RECURSO – REVISÃO CRIMINAL - FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO PÚBLICO - Preliminares: Nuli- dades processuais. Ausência de representante do Mi- nistério Público na primeira audiência de instrução, inversão na ordem de oitiva de testemunhas e falta de nova intimação dos peticionários para a sessão de(TJSP; Processo nº 2377564-11.2024.8.26.0000; Recurso: Recurso; Relator: CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno,; Data do Julgamento: 5 de junho de 2025)
, em 5º Grupo de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de
São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Rejeitaram as matérias preliminares e,
8 Fls. 314/317 dos autos da ação penal.
701
no mérito, indeferiram a ação. V.U.”, de conformidade com o voto do Relator,
que integra este acórdão. (Voto nº 47.251)
O julgamento teve a participação dos Exmo. Desembargadores NUEVO
Jurisprudência - Seção de Direito Criminal
CAMPOS (Presidente), GRASSI NETO, ALCIDES MALOSSI JUNIOR, CÉ-
SAR AUGUSTO ANDRADE DE CASTRO, NELSON FONSECA JÚNIOR,
ANTONIO B. MORELLO e SÉRGIO COELHO.
São Paulo, 5 de junho de 2025.
RACHID VAZ DE ALMEIDA, Relatora
Ementa: REVISÃO CRIMINAL - FALSIFICAÇÃO
DE DOCUMENTO PÚBLICO - Preliminares: Nuli-
dades processuais. Ausência de representante do Mi-
nistério Público na primeira audiência de instrução,
inversão na ordem de oitiva de testemunhas e falta
de nova intimação dos peticionários para a sessão de
julgamento da apelação adiada. Inocorrência. - Mé-
rito: Decisão contrária à evidência dos autos. Inocor-
rência. Provas robustas acerca da autoria e da ma-
terialidade delitiva. Conjunto probatório examinado
de forma percuciente tanto na origem como pelo E.
Tribunal. Reprimendas. Manutenção. Necessidade. -
MATÉRIAS PRELIMINARES REJEITADAS E, NO
MÉRITO, AÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE
VOTO
Cuida-se de revisão criminal ajuizada por ANDERSON ROBLES HI-
LARIO RODRIGUES e APARECIDA ROBLES HILARIO RODRIGUES
com fundamento no artigo 621 e ss., do Código de Processo Penal, visando
desconstituir a r. sentença condenatória e o v. acórdão confirmatório, responsa-
bilizando-os pela prática do crime de falsificação de documento público, cujas
penas foram fixadas em dois anos de reclusão, para desconto em regime aberto,
mais o pagamento de dez dias-multa, substituídas as reprimendas privativas de
liberdade por duas restritivas de direitos (fls. 448/455 e 521/533).
Em razões revisionais, arguem, preliminarmente, nulidades processuais
e, no mérito, pugnam pela absolvição por insuficiência de provas ou atipicidade
de condutas (fls. 01/11, 728/744 e 746/753).
A r. decisão transitou em julgado para as partes (fls. 563 e 625).
O pedido liminar foi indeferido (fls. 755/756) e a Procuradoria Geral de
Justiça se manifestou pelo não conhecimento do pedido revisional e, se conhe-
cido, por sua improcedência (fls. 765/769).
É O RELATÓRIO.
702
As preliminares arguidas não merecem acolhimento. Entendo que a au-
sência de representante do Ministério Público na primeira audiência de instru-
Jurisprudência - Seção de Direito Criminal ção ou a ocorrência de eventual inversão na ordem de oitiva de testemunhas não
afrontam o princípio acusatório e tampouco possuem, por si só, o condão de
acarretar a nulidade do ato, mormente quando não há comprovação de prejuízo
concreto para a defesa.
Consta dos autos que as audiências ocorreram sob os ditames legais, sob
o crivo do contraditório, onde os peticionários puderam objetar e contrapor o
que entendessem pertinente, de modo que foram respeitados todos os direitos e
garantias fundamentais e processuais dos acusados, em especial a ampla defesa.
Além disso, ainda que houvesse nulidade - hipótese já rechaçada -, ela
seria apenas relativa e foi atingida pela preclusão temporal, porquanto os peti-
cionários não a aventaram em nenhum momento processual em que lhes cabia
se manifestarem.
Verifica-se, ainda, que foi deferido o pedido de adiamento do julgamento
da apelação formulado pelos peticionários, resignando-o para a próxima sessão.
Levado a julgamento na sessão seguinte, se mostra desnecessária nova intima-
ção.
