Decisão 1501823-76.2023.8.26.0050

Processo: 1501823-76.2023.8.26.0050

Recurso: Apelação

Relator: ANTONIO B. MORELLO

Câmara julgadora: Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça

Data do julgamento: 22 de maio de 2025

Ementa Técnica

APELAçãO –

(TJSP; Processo nº 1501823-76.2023.8.26.0050; Recurso: Apelação; Relator: ANTONIO B. MORELLO; Data do Julgamento: 22 de maio de 2025)

Voto / Fundamentação

, em 10ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça
de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento ao recurso mi-
nisterial e, por outro lado, DERAM parcial provimento ao apelo defensivo para
apenas e tão somente reduzir o valor fixado a título de danos morais para 1 (um)
salário-mínimo, mantendo-se, no mais, a r. sentença hostilizada pelos próprios e
bem lançados fundamentos. V.U.”, de conformidade com o voto do Relator(a),
que integra este acórdão. (Voto nº 1.396)
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores NUEVO
CAMPOS (Presidente) e NELSON FONSECA JÚNIOR.
São Paulo, 22 de maio de 2025.
ANTONIO B. MORELLO, Relator

Ementa: APELAÇÃO CRIMINAL - Absolvição de-
cretada na origem quanto ao delito tipificado no art.
2º-A, parágrafo único, c/c art. 20-B, ambos da Lei nº
7.716/89, por duas vezes (na forma do art. 70, caput,
do Código Penal) - Recurso do Ministério - Absolvi-
ção mantida - Ausência de provas concretas quanto
à autoria delitiva - Dúvida razoável persiste - Prova
rasa e inconsistente - Observância do princípio da
inocência - Decisão absolutória incontornável - Re-
curso Ministerial não provido.
APELAÇÃO CRIMINAL - LESÃO CORPORAL
GRAVE (art. 129, § 1º, inc. I, do Código Penal) - Ab-
solvição por falta de provas - Inocorrência - Provas
robustas e cristalinas - Palavra da vítima válida, cor-

roborada pelo laudo pericial e pelas imagens da de-
gravação da câmera de segurança, dando conta que
o réu M. efetivamente aplicou um golpe “mata-leão”
na vítima L. P. - Pena fixada no mínimo legal, regi-
me inicial aberto e sursis devidamente aplicados no
melhor cenário possível ao apelante, nada havendo a
reclamar - Reduzido o valor da condenação por da-




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Cuida-se de apelações interpostas pelo MINISTÉRIO PÚBLICO e por
Jurisprudência - Seção de Direito Criminal M. R. S. DOS S., contra a r. sentença prolatada aos 2 de dezembro de 2024, e
publicada em cartório em 3 de dezembro do mesmo ano (cf. certidão de fl. 335),
lançada às fls. 319/334 dos autos digitais, que julgou parcialmente procedente
a pretensão punitiva para (I) CONDENAR o acusado pela prática do delito
descrito no art. 129, § 1º, inc. I, do Código Penal, à pena de 1 ano de reclusão,
em regime inicial aberto, a qual foi suspensa condicionalmente, nos termos do
art. 77 do Código Penal, pelo prazo de dois anos, condicionada à prestação de
serviços à comunidade, especificamente no atendimento à população LGBT-
QIAPN+ vítima de violência física ou psicológica, em entidade a ser indicada
pelo juízo da execução e, pela mesma decisão, (II) ABSOLVER os acusados M.
R. S. DOS S. e J. C. P. DOS S., da prática do delito definido no art. 2º-A, pará-
grafo único, c/c art. 20-B, ambos da Lei nº 7.716/89, por duas vezes (na forma
do art. 70, caput, do Código Penal), com fundamento no artigo 386, inciso VII,
do Código de Processo Penal.
Inconformados, o Ministério Público e o acusado M. R. recorrem. O acu-
sado J., por sua vez, se conformou com o édito condenatório.
A - Pugna a Justiça Pública, em suma, pela condenação de M. R. nos exa-
tos termos da denúncia, ou seja, também pela prática do crime de injúria racial,
estendido o tipo criminal para casos de homofobia, previsto no art. 2º-A, caput,
da Lei nº 7.716/1989, por duas vezes, na forma do art. 70, 2ª figura, do Código
Penal, nos moldes explicitados (fls. 348/359).
B - O acusado M. R., por sua vez, alega, em síntese, que houve extinção
da punibilidade em relação ao crime de injúria qualificada em decorrência de
homofobia e, por entender, que o fato ocorreu antes da entrada em vigor do tipo
previsto no art. 2º-A, da Lei nº 7.716/89, cuja decisão proferida pelo Supremo
Tribunal Federal (STF), na ADO nº 26, incluindo o crime de homofobia, está
suspensa, não se aplicando ao caso “sub judice”. E, em relação ao crime de le-
são corporal de natureza grave, pelo qual foi condenado, pleiteia a absolvição
por insuficiência probatória. Subsidiariamente, busca a conversão do julgamen-





