Decisão 1535474-70.2021.8.26.0050

Processo: 1535474-70.2021.8.26.0050

Recurso: Apelação

Relator: GILDA ALVES BARBOSA DIODATTI

Câmara julgadora: Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça

Data do julgamento: 7 de maio de 2025

Ementa Técnica

APELAçãO – EXPOSIÇÃO À VENDA DE PRODUTOS DESTINADOS A FINS TERAPÊUTICOS OU ME- DICINAIS ADULTERADOS E SEM REGISTRO NA ANVISA (ART. 273, §§ 1º e 1º-B, I, DO CP). CONDE- NAÇÃO POR CRIME ÚNICO, MAS A ABRANGER AS DUAS CONDUTAS (ADULTERAÇÃO e FALTA DE REGISTRO). IMPOSSIBILIDADE. 1. FRAGILI- DADE PROBATÓRIA QUANTO À CONSCIÊNCIA DO RÉU ACERCA DA ADULTERAÇÃO. AFAS- TAMENTO DESSA CONDUTA IMPERIOSO. 2. RECONHECIMENTO DE ERRO DE PROIBIÇÃO ESCUSÁVEL ACERCA DA FALTA DE REGIS- TRO E CONSEQUENTE ABSOLVIÇÃO. INVIA- BILIDADE. ACUSDO COMERCIANTE EXPERI- MENTADO QUE ADQUIRIU OS PRODUTOS DE TERCEIRA PESSOA DE FORMA CLANDESTINA, RESSUMANDO EVIDENTE A CIÊNCIA DA FALTA DE REGISTRO. PROVAS ROBUSTAS. FALTA DE REGISTRO. Materialidade e autoria bem demons- tradas nos autos. Laudos periciais atestaram a inexis- tência de registro na ANVISA dos produtos apreendi- dos (“melzinho do amor”) a conterem fitoterápicos de uso fiscalizado, bem como a presença de fármaco não descrito na embalagem (tadalafila). Prova oral con- 571 firmou a apreensão dos produtos quando expostos à venda no estabelecimento comercial do réu. Acusado que admitiu a propriedade dos produtos e alegou des- Jurisprudência - Seção de Direito Criminal conhecer a necessidade de registro na ANVISA para a venda, bem como que não chegou a vender nem mes- mo uma unidade, nada dizendo sobre a adulteração constatada em perícia. Versão apresentada pelo réu que sucumbiu às provas produzidas pela acusação e até pelo relato judicial do próprio acusado, que admi- tiu ter ciência da origem clandestina do produto, não se mostrando crível que não tivesse ele ciência como comerciante há quase dez anos, de que o comércio de produtos com fins medicinais, ainda que fitoterápicos, necessitasse de autorização sanitária. ADULTERA- ÇÃO. Dúvida fundada acerca da consciência do réu quanto à divergência entre o rótulo das embalagens e a substância contida em seu interior. Réu comercian- te, sem formação farmacêutica e adulteração aferível apenas por meio de exame laboratorial. Conduta re- lativa à adulteração afastada, mantida a condenação, mas apenas pela conduta de expor à venda produtos destinados a fins terapêuticos ou medicinais sem re- gistro na Anvisa. PENA. APLICAÇÃO DA TESE JURÍDICA VIN- CULANTE FIRMADA NO STF (TEMA 1003). NE- CESSIDADE. Consoante entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal no RE 979.962/RS, cuja tese jurídica tem efeito vinculante, “É inconstitucio- nal a aplicação do preceito secundário do art. 273 do Código Penal, com redação dada pela Lei nº 9.677/98 (reclusão, de 10 a 15 anos, e multa), à hipótese previs- ta no seu § 1º-B, I, que versa sobre importar, vender, expor à venda, ter em depósito para vender ou, de qualquer forma, distribuir ou entregar produto sem registro no órgão de vigilância sanitária. Para estas si- tuações específicas, fica repristinado o preceito secun- dário do art. 273, na sua redação originária (reclusão, de 1 a 3 anos, e multa)”. EXTENSÃO E ALCANCE DA TESE JURÍDICA VINCULANTE. Tese jurídica que não se restringe ao comportamento de importar medicamentos sem registro, abrangendo igualmente 571 as condutas de vender, expor à venda, ter em depósi- to para vender ou, de qualquer forma, distribuir ou entregar produto sem registro no órgão de vigilância Jurisprudência - Seção de Direito Criminal sanitária, sob pena de injustificável distorção na re- pressão de condutas análogas, causadora de “sensa- ção difusa de injustiça”, nos dizeres do STF, quando do julgamento de embargos declaratórios relativos à extensão da mencionada tese jurídica vinculante. Imperiosa a aplicação do preceito secundário originário do artigo 273 do Código Penal. DOSIMETRIA. Base mantida no mínimo legal, em 1 ano de reclusão e 10 dias multa mínimos, ausentes circunstâncias desabo- nadoras a justificarem o aumento, tornada definitiva à míngua de modificadores. Mitigação pela confissão despropositada, porquanto o confesso deu-se de for- ma qualificada e a atenuante seria inócua. Súmula 231 do STJ. Penas reduzidas. REGIME PRISIONAL E PENAS ALTERNATIVAS. As circunstâncias judiciais consideradas favoráveis, aliadas ao montante do apenamento permite a apli- cação de pena alternativa, ora fixada em prestação de serviços à comunidade, nos termos a serem estabele- cidos pelo r. Juízo da execução, fixado o regime aberto em caso de descumprimento. Regime prisional modi- ficado, com substituição da corporal. Recurso defensivo parcialmente provido para afastar a imputação conjunta do artigo 273, §§ 1º e 1º-B, inci- so I, do Código Penal, mantida a condenação apenas pelo artigo 273, § 1º-B, inciso I, e, por consequência, aplicar o preceito secundário originário do artigo 273 do Código Penal (tema 1003 do STF), redimensiona- da a pena do réu para 1 (um) ano de reclusão e 10 (dez) dias-multa mínimos, substituída a corporal por restritiva de direitos consistente em prestação de ser- viços à comunidade, fixado o regime aberto em caso de descumprimento; mantida, no mais, a r. sentença. 