Conforme pacífica jurisprudência do C. Superior Tribunal de Justiça, in-
cluído o processo em pauta, com a regular intimação das partes e, ocorrendo o
adiamento da sessão de julgamento para até três sessões subsequentes, torna-se
dispensável nova intimação.
Assim, não comprovado nenhum prejuízo concreto à defesa, as matérias
preliminares devem ser rejeitadas.
No mérito, observo que o conjunto fático-probatório foi examinado de
maneira percuciente, tanto pelo MM. Juízo a quo quanto pela C. Quarta Câmara
de Direito Criminal, não sendo possível acolher o pedido de absolvição diante
da robusta prova produzida, mesmo porque, como é cediço, somente a decisão
absolutamente divorciada do acervo probatório autorizaria a rescisão do julga-
do, o que não é o caso.
Neste sentido, em relação à prova pericial, tenho que era medida desne-
cessária para fins de convencimento e foi, ao seu tempo, devidamente afastada
pelas instâncias anteriores, sem que houvesse desvio de legalidade passível de
correção pela via eleita.
A condenação deve, pois, ser mantida, porquanto não se evidencia qual-
quer erro judiciário a justificar a rescisão do julgado.
As reprimendas não comportam reparo, uma vez que definidas, motiva-
damente, sem rigor excessivo e dentro de critérios legais.
Neste aspecto, cumpre anotar que a ação revisional não tem natureza de
segunda apelação, com o propósito de rever critérios adotados na dosimetria,
exceto nas hipóteses de inequívoco erro ou abuso nas etapas de individualização
703
da pena.
Como consignado em sede liminar, entendo que o caso não se enquadra
nas hipóteses legais que autorizariam a tramitação do feito em segredo de jus-
Jurisprudência - Seção de Direito Criminal
tiça.
Por fim, a certidão de objeto e pé pode ser solicitada diretamente à unida-
de cartorária onde tramita o processo.
Posto isto, meu voto é pela rejeição das matérias preliminares e, no méri-
to, pela improcedência da ação.
704
ÓRGÃO ESPECIAL
Ações Diretas de Inconstitucionalidade
Jurisprudência - Órgão Especial
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Ação Direta de Inconstitu-
cionalidade nº 2368247-86.2024.8.26.0000, da Comarca de São Paulo, em que
é autor PREFEITO DO MUNICÍPIO DE SÃO JOSÉ DO RIO PRETO, é réu
PRESIDENTE DA CÂMARA MUNICIPAL DE SÃO JOSÉ DO RIO PRETO.
ACORDAM, em Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo,
proferir a seguinte decisão: “JULGARAM A AÇÃO PROCEDENTE. V.U.”, de
conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. (Voto nº 47.669)
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FER-
NANDO TORRES GARCIA (Presidente), RICARDO DIP, FIGUEIREDO
GONÇALVES, GOMES VARJÃO, LUCIANA BRESCIANI, LUIS FERNAN-
DO NISHI, JARBAS GOMES, MARCIA DALLA DÉA BARONE, SILVIA
ROCHA, NUEVO CAMPOS, CARLOS MONNERAT, RENATO RANGEL
DESINANO, JOSÉ CARLOS FERREIRA ALVES, MÁRIO DEVIENNE
FERRAZ, LUIS SOARES DE MELLO, MAURICIO VALALA, BERETTA
DA SILVEIRA, FRANCISCO LOUREIRO, XAVIER DE AQUINO, DA-
MIÃO COGAN, VICO MAÑAS, CAMPOS MELLO, FÁBIO GOUVÊA e
MATHEUS FONTES.
São Paulo, 16 de abril de 2025.
AROLDO VIOTTI, Relator
Ementa: Ação Direta de Inconstitucionalidade. Lei nº
14.681, de 25 de novembro de 2024, do Município de
São José do Rio Preto, que “Dispõe sobre a implanta-
ção obrigatória de segurança armada nas escolas da
rede pública e privada da educação básica de ensino,
no Município de São José do Rio Preto-SP.” Inicia-
tiva parlamentar. Inocorrência de vício de iniciativa,
de violação ao pacto federativo ou ao princípio da se-
paração de poderes. Norma que não ladeia a compe-
tência dos municípios prevista no art. 30, inciso II, da
CF. Matéria que não está elencada no rol daquelas de
iniciativa reservada do Poder Executivo (arts. 24, § 2º,
da Constituição Estadual), além de não impor atribui-
705
ções a órgãos públicos, interferência na Administra-
ção do Município, não violando portanto o princípio
da reserva da administração (art. 47, incisos II, XIV,
Jurisprudência - Órgão Especial
XIX, da Constituição Estadual). Exceção no tocante
ao artigo 3º da lei municipal impugnada, que inter-
fere em relação ao modo pelo qual a Administração
cumprirá a determinação legal e impõe atribuições a
órgãos da Administração. Inconstitucionalidade des-
se dispositivo. Por outro lado, à luz dos princípios da
razoabilidade e da proporcionalidade, a lei questio-
nada é integralmente inconstitucional, por suprimir
atribuição da Guarda Civil Municipal, bem assim por
colocar em situação de risco extremo crianças e ado-
lescentes. Ação procedente, ratificada a liminar defe-
rida “initio litis”.