to em diligência, objetivando que seja determinado à CPTM a disponibilização
do acesso ao “link” do registro visual disposto no processo cível mencionado.
Ainda, de forma alternativa, almeja a suspensão condicional do processo, nos
termos do art. 89 da Lei nº 9.099/95 e, por fim, o afastamento da indenização
fixada a título de danos morais, argumentando que não houve delimitação de seu
valor na exordial (fls. 379/397).
Constam as contrarrazões (fls. 414/419 e 424/436), e o r. parecer da douta
Procuradoria Geral de Justiça, que opina pelo provimento integral do recurso
ministerial, e pelo não provimento do apelo defensivo (fls. 454/460).
A Defensoria Pública manifestou nos autos a oposição ao julgamento

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É o relatório.
Somente o apelo defensivo merece parcial provimento, apenas e tão so-
mente para que seja reduzido o valor da condenação por danos morais em favor




Jurisprudência - Seção de Direito Criminal
da vítima, para 1 (um) salário-mínimo.
No mais, a condenação do recorrente pelo delito de lesão corporal de
natureza grave, foi justa e merecida, resultando de criteriosa análise do con-
junto probatório e, com todo o respeito ao entendimento exposto nas razões de
inconformismo ministerial e no sugerido pela douta Procuradoria de Justiça, a
absolvição dos dois acusados em relação ao crime tipificado no art. 2º-A, pará-
grafo único, c/c art. 20-B, ambos da Lei nº 7.716/89, por duas vezes (na forma
do art. 70, caput, do Código Penal), também foi correta, não se mostrando as
provas, suficientes para embasar um decreto condenatório.
Nesse sentido, os acusados foram denunciados como incursos no art. 2º-
A, parágrafo único, c/c art. 20-B, ambos da Lei nº 7.716/89, por duas vezes, na
forma do art. 70, caput , do Código Penal, bem como o acusado M. R., pelo art.
129, §1º, inc. I, na forma do art. 69, caput, ambos do Código Penal porque, “no
dia 4 de janeiro de 2023, por volta das 9h, na estação de trem Brás, situada à
Praça Agente Cícero, 01, nesta Cidade e Comarca da Capital, no exercício de
função pública, de forma livre e consciente, prestando-se auxílio mútuo e recí-
proco, cada um a seu tempo, injuriaram L. P. R. dos S. e E. K. G. L., ofendendo-
lhes a dignidade, em razão de suas orientações sexuais.
Consta ainda que, logo após os fatos acima narrados, no mesmo local
supracitado, M. R. S. DOS S. ofendeu a integridade física de L. P. R. dos S. cau-
sando-lhe incapacidade para as ocupações habituais por mais de trinta dias,
conforme laudo pericial de fls. 70/71”.
Ainda segundo a exordial, “M. R. S. DOS S. e J. C. P. DOS S. exerciam
as funções de agentes de segurança metroviários junto à Companhia Paulista
de Trens Metropolitanos CPTM e, na data dos fatos, atuavam na estação Brás.
Apurou-se, ademais, que, no horário em comento, os denunciados fo-
ram acionados por um funcionário da limpeza o qual alegava que dois homens
adentraram juntos na mesma cabine de banheiro. Ato contínuo, M. R. e J. C.
dirigiram-se ao sanitário masculino, identificaram-se como vigilantes do local,

