Decisão 2368247-86.2024.8.26.0000

Processo: 2368247-86.2024.8.26.0000

Recurso: Recurso

Relator: AROLDO VIOTTI

Câmara julgadora:

Data do julgamento: 16 de abril de 2025

Ementa Técnica

RECURSO – Ação Direta de Inconstitucionalidade. Lei nº 14.681, de 25 de novembro de 2024, do Município de São José do Rio Preto, que “Dispõe sobre a implanta- ção obrigatória de segurança armada nas escolas da rede pública e privada da educação básica de ensino, no Município de São José do Rio Preto-SP.” Inicia- tiva parlamentar. Inocorrência de vício de iniciativa, de violação ao pacto federativo ou ao princípio da se- paração de poderes. Norma que não ladeia a compe- tência dos municípios prevista no art. 30, inciso II, da CF. Matéria que não está elencada no rol daquelas de iniciativa reservada do Poder Executivo (arts. 24, § 2º, da Constituição Estadual), além de não impor atribui- 705 ções a órgãos públicos, interferência na Administra- ção do Município, não violando portanto o princípio da reserva da administração (art. 47, incisos II, XIV, Jurisprudência - Órgão Especial XIX, da Constituição Estadual). Exceção no tocante ao artigo 3º da lei municipal impugnada, que inter- fere em relação ao modo pelo qual a Administração cumprirá a determinação legal e impõe atribuições a órgãos da Administração. Inconstitucionalidade des- se dispositivo. Por outro lado, à luz dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, a lei questio- nada é integralmente inconstitucional, por suprimir atribuição da Guarda Civil Municipal, bem assim por colocar em situação de risco extremo crianças e ado- lescentes. Ação procedente, ratificada a liminar defe- rida “initio litis”.(TJSP; Processo nº 2368247-86.2024.8.26.0000; Recurso: Recurso; Relator: AROLDO VIOTTI; Data do Julgamento: 16 de abril de 2025)

Voto / Fundamentação

, em Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “JULGARAM A AÇÃO PROCEDENTE. V.U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. (Voto nº 47.669) O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FER- NANDO TORRES GARCIA (Presidente), RICARDO DIP, FIGUEIREDO GONÇALVES, GOMES VARJÃO, LUCIANA BRESCIANI, LUIS FERNAN- DO NISHI, JARBAS GOMES, MARCIA DALLA DÉA BARONE, SILVIA ROCHA, NUEVO CAMPOS, CARLOS MONNERAT, RENATO RANGEL DESINANO, JOSÉ CARLOS FERREIRA ALVES, MÁRIO DEVIENNE FERRAZ, LUIS SOARES DE MELLO, MAURICIO VALALA, BERETTA DA SILVEIRA, FRANCISCO LOUREIRO, XAVIER DE AQUINO, DA- MIÃO COGAN, VICO MAÑAS, CAMPOS MELLO, FÁBIO GOUVÊA e MATHEUS FONTES. São Paulo, 16 de abril de 2025. AROLDO VIOTTI, Relator


Ementa: Ação Direta de Inconstitucionalidade. Lei nº 14.681, de 25 de novembro de 2024, do Município de São José do Rio Preto, que “Dispõe sobre a implanta- ção obrigatória de segurança armada nas escolas da rede pública e privada da educação básica de ensino, no Município de São José do Rio Preto-SP.” Inicia- tiva parlamentar. Inocorrência de vício de iniciativa, de violação ao pacto federativo ou ao princípio da se- paração de poderes. Norma que não ladeia a compe- tência dos municípios prevista no art. 30, inciso II, da CF. Matéria que não está elencada no rol daquelas de iniciativa reservada do Poder Executivo (arts. 24, § 2º, da Constituição Estadual), além de não impor atribui- 705 ções a órgãos públicos, interferência na Administra- ção do Município, não violando portanto o princípio da reserva da administração (art. 47, incisos II, XIV, Jurisprudência - Órgão Especial XIX, da Constituição Estadual). Exceção no tocante ao artigo 3º da lei municipal impugnada, que inter- fere em relação ao modo pelo qual a Administração cumprirá a determinação legal e impõe atribuições a órgãos da Administração. Inconstitucionalidade des- se dispositivo. Por outro lado, à luz dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, a lei questio- nada é integralmente inconstitucional, por suprimir atribuição da Guarda Civil Municipal, bem assim por colocar em situação de risco extremo crianças e ado- lescentes. Ação procedente, ratificada a liminar defe- rida “initio litis”.





