RECURSO – MANDADO DE SEGURANÇA – ato do Go- vernador do Estado de SP que declarou a cassação da 800 aposentadoria de carcereiro condenado à perda da função pública em ação penal, nos termos do art. 92, I, “a” e “b”, do CP – controvérsia no Órgão Especial acerca do cabimento da cassação de aposentadoria – Jurisprudência - Órgão Especial reprimenda não prevista no Código Penal – compreen- são do STF e do STJ, porém, no sentido de que cabível administrativamente – previsão na Lei 8.112/90 e no Estatuto dos Servidores Públicos Civis do Estado de SP – por isso, só pode ser determinada no âmbito ad- ministrativo, descabendo aplicação imediata pelo Ju- diciário – impossibilidade, contudo, de conversão da sanção aplicada judicialmente em outra diversa, sem prévio processo administrativo em que assegurados o contraditório e a ampla defesa, com prolação de deci- são fundamentada – entendimento do STJ, acompa- nhado por alguns votos de integrantes do OE – ques- tão preliminar ao mérito – processo administrativo de conversão não verificado na hipótese – concessão da segurança para cassar o ato administrativo prolatado pelo Governador do Estado, que declarou a cassação da aposentadoria do servidor, procedendo-se ao pa- gamento integral das quantias referentes ao benefício previdenciário desde a publicação do ato impetrado, retomando-se o regular pagamento da aposentadoria até decisão em contrário.(TJSP; Processo nº 2307418-42.2024.8.26.0000; Recurso: recurso; Relator: LUIZ FUX, Pri-; Data do Julgamento: 7 de maio de 2025)
, em Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo,
proferir a seguinte decisão: “CONCEDERAM A SEGURANÇA. V.U. SUS-
TENTOU ORALMENTE A ADV. DRA. LIZIANE MARIA DA SILVA BAR-
ROS.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. (Voto
nº 48.136)
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FER-
NANDO TORRES GARCIA (Presidente sem voto), ADEMIR BENEDITO,
CAMPOS MELLO, VIANNA COTRIM, AROLDO VIOTTI, RICARDO DIP,
FIGUEIREDO GONÇALVES, GOMES VARJÃO, LUCIANA BRESCIANI,
LUIS FERNANDO NISHI, JARBAS GOMES, MARCIA DALLA DÉA BA-
RONE, SILVIA ROCHA, NUEVO CAMPOS, CARLOS MONNERAT, RENA-
TO RANGEL DESINANO, AFONSO FARO JR., JOSÉ CARLOS FERREIRA
ALVES, ÁLVARO TORRES JÚNIOR, GERALDO WOHLERS, BERETTA
DA SILVEIRA e FRANCISCO LOUREIRO.
São Paulo, 7 de maio de 2025.
VICO MAÑAS, Relator
Ementa: MANDADO DE SEGURANÇA – ato do Go-
vernador do Estado de SP que declarou a cassação da
800
aposentadoria de carcereiro condenado à perda da
função pública em ação penal, nos termos do art. 92,
I, “a” e “b”, do CP – controvérsia no Órgão Especial
acerca do cabimento da cassação de aposentadoria –
Jurisprudência - Órgão Especial
reprimenda não prevista no Código Penal – compreen-
são do STF e do STJ, porém, no sentido de que cabível
administrativamente – previsão na Lei 8.112/90 e no
Estatuto dos Servidores Públicos Civis do Estado de
SP – por isso, só pode ser determinada no âmbito ad-
ministrativo, descabendo aplicação imediata pelo Ju-
diciário – impossibilidade, contudo, de conversão da
sanção aplicada judicialmente em outra diversa, sem
prévio processo administrativo em que assegurados o
contraditório e a ampla defesa, com prolação de deci-
são fundamentada – entendimento do STJ, acompa-
nhado por alguns
votos de integrantes do OE – ques-
tão preliminar ao mérito – processo administrativo de
conversão não verificado na hipótese – concessão da
segurança para cassar o ato administrativo prolatado
pelo Governador do Estado, que declarou a cassação
da aposentadoria do servidor, procedendo-se ao pa-
gamento integral das quantias referentes ao benefício
previdenciário desde a publicação do ato impetrado,
retomando-se o regular pagamento da aposentadoria
até decisão em contrário.