bateram na porta e gritaram: “viadinhos do caralho, abre a porra da porta”.
Nesse contexto, os ocupantes do banheiro, ora vítimas, abriram a porta e L. P.,
com medo de represálias, tentou evadir-se, mas foi contido por M. R. que se
utilizou de gás de pimenta.
Na sequência, M. R. agrediu L. P. com o cassetete, em várias regiões do
corpo, chegando, inclusive, a derrubá-lo ao solo e pressionar o joelho contra
o ombro do ofendido. Ademais, o denunciado desferiu um golpe mata-leão em
face de L. P., enquanto o ofendia com o termo “viadinho”. Ato contínuo, os
denunciados encaminharam as vítimas para a Gestão de Segurança, onde foi


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lavrado um registro de ocorrência de ato obsceno na estação.
Com dores, o ofendido L. P. procurou assistência médica e constatou-se
Jurisprudência - Seção de Direito Criminal fratura em três partes da clavícula esquerda, sendo encaminhado para o Hos-
pital São Marcos em Ferraz de Vasconcelos, onde passou por cirurgia para
colocação de três pinos e uma placa, evidenciando lesão corporal de natureza
grave, conforme laudo de fls. 70/71”.
Laudo de degravação das imagens das câmeras de segurança da estação
metroviária evidencia a dinâmica delitiva e comprova o uso desproporcional da
força física (fls. 72/98).
Esse é o teor da prova oral colhida.
Registre-se, inicialmente, o decidido pelo Ilmo. Magistrado a quo, cuja
brilhante fundamentação merece ser transcrita:
“Conquanto haja indicação na denúncia do delito previsto no art. 2º-A,
da Lei nº 7.716/89, melhor compulsando os autos, verifica-se que os fatos ocor-
reram em 04 de janeiro de 2023, ao passo que o dispositivo em questão entrou
em vigor em 11 de janeiro daquele ano, de modo que, em atenção ao princípio
da irretroatividade da lei penal, os fatos devem se subsumir ao tipo legal pre-
visto no art. 140, parágrafo 3º, do Código Penal.
Nem se alegue obstáculo à aplicação da emendatio libelli, conforme nor-
ma do art. 384 do Código de Processo Penal, porquanto todos os fatos foram
descritos pelo Ministério Público na denúncia, apenas alterando-se a capitu-
lação jurídica. A defesa pode discutir as alegações e delas se defendeu efetiva-
mente. Logo, não há ofensa alguma ao devido processo legal e a ampla defesa.
A descrição fática é perfeita; a incorreção atine à tipificação, o que pode ser
corrigido pelo julgador.
Independentemente da orientação sexual da vítima, o delito de injúria se
caracteriza pela utilização de insultos preconceituosos e homofóbicos que ofen-
dem a honra subjetiva do ofendido, qualificando-se na figura do § 3º do artigo
140 quando o seja em função desta. STJ. 5ª Turma. AgRg no HC 844.274-DF,
Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 13/5/2024 (Info 814).
Feita a readequação do caso, tenho comigo anoto que a ação penal, nes-
te caso, é pública condicionada à representação do ofendido, nos termos do





artigo 145, parágrafo único do Código Penal, com a redação vigente à época
dos fatos. A representação de L. P. consta expressa a fl. 8 e a de E. se infere de
fls. 113, posto que compareceu à delegacia e narrou de forma contundente o
ocorrido, de maneira que se pode presumir que aquiesceu à persecução penal”
(sic, fls. 325/326).
Feito o devido registro, diga-se de passagem, extremamente pertinente,
até para a compreensão da análise do mérito, passamos à análise dos recursos,
começando pelo inconformismo ministerial, que busca a condenação do sen-
tenciado M. R., também pelo crime de injúria racial, estendido o tipo criminal


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para casos de homofobia.
Respeitosamente, ousamos discordar do inconformismo do douto Par-
quet, mantendo-se as absolvições de ambos os acusados pelo referido crime.