VOTO

I. Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta pelo Sr. PREFEITO MU- NICIPAL DE SÃO JOSÉ DO RIO PRETO, tendo por objeto a Lei nº 14.681, de 25 de novembro de 2024, do Município de São José do Rio Preto, de iniciativa parlamentar, que “Dispõe sobre a implantação obrigatória de segurança ar- mada nas escolas da rede pública e privada da educação básica de ensino, no Município de São José do Rio Preto-SP.” (fls. 29/30). Nas razões (fls. 01/26), assevera, em resumo, que o diploma, de iniciativa do Poder Legislativo, afronta os artigos 5º, 47, incisos II e XIV, e 144, todos da Constituição do Estado de São Paulo. Isto por exorbitar os limites em matéria de competência privativa do Poder Executivo, violando o princípio constitucional de independência e harmonia entre os poderes, por vício de iniciativa e invasão da reserva da administração em matéria de organização administrativa e servi- ços públicos, além de criar despesa não prevista e sem estimativa do impacto orçamentário e financeiro, em afronta ao artigo 113 do ADCT e à Lei de Res- ponsabilidade Fiscal. Aduz, ainda, que a lei impugnada padece de inconstitu- cionalidade também por invadir a competência privativa da União para legislar sobre direito civil e normas gerais sobre material bélico. Requer a procedência da ação, com a concessão de liminar, para ser de- clarada a inconstitucionalidade da Lei nº 14.681, de 25 de novembro de 2024, do Município de São José do Rio Preto. A liminar foi deferida pelo Emin. Desembargador ÁLVARO TORRES JÚNIOR, no impedimento ocasional deste subscritor. Conquanto intimados, a D. Procuradoria Geral do Estado e o Sr. Presidente da Câmara Municipal de São José do Rio Preto quedaram inertes (cf. fls. 112/113 e certidões de fls. 114/115). 706 A D. Procuradoria Geral de Justiça, em seu parecer de fls. 120/132, opi- nou pela procedência da ação. Este, em síntese, o relatório. Jurisprudência - Órgão Especial II. O pedido comporta acolhimento. Reproduz-se o teor integral da impugnada Lei nº 14.681, de 25 de no- vembro de 2024, do Município de São José do Rio Preto, que “Dispõe sobre a implantação obrigatória de segurança armada nas escolas da rede pública e privada da educação básica de ensino, no Município de São José do Rio Preto -SP.” (fls. 29/30 e 97/98): “Art. 1º As escolas das redes pública e privada da educação básica de ensino devem, obrigatoriamente, contratar serviço de segurança armada para atuar nas questões de segurança interna do estabelecimento escolar. § 1º O serviço deverá ser especializado na prestação de vigilância e se- gurança patrimonial, ostensiva e armada. § 2º As escolas devem emitir relatório mensal acerca das atividades prestadas pelos servidores contratados ou terceirizados, a ser encaminhado para suas respectivas Secretarias ou órgãos superiores, que posteriormente despacharão às empresas responsáveis, no caso de terceirizados. Art. 2º O serviço de segurança armada nas escolas das redes pública e privada de educação básica de ensino deve ocorrer durante as 24 (vinte e quatro) horas do dia, nos 7 (sete) dias da semana. Parágrafo único. O período a que se refere o caput não inclui as escolas que dispõem de sistemas de monitoramento por câmeras. Para essas, o serviço de segurança deverá ser apenas durante o período letivo. Art. 3º Fica estabelecido que a Secretaria de Educação deve promover a integração com a respectiva Secretaria de Segurança Pública, ou equivalente, por meio das Guardas Municipais, em âmbito Estadual, por meio da Polícia Militar ou, no âmbito da União, por meio da Polícia Federal. Parágrafo único. Fica possibilitada a interlocução das parcerias entre as respectivas Secretarias de Segurança, caso necessário, assim como a con- tratação de empresas especializadas terceirizadas. Art. 4º As escolas das redes pública e privada da educação básica de ensino terão o prazo de 90 (noventa) dias, a contar da entrada em vigor desta lei, para cumprir o disposto no art. 1º. Art. 5º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.” A lei teve iniciativa parlamentar, com veto total pelo Prefeito Municipal, o qual, no entanto, foi rejeitado pela Câmara Municipal. E, segundo a inicial, o diploma afronta os artigos 5º, 47, incisos II e XIV, e 144, todos da Constituição do Estado de São Paulo. Aludidos dispositivos são do seguinte teor: “Artigo 5º – São Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário. § 1º – É vedado a qualquer dos Poderes delegar atribuições. 