AGRAVO – Tutela de urgência emitida em lide complexa Jurisprudência - Direito Privado pela magnitude dos interesses disputados (empreen- dimento hoteleiro) e que obteve confirmação no Tri- bunal de Justiça do Estado de São Paulo. Antes mesmo de ser aberta a fase de exigibilidade da multa (astreinte) aplicada para persuadir os reque- ridos ao cumprimento de diversos itens relacionados com a execução frustrada do contrato, o Juízo de Pri- meiro Grau publicou segunda decisão majorando o valor das sanções, sem, contudo, reconhecer o não cumprimento (até porque não foi objeto de cognição ou de julgamento). A decisão foi baseada em raciocínio intuitivo de que os requeridos não se movimentariam diante das cifras primitivas e essa fundamentação brota naturalmen- te para o juiz encarregado da dinâmica da lide e não configura erro ou abuso. Preserva-se a deliberação para que essa medida de apoio institucional da juris- dição obtenha efetividade, citando os artigos 139, III e 537, § 1º, do CPC. O montante definido não é exage- rado para ser declarado como medida de sacrifício a uma das partes e a sua maior virtude está em afastar a pecha de insignificância que desobriga aquele que deve cumprir. Não provimento.(TJSP; Agravo 2044679-80.2025.8.26.0000; Relator: ENIO ZULIANI; Órgão Julgador: Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça; Data do Julgamento: 10 de abril de 2025)
, em 4ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça
de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento ao recurso.
V.U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. (Voto
nº 94.058)
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores CARLOS
CASTILHO AGUIAR FRANÇA (Presidente sem voto), ALCIDES LEOPOL-
DO e MARCIA DALLA DÉA BARONE.
28
São Paulo, 10 de abril de 2025.
ENIO ZULIANI, Relator
Ementa: Tutela de urgência emitida em lide complexa
Jurisprudência - Direito Privado
pela magnitude dos interesses disputados (empreen-
dimento hoteleiro) e que obteve confirmação no Tri-
bunal de Justiça do Estado de São Paulo.
Antes mesmo de ser aberta a fase de exigibilidade da
multa (astreinte) aplicada para persuadir os reque-
ridos ao cumprimento de diversos itens relacionados
com a execução frustrada do contrato, o Juízo de Pri-
meiro Grau publicou segunda decisão majorando o
valor das sanções, sem, contudo, reconhecer o não
cumprimento (até porque não foi objeto de cognição
ou de julgamento).
A decisão foi baseada em raciocínio intuitivo de que
os requeridos não se movimentariam diante das cifras
primitivas e essa fundamentação brota naturalmen-
te para o juiz encarregado da dinâmica da lide e não
configura erro ou abuso. Preserva-se a deliberação
para que essa medida de apoio institucional da juris-
dição obtenha efetividade, citando os artigos 139, III
e 537, § 1º, do CPC. O montante definido não é exage-
rado para ser declarado como medida de sacrifício a
uma das partes e a sua maior virtude está em afastar
a pecha de insignificância que desobriga aquele que
deve cumprir.
Não provimento.
VOTO
Vistos.
Publicou a ilustre Juíza de Direito da 2ª Vara Cível de Olímpia a decisão
de fls. 37-42 do presente agravo (1797-1802 dos autos em Primeiro Grau) e
que modifica o valor da multa (astreinte) arbitrada quando emitida tutela de
urgência, em parte (fls. 628-634 dos autos em Primeiro Grau). Na decisão em
que adiantadas tutelas de bloqueio, de prevenção, rastreamento imobiliário e
de especificações sobre negócios realizados com as unidades proporcionais as
quotas reservadas aos autores da ação, a multa, para o caso para penalizar por
eventual venda de unidades que caberiam aos autores, foi estabelecida em R$
10 mil reais. Para o caso de descumprimento das ordens emanadas com os itens
“b”, “c”, “d” e “e” a multa diária foi de R$ 5 mil reais, até o teto de R$ 100 mil
reais. No decisum complementar (objeto do agravo tirado pelas requeridas SPE
WGSA 02 Empreendimentos Imobiliários e outras, que figuram como requeri-
das) os seguintes pontos ficaram definidos: que o prazo para cumprir as limina-
Jurisprudência - Direito Privado
res deveriam ser contados em dias “corridos” e o termo a quo em 3.12.2024; que
o quantum da multa por comercialização de unidades lançadas para os autores
da ação era mantido com observação de que a penalidade pecuniária é para cada
operação proibida, incidindo, pois, em dobro se for objeto de segunda comer-
cialização. Sobre a ordem de apresentar relação completa das quotas dos autores
(item “b”, a multa foi especificamente imposta como sendo de R$ 3 mil reais ao
dia até R$ 90 mil. Quanto ao item “c” ou devolução todas das unidades (quotas)
em estoque, também remodelado para R$ 3 mil reais por dia e até R$ 90 mil.