Jurisprudência - Seção de Direito Criminal
Vejamos.
Em observância ao princípio da inocência, era mesmo caso de absolver os
acusados, inclusive o ora recorrido M. R., pois não se extrai da prova a certeza
necessária da autoria do crime descrito na denúncia, aliás, em relação ao acusa-
do J., como bem reconhecido pelo Ministério Público em sua manifestação, de
fato, sequer as vítimas o reconheceram como tendo proferido as palavras.
Ademais, quanto ao acusado M. R., condenado pelo crime de lesão cor-
poral grave, conforme adiante será analisado, apesar dos indícios, ao contrário
do alegado pela Acusação, também não há prova de que, de fato tenha sido ele
quem proferiu as palavras, ou seja, os insultos e xingamentos homofóbicos con-
tra os dois ofendidos.
Assim, em que pese a existência de indícios sobre uma possível prática
do delito descrito na exordial, necessário se fez reconhecer que não há prova
suficiente para uma condenação.
São vários os pontos controversos que causam estranheza, diga-se de pas-
sagem, muito bem elencados pelo Ilmo. Magistrado a quo, que deixam transpa-
recer a dúvida quanto a autoria delitiva praticado pelo acusado, bem como pelo
elemento subjetivo do tipo descrito na denúncia.
Sempre que ouvido, inclusive em juízo, sob o crivo do contraditório, o
acusado negou veementemente a prática do crime de injúria racial na modalida-
de de homofobia.
Ademais, conforme descrito pela oitiva das testemunhas compromis-
sadas, “existiam diversas pessoas no local, tanto que estas que acionaram a
administração da estação, e ainda, segundo relatos, estas estavam em estado
exaltado e proferindo as palavras injuriosas” (sic), o que incute suficiente dú-
vida sobre a dinâmica dos fatos.
E, ainda, não se duvida, jamais, da palavra das vítimas, ou mesmo a ho-
mofobia que, “sabe-se, infelizmente grassa quase livremente, com aceitação de
grande parte de nossa sociedade”. Contudo, a palavra da vítima, apenas ou iso-

ladamente, não gera a certeza da condenação, especialmente quando existem
outros elementos de prova, como gravações ambientais, testemunhas, dentre
outras coisas, a palavra das vítimas deve ser confrontada com estes, a fim de que
o quadro fático seja provado com elementos suficientes para condenação.
Reitere-se, óbvio que a palavra da vítima, especialmente como os aqui
analisados, praticados “às escondidas”, na “clandestinidade”, devem ser recebi-
dos com extrema importância, contudo, isoladas e eivadas de dúvidas e contra-
dições, devem ser recebidos com ressalva e serem minimamente corroborados
por outros elementos de prova, ainda que circunstanciais, o que não ocorreu no


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presente caso. Aqui a prática da injúria racial, estendido o tipo criminal para
casos de homofobia, é mister que outros elementos, mínimos que sejam, de
Jurisprudência - Seção de Direito Criminal prova, existam e indiquem a aproximação dos fatos narrados na denúncia com
a realidade do acontecido.
Assim, a dúvida razoável persiste, no sentido de existir provas seguras e
cristalinas da autoria e do dolo na ação do recorrido. A prova é bastante rasa e
inconclusiva.
A prova oral produzida no curso da instrução criminal, portanto, mostrou-
se mesmo demasiadamente frágil para apontar a autoria delitiva do acusado na
suposta prática de injúria racial, tipificado na denúncia no art. 2º-A, parágrafo
único, c/c art. 20-B, ambos da Lei nº 7.716/89, por duas vezes (na forma do
art. 70, caput, do Código Penal), porquanto isolada as versões pálidas e con-
traditórias das vítimas e demais testemunhas, tampouco corroborada por outros
elementos de prova, essencial para o caso em análise.
Assim, em que pese as suspeitas da prática do referido crime, porque tudo
indica que houve o xingamento afirmado na denúncia, mas a prova da autoria
deste acontecimento atribuía ao réu pelas vítimas se mostra insuficiente para
embasar um decreto condenatório, porque no local tinham outras pessoas que,
segundo a prova testemunhal, estavam inconformadas com a situação e profe-
riam xingatórios contra os ofendido.
A verdade é que na hipótese dos autos há somente conjecturas e suposi-
ções sobre a prática do mencionado delito, sendo as provas precárias e insufi-
cientes para embasar uma condenação.
Daí não parecer razoável, data venia, o reconhecimento da prática do
crime mencionado, embasado em suposições.
A propósito:
“A condenação requer certeza, sub specie universalis, alcançada com
prova válida, não bastando a alta probabilidade ou a certeza subjetiva
do julgador.” (STJ - 5ª Turma - REsp 363548 / SC, Rel. Min. FELIX
FISCHER (1109), j. 02/05/2005, DJ 10.06.2002 p. 250 REVFOR vol.
368 p. 392).
Por todo o exposto, houve e ainda há evidente dúvida quanto à autoria