VOTO
I. Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta pelo Sr. PREFEITO MU-
NICIPAL DE SÃO JOSÉ DO RIO PRETO, tendo por objeto a Lei nº 14.681, de
25 de novembro de 2024, do Município de São José do Rio Preto, de iniciativa
parlamentar, que “Dispõe sobre a implantação obrigatória de segurança ar-
mada nas escolas da rede pública e privada da educação básica de ensino, no
Município de São José do Rio Preto-SP.” (fls. 29/30).
Nas razões (fls. 01/26), assevera, em resumo, que o diploma, de iniciativa
do Poder Legislativo, afronta os artigos 5º, 47, incisos II e XIV, e 144, todos da
Constituição do Estado de São Paulo. Isto por exorbitar os limites em matéria de
competência privativa do Poder Executivo, violando o princípio constitucional
de independência e harmonia entre os poderes, por vício de iniciativa e invasão
da reserva da administração em matéria de organização administrativa e servi-
ços públicos, além de criar despesa não prevista e sem estimativa do impacto
orçamentário e financeiro, em afronta ao artigo 113 do ADCT e à Lei de Res-
ponsabilidade Fiscal. Aduz, ainda, que a lei impugnada padece de inconstitu-
cionalidade também por invadir a competência privativa da União para legislar
sobre direito civil e normas gerais sobre material bélico.
Requer a procedência da ação, com a concessão de liminar, para ser de-
clarada a inconstitucionalidade da Lei nº 14.681, de 25 de novembro de 2024,
do Município de São José do Rio Preto.
A liminar foi deferida pelo Emin. Desembargador ÁLVARO TORRES
JÚNIOR, no impedimento ocasional deste subscritor. Conquanto intimados, a
D. Procuradoria Geral do Estado e o Sr. Presidente da Câmara Municipal de São
José do Rio Preto quedaram inertes (cf. fls. 112/113 e certidões de fls. 114/115).
706
A D. Procuradoria Geral de Justiça, em seu parecer de fls. 120/132, opi-
nou pela procedência da ação. Este, em síntese, o relatório.
Jurisprudência - Órgão Especial II. O pedido comporta acolhimento.
Reproduz-se o teor integral da impugnada Lei nº 14.681, de 25 de no-
vembro de 2024, do Município de São José do Rio Preto, que “Dispõe sobre a
implantação obrigatória de segurança armada nas escolas da rede pública e
privada da educação básica de ensino, no Município de São José do Rio Preto
-SP.” (fls. 29/30 e 97/98):
“Art. 1º As escolas das redes pública e privada da educação básica de
ensino devem, obrigatoriamente, contratar serviço de segurança armada para
atuar nas questões de segurança interna do estabelecimento escolar.
§ 1º O serviço deverá ser especializado na prestação de vigilância e se-
gurança patrimonial, ostensiva e armada.
§ 2º As escolas devem emitir relatório mensal acerca das atividades
prestadas pelos servidores contratados ou terceirizados, a ser encaminhado
para suas respectivas Secretarias ou órgãos superiores, que posteriormente
despacharão às empresas responsáveis, no caso de terceirizados.
Art. 2º O serviço de segurança armada nas escolas das redes pública
e privada de educação básica de ensino deve ocorrer durante as 24 (vinte e
quatro) horas do dia, nos 7 (sete) dias da semana.
Parágrafo único. O período a que se refere o caput não inclui as escolas
que dispõem de sistemas de monitoramento por câmeras. Para essas, o serviço
de segurança deverá ser apenas durante o período letivo.
Art. 3º Fica estabelecido que a Secretaria de Educação deve promover a
integração com a respectiva Secretaria de Segurança Pública, ou equivalente,
por meio das Guardas Municipais, em âmbito Estadual, por meio da Polícia
Militar ou, no âmbito da União, por meio da Polícia Federal.
Parágrafo único. Fica possibilitada a interlocução das parcerias entre
as respectivas Secretarias de Segurança, caso necessário, assim como a con-
tratação de empresas especializadas terceirizadas.