Quanto ao item “d” (indicar as operações financeiras realizadas com demons-
trativos de créditos das unidades aplicados ou não de unidades destinadas aos
autores) a multa foi amoedada em R$ 2 mil por dia até R$ 60 mil e, finalmente,
sobre o item “e” (indicar os débitos de responsabilidade dos requerentes, com
origens e identificação dos contratos respectivos), igualmente R$ 2 mil reais
diários até R$ 60 mil.
As recorrentes afirmam que a exasperação da penalidade não é justifica-
da, por não ter ocorrido descumprimento, sendo que o que era excessivo antes
tornou-se desproporcional com a majoração dos valores. Defende que não cabe
aplicar multa, reiterando que não há comercialização das quotas desde 20.5.2024
(item 24 do agravo - fls. 16) e quanto aos demais insiste no excesso e no fato de
que os autores da ação possuem todos os dados que necessitam, porque existe
intercâmbio intermitente de informações e cita uma planilha como prova de que
não existia interesse de agir sobre o item “b” e demais, pelo que pedem que seja
reconhecida a exclusão de responsabilidade por incumprimento de decisões ju-
diciais, liberando-as de multa ou, como pedido subsidiário, que sejam cortados
os excessos (arts. 8º, e 537, § 1º, I e II, do CPC. O agravo foi respondido com
alegações sobre conduta desidiosa das recorrentes pela falha na prestação de
contas e centralizam a questão de que não seriam eles (autores) responsáveis
pela abertura de matrículas, lançando argumentos sobre inadmissibilidade de
serem admitidas as teses de cumprimento ou de não provimento.
É o relatório.
A tutela de urgência emitida pela Juíza de Direito da 2ª Vara de Olímpia
foi mantida in totum pela Quarta Câmara de Direito Privado, quando defini-
dos os agravos de instrumentos 2330919-25.2024.8.26.0000 (fls. 819-822) e
2293066-87.2024.8.26.0000 (fls. 825-831). Nada obsta a persecução das mul-
tas, conforme pronunciamentos do STJ (Resp. 2169203 MG, DJ de 7.2.2025,
Ministro Ricardo Villas Boas Cueva:
“RECURSO ESPECIAL. EMPRESARIAL. PROCESSUAL CIVIL. MULTA
COMINATÓRIA. FATO GERADOR. DESCUMPRIMENTO. DECISÃO.
30
CUMPRIMENTO PROVISÓRIO DE SENTENÇA. PROSSEGUIMENTO.
POSSIBILIDADE. APELAÇÃO. EFEITO SUSPENSIVO. AUSÊNCIA. 1. A
controvérsia dos autos resume-se em definir qual o fato gerador do crédito re-
lativo a astreintes para o fim de submissão aos efeitos da recuperação judicial
Jurisprudência - Direito Privado
e se é possível o prosseguimento do cumprimento provisório de sentença. 2.
As astreintes têm como objetivo coagir a parte ao cumprimento de obrigação
imposta pelo juízo, tratando-se de técnica executiva prevista no artigo 536, §
1º, do Código de Processo Civil. 3. A multa cominatória, diversamente da in-
denização que objetiva recompor o dano causado à esfera jurídica da vítima,
tem como finalidade a defesa da autoridade do próprio Estado-Juiz. 4. O fato
gerador da obrigação principal não se confunde com o da multa coercitiva.
5. Na hipótese, a obrigação principal tem como fato gerador o adimplemento
defeituoso do contrato firmado entre as partes, o qual deu origem aos vícios
construtivos e ao direito de obter reparação. A multa cominatória, a seu turno,
tem como fato gerador o descumprimento da decisão judicial que determi-
nou certa conduta. 6. Esta Corte firmou posicionamento no sentido de que,
com a entrada em vigor do CPC/2015, não houve alteração do entendimento
consolidado na vigência do CPC/1973, no sentido de que a multa cominató-
ria somente pode ser objeto de execução provisória quando confirmada por
sentença e o recurso interposto não tenha sido recebido no efeito suspensivo,
ficando condicionado o levantamento de valores ao trânsito em julgado da
sentença que a fixou. 7. Recurso especial conhecido e não provido.”
Essa multa que tem conotação de apoio persuasivo para que as decisões
prévias sejam cumpridas com eficiência e oportunidade, pode ser exigida no caso
em apreço, porque a decisão que a estipulou foi mantida em Segundo Grau. No
entanto não está em julgamento o elemento ou pressuposto constitutivo da obri-
gação imposta pelo juiz, porque para decidir se a parte cumpriu ou descumpriu a
decisão de urgência do art. 300 do CPC, é preciso cognição adequada sobre esse
ponto vital da aplicação concreta da penalidade. As decisões de Olímpia não
chegaram a esse clímax, limitadas que estão ao fator “arbitramento”, sendo que
a segunda (motivo do agravo) complementa a primeira sobre o fator majoração
da cifra arbitrada. E o referendum decorre da melhor interpretação dos artigos
139, III e 537, § único, do CPC. Não existe, convém expor, preclusão que impe-
de o juiz de reavaliar a multa e a exasperar ou suavizar, por ser possível agir de
ofício (AgInt. no AResp. 2574206 SP, DJ de 3-10-2024, Ministro Marco Buzzi).