VOTO
Trata-se de mandado de segurança impetrado por A.A.F. contra ato do
Governador do Estado de São Paulo, consistente na aplicação, por decreto, de
pena de cassação de aposentadoria, não obstante condenação transitada em jul-
gado por corrupção passiva não tenha estipulado tal reprimenda, mas a perda da
função pública, nos termos do art. 92, I, “a” e “b”, do Código Penal.
Alega violação a direito adquirido e à coisa julgada, além de infringência
ao princípio da legalidade, uma vez que inexiste previsão legal para a reprimen-
da aplicada pelo Chefe do Executivo Estadual. Desse modo, busca a cassação do
ato, com a continuidade do recebimento dos proventos da aposentadoria.
Indeferida a liminar postulada (fls. 235/237).
O Governador do Estado de São Paulo prestou informações às fls. 252/257.
Autorizada a ingressar no feito como assistente litisconsorcial e oficiada
(fl. 286), a Fazenda Pública do Estado de São Paulo não se pronunciou (fl. 296).
A D. Procuradoria-Geral de Justiça opinou pela denegação da segurança
801
(fls. 261/283).
É o relatório.
A.A.F., então carcereiro, foi condenado em ação penal proposta pelo Mi-
Jurisprudência - Órgão Especial
nistério Público (Autos nº (...), da 3ª Vara Criminal da Comarca de São José dos
Campos), a 08 (oito) anos, 07 (sete) meses e 22 (vinte e dois) dias de reclusão,
em regime inicial fechado, e ao pagamento de 1001 (mil e um) dias-multa, fixa-
dos cada um em seu patamar mínimo, como incurso nos artigos 35, caput, c.c.
art. 40, II, ambos da Lei nº 11.343/2006, na forma do art. 13, caput e § 2º, “a”,
do Código Penal; e no art. 317, § 1º, c.c. arts. 29 e 71, também do CP, em con-
curso material de infrações, bem como à perda da função pública que ocupava
na ocasião (fls. 10/91).
A condenação se tornou definitiva após enfrentamento de recursos das
partes, inclusive perante o STJ (fls. 183/230).
Em 22 de agosto de 2024, publicado no diário oficial o seguinte decreto
do Governador do Estado de São Paulo (fl. 231):
O GOVERNADOR DO ESTADO DE SÃO PAULO, à vista do que consta dos
autos do Processo SEI-(...), declara a CASSAÇÃO DA APOSENTADORIA concedida
a A.A.F., RG (...), no cargo de Carcereiro, do Quadro da Secretaria da Segurança Pú-
blica, em virtude do acórdão, transitado em julgado, proferido pelo Tribunal de Justiça
do Estado de São Paulo, na Apelação Criminal nº (...), que lhe impôs, como efeito da
condenação, a perda do cargo público, nos termos das alíneas ‘a’ e ‘b’ do inciso I do
artigo 92 do Código Penal”.
Daí o presente “writ”.
1. A impetração aborda um dos temas mais controversos neste Órgão Es-
pecial.
Questiona-se se seria possível a aplicação de pena de cassação de apo-
sentadoria, administrativamente, a servidor público condenado judicialmente à
perda da função pública, nos termos do art. 92, I, “a” e “b”, do CP.
Aqueles que entendem pela negativa argumentam que 1) tal penalidade
não está prevista no Código Penal, tampouco na Lei de Improbidade Admi-
nistrativa, se o caso. Aplicá-la, assim, seria interpretar ampliativamente norma
sancionadora, em violação ao princípio da legalidade; 2) não há equivalência
entre a perda da função pública e a cassação da aposentadoria. Esta é direito de
caráter retributivo do servidor, decorrente das contribuições previdenciárias ao
longo da carreira. Fulminá-la representaria verdadeiro confisco e enriquecimen-
to ilícito do Estado.
Nessa linha: MS nº 2259285-03.2023.8.26.0000, Relatora Designada Lu-
ciana Bresciani, j. 07.02.2024; AgRg 2112408-12.2014.8.26.0000/50000, voto
divergente do Desembargador Paulo Dimas Mascaretti, j. 25.03.2015; ACP nº
2147683-22.2014.8.26.0000, voto vencido do Desembargador Damião Cogan,
j. 17.05.2023.