Art. 4º As escolas das redes pública e privada da educação básica de
ensino terão o prazo de 90 (noventa) dias, a contar da entrada em vigor desta
lei, para cumprir o disposto no art. 1º.
Art. 5º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.”
A lei teve iniciativa parlamentar, com veto total pelo Prefeito Municipal,
o qual, no entanto, foi rejeitado pela Câmara Municipal. E, segundo a inicial, o
diploma afronta os artigos 5º, 47, incisos II e XIV, e 144, todos da Constituição
do Estado de São Paulo. Aludidos dispositivos são do seguinte teor:
“Artigo 5º – São Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre
si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.
§ 1º – É vedado a qualquer dos Poderes delegar atribuições.
707
§ 2º – O cidadão, investido na função de um dos Poderes, não poderá
exercer a de outro, salvo as exceções previstas nesta Constituição.”
“Artigo 47 – Compete privativamente ao Governador, além de outras
Jurisprudência - Órgão Especial
atribuições previstas nesta Constituição:
(...)
II – exercer, com o auxílio dos Secretários de Estado, a direção superior
da administração estadual;
(...)
XIV – praticar os demais atos de administração, nos limites da compe-
tência do Executivo;”
“Artigo 144 – Os Municípios, com autonomia política, legislativa, ad-
ministrativa e financeira se auto-organizarão por Lei Orgânica, atendidos os
princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.”
Afirma o requerente que o diploma impugnado vulnera o princípio da
separação de poderes e a reserva de iniciativa do Poder Executivo, ao qual toca
a iniciativa legiferante sobre a matéria em questão, na medida em que interfere
na gestão administrativa, além de criar despesa sem estabelecer a respectiva
fonte de custeio.
A propósito do princípio da separação e harmonia entre os Poderes, as leis
de iniciativa reservada ao Chefe do Poder Executivo são aquelas elencadas no
§ 2º do artigo 24 e no artigo 47 da Constituição Estadual – dispositivo aplicado
aos Municípios por força do artigo 144 do mesmo diploma legal. Por exclusão, e
abstraídas ainda aquelas de competência privativa do Poder Legislativo (§ 1º do
artigo 24), as demais matérias inserem-se em princípio na esfera de competência
de “qualquer membro ou Comissão da Assembleia Legislativa, ao Governador
do Estado, ao Tribunal de Justiça, ao Procurador-Geral de Justiça e aos cida-
dãos”, conforme dispõe o “caput” do referido artigo 24.
A iniciativa do Poder Legislativo constitui a regra. Já a iniciativa reser-
vada ao Chefe do Executivo é exceção e só se configura nas hipóteses previstas
na Carta Estadual e que devem ser interpretadas restritivamente (“Artigo 24 – A
iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou
Comissão da Assembleia Legislativa, ao Governador do Estado, ao Tribunal
de Justiça, ao Procurador-Geral de Justiça e aos cidadãos, na forma e nos
casos previstos nesta Constituição. (...) § 2º – Compete, exclusivamente, ao
Governador do Estado a iniciativa das leis que disponham sobre: 1 – criação
e extinção de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta
e autárquica, bem como a fixação da respectiva remuneração; 2 – criação e
extinção das Secretarias de Estado e órgãos da administração pública, obser-
vado o disposto no artigo 47, XIX; 3 – organização da Procuradoria Geral
do Estado e da Defensoria Pública do Estado, observadas as normas gerais
da União; 4 – servidores públicos do Estado, seu regime jurídico, provimen-
708
to de cargos, estabilidade e aposentadoria; 5 – militares, seu regime jurídi-
co, provimento de cargos, promoções, estabilidade, remuneração, reforma
e transferência para inatividade, bem como fixação ou alteração do efetivo
da Polícia Militar; 6 – Declarado inconstitucional, em controle concentrado,
Jurisprudência - Órgão Especial
pelo Supremo Tribunal Federal” e “Artigo 47 (...) II – exercer, com o auxílio
dos Secretários de Estado, a direção superior da administração estadual; (...)
XIV – praticar os demais atos de administração, nos limites da competência
do Executivo; (...) XIX – dispor, mediante decreto, sobre: a) organização e
funcionamento da administração estadual, quando não implicar aumento de
despesa, nem criação ou extinção de órgãos públicos; (...)”).
O ato normativo aqui impugnado, diversamente do afirmado pelo autor,
não versa sobre política de governo, ato concreto de gestão ou organização da
administração. Tampouco se propõe a tratar sobre criação ou extinção de órgãos
públicos, não cria ou extingue cargos, funções ou empregos públicos, não fixa
remuneração, não dispõe sobre servidores públicos ou sobre o seu regime jurí-
dico.