572 até pelo relato judicial do próprio acusado, que admi- tiu ter ciência da origem clandestina do produto, não Jurisprudência - Seção de Direito Criminal se mostrando crível que não tivesse ele ciência como comerciante há quase dez anos, de que o comércio de produtos com fins medicinais, ainda que fitoterápicos, necessitasse de autorização sanitária. ADULTERA- ÇÃO. Dúvida fundada acerca da consciência do réu quanto à divergência entre o rótulo das embalagens e a substância contida em seu interior. Réu comercian- te, sem formação farmacêutica e adulteração aferível apenas por meio de exame laboratorial. Conduta re- lativa à adulteração afastada, mantida a condenação, mas apenas pela conduta de expor à venda produtos destinados a fins terapêuticos ou medicinais sem re- gistro na Anvisa. PENA. APLICAÇÃO DA TESE JURÍDICA VIN- CULANTE FIRMADA NO STF (TEMA 1003). NE- CESSIDADE. Consoante entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal no RE 979.962/RS, cuja tese jurídica tem efeito vinculante, “É inconstitucio- nal a aplicação do preceito secundário do art. 273 do Código Penal, com redação dada pela Lei nº 9.677/98 (reclusão, de 10 a 15 anos, e multa), à hipótese previs- ta no seu § 1º-B, I, que versa sobre importar, vender, expor à venda, ter em depósito para vender ou, de qualquer forma, distribuir ou entregar produto sem registro no órgão de vigilância sanitária. Para estas si- tuações específicas, fica repristinado o preceito secun- dário do art. 273, na sua redação originária (reclusão, de 1 a 3 anos, e multa)”. EXTENSÃO E ALCANCE DA TESE JURÍDICA VINCULANTE. Tese jurídica que não se restringe ao comportamento de importar medicamentos sem registro, abrangendo igualmente as condutas de vender, expor à venda, ter em depósi- to para vender ou, de qualquer forma, distribuir ou entregar produto sem registro no órgão de vigilância sanitária, sob pena de injustificável distorção na re- pressão de condutas análogas, causadora de “sensa- ção difusa de injustiça”, nos dizeres do STF, quando do julgamento de embargos declaratórios relativos à extensão da mencionada tese jurídica vinculante. Im- 573 periosa a aplicação do preceito secundário originário do artigo 273 do Código Penal. DOSIMETRIA. Base mantida no mínimo legal, em 1 ano de reclusão e 10 Jurisprudência - Seção de Direito Criminal dias multa mínimos, ausentes circunstâncias desabo- nadoras a justificarem o aumento, tornada definitiva à míngua de modificadores. Mitigação pela confissão despropositada, porquanto o confesso deu-se de for- ma qualificada e a atenuante seria inócua. Súmula 231 do STJ. Penas reduzidas. REGIME PRISIONAL E PENAS ALTERNATIVAS. As circunstâncias judiciais consideradas favoráveis, aliadas ao montante do apenamento permite a apli- cação de pena alternativa, ora fixada em prestação de serviços à comunidade, nos termos a serem estabele- cidos pelo r. Juízo da execução, fixado o regime aberto em caso de descumprimento. Regime prisional modi- ficado, com substituição da corporal. Recurso defensivo parcialmente provido para afastar a imputação conjunta do artigo 273, §§ 1º e 1º-B, inci- so I, do Código Penal, mantida a condenação apenas pelo artigo 273, § 1º-B, inciso I, e, por consequência, aplicar o preceito secundário originário do artigo 273 do Código Penal (tema 1003 do STF), redimensiona- da a pena do réu para 1 (um) ano de reclusão e 10 (dez) dias-multa mínimos, substituída a corporal por restritiva de direitos consistente em prestação de ser- viços à comunidade, fixado o regime aberto em caso de descumprimento; mantida, no mais, a r. sentença.(TJSP; Processo nº 1535474-70.2021.8.26.0050; Recurso: Apelação; Relator: GILDA ALVES BARBOSA DIODATTI; Data do Julgamento: 7 de maio de 2025)

Voto / Fundamentação

, em 15ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento parcial, nos ter- mos que constarão do acórdão. V. U.”, de conformidade com o voto da Relatora, que integra este acórdão. (VOTO nº 20.923) O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores CHRIS- TIANO JORGE (Presidente) e ELY AMIOKA. São Paulo, 7 de maio de 2025. GILDA ALVES BARBOSA DIODATTI, Relatora


Ementa: EXPOSIÇÃO À VENDA DE PRODUTOS DESTINADOS A FINS TERAPÊUTICOS OU ME- DICINAIS ADULTERADOS E SEM REGISTRO NA ANVISA (ART. 273, §§ 1º e 1º-B, I, DO CP). CONDE- NAÇÃO POR CRIME ÚNICO, MAS A ABRANGER AS DUAS CONDUTAS (ADULTERAÇÃO e FALTA DE REGISTRO). IMPOSSIBILIDADE. 1. FRAGILI- DADE PROBATÓRIA QUANTO À CONSCIÊNCIA DO RÉU ACERCA DA ADULTERAÇÃO. AFAS- TAMENTO DESSA CONDUTA IMPERIOSO. 2. RECONHECIMENTO DE ERRO DE PROIBIÇÃO ESCUSÁVEL ACERCA DA FALTA DE REGIS- TRO E CONSEQUENTE ABSOLVIÇÃO. INVIA- BILIDADE. ACUSDO COMERCIANTE EXPERI- MENTADO QUE ADQUIRIU OS PRODUTOS DE TERCEIRA PESSOA DE FORMA CLANDESTINA, RESSUMANDO EVIDENTE A CIÊNCIA DA FALTA DE REGISTRO. PROVAS ROBUSTAS. FALTA DE REGISTRO. Materialidade e autoria bem demons- tradas nos autos. Laudos periciais atestaram a inexis- tência de registro na ANVISA dos produtos apreendi- dos (“melzinho do amor”) a conterem fitoterápicos de uso fiscalizado, bem como a presença de fármaco não descrito na embalagem (tadalafila). Prova oral con- 571 firmou a apreensão dos produtos quando expostos à venda no estabelecimento comercial do réu. Acusado que admitiu a propriedade dos produtos e alegou des- Jurisprudência - Seção de Direito Criminal conhecer a necessidade de registro na ANVISA para a venda, bem como que não chegou a vender nem mes- mo uma unidade, nada dizendo sobre a adulteração constatada em perícia. Versão apresentada pelo réu que sucumbiu às provas produzidas pela acusação e até pelo relato judicial do próprio acusado, que admi- tiu ter ciência da origem clandestina do produto, não se mostrando crível que não tivesse ele ciência como comerciante há quase dez anos, de que o comércio de produtos com fins medicinais, ainda que fitoterápicos, necessitasse de autorização sanitária. ADULTERA- ÇÃO. Dúvida fundada acerca da consciência do réu quanto à divergência entre o rótulo das embalagens e a substância contida em seu interior. Réu comercian- te, sem formação farmacêutica e adulteração aferível apenas por meio de exame laboratorial. Conduta re- lativa à adulteração afastada, mantida a condenação, mas apenas pela conduta de expor à venda produtos destinados a fins terapêuticos ou medicinais sem re- gistro na Anvisa. PENA. APLICAÇÃO DA TESE JURÍDICA VIN- CULANTE FIRMADA NO STF (TEMA 1003). NE- CESSIDADE. Consoante entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal no RE 979.962/RS, cuja tese jurídica tem efeito vinculante, “É inconstitucio- nal a aplicação do preceito secundário do art. 273 do Código Penal, com redação dada pela Lei nº 9.677/98 (reclusão, de 10 a 15 anos, e multa), à hipótese