707 § 2º – O cidadão, investido na função de um dos Poderes, não poderá exercer a de outro, salvo as exceções previstas nesta Constituição.” “Artigo 47 – Compete privativamente ao Governador, além de outras Jurisprudência - Órgão Especial atribuições previstas nesta Constituição: (...) II – exercer, com o auxílio dos Secretários de Estado, a direção superior da administração estadual; (...) XIV – praticar os demais atos de administração, nos limites da compe- tência do Executivo;” “Artigo 144 – Os Municípios, com autonomia política, legislativa, ad- ministrativa e financeira se auto-organizarão por Lei Orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.” Afirma o requerente que o diploma impugnado vulnera o princípio da separação de poderes e a reserva de iniciativa do Poder Executivo, ao qual toca a iniciativa legiferante sobre a matéria em questão, na medida em que interfere na gestão administrativa, além de criar despesa sem estabelecer a respectiva fonte de custeio. A propósito do princípio da separação e harmonia entre os Poderes, as leis de iniciativa reservada ao Chefe do Poder Executivo são aquelas elencadas no § 2º do artigo 24 e no artigo 47 da Constituição Estadual – dispositivo aplicado aos Municípios por força do artigo 144 do mesmo diploma legal. Por exclusão, e abstraídas ainda aquelas de competência privativa do Poder Legislativo (§ 1º do artigo 24), as demais matérias inserem-se em princípio na esfera de competência de “qualquer membro ou Comissão da Assembleia Legislativa, ao Governador do Estado, ao Tribunal de Justiça, ao Procurador-Geral de Justiça e aos cida- dãos”, conforme dispõe o “caput” do referido artigo 24. A iniciativa do Poder Legislativo constitui a regra. Já a iniciativa reser- vada ao Chefe do Executivo é exceção e só se configura nas hipóteses previstas na Carta Estadual e que devem ser interpretadas restritivamente (“Artigo 24 – A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Assembleia Legislativa, ao Governador do Estado, ao Tribunal de Justiça, ao Procurador-Geral de Justiça e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição. (...) § 2º – Compete, exclusivamente, ao Governador do Estado a iniciativa das leis que disponham sobre: 1 – criação e extinção de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica, bem como a fixação da respectiva remuneração; 2 – criação e extinção das Secretarias de Estado e órgãos da administração pública, obser- vado o disposto no artigo 47, XIX; 3 – organização da Procuradoria Geral do Estado e da Defensoria Pública do Estado, observadas as normas gerais da União; 4 – servidores públicos do Estado, seu regime jurídico, provimen- 708 to de cargos, estabilidade e aposentadoria; 5 – militares, seu regime jurídi- co, provimento de cargos, promoções, estabilidade, remuneração, reforma e transferência para inatividade, bem como fixação ou alteração do efetivo da Polícia Militar; 6 – Declarado inconstitucional, em controle concentrado, Jurisprudência - Órgão Especial pelo Supremo Tribunal Federal” e “Artigo 47 (...) II – exercer, com o auxílio dos Secretários de Estado, a direção superior da administração estadual; (...) XIV – praticar os demais atos de administração, nos limites da competência do Executivo; (...) XIX – dispor, mediante decreto, sobre: a) organização e funcionamento da administração estadual, quando não implicar aumento de despesa, nem criação ou extinção de órgãos públicos; (...)”). O ato normativo aqui impugnado, diversamente do afirmado pelo autor, não versa sobre política de governo, ato concreto de gestão ou organização da administração. Tampouco se propõe a tratar sobre criação ou extinção de órgãos públicos, não cria ou extingue cargos, funções ou empregos públicos, não fixa remuneração, não dispõe sobre servidores públicos ou sobre o seu regime jurí- dico. A matéria abordada na lei municipal, cuja constitucionalidade ora se questiona, além de não estar dentre aquelas reservadas exclusivamente ao Chefe do Poder Executivo (§ 2º do art. 24 da Constituição Bandeirante), não represen- ta inovação relevante no que respeita