A matéria abordada na lei municipal, cuja constitucionalidade ora se
questiona, além de não estar dentre aquelas reservadas exclusivamente ao Chefe
do Poder Executivo (§ 2º do art. 24 da Constituição Bandeirante), não represen-
ta inovação relevante no que respeita ao ordenamento jurídico pátrio sobre o
tema, não havendo falar em inconstitucionalidade formal por vício de iniciativa.
Foi o que ponderou o D. Procurador Geral de Justiça em seu parecer, no
seguinte trecho a seguir reproduzido:
“Tenho compartilhado a esse egrégio Órgão Especial do Tribunal de Jus-
tiça bandeirante que é consentida iniciativa parlamentar à lei para disciplina
simétrica de serviço público não exclusivo e atividade privada sujeita ao con-
trole de polícia administrativa em prol de direitos de seus respectivos usuários
e consumidores, e que, a meu ver, é corroborada pelo princípio de igualdade e
pela orientação emergente do Tema 917 de repercussão geral, ressalvadas par-
tículas da lei que afetem a reserva de Administração ou de iniciativa legislativa.
6. A meu ver, e concessa venia, estimo que leis desse jaez são, grosso
modo, leis de police power que não se encaixam na iniciativa legislativa reser-
vada ao Chefe do Poder Executivo porque não estão catalogadas no respectivo
rol taxativo, de interpretação restrita por configurarem exceção à regra de ini-
ciativa comum ou concorrente, nem se radicam nas matérias de competência
exclusiva do Poder Executivo porque a instituição de direitos e deveres, infra-
ções e sanções, aos consumidores de atividades privadas ou usuários de serviço
público e à iniciativa privada ou ao poder público, dependem de lei em sentido
formal, igualmente sem reserva de iniciativa legislativa.
7. A lei tem como destinatárias as unidades ou estabelecimentos de ensi-
no básico das redes pública e particular. É preciso compreender os seus termos
709
à vista dos conceitos jurídico-normativos estabelecidos na esfera competente.
(...)
9. Segurança armada envolve a segurança privada – distinta da seguran-
Jurisprudência - Órgão Especial
ça pública exercida pelos organismos públicos do art. 144 da Constituição Fe-
deral – regulamentada pela Lei n. 14.967, de 09 de setembro de 2024 (Estatuto
da Segurança Privada e da Segurança das Instituições Financeiras), inclusiva
da vigilância patrimonial e de outras atividades em rol exemplificativo, arma-
das ou não (art. 5º).
10. Escopo da lei municipal em exame é a segurança no ambiente esco-
lar, estatuindo o dever de prover serviço de segurança armada para as questões
de segurança interna do estabelecimento de ensino, exigente de especialização
na prestação de vigilância e segurança patrimonial, ostensiva e armada.
11. Gizo isso porque da lei emerge a preocupação com ilícitos (civis,
penais, administrativo-disciplinares, v.g.) no ambiente escolar, destinando-se
à proteção (ostensiva e armada) da vida, da indenidade e do patrimônio de
docentes, discentes (de quatro aos dezessete anos de idade) e profissionais de
atividades conexas, acessórias ou complementares, e do próprio patrimônio do
estabelecimento de ensino básico.
12. Não há inconformidade da lei com o art. 22, I e XXI, da Constituição
Federal.
13. Segurança é princípio jurídico fundamental (art. 5º, Constituição Fe-
deral) e a segurança pública é dever subjetivo público imposto ao Estado, à so-
ciedade e ao indivíduo, conforme a cabeça do art. 144 da Constituição Federal.
14. A lei não trata de direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral,
agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho nem de normas gerais
de organização, efetivos, material bélico, garantias, convocação, mobilização,
inatividades e pensões das polícias militares e dos corpos de bombeiros mili-
tares, ainda que tenha previsto cooperação interinstitucional com órgãos poli-
ciais civis ou militares.
15. O diploma legal versa sobre segurança escolar, temática da alçada
própria dos Municípios na medida do interesse local predominante, que não se
ousa negar. E não é possível recusar ao Município, em tese, autonomia para
legislar sobre a segurança nas unidades de ensino de seu território – ainda
que optando por atividade armada cujo exercício dependerá da observância
das normativas federais, como, verbi gratia, a lei federal acima mencionada.”
(textual – fls. 125/127).