atribuída ao apelado, existindo somente suspeitas baseadas na frágil prova co-
lhida nos autos. Realmente, meras presunções não autorizam o édito condenató-
rio, pela gravidade e percalços que ele acarreta ao condenado.
Assim, embora haja indícios da autoria delitiva praticada pelo recorrido,
agiu bem o d. Magistrado a quo ao entender pela insuficiência de provas, ab-
solvendo-o com fulcro no art. 386, inciso VII, do Código de Processo Penal,
porquanto não se pode condenar alguém quando não existe certeza plena da
autoria, devendo, nesta hipótese, prevalecer o princípio inserto na parêmia in
dubio pro reo.


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Quanto ao tema, há entendimento jurisprudencial deste e. Tribunal.
Vale dizer, probabilidade não é certeza.
Destarte, em observância ao princípio da inocência, a solução absolutó-




Jurisprudência - Seção de Direito Criminal
ria, portanto, era mesmo incontornável.
Por outro lado, em relação a condenação do réu pelo crime de lesão cor-
poral, de natureza grave, a prova é bastante robusta, cristalina e inconteste, de-
vendo prevalecer o édito condenatório, não merecendo guarida o pleito defensi-
vo de absolvição por suposta ausência de provas.
Referido crime, tipificado no art. 129 do Estatuto Repressivo, é descrito
como “ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem”, cujo tipo obje-
tivo consiste na conduta de causar dano à anatomia ou provocar perturbações
fisiológicas ou mentais em alguém. Assim, o objeto da conduta é a integridade
corporal, caracterizada pela inteireza do corpo humano, ou a saúde, consistente
nas funções orgânicas, físicas e mentais e, por fim, a lesão corporal é crime ma-
terial, ou seja, sua consumação ocorre com o resultado naturalístico. Como se
vê pela prova produzida nos autos, a lesão praticada na vítima restou confirmada
pelo “rompimento da clavícula” atestado por perito, de acordo com o laudo
acostado aos autos.
Com efeito, a materialidade do delito é inconteste, comprovada pelo bo-
letim de ocorrência (fls. 4/6), termo de declarações da vítima L. P. (fl. 7), termos
de declarações das vítimas E. e S. (fls. 113 e 126), termos de declarações dos
acusados M. R. e J. (fls. 9 e 127), laudo pericial (fls. 70/71), e na prova oral
colhida ao longo da instrução criminal (mídia).
A autoria delitiva também é induvidosa, conforme acima descrito, não se
firmando a negativa do acusado quanto às agressões perpetradas contra a vítima,
depoimentos aliás, firmes e substanciais, corroborado, ainda, pelas imagens da
degravação da câmera de segurança (fls. 80 e seguintes - imagens 6 a 14), dando
conta que o réu M. efetivamente aplicou um golpe “mata-leão” na vítima L. P.,
agindo com brutalidade muito além da necessidade para realizar uma contenção.
Destaca-se, por fim, a brilhante fundamentação a quo em relação ao cri-
me de lesão corporal de natureza grave:
“Desta forma, o laudo pericial de fls. 70/71, aliado às imagens de fls.