previs- ta no seu § 1º-B, I, que versa sobre importar, vender, expor à venda, ter em depósito para vender ou, de qualquer forma, distribuir ou entregar produto sem registro no órgão de vigilância sanitária. Para estas si- tuações específicas, fica repristinado o preceito secun- dário do art. 273, na sua redação originária (reclusão, de 1 a 3 anos, e multa)”. EXTENSÃO E ALCANCE DA TESE JURÍDICA VINCULANTE. Tese jurídica que não se restringe ao comportamento de importar medicamentos sem registro, abrangendo igualmente 571 as condutas de vender, expor à venda, ter em depósi- to para vender ou, de qualquer forma, distribuir ou entregar produto sem registro no órgão de vigilância Jurisprudência - Seção de Direito Criminal sanitária, sob pena de injustificável distorção na re- pressão de condutas análogas, causadora de “sensa- ção difusa de injustiça”, nos dizeres do STF, quando do julgamento de embargos declaratórios relativos à extensão da mencionada tese jurídica vinculante. Imperiosa a aplicação do preceito secundário originário do artigo 273 do Código Penal. DOSIMETRIA. Base mantida no mínimo legal, em 1 ano de reclusão e 10 dias multa mínimos, ausentes circunstâncias desabo- nadoras a justificarem o aumento, tornada definitiva à míngua de modificadores. Mitigação pela confissão despropositada, porquanto o confesso deu-se de for- ma qualificada e a atenuante seria inócua. Súmula 231 do STJ. Penas reduzidas. REGIME PRISIONAL E PENAS ALTERNATIVAS. As circunstâncias judiciais consideradas favoráveis, aliadas ao montante do apenamento permite a apli- cação de pena alternativa, ora fixada em prestação de serviços à comunidade, nos termos a serem estabele- cidos pelo r. Juízo da execução, fixado o regime aberto em caso de descumprimento. Regime prisional modi- ficado, com substituição da corporal. Recurso defensivo parcialmente provido para afastar a imputação conjunta do artigo 273, §§ 1º e 1º-B, inci- so I, do Código Penal, mantida a condenação apenas pelo artigo 273, § 1º-B, inciso I, e, por consequência, aplicar o preceito secundário originário do artigo 273 do Código Penal (tema 1003 do STF), redimensiona- da a pena do réu para 1 (um) ano de reclusão e 10 (dez) dias-multa mínimos, substituída a corporal por restritiva de direitos consistente em prestação de ser- viços à comunidade, fixado o regime aberto em caso de descumprimento; mantida, no mais, a r. sentença. 572 até pelo relato judicial do próprio acusado, que admi- tiu ter ciência da origem clandestina do produto, não Jurisprudência - Seção de Direito Criminal se mostrando crível que não tivesse ele ciência como comerciante há quase dez anos, de que o comércio de produtos com fins medicinais, ainda que fitoterápicos, necessitasse de autorização sanitária. ADULTERA- ÇÃO. Dúvida fundada acerca da consciência do réu quanto à divergência entre o rótulo das embalagens e a substância contida em seu interior. Réu comercian- te, sem formação farmacêutica e adulteração aferível apenas por meio de exame laboratorial. Conduta re- lativa à adulteração afastada, mantida a condenação, mas apenas pela conduta de expor à venda produtos destinados a fins terapêuticos ou medicinais sem re- gistro na Anvisa. PENA. APLICAÇÃO DA TESE JURÍDICA VIN- CULANTE FIRMADA NO STF (TEMA 1003). NE- CESSIDADE. Consoante entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal no RE 979.962/RS, cuja tese jurídica tem efeito vinculante, “É inconstitucio- nal a aplicação do preceito secundário do art. 273 do Código Penal, com redação dada pela Lei nº 9.677/98 (reclusão, de 10 a 15 anos, e multa), à hipótese previs- ta no seu § 1º-B, I, que versa sobre importar, vender, expor à venda, ter em depósito para vender ou, de qualquer forma, distribuir ou entregar produto sem registro no órgão de vigilância sanitária. Para estas si- tuações específicas, fica repristinado o preceito secun- dário do art. 273, na sua redação originária (reclusão, de 1 a 3 anos, e multa)”. EXTENSÃO E ALCANCE DA TESE JURÍDICA VINCULANTE. Tese jurídica que não se restringe ao comportamento de importar medicamentos sem registro, abrangendo igualmente as condutas de vender, expor à venda, ter em depósi- to para vender ou, de qualquer forma, distribuir ou entregar produto sem registro no órgão de vigilância sanitária, sob pena de injustificável distorção na re- pressão de condutas análogas, causadora de “sensa- ção difusa de injustiça”, nos dizeres do STF, quando do julgamento de embargos declaratórios relativos à extensão da mencionada tese jurídica vinculante. Im- 573 periosa a aplicação do preceito secundário originário do artigo 273 do Código Penal. DOSIMETRIA. Base mantida no mínimo legal, em 1 ano de reclusão e 10 Jurisprudência - Seção de Direito Criminal dias multa mínimos, ausentes circunstâncias desabo- nadoras a justificarem o aumento, tornada definitiva à míngua de modificadores. Mitigação pela confissão despropositada, porquanto o confesso deu-se de for- ma qualificada e a atenuante seria inócua. Súmula 231 do STJ. Penas reduzidas. REGIME PRISIONAL E PENAS ALTERNATIVAS. As circunstâncias judiciais consideradas favoráveis, aliadas ao montante do apenamento permite a apli- cação de pena alternativa, ora fixada em prestação de serviços à comunidade, nos termos a serem estabele- cidos pelo r. Juízo da execução, fixado o regime aberto em caso de descumprimento. Regime prisional modi- ficado, com substituição da corporal. Recurso defensivo parcialmente provido para afastar a imputação conjunta do artigo 273, §§ 1º e 1º-B, inci- so I, do Código Penal, mantida a condenação apenas pelo artigo 273, § 1º-B, inciso I, e, por consequência, aplicar o preceito secundário originário do artigo 273 do Código Penal (tema 1003 do STF), redimensiona- da a pena do réu para 1 (um) ano de reclusão e 10 (dez) dias-multa mínimos, substituída a corporal por restritiva de direitos consistente em prestação de ser- viços à comunidade, fixado o regime aberto em caso de descumprimento; mantida, no mais, a r. sentença.