E também não se verifica inconstitucionalidade na ausência de dotação
orçamentária. A falta de indicação suficiente da fonte de custeio implica que a lei
será inexequível no exercício em que publicada, sendo incluída no orçamento do
exercício seguinte. Cumpre salientar, ainda, a inexistência da apontada violação
ao artigo 113 do ADCT, na medida em que não se vislumbra interferência do
710
Legislativo na receita municipal (“Art. 113. A proposição legislativa que crie
ou altere despesa obrigatória ou renúncia de receita deverá ser acompanhada
Jurisprudência - Órgão Especial da estimativa do seu impacto orçamentário e financeiro.”).
Ainda, a lei municipal em questão é compatível com a conhecida orienta-
ção do Colendo Supremo Tribunal Federal no julgamento do R.E. 878.911 (Tema
917 de Repercussão Geral): “Recurso extraordinário com agravo. Repercus-
são geral. 2. Ação Direta de Inconstitucionalidade estadual. Lei 5.616/2013,
do Município do Rio de Janeiro. Instalação de câmeras de monitoramento
em escolas e cercanias. 3. Inconstitucionalidade formal. Vício de iniciativa.
Competência privativa do Poder Executivo municipal. Não ocorrência. Não
usurpa a competência privativa do chefe do Poder Executivo lei que, embora
crie despesa para a Administração Pública, não trata da sua estrutura ou
da atribuição de seus órgãos nem do regime jurídico de servidores públicos.
4. Repercussão geral reconhecida com reafirmação da jurisprudência desta
Corte. 5. Recurso extraordinário provido.” “Decisão: O Tribunal, por una-
nimidade, reputou constitucional a questão. O Tribunal, por unanimidade,
reconheceu a existência de repercussão geral da questão constitucional sus-
citada. No mérito, por maioria, reafirmou a jurisprudência dominante sobre
a matéria, vencido o Ministro Marco Aurélio. Não se manifestaram os Minis-
tros Celso de Mello e Rosa Weber.” (sublinhei – RE nº 878.911, Tema nº 917
v.u. j. de 30.09.16 DJ-e de 11.10.16 – Relator Ministro GILMAR MENDES).
Portanto, a lei impugnada não afronta o pacto federativo e nem incorre
em vício de iniciativa.
A jurisprudência deste C. Órgão Especial registra precedentes com enten-
dimento assemelhado:
“Ação direta de inconstitucionalidade. Lei 954, de 28 de janeiro de 2011,
do Município de Bertioga. Afixação de aviso em hospitais informando o direi-
to de idosos a acompanhante em caso de internação. Iniciativa legislativa de
vereador. Não configurada violação à iniciativa reservada ao Chefe do Execu-
tivo. Hipóteses taxativas. Divulgação de regra contida em legislação federal.
Art. 16 do Estatuto do Idoso. Ônus fiscalizatório. Ausência de aumento de
despesa. Atividade inerente à Administração Pública. Interpretação conforme
à Constituição. Possibilidade. Exclusão dos hospitais públicos estaduais e fe-
derais da esfera de abrangência da lei municipal. Ação julgada improceden-
te.” (TJSP, Direta de Inconstitucionalidade 0088286-03.2013.8.26.0000, Rel. o
Des. Márcio Bartoli, Órgão Especial, j. 11.12.2013)
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – Lei nº
3.787/2015 do Município de Mirassol, que ‘obriga estabelecimentos específi-
cos a manterem avisos de alerta sobre o Estatuto da Criança e do Adolescen-
te’ – Inexistência de imposição de obrigações diretamente ao Poder Público
– Matéria tratada que não está prevista no rol taxativo do artigo 24, § 2º, da
711
Constituição Paulista – Inocorrência de vício de iniciativa – Inconstituciona-
lidade não observada – Ação julgada improcedente.” (TJSP, Direta de Incons-
titucionalidade 2158023-88.2015.8.26.0000, Rel. o Des. Moacir Peres, Órgão
Jurisprudência - Órgão Especial
Especial, j. 16.12.2015)
Por outro lado, o texto do artigo 3º, diversamente dos demais, contém
imposição de atribuições a órgãos públicos – Secretaria Municipal de Educa-
ção e de Segurança Pública –, ocasionando interferência na Administração do
Município, vislumbrando-se, nessa hipótese, fundamento na assertiva de haver
ofensa ao princípio da Reserva da Administração (art. 47, incisos II, XIV e XIX,
da Constituição Estadual).
O artigo 3º da Lei nº 14.681, de 25 de novembro de 2024, do Município
de São José do Rio Preto, por se tratar de norma afeta à organização da Adminis-
tração Pública local e à determinação de adoção direta de medidas na organiza-
ção das atividades da Secretaria Municipal de Ensino e da Secretaria Municipal
de Segurança Pública, gerenciadas pela Prefeitura Municipal de São José do Rio
Preto, constituem realmente interferência na gestão administrativa, denuncian-
do vício de iniciativa e desrespeito ao princípio da separação dos poderes pelo
referido dispositivo da lei em questão.