Por sua vez, os que opinam pelo cabimento da reprimenda sustentam que
802
1) a aposentadoria rompe o vínculo do servidor com a Administração Pública,
representando a cassação da benesse o cumprimento de decisão judicial transi-
tada em julgado que impôs a perda da função pública; 2) a possibilidade de cas-
sação evita que o servidor se aposente no curso da ação penal ou de improbidade
Jurisprudência - Órgão Especial
apenas para refugir à punição de perda da função; 3) não há direito adquirido à
aposentadoria. O servidor que comete grave infração funcional no exercício do
cargo e que é demitido a bem do serviço público igualmente não se aposenta. A
cassação da aposentadoria representaria penalidade funcional a servidor inativo;
4) não há confisco na cassação da aposentadoria. A contribuição previdenciária,
conforme o art. 40 da CF, tem natureza tributária.
Nesse sentido: MS nº 2101707-74.2023.8.26.0000; Relatora Marcia
Dalla Déa Barone, j. 15/09/2023; MS nº 2228156-14.2022.8.26.0000, Relator
Xavier de Aquino, j. 12.04.2023; ACP nº 2147683-22.2014.8.26.0000, Relator
Campos Mello, j. 17.05.2023.
Entre os dois posicionamentos, o que aparenta prevalecer nesta Corte e,
mais claramente, nos Tribunais Superiores, é o de que a cassação da aposentado-
ria, – exclusivamente pela via administrativa, saliente-se – é possível:
“ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMEN-
TAL. CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. ARTS. 127, IV, E 134 DA LEI
8.112/1990. PENALIDADE DISCIPLINAR DE CASSAÇÃO DE APOSENTADO-
RIA OU DISPONIBILIDADE. EMENDAS CONSTITUCIONAIS 3/1993, 20/1998 E
41/2003. PENALIDADE QUE SE COMPATIBILIZA COM O CARÁTER CONTRI-
BUTIVO E SOLIDÁRIO DO REGIME PRÓPRIO DE PREVIDÊNCIA DOS SER-
VIDORES. PODER DISCIPLINAR DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. AÇÃO JUL-
GADA IMPROCEDENTE. 1. As Emendas Constitucionais 3/1993, 20/1998 e 41/2003
estabeleceram o caráter contributivo e o princípio da solidariedade para o financiamento
do regime próprio de previdência dos servidores públicos. Sistemática que demanda
atuação colaborativa entre o respectivo ente público, os servidores ativos, os servidores
inativos e os pensionistas. 2. A contribuição previdenciária paga pelo servidor público
não é um direito representativo de uma relação sinalagmática entre a contribuição e
eventual benefício previdenciário futuro. 3. A aplicação da penalidade de cassação de
aposentadoria ou disponibilidade é compatível com o caráter contributivo e solidário
do regime próprio de previdência dos servidores públicos. Precedentes. 4. A perda do
cargo público foi prevista no texto constitucional como uma sanção que integra o poder
disciplinar da Administração. É medida extrema aplicável ao servidor que apresentar
conduta contrária aos princípios básicos e deveres funcionais que fundamentam a atua-
ção da Administração Pública. 5. A impossibilidade de aplicação de sanção administra-
tiva a servidor aposentado, a quem a penalidade de cassação de aposentadoria se mostra
como única sanção à disposição da Administração, resultaria em tratamento diverso
entre servidores ativos e inativos, para o sancionamento dos mesmos ilícitos, em pre-
juízo do princípio isonômico e da moralidade administrativa, e representaria indevida
restrição ao poder disciplinar da Administração em relação a servidores aposentados que
cometeram faltas graves enquanto em atividade, favorecendo a impunidade. 6. Arguição
conhecida e julgada improcedente” (STF, ADPF 418, Tribunal Pleno, Rel. Min. Alexan-
803
dre de Moraes; J. 15.04.2020).
“É possível a aplicação da pena de cassação de aposentadoria, ainda que não haja
previsão expressa na Lei nº 8.429/92. Isso porque se trata de uma decorrência lógica
da perda de cargo público, sanção essa última expressamente prevista no referido texto
Jurisprudência - Órgão Especial
legal” (STJ. 2ª Turma. AgInt no REsp 1628455/ES, Rel. Min. Francisco Falcão, julgado
em 06/03/2018).