12/13, bem como as imagens de segurança e os depoimentos das vítimas, dão
conta do ocorrido, destacando-se a compatibilidade da lesão com os movimen-
tos apurados antes e depois, notadamente o tal “mata-leão” e o fato de ter a
sido a vítima “imprensada” contra a parede do banheiro pelo corréu M..
No caso dos autos, como acima visto, não há se falar em legitimidade,
configurando verdadeiro excesso do uso da força, mormente pela natureza dos
atos e pelas consequências das lesões que recaíram sobre L. P., incompatíveis
com uma simples tentativa de controle de pessoa em situação de resistência”
(sic, fls. 331/332).


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Da mesma forma, não procede o pedido de extinção da punibilidade em
relação ao crime de injúria qualificada em decorrência de homofobia, por en-
Jurisprudência - Seção de Direito Criminal tender, que o fato ocorreu antes da entrada em vigor do tipo previsto no art.
2º-A, da Lei nº 7.716/89, cuja decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal
(STF), na ADO nº 26, incluindo o crime de homofobia, está suspensa, não se
aplicando ao caso “sub judice”.
Como o réu/apelante está absolvido da referida imputação, por falta de
provas, logo este argumento está prejudicado, dispensando acrescer outras con-
siderações.
Ainda de forma alternativa, busca agora a Defesa, de forma infundada
e fora de contexto, a “suspensão condicional do processo”, nos termos do art.
89 da Lei nº 9.099/95, lembrando que o réu foi beneficiado com a “suspensão
condicional da pena”, o que obviamente, são institutos diversos.
Ressalto que a suspensão do processo deve ocorrer logo no início da ação
penal, após o oferecimento da denúncia e o seu recebimento. Precluso, pois, está
o objetivo do réu.
Ainda, em relação ao pedido alternativo - também infundado, fora de hora
e contexto - quanto a “conversão do julgamento em diligência, objetivando que
seja determinado à CPTM a disponibilização do acesso ao “link” do registro
visual disposto no processo cível mencionado”, por óbvio, fica indeferido por
absoluta ausência de amparo legal, posto que as provas, até então aqui produzi-
das, foram firmes e coerentes, sendo suficientes para justificar a condenação do
réu em relação ao delito de lesão corporal de natureza grave, lembrando, uma
vez mais, que o sentenciado foi agraciado com a concessão do sursis.
Incogitável, pois, a absolvição requerida, mantendo-se a condenação pelo
delito de lesão corporal grave, nos exatos termos estabelecidos.
Quanto à dosimetria da pena, contra a qual não se insurgiu a Defesa, até
porque fixada no melhor cenário possível ao Apelante, também não há reparo a
ser feito, pois, fixada no mínimo legal aplicável à espécie (1 ano de reclusão),
mantida inalterada nas etapas seguintes, ante a ausência de circunstâncias ate-
nuantes ou agravantes a serem consideradas, tampouco causas de aumento ou
diminuição de pena.





Por fim, mantém-se a opção pelo regime inicial aberto, ante o quantum
de pena imposta, e de acordo com o disposto nos artigos 33 e 59 do Código
Penal, tendo-se em conta, ainda, o princípio da suficiência, sendo mesmo in-
viável a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos,
em virtude de o crime ter sido cometido mediante violência ou grave ameaça à
pessoa, o que impede a concessão da benesse, nos termos do art. 44, inc. I, do
Código Penal, mantida, por fim, a concessão do sursis, nos termos do art. 77
do Código Penal, pelo prazo de dois anos, condicionada à prestação de servi-
ços à comunidade, especificamente no atendimento à população LGBTQIAPN+


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vítima de violência física ou psicológica, em entidade a ser indicada pelo juízo
da execução, tal como operada em primeira instância, que seguiu a regra do
artigo 78, § 1º, do Código Penal.




Jurisprudência - Seção de Direito Criminal
No entanto, a quantia fixada a título de indenização por danos morais,
qual seja, R$ 5.000,00 (cinco mil reais), é excessiva e não restou justificada a
contento. Desta forma, reduzo o valor para 1 (um) salário-mínimo.
Ante ao exposto, nego provimento ao recurso ministerial e, por outro
lado, dou parcial provimento ao apelo defensivo para apenas e tão somente
reduzir o valor fixado a título de danos morais para 1 (um) salário-mínimo,
mantendo-se, no mais, a r. sentença hostilizada pelos próprios e bem lançados
fundamentos.