VOTO

A r. sentença de fls. 230/235, cujos embargos declaratórios dela tirados foram rejeitados pela decisão de fls. 247/248, publicada aos 07.01.2025 (data em que disponibilizada nos autos digitais), julgou procedente a pretensão acu- satória para condenar o acusado MUHAMMUD ADNAN ALI como incurso no artigo 273, §§ 1º e 1º-B, inciso I, do código Penal, às penas de 5 (cinco) anos de reclusão, em regime inicial semiaberto, com o pagamento de 10 (dez) dias- multa, mínimos. Inconformado, apela o sentenciado buscando sua absolvição ao argumen- to que ocorrente, na espécie, erro de proibição escusável, porquanto desconhe- cia a necessidade de registro na ANVISA dos produtos fitoterápicos apreendidos em sua loja, o que se mostra plausível porquanto até mesmo os policiais res- 574 ponsáveis pela diligência a culminar na preensão desconheciam tal fato. Alter- nativamente, quer a mitigação da reprimenda com: a) repristinação do preceito Jurisprudência - Seção de Direito Criminal secundário original do artigo 273, do Código Penal, a estabelecer apenamento entre 1 e 3 anos de reclusão e multa; b) mitigação do apenamento pela atenuante da confissão espontânea; e, c) substituição da corporal por restritivas de direitos (fls. 266/274). O recurso foi processado e contrarrazoado (fls. 280/291). A douta Pro- curadoria-Geral de Justiça ofertou respeitável parecer, pelo não provimento do apelo defensivo (fls. 301/309). É o relatório. Inicialmente, obtempero que, no caso destes autos, foram imputadas, a despeito da condenação por crime único, duas das condutas previstas nos §§ do artigo 273 do Código Penal, porquanto os produtos por ele vendidos não só apresentaram composição diversa daquela presente em suas embalagens (adul- teração - prevista no § 1º), como também não tinham o necessário registro na ANVISA para sua comercialização em território nacional (§ 1º, inciso I). E, como a diferenciação das condutas tem impacto direto no apenamento a ser fixado - dês que a imputação também da conduta relativa à adulteração impede a aplicação do tema 1003 do STF ao caso, imperiosa sua análise em se- parado, ao que se procederá mais adiante, após a exposição da prova amealhada ao longo da instrução. Pelo que consta dos autos, o réu Muhammud foi denunciado pelo crime de ter em depósito/expor à venda produtos destinados a fins terapêuticos ou me- dicinais adulterados (CP, art. 273, § 1º) e sem registro na Anvisa (CP, art. 273, § 1º-B, I), porque segundo a denúncia, no dia 18.08.2021, na Rua Barão de Du- prat, nº 315, box nº 21, Sé, nesta cidade e Comarca da capital tinha em depósito bem como expôs à venda o produto popularmente conhecido como “melzinho do amor”, reputado afrodisíaco. Segundo a denúncia (fls. 77/80), à data dos fatos, “Policiais Civis, no transcurso de operação deflagrada com o objetivo de combater o comércio ile- gal do produto vulgarmente conhecido como ‘melzinho do amor’, dirigiram-se à Rua Barão de Duprat e diligenciaram o estabelecimento comercial do denun- ciado, identificado como ‘Mariam Vape’, localizado no numeral 315 do referido logradouro, ‘box’ nº 21. No interior do aludido box, os policiais localizaram 201 (duzentas e uma) embalagens do produto ‘melzinho do amor’, da marca ‘POWER HONEY’; 29 (vinte e nove) caixas, cada uma com 12 (doze) sachês de 15 g (quinze gramas) cada, do produto ‘melzinho do amor’, da marca ‘VITAL HONEY - VIP’; e 08 (oito) embalagens, cada uma com 12 (doze) sachês de 10 g (dez gramas) cada, do mesmo produto ‘melzinho do amor’, da marca ‘VITAL HONEY VIP’. Todos os produtos e embalagens não apresentavam informações de rastreabilidade e nem tradução para a língua portuguesa. Os produtos foram apreendidos e, após realização da perícia, constatou- se que o material analisado é composto - segundo seus rótulos - por princípios Jurisprudência - Seção de Direito Criminal ativos fitoterápicos e, por esta razão, são destinados a fins terapêuticos, mas não possuíam registro na ANVISA. Ademais, os medicamentos estavam adul- terados, pois possuíam em suas composições o princípio ativo tadalafila, que não estava indiciado em seus rótulos. A tadalafila é medicamento similar ao sildenafil e ambos são destinados ao tratamento de disfunção erétil, sendo que a sua presença, ou seja, a presença de fármaco adulterante, pois não declarado em rótulo, representa risco a saúde do usuário.” Daí esse processo. Para demonstração da materialidade e autoria delitivas, foram juntados ao feito: portaria de instauração de inquérito policial (fls. 2 ou 5); boletim de ocor- rência (fls. 3/4 ou 6/7); auto de exibição e apreensão (fls. 8/9); laudos periciais relativos à fotografação e ao exame dos produtos apreendidos, que constataram a discrepância entre os informes de composição das embalagens e o teor do produto (presença de tadalafila não informada nas embalagens) (fls. 15/31 ou 95/111 e 57/61 ou 113/117) e relatórios/informes da ANVISA sobre a falta de registro de tais produtos pela vigilância sanitária porquanto apresentam subs- tâncias controladas a implicar riscos à saúde de quem deles faz uso (fls. 41/47). Colheu-se, igualmente, prova oral. O apelante Muhammud admitiu em ambas as fases da persecução penal, a propriedade das substâncias apreendidas, mas negou seu fornecimento a ter- ceiros, alegando que não chegou a vender uma unidade que fosse dos produtos. Também afirmou que desconhecia a situação irregular de tais produtos ou a necessidade de registro ou liberação da vigilância sanitária para a venda, pois to- dos os comerciantes da região vendiam o produto. Em solo policial, disse ter ad- quirido os produtos de ambulantes na região da rua vinte e cinco de março, com o propósito de revenda; já em Juízo, disse que recebeu os produtos de terceira pessoa (a quem não identificou), como pagamento de uma dívida e os colocou para a venda, expostos em seu comércio, de modo que não tinha notas fiscais. Colocou para a venda do jeito que recebeu, ainda lacrados, desconhecendo a existência de produto proibido, porque nada era mencionado nos rótulos (escla- reço que o acusado é de origem iraniana e os produtos tinham rótulos em inglês e árabe, de modo que ele certamente podia lê-los). Não costuma trabalhar com produtos importados. Achava que era um simples mel sem nada de mais, soube da proibição pela polícia (fls. 70/71 - delegacia e gravação de fl. 214 - Juízo). A policial civil Ana Maria Lemos de Aguiar Cometto, ouvida apenas em juízo, relatou que realizavam uma operação policial específica para a apreensão de produtos popularmente denominados “melzinho do amor” e foram apreen- didos no estabelecimento comercial do acusado, não se recorda da quantidade, 576 mas que estavam expostos à venda, as embalagens não estavam na língua pátria e não havia a como proceder ao seu rastreamento, ausente qualquer indicação Jurisprudência - Seção de Direito Criminal de sua procedência. O acusado se apresentou como o responsável pelo local, uma pequena loja dentro da galeria Pajé e disse desconhecer que a venda de tal produto era proibida, comprometendo-se