“O entendimento desta Corte é firme no sentido da constitucionalidade da pena
de cassação de aposentadoria de servidor em razão da constatação da prática de infração
disciplinar apenada com demissão durante o exercício da função pública. Agravo inter-
no a que se nega provimento” (STJ, AgInt no MS n. 27.935/DF, relator Ministro Paulo
Sérgio Domingues, Primeira Seção, julgado em 2/9/2024, DJe de 5/9/2024).
Como se vê, firmes as decisões do STF e do STJ quanto ao cabimento
da cassação de aposentadoria. Ainda que as conclusões das Cortes Superiores
não sejam vinculantes, entendimento contrário deste Tribunal estará sujeito a
revisão via Recursos Especial ou Extraordinário, gerando desnecessária inse-
gurança jurídica sobre tema tão delicado, que afeta significativamente a vida do
jurisdicionado.
O que se veda é o sancionamento judicial imediato com a cassação. Ao
Judiciário só cabe aplicar a perda da função pública, consequência da conde-
nação prevista tanto no Código Penal (art. 92, I, CP), quanto na Lei de Im-
probidade Administrativa (art. 12, I, da Lei 8.429/92). Esta reprimenda poderá
ser convertida, administrativamente, em cassação de aposentadoria, cominada
como “pena disciplinar” no art. 251, VI, do Estatuto dos Funcionários Públicos
Civis do Estado de São Paulo (Lei Estadual 10.261/68), e no art. 127, IV, da Lei
8.112/90.
Basta ver o seguinte precedente do STJ:
“Oportuno destacar o entendimento firmado por esta Corte de que o magistrado
não tem competência para aplicar pena de cassação de aposentadoria a servidor pú-
blico condenado por ato de improbidade administrativa. Isto porque a Lei Federal n.
8.429/1992 é lei especial e posterior à Lei n. 8.112/1990, disciplinando, especificamen-
te, ‘as sanções aplicáveis aos agentes públicos’ que incorram nos atos de improbidade
administrativa previstos na referida legislação. Portanto, no âmbito da persecução cível
por meio de processo judicial, e por força do princípio da legalidade estrita em matéria
de direito sancionador, as sanções aplicáveis limitam-se àquelas previstas pelo legis-
lador, não sendo competência do Judiciário estender ou adequar referidas sanções de
modo diverso àquelas inicialmente determinadas. Vale dizer, no tocante às penalidades
de demissão e de cassação de aposentadoria, que estas serão aplicadas, privativamen-
te, pela autoridade máxima da administração pública no nível federativo do respectivo
ramo do poder ou Ministério Público, nos termos do disposto no art. 141, I, da Lei n.
8.112/1990, que prevê a aplicação das penalidades disciplinares e a competência espe-
cífica do responsável por sua atribuição” (STJ, AgInt no AREsp n. 1.773.833/SP, relator
Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 20/6/2023, DJe de 22/6/2023).
O raciocínio se amolda perfeitamente às hipóteses de condenação por ou-
tros ilícitos, nos termos do art. 92, I, “a” e “b”, do CP, já que também no Código
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Penal não há previsão da reprimenda de cassação de aposentadoria.
2. No entanto, toda a discussão acima explanada adentra o mérito da ques-
tão e, na hipótese destes autos, há questão preliminar que, embora não alegada,
por sua extrema relevância não pode ser ignorada, afastando, ao menos por ora,
Jurisprudência - Órgão Especial
a necessidade de adentrar na matéria de fundo.
Com efeito, o ato administrativo impugnado, que sancionou o autor com
a perda da aposentadoria, foi aplicado sem que lhe fosse franqueado o contradi-
tório e a ampla defesa no âmbito extrajudicial. Com isso, foi surpreendido por
punição da qual não se defendeu.
A violação a direitos líquidos e certos, previstos constitucionalmente,
a nosso ver, não pode ser relativizada. Tanto que a circunstância surge como
fundamento em votos deste OE que discordam da punição discutida, os quais
impressionam pela densidade jurídica (MS nº 2101707-74.2023.8.26.0000, voto
divergente do Desembargador Ricardo Dip, j. 06.09.2023; MS nº 2259285-03.2023.8.26.0000, Relatora Designada Luciana Bresciani, j. 07.02.2024).