ao ordenamento jurídico pátrio sobre o tema, não havendo falar em inconstitucionalidade formal por vício de iniciativa. Foi o que ponderou o D. Procurador Geral de Justiça em seu parecer, no seguinte trecho a seguir reproduzido: “Tenho compartilhado a esse egrégio Órgão Especial do Tribunal de Jus- tiça bandeirante que é consentida iniciativa parlamentar à lei para disciplina simétrica de serviço público não exclusivo e atividade privada sujeita ao con- trole de polícia administrativa em prol de direitos de seus respectivos usuários e consumidores, e que, a meu ver, é corroborada pelo princípio de igualdade e pela orientação emergente do Tema 917 de repercussão geral, ressalvadas par- tículas da lei que afetem a reserva de Administração ou de iniciativa legislativa. 6. A meu ver, e concessa venia, estimo que leis desse jaez são, grosso modo, leis de police power que não se encaixam na iniciativa legislativa reser- vada ao Chefe do Poder Executivo porque não estão catalogadas no respectivo rol taxativo, de interpretação restrita por configurarem exceção à regra de ini- ciativa comum ou concorrente, nem se radicam nas matérias de competência exclusiva do Poder Executivo porque a instituição de direitos e deveres, infra- ções e sanções, aos consumidores de atividades privadas ou usuários de serviço público e à iniciativa privada ou ao poder público, dependem de lei em sentido formal, igualmente sem reserva de iniciativa legislativa. 7. A lei tem como destinatárias as unidades ou estabelecimentos de ensi- no básico das redes pública e particular. É preciso compreender os seus termos 709 à vista dos conceitos jurídico-normativos estabelecidos na esfera competente. (...) 9. Segurança armada envolve a segurança privada – distinta da seguran- Jurisprudência - Órgão Especial ça pública exercida pelos organismos públicos do art. 144 da Constituição Fe- deral – regulamentada pela Lei n. 14.967, de 09 de setembro de 2024 (Estatuto da Segurança Privada e da Segurança das Instituições Financeiras), inclusiva da vigilância patrimonial e de outras atividades em rol exemplificativo, arma- das ou não (art. 5º). 10. Escopo da lei municipal em exame é a segurança no ambiente esco- lar, estatuindo o dever de prover serviço de segurança armada para as questões de segurança interna do estabelecimento de ensino, exigente de especialização na prestação de vigilância e segurança patrimonial, ostensiva e armada. 11. Gizo isso porque da lei emerge a preocupação com ilícitos (civis, penais, administrativo-disciplinares, v.g.) no ambiente escolar, destinando-se à proteção (ostensiva e armada) da vida, da indenidade e do patrimônio de docentes, discentes (de quatro aos dezessete anos de idade) e profissionais de atividades conexas, acessórias ou complementares, e do próprio patrimônio do estabelecimento de ensino básico. 12. Não há inconformidade da lei com o art. 22, I e XXI, da Constituição Federal. 13. Segurança é princípio jurídico fundamental (art. 5º, Constituição Fe- deral) e a segurança pública é dever subjetivo público imposto ao Estado, à so- ciedade e ao indivíduo, conforme a cabeça do art. 144 da Constituição Federal. 14. A lei não trata de direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho nem de normas gerais de organização, efetivos, material bélico, garantias, convocação, mobilização, inatividades e pensões das polícias militares e dos corpos de bombeiros mili- tares, ainda que tenha previsto cooperação interinstitucional com órgãos poli- ciais civis ou militares. 15. O diploma legal versa sobre segurança escolar, temática da alçada própria dos Municípios na medida do interesse local predominante, que não se ousa negar. E não é possível recusar ao Município, em tese, autonomia para legislar sobre a segurança nas unidades de ensino de seu território – ainda que optando por atividade armada cujo exercício dependerá da observância das normativas federais, como, verbi gratia, a lei federal acima mencionada.” (textual – fls. 125/127). E também não se verifica inconstitucionalidade na ausência de dotação orçamentária. A falta de indicação suficiente da fonte de custeio implica que a lei será inexequível no exercício em que publicada, sendo incluída no orçamento do exercício seguinte. Cumpre salientar, ainda, a inexistência da apontada violação ao artigo 113 do ADCT, na medida em que não se vislumbra interferência do 710 Legislativo na receita municipal (“Art. 113. A proposição legislativa que crie ou altere despesa obrigatória ou renúncia de receita deverá ser acompanhada Jurisprudência - Órgão Especial da estimativa do seu impacto orçamentário e financeiro.”). Ainda, a lei municipal em questão é compatível com a conhecida orienta- ção do Colendo Supremo Tribunal Federal no julgamento do R.E. 878.911 (Tema 917 de Repercussão Geral): “Recurso extraordinário com agravo. Repercus- são geral. 