundo caso pela namorada do jovem e a segunda increpada admite o contato telefônico. Em suma, pese os apelantes dizerem que o resultado da ação penal ins- taurada por crime sexual ser produto de uma conspiração, sequer demonstraram a razão da sobredita conspiração. E agora, para remover o primeiro resultado desfavorável, submeteram mãe e filho a um conjunto de pressões que a norma penal classifica como crime. Destaque-se que, conquanto o réu tenha alegado que a vítima V. H. entrou em contato com ele através das redes sociais, supostamente lhe pedindo des- culpas por tê-lo acusado injustamente, não cuidou exibir, não cuidou trazer aos autos as tais mensagens que comprovariam as suscitadas alegações. E mais, a versão do corréu C. E., no sentido de que seu filho teria feito as acusações contra ele em troca de uma suposta ‘moto’, não foi corroborada pela versão de sua genitora, a corré L. F. F., a qual asseverou que tudo ocorreu em virtude de um “aparelho, que era do Posto de Saúde”. A defesa arrolou ainda duas testemunhas que, embora houvessem exal- tado qualidades pessoais dos acusados, nada souberam informar a respeito dos fatos apurados nestes autos. Enfim, eventuais álibis não foram provados. Destaque-se que, inobstante a tentativa da Defesa de afastar o dolo da conduta da ré L. F. F., restou inegável sua tentativa de favorecer interesse alheio, qual seja, se deu filho C. E., quando procurou e conseguiu manter contato com a namorada da vítima V. H. e com os familiares dela, de maneira voluntária e consciente, na tentativa de que ela convencesse o neto a retirar as acusações dos crimes sexuais contra o genitor, em processo judicial que estava em curso naquela quadra. Outrossim, ainda que se considere que as ameaças de morte, efetivadas pela ré, fossem resultado de mera reação emocional com o destino iminente de Jurisprudência - Seção de Direito Criminal seu filho, o ora corréu, sem o real intuito de atentar contra a vida das vítimas, fato é que a conduta da acusada teve como elemento subjetivo o uso de violência ou grave ameaça, com o objetivo de favorecer seu filho, o que é suficiente para configurar o crime previsto no art. 344 do CP. A propósito, Fernando da Costa Tourinho Filho ensina sobre o ônus da prova: “(...) A regra concernente ao onus probandi, ao encargo de provar, é regida pelo princípio actori incumbit probatio, vale dizer, deve incumbir-se da prova o autor da tese levantada. Se o acusador afirma que Mévio furtou, o ônus da prova lhe cabe, mesmo porque, enquanto não definitivamente condenado, o réu é presumidamente inocente. Se este alega que a pretensa res furtiva era sua, compete-lhe a prova (...) Se o réu invoca um álibi, o ônus da prova é seu. Se ar- gúi legítima defesa, estado de necessidade, etc., o ônus probandi é inteiramente seu (...) Se alegar e não provar, a decepção também será sua (...)” (in Código de Processo Penal Comentado. v. 1, 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 356). A citação seria até despicienda na medida do que dispõe o art. 156 do Cód. de Processo Penal, “A prova da alegação incumbirá a quem a fizer (...)”: no processo penal o réu assume o papel de reconvinte do processo civil (RT 542/418), de sorte que, para ser acolhida, qualquer tese defensiva precisa ficar provada e tal incumbência é daquele que levanta a bandeira em seu proveito (RT671/346). A Defesa não se ocupou de convencer sobre os seus argumentos, desaten- dendo a regra de distribuição do ônus de provar. Portanto, ante o quadro proba- tório amealhado e comprovadas as diversas ameaças, contatos telefônicos e por outros meios digitais, tanto em face das vítimas, quanto em face da namorada de V. H. com o intuito espúrio de que ele alterasse a versão dos fatos prestada na ação criminal que culminou na prisão do acusado C. E. por estupro de vulnerá- vel, estas segundas condenações eram mesmo de rigor. A dosimetria, contudo, merece pequeno reparo. Na primeira fase, a pena-base foi fixada, para ambos os increpados, no mínimo legal. Na segunda fase, com relação ao corréu C. E., a pena foi exasperada em 1/4 (um quarto), em virtude da reincidência e pelo fato de se tratar de crime cometido contra descendente, no âmbito da violência doméstica. A fração maior teve dois fundamentos. E, em relação à ré L., a atenuante da confissão foi compensada com a agravante de crime praticado contra descendente. Na terceira fase, por fim, foi aplicada, para ambos os réus, a causa de au- mento de pena prevista no parágrafo único do art. 344 do CP, de sorte que a pena foi majorada em mais 1/3 (um terço), circunstância provada nos autos, porque a causa antecedente envolve imputação de crime sexual. Jurisprudência - Seção de Direito Criminal Com relação ao corréu C. E., foi reconhecida a continuidade delitiva, uma vez que os crimes foram cometidos no mês de junho de 2024 e atingiram duas vítimas (V. H. e A.), vale dizer, englobou-se pela continuidade as ameaças con- tra um e outra, de sorte que por conta disso a sua pena foi aumentada em mais 1/4 (um quarto). E, em virtude da reincidência, a ele foi fixado o regime inicial fechado para desconto da reprimenda imposta. A esse respeito, porém, destaco que, inobstante a reincidência do increpa- do, diversas outras circunstâncias judiciais lhe foram favoráveis, de sorte a atrair a incidência da Súmula n. 269 do eg. STJ, que dispõe: “É admissível a adoção do regime prisional semi-aberto aos reincidentes condenados a pena igual ou inferior a quatro anos se favoráveis as circunstâncias judiciais.” De rigor, portanto, a fixação do regime semiaberto em relação ao acusado C. E., à luz do direito pretoriano. Por fim, para a corré L., foi fixado o regime mais brando, aplicando-se, a ela, a suspensão condicional do processo na forma dos artigos 77 e 78 do CP. E a pretensão do ANPP ficou superada pelas diversas manifestações do Ministério Público ao longo da instrução, sempre desacolhendo o pleito por conta das cir- cunstâncias aqui enumeradas. Após o trânsito em julgado, baixem os autos à origem, se o caso, para oportuna execução. Ante o exposto, nos termos deste voto, rejeitada a matéria preliminar, proponho que se dê provimento parcial ao recurso do varão C.E.F.F., apenas para fixar o regime semiaberto para início de cumprimento da pena, mantido o mais.