Pontua o Desembargador Ricardo Dip no voto referido que o próprio Es-
tatuto dos Funcionários Públicos Civis do Estado de SP (Lei nº 10.261/1968),
especialmente em seus arts. 268 e 270, na redação trazida pela Lei Complemen-
tar nº 942/2003, estabelece que “a apuração das infrações será feita mediante
sindicância ou processo administrativo, assegurados o contraditório e a ampla
defesa” e que “será obrigatório o processo administrativo quando a falta disci-
plinar, por sua natureza, possa determinar as penas de demissão, de demissão
a bem do serviço público e de cassação de aposentadoria ou disponibilidade”.
Ademais, continua a declaração de voto, mesmo que despicienda a “apu-
ração das infrações” no âmbito administrativo – porque já atestadas no âmbito
da Justiça Criminal – necessário procedimento em que se garanta o contraditório
para incidência de sanção que não resulta automaticamente da sentença penal
condenatória, como é a hipótese da cassação de aposentadoria, quer por absolu-
ta ausência de previsão legal para tanto no Código Penal, quer porque, quando
definida a inculpação, o impetrante ainda se encontrava na ativa.
Deve-se garantir ao condenado judicialmente o devido processo legal
igualmente no âmbito administrativo, em que possa argumentar, se assim dese-
jar, contra a jurisprudência que defende a equivalência entre a perda da função
pública e a cassação da aposentadoria. E a decisão que encerrar tal procedimen-
to deve ser fundamentada, esmiuçando o porquê de sua conclusão em um ou
outro sentido.
Na verdade, no presente caso, de uma sentença judicial que aplicou a
sanção de perda da função pública, passou-se imediatamente para um mero de-
creto do Executivo Estadual que determinou a cassação da aposentadoria, sem
qualquer justificativa para a troca.
Como salienta o Desembargador Ricardo Dip:
805
“esta solução administrativa, por mais possa em abstrato ser tida por lícita, exige
que se observe o devido processo legal. Não era de admitir que, por meio de ato margi-
nado do direito de defesa e do contraditório, a Administração pudesse infligir, medindo
um juízo de interpretação, a impugnada cassação da aposentadoria.
Jurisprudência - Órgão Especial
(...)
Extrair a cogitada equipolência das situações (ou seja, que a perda de cargo equi-
vale, de algum modo, à cassação da aposentadoria) exigia a necessidade, por primeiro,
de interpretar o julgado penal à luz de fatos que nele não se consideraram.
Além disto, seria de esperar houvesse explícita fundamentação jurídica corres-
pondente a essa recrutada equivalência de sanções; mas, não constando fundamento
expresso bastante no decreto alvejado pela segurança, já isto pareceria sugerir maculado
o ato administrativo contra o qual se volta o impetrante (arg. do art. 93 da Constituição
federal; veja-se, por muitos, Juarez Freitas, O controle dos atos administrativos e os
princípios fundamentais , ed. Malheiros, 4.ed., São Paulo, 2009, p. 418 et sqq.).
Por fim, o impetrante não pôde contraditar no âmbito administrativo essa discu-
tida equivalência e, por mais razoável que se suponha, ela só pode ser um posterius em
relação ao direito de defesa e de contraditório” (MS nº 2101707-74.2023.8.26.0000,
voto divergente do Desembargador Ricardo Dip, j. 06.09.2023).
Não há argumento que possa retorquir os fundamentos expostos.
Princípios básicos, definidores da ciência jurídica, o contraditório e a am-
pla defesa devem ser assegurados, consoante o art. 5º, LV, da Constituição Fede-
ral, a todos os litigantes em processos judiciais ou administrativos.
Na hipótese, se essas garantias revestiram toda a ação penal que resultou
na perda da função pública, o mesmo não se deu no âmbito administrativo,
em que declarada a cassação da aposentadoria pelo Governador sem notícia de
qualquer procedimento prévio de conversão de uma sanção em outra, em que
assegurados o contraditório e a ampla defesa ao impetrante.