2. Ação Direta de Inconstitucionalidade estadual. Lei 5.616/2013, do Município do Rio de Janeiro. Instalação de câmeras de monitoramento em escolas e cercanias. 3. Inconstitucionalidade formal. Vício de iniciativa. Competência privativa do Poder Executivo municipal. Não ocorrência. Não usurpa a competência privativa do chefe do Poder Executivo lei que, embora crie despesa para a Administração Pública, não trata da sua estrutura ou da atribuição de seus órgãos nem do regime jurídico de servidores públicos. 4. Repercussão geral reconhecida com reafirmação da jurisprudência desta Corte. 5. Recurso extraordinário provido.” “Decisão: O Tribunal, por una- nimidade, reputou constitucional a questão. O Tribunal, por unanimidade, reconheceu a existência de repercussão geral da questão constitucional sus- citada. No mérito, por maioria, reafirmou a jurisprudência dominante sobre a matéria, vencido o Ministro Marco Aurélio. Não se manifestaram os Minis- tros Celso de Mello e Rosa Weber.” (sublinhei – RE nº 878.911, Tema nº 917 v.u. j. de 30.09.16 DJ-e de 11.10.16 – Relator Ministro GILMAR MENDES). Portanto, a lei impugnada não afronta o pacto federativo e nem incorre em vício de iniciativa. A jurisprudência deste C. Órgão Especial registra precedentes com enten- dimento assemelhado: “Ação direta de inconstitucionalidade. Lei 954, de 28 de janeiro de 2011, do Município de Bertioga. Afixação de aviso em hospitais informando o direi- to de idosos a acompanhante em caso de internação. Iniciativa legislativa de vereador. Não configurada violação à iniciativa reservada ao Chefe do Execu- tivo. Hipóteses taxativas. Divulgação de regra contida em legislação federal. Art. 16 do Estatuto do Idoso. Ônus fiscalizatório. Ausência de aumento de despesa. Atividade inerente à Administração Pública. Interpretação conforme à Constituição. Possibilidade. Exclusão dos hospitais públicos estaduais e fe- derais da esfera de abrangência da lei municipal. Ação julgada improceden- te.” (TJSP, Direta de Inconstitucionalidade 0088286-03.2013.8.26.0000, Rel. o Des. Márcio Bartoli, Órgão Especial, j. 11.12.2013) “AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – Lei nº 3.787/2015 do Município de Mirassol, que ‘obriga estabelecimentos específi- cos a manterem avisos de alerta sobre o Estatuto da Criança e do Adolescen- te’ – Inexistência de imposição de obrigações diretamente ao Poder Público – Matéria tratada que não está prevista no rol taxativo do artigo 24, § 2º, da 711 Constituição Paulista – Inocorrência de vício de iniciativa – Inconstituciona- lidade não observada – Ação julgada improcedente.” (TJSP, Direta de Incons- titucionalidade 2158023-88.2015.8.26.0000, Rel. o Des. Moacir Peres, Órgão Jurisprudência - Órgão Especial Especial, j. 16.12.2015) Por outro lado, o texto do artigo 3º, diversamente dos demais, contém imposição de atribuições a órgãos públicos – Secretaria Municipal de Educa- ção e de Segurança Pública –, ocasionando interferência na Administração do Município, vislumbrando-se, nessa hipótese, fundamento na assertiva de haver ofensa ao princípio da Reserva da Administração (art. 47, incisos II, XIV e XIX, da Constituição Estadual). O artigo 3º da Lei nº 14.681, de 25 de novembro de 2024, do Município de São José do Rio Preto, por se tratar de norma afeta à organização da Adminis- tração Pública local e à determinação de adoção direta de medidas na organiza- ção das atividades da Secretaria Municipal de Ensino e da Secretaria Municipal de Segurança Pública, gerenciadas pela Prefeitura Municipal de São José do Rio Preto, constituem realmente interferência na gestão administrativa, denuncian- do vício de iniciativa e desrespeito ao princípio da separação