É importante registrar que a douta Magistrada considerou, para efeito
de exasperar a expressão monetária, que os autos não confirmavam condutas
indicativas de que o cumprimento pontual iria ocorrer, o que corresponde não
a um reconhecimento definitivo de inadimplemento, mas, sim, a um raciocínio
próprio de circunstância previsível ou de probabilidade que obriga agir para
o bem da jurisdição. Não foi escrito que a parte descumpriu, mas, sim, que
os indícios seriam de que a multa não estimularia cumprimento correto, uma
exposição conectada com uma impressão inspiradora de um arrocho no peso da
multa. Não é uma técnica equivocada ou deliberação arbitrária essa que a Turma
Jurisprudência - Direito Privado
Julgadora examina; existem razões plausíveis para o referendum.
O caso é complexo e o seu começo recheado de narrativas antagônicas
sobre imputabilidade de culpa pela execução que não agradou os autores (que-
rem a rescisão do que foi pactuado para recuperarem o saldo residual possível,
segundo alegam) exterioriza que a litigiosidade tende a enrijecer e consumir
tempo de jurisdição que ameaça os direitos depositados nas expectativas de um
sucesso empresarial, sendo que a cada frustração de negócio unitário, o fator
dano recrudesce. Daí a pertinência da multa como fator para estimular o cum-
primento dos itens determinados na tutela que foi mantida em dois julgados. E
o arbitramento não comporta a censura que lhe foi increpada, lembrando, mais
uma vez, que não é possível decidir se a parte cumpriu ou descumpriu a tutela
de urgência, porque isso não foi decidido e o Tribunal não está autorizado a
reexaminar algo que não foi julgado em Primeiro Grau.
Quanto ao valor, foi exercido criterioso juízo de ponderação diante da
intensidade dos interesses disputados. É preciso compreender que a astreinte
não é sinônimo de pena e muito menos simboliza um castigo. Representa um
acréscimo ao fator ordem dependente de cumprimento para a efetividade juris-
dicional (art. 5º, XXXV, da CF) e que na expressão de COUTURE é uma “san-
ción disciplinaria, hasta que se cumpla con la orden judicial” (Fundamentos del
Derecho Procesal Civil, Buenos Aires, Depalma, 1977, p. 464, § 302). Segundo
AMILCAR DE CASTRO “o vocábulo astreinte é sinônimo de contrainte, que
quer dizer constrangimento, ou violência exercida contra alguém. A astreinte
não é pena para punir o devedor pelo fator não haver cumprido, ou haver demo-
rado a cumprir, mas um meio de coação para obrigar o devedor a cumprir” (Do
procedimento de execução, 2ª edição, Forense, 2000, p. 146).
Felizmente o sistema processual brasileiro introduziu a astreinte e isso
é afirmado porque LIEBMAN, ao tomar contato com as questões processuais
debatidas em cenário nacional, afirmou o seguinte sobre “astreintes”: “Os meios
coativos que se acabam de mencionar (referia o mestre italiano as multas) não
tem propriamente caráter executório, porque visam conseguir o adimplemento
da obrigação pela prestação do próprio executado (cf. acima, n. 3), compelido
a cumpri-la para evitar as pesadas sanções que o ameaçam. São, porém, meios
sumamente eficazes para o fim almejado. O direito brasileiro não conhece nada
que se lhes possa comparar, tornando-se por isso a tutela dessa espécie de obri-
gações muito menos eficiente” (Processo de Execução, 3ª edição, Saraiva, 1968,
p. 170, § 97).
O valor arbitrado não é exagerado diante da importância econômica do
empreendimento e, principalmente, da necessidade de ser obtido transparência
nessa espécie de prestação de contas antecipada do lado frustrante do contrato
que vinculou as partes, pelo que fica mantida, até porque a redução não interes-
sa ao ponto motivador da astreinte, tal como deixei anotado “que a experiência
revelou que a multa estabelecida pelo juiz estimula o devedor recalcitrante a
Jurisprudência - Direito Privado
cumprir as ordens judiciais sem recorrer a expedientes protelatórios” (ÊNIO
SANTARELLI ZULIANI, Direito das Obrigações -vol. I, Curso de Direito Ci-
vil coordenado por Alexandre de Mello Guerra, Revista dos Tribunais, 2025, p.
483). Não há ofensa ao art. 8º e 537, § 1º, I e II, todos do CPC).
Nega-se provimento.