Com efeito, tem direito o servidor aposentado, para quem já não é mais
cabível a perda da função pública, aplicada como sanção em condenação judi-
cial, de discutir na esfera administrativa a possibilidade ou não de ter a aposen-
tadoria cassada, já que tal reprimenda não é, legalmente, decorrência automá-
tica da inculpação criminal ou cível. Absolutamente despropositada a simples
conversão, pelo Governador do Estado, da pena determinada pelo Judiciário em
outra, sem que seja oportunizada a defesa ao interessado, em que poderá arguir
o que entender pertinente para tentar evitar a alteração da punição, a qual, ade-
mais, deve ser devidamente fundamentada, o que igualmente não se verificou
no caso.
Veja-se que o processo administrativo que se desenvolverá não terá mais
como objeto os fatos que resultaram na condenação. Estes já constituem coisa
julgada judicial. O feito tratará somente da viabilidade de mudança extrajudicial
da sanção de perda da função pública em cassação de aposentadoria.
Sobre o tema, julgados do STJ:
“ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. CASSAÇÃO DE APOSENTA-
806
DORIA. EFEITO DA CONDENAÇÃO CRIMINAL. IMPOSSIBILIDADE. PROCES-
SO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. NECESSIDADE. 1. Essa Corte tem o enten-
dimento de que não é possível a cassação da aposentadoria de servidor público como
efeito da condenação criminal, ainda que a sentença penal tenha mencionado a perda do
Jurisprudência - Órgão Especial
cargo como efeito secundário, uma vez que os efeitos da condenação penal contidos no
art. 92 do Código Penal são previstos em relação numerus clausus, não sendo permitida
nenhuma interpretação extensiva. Precedentes. 2. Apesar de não ser possível a cassa-
ção da aposentadoria de servidor público apenas como efeito da condenação criminal,
a referida punição pode ser aplicada na esfera administrativa, após regular processo
administrativo disciplinar. 3. Hipótese em que a Administração efetivou a cassação da
aposentadoria do servidor público em razão da condenação criminal, o que é inviável,
nos moldes do entendimento desta Corte. 4. Agravo interno desprovido. (AgInt nos
EDcl no RMS n. 54.091/MS, relator Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado
em 19/4/2021, DJe de 5/5/2021).
“ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. SERVIDOR PÚBLICO. CON-
DENAÇÃO CRIMINAL. APOSENTADORIA. CASSAÇÃO AUTOMÁTICA. IM-
POSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE REGULAR PROCESSO ADMINISTRA-
TIVO DISCIPLINAR. OBSERVÂNCIA DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA
DEFESA. PRECEDENTES. RECURSO ESPECIAL NÃO PROVIDO. 1. O Supremo
Tribunal Federal, no julgamento da ADPF 418/DF, afirmou a constitucionalidade do
disposto no arts. 127, IV, e 134 da Lei n. 8.112/1990, entendendo cabível a penalidade
de cassação da aposentadoria ao servidor que, na atividade, praticou falta grave. 2. Este
Tribunal Superior já estabeleceu a impossibilidade da interpretação extensiva do art. 92,
I, do Código Penal, inadmitindo a cassação da aposentadoria como efeito da condenação
criminal imposta com base nesse dispositivo legal. 3. Entretanto, à luz da orientação da
Corte Maior, é possível a imposição da penalidade no regular processo administrativo
disciplinar. Precedente. 4. A apuração da irregularidade cometida no serviço público
deve ser realizada em procedimento que assegure ao acusado a ampla defesa, seja ela
em sindicância ou processo administrativo disciplinar. Ademais, o art. 153 da Lei n.
8.112/1990 impõe a observância do princípio do contraditório no inquérito. 5. Recurso
especial a que se nega provimento” (STJ, REsp 1.589.697/MT, Rel. Ministro OG FER-
NANDES, SEGUNDA TURMA, DJe de 17/12/2021).
“PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL.
CONDENAÇÃO CRIMINAL. CASSAÇÃO DE APOSENTADORIA. PROCEDI-
MENTO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. NECESSIDADE. ROL NUMERUS
CLAUSUS. JURISPRUDÊNCIA DO STJ. 1. A jurisprudência desta Corte Superior é no
sentido de que a cassação de aposentadoria não decorre automaticamente como efeito da
condenação criminal, somente sendo possível após regular procedimento administrativo
disciplinar, visto que os efeitos da condenação penal contidos no art. 92 do Código Penal
são previstos em relação numerus clausus, não sendo permitida nenhuma interpretação
extensiva. Precedente: AgInt nos EDcl no RMS 54.091/MS, Primeira Turma, relator
Ministro Gurgel de Faria, julgado em 19/4/2021, DJe 5/5/2021. 2. Agravo interno a que
se nega provimento” (STJ, AgInt no REsp n. 1.929.241/DF, relator Ministro Og Fernan-
des, Segunda Turma, julgado em 5/10/2021, DJe de 3/11/2021).