dos poderes pelo referido dispositivo da lei em questão. Referido dispositivo busca, em última análise, estabelecer o modo pelo qual a Administração Pública cumprirá sua determinação legal, tolhendo sua competência exclusiva para a prática de atos ordinários de administração ou gestão. Conquanto seja consentido ao Poder Legislativo o que o Poder Exe- cutivo pode ou deve fazer, não lhe é autorizado indicar como fazê-lo, por- que salvo competências constitucionalmente vinculadas, remanesce ao Poder Executivo, enquanto órgão de governo, a escolha dos meios de cumprimento das obrigações fixadas pelo Parlamento. Trata-se de questão que se rende ao âmbito de sua discricionariedade – simples ou técnica – à luz da realidade e da possibilidade da medida dos recursos disponíveis, da influência da técnica, da ciência e da tecnologia, das condicionantes do ordenamento jurídico, e dos aspectos econômicos, financeiros e orçamentários. Houve intromissão na esfera de atuação do Chefe do Poder Executivo por parte da Câmara Municipal, sobretudo pelo fato de a medida imposta en- sejar planejamento, direção, organização e execução, configurando típico ato de governo. Em referência ao tema, leciona HELY LOPES MEIRELLES: “A atribuição típica e predominante da Câmara é a normativa, isto é, a de re- gular a administração do Município e a conduta dos munícipes no que afeta aos interesses locais. A Câmara não administra o Município; estabelece, ape- nas, normas de administração. Não executa obras e serviços públicos; dispõe, unicamente, sobre sua execução. Não compõe nem dirige o funcionalismo da Prefeitura; edita, tão somente, preceitos para sua organização e direção. Não arrecada nem aplica as rendas locais; apenas institui ou altera tributos e 712 autoriza sua arrecadação e aplicação. Não governa o Município; mas regula e controla a atuação governamental do Executivo, personalizado no prefeito. Eis aí a distinção marcante entre a missão normativa da Câmara e a função executiva do prefeito; o Legislativo delibera e atua com caráter regulatório, Jurisprudência - Órgão Especial genérico e abstrato; o Executivo consubstancia os mandamentos da norma le- gislativa em atos específicos e concretos de administração. (...) A interferência de um Poder no outro é ilegítima, por atentatória à separação institucional de suas funções (CF, art. 2º). Por idêntica razão constitucional, a Câmara não pode delegar funções ao prefeito, nem receber delegações do Executivo. Suas atribuições são incomunicáveis, estanques, intransferíveis (CF, art. 2º). Assim como não cabe à Edilidade praticar atos do Executivo, não cabe a este substi- tuí-la nas atividades que lhe são próprias. Em sua função normal e predomi- nante sobre as demais, a Câmara elabora leis, isto é, normas abstratas, gerais, e obrigatórias de conduta. Esta é sua função específica, bem diferenciada da do Executivo, que é a de praticar atos concretos de administração. (...) Daí não ser permitido à Câmara intervir direta e concretamente nas atividades reservadas ao Executivo, que pedem provisões administrativas especiais ma- nifestadas em ordens, proibições, concessões, permissões, nomeações, paga- mentos, recebimentos, entendimentos verbais ou escritos com os interessados, contratos, realizações materiais da Administração e tudo o mais que se tradu- zir em atos ou medidas de execução governamental” (Hely Lopes Meirelles, Direito Municipal Brasileiro, 12ª. ed., São Paulo: Malheiros, p. 576). Verificada, assim, a incompatibilidade do artigo 3º da Lei Municipal nº 14.681, de 25 de novembro de 2024, com os artigos 5º, 47, incisos II e XIV, e 144, todos da Constituição do Estado de São Paulo, por vício de iniciativa e violação ao princípio da separação dos poderes. A tanto, porém, não se limita a aferição da constitucionalidade do diplo- ma. Perfilha-se, a propósito, o entendimento do órgão ministerial no sentido de que a lei em questão afronta os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, previstos no artigo 111 da Constituição Estadual. Na lição de CELSO ANTÔ- NIO BANDEIRA DE MELLO: “É, pois, no âmbito da causa que se examinam dois tópicos extremamente importantes para a validade do ato, a saber: a) sua razoabilidade e b) sua proporcionalidade. Quanto a esta última, foi expressa- mente