a informar a procedência dos produtos (gravação de fl. 193). O policial civil Lucas Rodrigues dos Santos, ouvido apenas em juízo, relatou que também participou da vistoria na loja do apelante, onde foram en- contradas mais de duzentas (quase duzentas e cinquenta) caixas do “melzinho do amor”, mercadoria sem qualquer indicação de origem ou rotulagem em lín- gua portuguesa. O produto era vendido com a promessa de aumentar a libido. Muhammud estava presente no local, mas não soube informar a origem dos produtos e não apresentou qualquer nota fiscal relativa à compra. Os produtos estavam expostos à venda em um estabelecimento comercial de pequeno porte (box dentro de galeria). Tem conhecimento de que havia relatórios da ANVISA sobre a impossibilidade de venda daquele tipo de produto, bem como que houve divulgação também na mídia televisiva (“reportagem do fantástico”) a respeito. A polícia sabia que o produto era vendido na galeria Pajé, por isso lá foram passando a procurar loja por loja. Inquirido pela defesa se sabia da proibição de venda do “melzinho do amor” disse que não, que tomou conhecimento no dia da operação policial (gravação de fl. 214). A testemunha de defesa Carina Freire, ouvida apenas em juízo, disse que trabalha no box do réu há quase seis anos. Não eram os únicos a vender tal pro- dutos, vários outros boxes também vendiam normalmente, “se achava em qual- quer canto”. Desconheciam a proibição de venda, tanto que tinham o produto em grande quantidade, à mostra, sobre o balcão e em toda a loja, até no fundo. Todos os lojistas da região vendiam, daí acharem que não havia problemas em comercializar também. Achava que era um simples afrodisíaco. A loja vendia produtos de tabacaria. Acredita que o acusado recebeu os produtos apreendidos como pagamento de uma dívida e os colocou para vender. Desconhece a exis- tência de nota fiscal (gravação de fl. 214). O laudo de fotografação do IC permite a constatação de que os produtos estavam acondicionados em embalagens cujos informes encontravam-se nos idiomas inglês e árabe apenas (fls. 15/31). O exame laboratorial dos produtos indicou a presença de adulteração, consistente na presença do fármaco “tadalafila”, não descrito nas embalagens (fls. 57/61). Essa a prova dos autos. Visando conferir maior clareza e objetividade ao provimento jurisdicio- nal e atenta ao dever jurídico-constitucional de fundamentação das decisões ju- diciais (CF, art. 93, IX); bem como pelos motivos expostos ao início deste voto, analiso as condutas atribuídas ao acusado isoladamente. Depósito/exposição à venda de produtos destinados a fins terapêuti- cos ou medicinais adulterados (artigo 273, § 1º). Jurisprudência - Seção de Direito Criminal Com a devida vênia ao posicionamento singular, entendo que se impõe a exclusão dessa conduta delituosa. Isso porque, como visto alhures, os laudos periciais atestaram a divergên- cia entre as substâncias examinadas e as informações constantes das respectivas embalagens que não mencionavam a presença do fármaco tadalafila na compo- sição do produto, caracterizando-se, pois, a adulteração. Contudo, há fundada dúvida acerca da consciência do réu quanto à re- ferida adulteração. Afinal, não se colheu elemento probatório capaz de atestar ou, ao menos, indicar por indução (CPP, art. 239) que o acusado tivesse capa- cidade técnica para aferir a divergência entre a substância existente no interior das embalagens e as informações constantes de seu rótulo; o acusado, ao que se infere, é comerciante local sem qualquer expertise alusiva à composição de medicamentos/fitoterápicos. E inobstante a constatação de adulteração, não há evidências de que te- nha sido o réu que procedeu à adulteração e, repise-se, nem parece viável que pudesse constatá-la, já que somente foi descoberta com a análise laboratorial e não há notícia de que o acusado possuísse conhecimento técnico para tanto ou dispusesse de equipamentos para testar os produtos. Assim, como o acusado não tinha condições de aferir a correspondência entre o produto e as inscrições contidas nos rótulos, é possível que ignorasse a adulteração. E a condenação criminal, como cediço, exige a produção de conjunto de provas que, valoradas conjuntamente, sejam capazes de confirmar racionalmen- te a imputação para além de dúvida razoável existente nos autos, o que não ocor- reu na espécie quanto ao elemento subjetivo do crime de depósito/exposição à venda de produtos destinados para fins terapêuticos ou medicinais adulterados. Confira-se, a propósito, entendimento firmado pelo Excelso Supremo Tribunal Federal: “As acusações penais não se presumem provadas, na medida em que o ônus da prova concernente aos elementos constitutivos do pedi- do (autoria e materialidade do fato delituoso) incumbe exclusivamente a quem acusa, sob pena de inobservância das garantias constitucionais do contraditório, da ampla defesa e da presunção de inocência.” (Segunda Turma, HC 186.658/SP, Rel. Min. Nunes Marques, j. 03.05.2022); “A presunção de inocência, princípio cardeal no processo criminal, é tanto uma regra de prova como um escudo contra a punição prematura. Como regra de prova, a formulação mais precisa é o standard anglo-saxônico no sentido de que a responsabilidade criminal deve ser provada acima de qualquer dúvida razoável (proof beyond a reasonable 578 doubt) e que foi consagrado no art. 66, item 3, do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional.” (Primeira Turma, Ação Penal nº 580/SP, Jurisprudência - Seção de Direito Criminal Rel.ª Min.ª Rosa Weber, j. em 13/12/2016). Por tais razões, fica excluída da condenação a conduta relativa a ter em depósito/expor à venda produtos destinados para fins terapêuticos ou medicinais adulterados (CP, art. 273, § 1º), por insuficiência de provas quanto ao dolo. Depósito/exposição à venda de produtos destinados a fins terapêuti- cos ou medicinais sem registro na Anvisa (artigo 273, § 1-B, inciso I). Como já destacado e referido alhures, os laudos periciais e os relatórios/ informes de fls. 41/47, atestaram a inexistência de registro na Anvisa dos pro- dutos apreendidos, em desconformidade com a lei de regência (Lei nº 6.360/76, art. 12), bem como a presença de risco sanitário alto na comercialização dos produtos apreendidos, dada a possibilidade de morte daquele que o consumir sem orientação médica adequada. E os policiais civis oficiantes ratificaram em juízo, de forma segura, coe- sa e imparcial, a localização e a apreensão de grande quantidade do “melzinho do amor” exposta à venda no estabelecimento comercial do acusado. Aliás, até mesmo a testemunha de defesa e o próprio acusado admitiram tal coisa, ainda que asseverando desconhecer a proibição da venda pela vigilância sanitária, ao argumento singelo de que todos os comerciantes locais vendiam livremente tal produto. Ora, a versão apresentada pelo réu, além de inverossímil, restou isolada nos autos e sucumbiu às provas produzidas pela Acusação. Isso porque o “fato do comércio de tal produto na região ser dissemina- do, na época, não elide a