Referido dispositivo busca, em última análise, estabelecer o modo pelo
qual a Administração Pública cumprirá sua determinação legal, tolhendo sua
competência exclusiva para a prática de atos ordinários de administração ou
gestão. Conquanto seja consentido ao Poder Legislativo o que o Poder Exe-
cutivo pode ou deve fazer, não lhe é autorizado indicar como fazê-lo, por-
que salvo competências constitucionalmente vinculadas, remanesce ao Poder
Executivo, enquanto órgão de governo, a escolha dos meios de cumprimento
das obrigações fixadas pelo Parlamento. Trata-se de questão que se rende ao
âmbito de sua discricionariedade – simples ou técnica – à luz da realidade e
da possibilidade da medida dos recursos disponíveis, da influência da técnica,
da ciência e da tecnologia, das condicionantes do ordenamento jurídico, e dos
aspectos econômicos, financeiros e orçamentários.
Houve intromissão na esfera de atuação do Chefe do Poder Executivo
por parte da Câmara Municipal, sobretudo pelo fato de a medida imposta en-
sejar planejamento, direção, organização e execução, configurando típico ato
de governo. Em referência ao tema, leciona HELY LOPES MEIRELLES: “A
atribuição típica e predominante da Câmara é a normativa, isto é, a de re-
gular a administração do Município e a conduta dos munícipes no que afeta
aos interesses locais. A Câmara não administra o Município; estabelece, ape-
nas, normas de administração. Não executa obras e serviços públicos; dispõe,
unicamente, sobre sua execução. Não compõe nem dirige o funcionalismo
da Prefeitura; edita, tão somente, preceitos para sua organização e direção.
Não arrecada nem aplica as rendas locais; apenas institui ou altera tributos e
712
autoriza sua arrecadação e aplicação. Não governa o Município; mas regula
e controla a atuação governamental do Executivo, personalizado no prefeito.
Eis aí a distinção marcante entre a missão normativa da Câmara e a função
executiva do prefeito; o Legislativo delibera e atua com caráter regulatório,
Jurisprudência - Órgão Especial
genérico e abstrato; o Executivo consubstancia os mandamentos da norma le-
gislativa em atos específicos e concretos de administração. (...) A interferência
de um Poder no outro é ilegítima, por atentatória à separação institucional de
suas funções (CF, art. 2º). Por idêntica razão constitucional, a Câmara não
pode delegar funções ao prefeito, nem receber delegações do Executivo. Suas
atribuições são incomunicáveis, estanques, intransferíveis (CF, art. 2º). Assim
como não cabe à Edilidade praticar atos do Executivo, não cabe a este substi-
tuí-la nas atividades que lhe são próprias. Em sua função normal e predomi-
nante sobre as demais, a Câmara elabora leis, isto é, normas abstratas, gerais,
e obrigatórias de conduta. Esta é sua função específica, bem diferenciada da
do Executivo, que é a de praticar atos concretos de administração. (...) Daí
não ser permitido à Câmara intervir direta e concretamente nas atividades
reservadas ao Executivo, que pedem provisões administrativas especiais ma-
nifestadas em ordens, proibições, concessões, permissões, nomeações, paga-
mentos, recebimentos, entendimentos verbais ou escritos com os interessados,
contratos, realizações materiais da Administração e tudo o mais que se tradu-
zir em atos ou medidas de execução governamental” (Hely Lopes Meirelles,
Direito Municipal Brasileiro, 12ª. ed., São Paulo: Malheiros, p. 576).
Verificada, assim, a incompatibilidade do artigo 3º da Lei Municipal nº
14.681, de 25 de novembro de 2024, com os artigos 5º, 47, incisos II e XIV, e
144, todos da Constituição do Estado de São Paulo, por vício de iniciativa e
violação ao princípio da separação dos poderes.