categorizada como princípio da Administração Pública pelo artigo 2º da Lei federal 9.784, de 29.1.99. Anote-se que o parágrafo único do mesmo dispositivo, ao mencionar critérios que deverão reger a conduta administrati- va, aponta, dentre eles, um que deve ser considerado como aclarador da no- ção de proporcionalidade. É o que impõe o dever de ‘adequação entre meios e fins, vedada a imposição de obrigações, restrições e sanções em medida su- perior àquelas estritamente necessárias ao atendimento do interesse público’. Já havíamos feito menção ao fato de que o princípio em causa deve ser 713 havido, entre nós, como de hierarquia constitucional (Capítulo II, n. 15). Por fundamento diverso – mas também aduzível em face da Lei Magna brasileira –, o eminente publicista germânico Ernst Forsthoff sustentou o mesmo à vista Jurisprudência - Órgão Especial da Constituição alemã. O renomado jurista argutamente observou que: ‘(...) uma vez que a Constituição protege com tal insistência a liberdade e o livre desenvolvimento da pessoa, não se pode admitir que o legislador e a Admi- nistração imponham à liberdade restrições que excedam o necessário para atingir o fim perseguido. É neste sentido que o princípio da proporcionalidade dos meios ao fim tem valor constitucional’. Em rigor, a proporcionalidade não é senão uma faceta da razoabilida- de, pois através do exame da proporcionalidade o que se quer verificar é se a providência tomada (conteúdo do ato) perante certo evento (motivo) mante- ve-se nos limites necessários para atender à finalidade legal ou se foi ‘mais intensa’ ou ‘menos extensa’ do que o necessário. Ora, um ato que exceder ao necessário para bem satisfazer o escopo legal não é razoável. O ato adminis- trativo, para ser juridicamente razoável, há de respeitar também os ‘Princí- pios Gerais de Direito’, pois estes, como disse Eduardo García de Enterría em averbação feliz, não se constituem em abstrato reclamo da Moral ou da Justiça, mas são como uma ‘condensação dos grandes valores jurídico-mate- riais que constituem o substrato do Ordenamento e da experiência reiterada da vida jurídica”. (“Curso de Direito Administrativo”, 17ª Ed., São Paulo, Ma- lheiros Editores, 2004, págs. 375-376). A Guarda Civil Municipal tem o dever, dentre outras funções, de promo- ver a segurança escolar, consoante disposto no artigo 5º, inciso VIII, da Lei Fe- deral nº 13.022, de 8 de agosto de 2014: “Art. 5º São competências específicas das guardas municipais, respeitadas as competências dos órgãos federais e estaduais: (...) XVIII – atuar mediante ações preventivas na segurança es- colar, zelando pelo entorno e participando de ações educativas com o corpo discente e docente das unidades de ensino municipal, de forma a colaborar com a implantação da cultura de paz na comunidade local.” Na espécie, a lei impugnada acaba por suprimir essa atuação, ao impor a contratação de serviço de segurança privada interna – terceirizada – nas ins- tituições de ensino básico (dos 4 aos 17 anos de idade) públicas e privadas no município de São José do Rio Preto. E não é razoável que crianças e adolescentes convivam com segurança armada dentro dos estabelecimentos educacionais nos quais inseridos, plausível a configuração de situação de perigo extremo, certo que existem diversos meios de proteção também eficientes e que não colocam em risco suas vidas. Apesar de ocorrer a prática de crimes no ambiente interno escolar, conforme se tem no- tícia, nada abona o contato direto com a segurança armada, “expondo crianças e adolescentes a situação de risco ou perigo pela proximidade com armamento, 713 à luz dos princípios da precaução e prevenção, e (b) não se justifica, no caso da rede pública, o agravo ao erário pela obrigatoriedade de terceirização em razão das competências constitucionais e infraconstitucionais da Guarda Mu- nicipal.” (parecer – fls. 132). Jurisprudência - Órgão Especial Daí mostrar-se preferível, no entender do signatário, concluir-se que a Lei nº 14.681, de 25 de novembro de 2024, do Município de São José do Rio Preto, padece integralmente de inconstitucionalidade, sendo a procedência da ação medida de rigor. III. Pelo exposto, julgam procedente a presente ação direta de inconstitu- cionalidade, ratificada a liminar deferida a fls. 102/103.