responsabilidade do réu. (...) evidente que tinha pleno discernimento sobre a ilicitude e da origem clandestina do aludido produto, que não apresentavam rastreabilidade nem tradução de rótulo, muito menos nota fiscal que justificasse a procedência, tanto assim que sequer soube identificar aquele que apontou como fornecedor de tais produtos, e o que é pior, aceitou como possível quitação de dívida, o que não se coaduna com sua corriqueira atividade de comerciante formal”, conforme bem obtemperado na r. sentença (fls. 232/233). E não socorre à combativa defesa a assertiva de que se nem mesmo o policial civil oficiante, Lucas, a atuar há anos no combate à disseminação de me- dicamentos e produtos terapêuticos adulterados/falsificados/proibidos conhecia a proibição/irregularidade na venda do “melzinho do amor”, não teria o acusado que saber da proibição/irregularidade na venda do produto. Ora, o policial recebe os informes sobre irregularidades advindos dos ór- gãos de vigilância sanitária ou por denúncias, sua atividade principal é inves- tigar/fiscalizar, para o que não precisa conhecer todo e qualquer produto adul- terado/proibido, até porque dada o elevado número de ocorrências/apreensões e dada a enormidade de adulterações ou irregularidades existentes seria huma- namente impossível ao agente policial conhecer todos os produtos proibidos ou sujeitos à fiscalização. Jurisprudência - Seção de Direito Criminal O mesmo já não ocorre quanto ao acusado, que, para proceder à venda de forma responsável e segura, teria de verificar único produto e mesmo ciente de que seu ramo de atuação comercial era tabacaria, ramo muito diverso da venda de produtos terapêuticos, sequer procurou se informar sobre o produto que, como anotado pelo culto sentenciante, recebeu sem qualquer nota fiscal ou comprovante de origem, como pagamento de uma dívida e tratou de expor à venda visando lucro imediato, apenas por saber que os demais lojistas o ven- diam dada sua grande procura, sem se importar se poderia causara mal à queles que o comprassem. E, tratando-se de crime de perigo abstrato, que tem por bem jurídico tu- telado a saúde pública, sua configuração prescinde da produção de resultado danoso, bastando a simples ausência de registro obrigatório no órgão de vigi- lância sanitária competente, de modo que não socorre ao acusado a afirmação defensiva de que não foi vendida uma unidade sequer do produto. O comércio e a distribuição, a qualquer título, de produtos com fins tera- pêuticos ou medicinais sem registro - quando exigível - no órgão de vigilância sanitária competente colocam em risco número indeterminado de pessoas e, bem por isso, devem ser reprimidos pelo Estado. Assim, diante do conjunto probatório coligido, que bem demonstrou a materialidade e a autoria delitivas, é de rigor a manutenção da condenação do réu Muhammud pelo crime de depósito/exposição a venda de produtos destina- dos para fins terapêuticos ou medicinais sem registro na Anvisa (CP, art. 273, § 1º-B, I), não havendo que se falar em absolvição por insuficiência de provas. Passa-se ao exame do apenamento, a merecer alteração, consoante pleiteado pela defesa, em razão do afastamento da conduta de expor a ven- da produto adulterado. Antes de avançar ao cálculo dosimétrico, fazem-se necessárias algumas observações quanto ao preceito secundário do tipo penal incriminador. Com a edição da Lei nº 9.677/98, motivada especialmente pela reação social ao caso das “pílulas de farinha”, impôs-se o recrudescimento das penas do crime previsto no artigo 273 do Código Penal, além da criação e tipificação de condutas equiparadas. A partir dessa modificação legislativa, o Código Penal passou a prever pena de 10 (dez) a 15 (quinze) anos de reclusão para condutas de reprovabi- lidade muito diversa entre si, que vão desde a falsificação de remédios até o comércio de medicamentos não registrados na Anvisa. A nova pena carcerária também foi cominada para o agente que impor- tar, vender, expor à venda, ter em depósito para vender ou, de qualquer forma, 580 distribuir ou entregar a consumo o produto falsificado, corrompido, adulterado ou alterado (CP, art. 273, §1º), incluindo-se medicamentos, matérias primas, Jurisprudência - Seção de Direito Criminal insumos farmacêuticos, cosméticos, saneantes e os de uso em diagnóstico (CP, art. 273, §1º-A), bem como produtos em certas e determinadas condições, como proclamam os incisos do § 1º-B do mesmo enunciado normativo. O artigo 273, § 1º-B, do Código Penal, incluído pela Lei nº 9.677/98, de- termina que ficará sujeito às mesmas penas do caput (reclusão de dez a quinze anos) aquele que importar, vender, expor à venda, ter em depósito para vender ou, de qualquer forma, distribuir ou entregar a consumo produtos que - apesar de não falsificados, corrompidos, alterados ou adulterados - encontrarem-se numa das seguintes condições: “I - sem registro, quando exigível, no órgão de vigilância sanitária competente; II - em desacordo com a fórmula constante do registro previsto no inciso anterior; III - sem as características de identidade e qualidade admitidas para a sua comercialização; IV - com redução de seu valor terapêutico ou de sua atividade; V - de procedência ignorada; VI - adquiridos de estabelecimento sem licença da autoridade sanitária competente.”. Após a vigência da citada norma e diante da notória desproporcionalidade da pena carcerária cominada - principalmente quando em cotejo com o crime de tráfico de entorpecentes -, muitos tribunais nacionais passaram a reconhecer e declarar a inconstitucionalidade material, por violação ao postulado constitucio- nal da proporcionalidade, do novo e severo apenamento previsto para algumas das condutas descritas na lei penal. O Colendo Superior Tribunal de Justiça, ao debruçar-se sobre o tema em questão, declarou a inconstitucionalidade material do preceito secundário relativo às condutas tipificadas no artigo 273, § 1º-B, inciso V, do Código Penal, e, à ocasião, entendeu ser o caso de aplicar, em substituição, as penas impostas ao crime previsto no artigo 33, caput, da Lei nº 11.343/06, com possibilidade, inclusive, de incidência da causa de diminuição de pena do respectivo § 4º do referido dispositivo. Confira-se a ementa da decisão proferida pelo C. STJ: “ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. PRECEI- TO SECUNDÁRIO DO ART. 273, § 1º-B, V, DO CP. CRIME DE TER EM DEPÓSITO, PARA VENDA, PRODUTO DESTINADO A FINS TE- RAPÊUTICOS OU MEDICINAIS DE PROCEDÊNCIA IGNORADA. OFENSA AO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. 1. A interven- ção estatal por meio do Direito Penal deve ser sempre guiada pelo prin- cípio da proporcionalidade, incumbindo também ao legislador o dever de observar esse princípio como proibição de excesso e como proibição de proteção insuficiente. 2. É viável a fiscalização judicial da constitu- cionalidade dessa atividade legislativa, examinando, como diz o Minis- tro Gilmar Mendes, se o legislador considerou suficientemente os fatos e prognoses e se utilizou de sua margem de ação de forma adequada para a proteção suficiente dos bens jurídicos fundamentais. 