No STF, a questão da necessidade de processo administrativo em que se
807
assegure o contraditório e a ampla defesa para conversão da reprimenda judicial
de perda da função pública em cassação da aposentadoria nunca teve o mérito
enfrentado, por se compreender que a verificação de desrespeito a tais princípios
Jurisprudência - Órgão Especial
“dependente de prévia análise da adequada aplicação das normas infraconstitu-
cionais”, ao que eventual inconstitucionalidade seria apenas reflexa, afastando a
competência daquela Corte:
“AGRAVO INTERNO NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO.
ADMINISTRATIVO. CASSAÇÃO DE APOSENTADORIA. POSSIBILIDADE. PRE-
CEDENTES. PROCESSO ADMINISTRATIVO. REGULARIDADE. INCURSIONA-
MENTO NO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA
279 DO STF. SUPOSTA OFENSA AOS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO, DA
AMPLA DEFESA E DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. MATÉRIA SEM REPER-
CUSSÃO GERAL. TEMA 660. ARE 748.371. ALEGADA VIOLAÇÃO AO ARTIGO
93, IX, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. INEXISTÊNCIA. AGRAVO INTERPOS-
TO SOB A ÉGIDE DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. MAJORAÇÃO DOS
HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA. ARTIGO 85, § 11, DO CPC/2015. AGRAVO
INTERNO DESPROVIDO. (…) Os princípios da ampla defesa, do contraditório, do
devido processo legal e os limites da coisa julgada, quando debatidos sob a ótica infra-
constitucional, não revelam repercussão geral apta a tornar o apelo extremo admissível,
consoante decidido pelo Plenário Virtual do STF, na análise do ARE 748.371, da Relato-
ria do Min. Gilmar Mendes, o qual possui a seguinte ementa: ‘Alegação de cerceamento
do direito de defesa. Tema relativo à suposta violação aos princípios do contraditório,
da ampla defesa, dos limites da coisa julgada e do devido processo legal. Julgamento
da causa dependente de prévia análise da adequada aplicação das normas infraconstitu-
cionais. Rejeição da repercussão geral’” (ARE 1034320 AgR, Relator: LUIZ FUX, Pri-
meira Turma, julgado em 30-06-2017, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-171 DIVULG
03-08-2017 PUBLIC 04-08-2017).
Em suma: segundo os Tribunais Superiores, é possível a conversão da
pena de perda de função pública, aplicada judicialmente, em sanção de cassação
de aposentadoria, desde que assim se proceda em processo administrativo pró-
prio, em que se garanta ao servidor o contraditório e a ampla defesa, com deci-
são final fundamentada. A cassação de aposentadoria jamais pode ser aplicada
diretamente pelo Poder Judiciário, por carência de previsão legal para tanto.
No caso trazido à colação, à perda de função pública ordenada pelo Ju-
diciário na ação criminal deveria ter se seguido processo administrativo para
conversão da reprimenda em cassação da aposentadoria concedida a A.A.F., a
ele assegurado o contraditório e a ampla defesa, ao final proferida decisão de-
vidamente motivada. Como tal não se deu, caracterizada flagrante violação a
direito líquido e certo do impetrante, a ser corrigida por esta via.
Incumbe à Administração, portanto, instaurar o procedimento administra-
tivo de conversão da pena judicial de perda da função pública na sanção admi-
nistrativa de cassação de aposentadoria. Até a finalização do processo, o autor
deverá voltar a receber normalmente a sua aposentadoria e ser ressarcido pelo
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período que deixou de auferi-la.
3. Frente ao exposto, concede-se a segurança para cassar o ato adminis-
trativo prolatado pelo Governador do Estado que declarou a cassação da aposen-
tadoria de A.A.F., procedendo-se ao pagamento integral das quantias referentes
Jurisprudência - Órgão Especial
ao benefício previdenciário desde a publicação do ato impetrado, retomando-se
o regular pagamento da aposentadoria até decisão em contrário.