3. Em atenção ao princípio constitucional da proporcionalidade e razoabilidade das leis restritivas de direitos (CF, art. 5º, LIV), é imprescindível a atuação do Jurisprudência - Seção de Direito Criminal Judiciário para corrigir o exagero e ajustar a pena cominada à conduta inscrita no art. 273, § 1º-B, do Código Penal. 4. O crime de ter em de- pósito, para venda, produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais de procedência ignorada é de perigo abstrato e independe da prova da ocorrência de efetivo risco para quem quer que seja. E a indispensabili- dade do dano concreto à saúde do pretenso usuário do produto evidencia ainda mais a falta de harmonia entre o delito e a pena abstratamente cominada (de 10 a 15 anos de reclusão) se comparado, por exemplo, com o crime de tráfico ilícito de drogas - notoriamente mais grave e cujo bem jurídico também é a saúde pública. 5. A ausência de relevância penal da conduta, a desproporção da pena em ponderação com o dano ou perigo de dano à saúde pública decorrente da ação e a inexistência de conse- quência calamitosa do agir convergem para que se conclua pela falta de razoabilidade da pena prevista na lei. A restrição da liberdade individual não pode ser excessiva, mas compatível e proporcional à ofensa causa- da pelo comportamento humano criminoso. 6. Arguição acolhida para declarar inconstitucional o preceito secundário da norma.” (STJ, Corte Especial, AI no HC 239.363/PR, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, jul- gado em 26/02/2015, DJe de 10/04/2015). Por sua vez, o Colendo Órgão Especial deste Egrégio Tribunal de Justiça, pelo aresto de relatoria do Eminente Desembargador Marcio Bartoli, no julgamento da arguição de inconstitucionalidade nº 0052451-46.2016.8.26.0000, por maioria de votos, conheceu da arguição e, por votação unânime, julgou-a procedente para incidentalmente declarar a inconstitucionalidade do preceito secundário relativo às condutas previstas no artigo 273, § 1º-B, incisos I, V e VI, do Código Penal. Confira-se a ementa do v. Acórdão: “Arguição de inconstitucionalidade. Alegação de incons- titucionalidade do preceito secundário do art. 273, § 1º- B, incisos I, V e VI, do Código Penal. Conhecimento. Morte do interessado no cur- so da revisão criminal que não leva à sua extinção. Inteligência do art. 631 do Código de Processo Penal. Verificação da desproporcionalida- de do preceito secundário do dispositivo impugnado, especialmente se comparado a delitos semelhantes. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça. Arguição julgada procedente para declarar a inconstituciona- lidade da pena do art. 273, § 1º-B, incisos I, V e VI, do Código Penal.” (TJSP, Órgão Especial, Arguição de Inconstitucionalidade nº 0052451-46.2016.8.26.0000, Rel. Des. Márcio Bartoli, j. em 28/06/2017). Posteriormente, porém, em março de 2021, o Excelso Supremo Tribunal 582 Federal, no julgamento do RE 979.962/RS, com repercussão geral reconhe- cida (tema 1003), sedimentou entendimento no sentido de que: “É inconstitu- Jurisprudência - Seção de Direito Criminal cional a aplicação do preceito secundário do art. 273 do Código Penal, com redação dada pela Lei 9.677/1998 (reclusão, de 10 a 15 anos, e multa), à hi- pótese prevista no seu § 1º-B, I, que versa sobre a importação de medicamento sem registro no órgão de vigilância sanitária. Para esta situação específica, fica repristinado o preceito secundário do art. 273, na redação originária (reclusão, de 1 a 3 anos, e multa)” (grifo nosso). Confira-se a ementa do r. decisum profe- rido pela Suprema Corte brasileira: “DIREITO CONSTITUCIONAL E PENAL. RECURSO EX- TRAORDINÁRIO. IMPORTAÇÃO DE MEDICAMENTOS SEM REGIS- TRO SANITÁRIO (CP, ART. 273, 273, § 1º-B, I, DO CÓDIGO PENAL). INCONSTITUCIONALIDADE DA PENA ABSTRATAMENTE PREVIS- TA. 1. O art. 273, § 1º-B, do CP, incluído após o “escândalo das pílulas de farinha”, prevê pena de dez a quinze anos de reclusão para quem importar medicamento sem registro no órgão de vigilância sanitária competente. 2. Como decorrência da vedação de penas cruéis e dos prin- cípios da dignidade humana, da igualdade, da individualização da pena e da proporcionalidade, a severidade da sanção deve ser proporcional à gravidade do delito. 3. O estabelecimento dos marcos penais adequados a cada delito é tarefa que envolve complexas análises técnicas e político- criminais que, como regra, competem ao Poder Legislativo. Porém, em casos de gritante desproporcionalidade, e somente nestes casos, justifica- se a intervenção do Poder Judiciário, para garantir uma sistematicidade mínima do direito penal, de modo que não existam (i) penas exagerada- mente graves para infrações menos relevantes, quando comparadas com outras claramente mais reprováveis, ou (ii) a previsão da aplicação da mesma pena para infrações com graus de lesividade evidentemente di- versos. 4. A desproporcionalidade da pena prevista para o delito do art. 273, § 1º-B, do CP, salta aos olhos. A norma pune o comércio de medi- camentos sem registro administrativo do mesmo modo que a falsifica- ção desses remédios (CP, art. 273, caput), e mais severamente do que o tráfico de drogas (Lei nº 11.343/2006, art. 33), o estupro de vulnerável (CP, art. 217A), a extorsão mediante sequestro (CP, art. 159) e a tortura seguida de morte (Lei nº 9.455/1997, art. 1º, § 3º). 5. Mesmo a punição do delito previsto no art. 273, § 1º-B, do CP com as penas cominadas para o tráfico de drogas, conforme propugnado por alguns Tribunais e juízes, mostra-se inadequada, porque a equiparação mantém, embora em menor intensidade, a desproporcionalidade. 6. Para a punição da conduta do art. 273, § 1º-B, do CP, sequer seria necessária, a meu ver, a aplicação analógica de qualquer norma, já que, com o reconhecimento da sua inconstitucionalidade, haveria incidência imediata do tipo penal do contrabando às situações por ele abrangidas. 7. A maioria do Plená- rio, contudo, entendeu que, como decorrência automática da declara- Jurisprudência - Seção de Direito Criminal ção de inconstitucionalidade do preceito secundário do art. 273, § 1º-B, I, deve incidir o efeito repristinatório sobre o preceito secundário do art. 273, caput, na redação original do Código Penal, que previa pena de 1 a 3 anos de reclusão. 8. Recurso do Ministério Público Federal desprovido. Recurso de P. R. P. parcialmente provido. Tese de julgamen- to: É inconstitucional a aplicação do preceito secundário do art. 273 do Código Penal à hipótese prevista no seu § 1º-B, I, que versa sobre a im- portação de medicamento sem registro no órgão de vigilância sanitária. Para esta situação específica, fica repristinado o preceito secundário do art. 273, na sua redação originária.” (STF, Plenário, RE nº 979.962/RS, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 24/03/2021 - Repercussão Geral, Tema 1003 - grifos nossos). O caso penal julgado pelo Excelso Supremo Tribunal Federal referia-se à conduta de importação de medicamentos sem registro na Anvisa e, partindo-se dessa premissa, instaurou-se celeuma jurídica acerca do alcance e extensão da tese jurídica firmada no STF. Vozes respeitáveis na doutrina e na jurisprudência sustentaram, então, que o precedente dotado de força vinculante (CPC, art. 927, III) restringia-se à conduta de importar medicamentos sem registro na Anvisa e, bem por isso, não deveria ser aplicado aos demais comportamentos previstos naquele tipo penal (CP, art. 273, § 1º), como, v.g., vender, expor à venda, ter em depósito para vender ou, de qualquer forma, distribuir ou entregar a consumo substância sem registro na Anvisa. Esse foi o entendimento adotado pelo r. Juízo a quo (fls. 319/321), sustentado igualmente pelo Ministério Público (fls. 371/374) e pela douta Procuradoria Geral de Justiça (fl. 416). Pois bem. Com a devida vênia a entendimentos em sentido contrário, observa-se que, em verdade, a tese jurídica firmada pelo E. STF não se restringe à importação de medicamentos sem registro na Anvisa, abrangendo igualmente as condutas de vender, expor à venda, ter em depósito para vender ou, de qualquer forma, distribuir ou entregar produto sem registro no órgão de vigilância sanitária, sob pena de injustificável distorção na repressão de condutas análo- gas, o que causaria, nos dizeres da Suprema Corte brasileira, “sensação difusa de injustiça”. Nesse sentido, aliás, foi a decisão proferida pela Suprema Corte brasileira quando do julgamento de embargos declaratórios, opostos justamente para se definir o alcance da mencionada tese jurídica, os quais foram acolhidos com efeitos modificativos para, então, estender a tese aos demais núcleos verbais 584 típicos do art. 273 § 1º-B, I, do Código Penal. Confira-se, a propósito, o teor da tese firmada: Jurisprudência - Seção de Direito Criminal “É inconstitucional a aplicação do preceito secundário do art. 273 do Código Penal, com redação dada pela Lei nº 9.677/98 (reclusão, de 10 a 15 anos, e multa), à hipótese prevista no seu § 1º-B, I, que versa so- bre importar, vender, expor à venda, ter em depósito para vender ou, de qualquer forma, distribuir ou entregar produto sem registro no órgão de vigilância sanitária. Para estas situações específicas, fica repristinado o preceito secundário do art. 273, na sua redação originária (reclusão, de 1 a 3 anos, e multa)”. (STF, Tribunal Pleno, ED no RE 979.962/RS, Rel. Min. Roberto Barroso, j. em 13/06/2023, DJe de 02/08/2023). Por tais razões, reconheço a incidência da tese jurídica firmada pelo Ex- celso Supremo Tribunal Federal (tema 1003) ao caso penal em análise - expor a venda produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais sem registro na An- visa - e, por conseguinte, uma vez reconhecida a inconstitucionalidade material do preceito secundário do artigo 273 do Código Penal que fora alterado pela Lei nº 9.677/98, aplico ao réu Muhammud as penas previstas no preceito secundário originário (reclusão, de um a três anos, e multa), em verdadeiro efeito repristi- natório. E, mesmo com a procedência parcial da ação penal, decorrente da aplica- ção do preceito secundário originário do artigo 273 do Código Penal, subsiste a competência deste órgão jurisdicional para julgar o caso penal sub judice (CPP, art. 383, § 2º), por tratar-se de crime para o qual é cominada pena carcerária máxima de três anos (CPP, art. 394, § 1º, II). Tampouco é o caso de abrir vista dos autos à Acusação para oportunizar- se ao réu a oferta de ANPP, porquanto o Ministério Público já se manifestara pela impossibilidade do referido instituto despenalizador (fls. 160/161), não ca- bendo ao Poder Judiciário fazer as vezes do órgão acusador. Feitas tais considerações, avanço ao cálculo dosimétrico. Na primeira fase da dosimetria, fixo a pena base no mínimo legal, em 01 (um) ano de reclusão, com o pagamento de 10 (dez) dias-multa mínimos, em se cuidando de acusado primário e de bons antecedentes, ausentes circunstâncias a recomendarem maior rigor na aplicação da pena, e, inexistentes modificadores outros, dito apenamento torna-se definitivo. Ao contrário do quanto pretendido pela defesa, não era mesmo de se cogi- tar de aplicação da atenuante da confissão espontâneas dês que tal não ocorreu, presente apenas a admissão de Muhammud de que tinha os produtos expostos à venda (o que, anota-se, foi despiciendo à cognição do caso, dês que os produtos foram apreendidos em seu balcão, consoante os relatos dos policiais responsá- veis pela diligência), mas sempre asseverando que desconhecia a necessidade de registro dos produtos junto à ANVISA e que não chegou a vender nem mesmo 584 uma unidade, de modo que houve simples confesso qualificado, imprestável ao reconhecimento da atenuante. E, ainda que assim não fosse, eventual reconheci- mento da atenuante resultaria inócuo, a teor da Súmula 231 do STJ, porquanto a Jurisprudência - Seção de Direito Criminal basilar veio fixada no mínimo legal. Registro, porque oportuno, ser incabível a aplicação do redutor previsto no artigo 33, § 4º, da Lei nº 11.343/06, eis que adotado não mais o preceito secundário relativo ao tipo penal que incrimina a conduta de tráfico ilícito de drogas (Lei nº 11.343/06, art. 33, caput), senão aquele originariamente previsto para o crime do artigo 273 do Código Penal. E, como cediço, não se podem apli- car penas cominadas a crime previsto no Código Penal e, simultaneamente, mi- norantes previstas em legislação especial, eis que vedada a combinação de leis, consoante entendimento sumulado do Colendo Superior Tribunal de Justiça: “É cabível a aplicação retroativa da Lei n. 11.343/2006, desde que o resultado da incidência das suas disposições, na íntegra, seja mais favorável ao réu do que o advindo da aplicação da Lei n. 6.368/1976, sendo vedada a combinação de leis.” (Súmula 501 do STJ). Por fim, considerados o montante final do apenamento imposto pelo co- metimento de crime não violento, aliados às circunstâncias judiciais favoráveis e primariedade do acusado, tem-se por preenchidos os requisitos para a substi- tuição da pena corporal por restritiva de direitos (CP, art. 44, I, II e III), dando-se a substituição por única restritiva de direitos consistente m prestação de serviços à comunidade, nos moldes a serem determinados pelo r. Juízo da execução, fi- xado o regime inicial aberto em caso de descumprimento (CP, art. 33§§ 2º, “c” e 3º). Ante o exposto, pelo meu voto, DOU PARCIAL PROVIMENTO AO APELO E DEFENSIVO para afastar a imputação conjunta do artigo 273, §§ 1º e 1º,-B, inciso I, do Código Penal, mantida a condenação apenas pelo artigo 273, § 1º-B, inciso I, e, por consequência, aplicar o preceito secundá- rio originário do artigo 273 do Código Penal (tema 1003 do STF), redimen- sionanda a pena do réu para 1 (um) ano de reclusão e 10 (dez) dias-multa mínimos, com substituição da pena corporal por restritiva de direitos con- sistente em prestação de serviços à comunidade, fixado o regime aberto em caso de descumprimento; mantida, no mais, a respeitável sentença de primeiro grau, por seus próprios e jurídicos fundamentos.