A tanto, porém, não se limita a aferição da constitucionalidade do diplo-
ma. Perfilha-se, a propósito, o entendimento do órgão ministerial no sentido de
que a lei em questão afronta os princípios da razoabilidade e proporcionalidade,
previstos no artigo 111 da Constituição Estadual. Na lição de CELSO ANTÔ-
NIO BANDEIRA DE MELLO: “É, pois, no âmbito da causa que se examinam
dois tópicos extremamente importantes para a validade do ato, a saber: a) sua
razoabilidade e b) sua proporcionalidade. Quanto a esta última, foi expressa-
mente categorizada como princípio da Administração Pública pelo artigo 2º
da Lei federal 9.784, de 29.1.99. Anote-se que o parágrafo único do mesmo
dispositivo, ao mencionar critérios que deverão reger a conduta administrati-
va, aponta, dentre eles, um que deve ser considerado como aclarador da no-
ção de proporcionalidade. É o que impõe o dever de ‘adequação entre meios
e fins, vedada a imposição de obrigações, restrições e sanções em medida su-
perior àquelas estritamente necessárias ao atendimento do interesse público’.
Já havíamos feito menção ao fato de que o princípio em causa deve ser
713
havido, entre nós, como de hierarquia constitucional (Capítulo II, n. 15). Por
fundamento diverso – mas também aduzível em face da Lei Magna brasileira
–, o eminente publicista germânico Ernst Forsthoff sustentou o mesmo à vista
Jurisprudência - Órgão Especial
da Constituição alemã. O renomado jurista argutamente observou que: ‘(...)
uma vez que a Constituição protege com tal insistência a liberdade e o livre
desenvolvimento da pessoa, não se pode admitir que o legislador e a Admi-
nistração imponham à liberdade restrições que excedam o necessário para
atingir o fim perseguido. É neste sentido que o princípio da proporcionalidade
dos meios ao fim tem valor constitucional’.
Em rigor, a proporcionalidade não é senão uma faceta da razoabilida-
de, pois através do exame da proporcionalidade o que se quer verificar é se a
providência tomada (conteúdo do ato) perante certo evento (motivo) mante-
ve-se nos limites necessários para atender à finalidade legal ou se foi ‘mais
intensa’ ou ‘menos extensa’ do que o necessário. Ora, um ato que exceder ao
necessário para bem satisfazer o escopo legal não é razoável. O ato adminis-
trativo, para ser juridicamente razoável, há de respeitar também os ‘Princí-
pios Gerais de Direito’, pois estes, como disse Eduardo García de Enterría
em averbação feliz, não se constituem em abstrato reclamo da Moral ou da
Justiça, mas são como uma ‘condensação dos grandes valores jurídico-mate-
riais que constituem o substrato do Ordenamento e da experiência reiterada
da vida jurídica”. (“Curso de Direito Administrativo”, 17ª Ed., São Paulo, Ma-
lheiros Editores, 2004, págs. 375-376).
A Guarda Civil Municipal tem o dever, dentre outras funções, de promo-
ver a segurança escolar, consoante disposto no artigo 5º, inciso VIII, da Lei Fe-
deral nº 13.022, de 8 de agosto de 2014: “Art. 5º São competências específicas
das guardas municipais, respeitadas as competências dos órgãos federais e
estaduais: (...) XVIII – atuar mediante ações preventivas na segurança es-
colar, zelando pelo entorno e participando de ações educativas com o corpo
discente e docente das unidades de ensino municipal, de forma a colaborar
com a implantação da cultura de paz na comunidade local.”
Na espécie, a lei impugnada acaba por suprimir essa atuação, ao impor
a contratação de serviço de segurança privada interna – terceirizada – nas ins-
tituições de ensino básico (dos 4 aos 17 anos de idade) públicas e privadas no
município de São José do Rio Preto.
E não é razoável que crianças e adolescentes convivam com segurança
armada dentro dos estabelecimentos educacionais nos quais inseridos, plausível
a configuração de situação de perigo extremo, certo que existem diversos meios
de proteção também eficientes e que não colocam em risco suas vidas. Apesar
de ocorrer a prática de crimes no ambiente interno escolar, conforme se tem no-
tícia, nada abona o contato direto com a segurança armada, “expondo crianças
e adolescentes a situação de risco ou perigo pela proximidade com armamento,
714
à luz dos princípios da precaução e prevenção, e (b) não se justifica, no caso
da rede pública, o agravo ao erário pela obrigatoriedade de terceirização em
razão das competências constitucionais e infraconstitucionais da Guarda Mu-
nicipal.” (parecer – fls. 132).
Jurisprudência - Órgão Especial
Daí mostrar-se preferível, no entender do signatário, concluir-se que a
Lei nº 14.681, de 25 de novembro de 2024, do Município de São José do Rio
Preto, padece integralmente de inconstitucionalidade, sendo a procedência da
ação medida de rigor.
III. Pelo exposto, julgam procedente a presente ação direta de inconstitu-
cionalidade, ratificada a liminar deferida a fls. 102/103.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Ação Direta de Inconstitucio-
nalidade nº 2243156-83.2024.8.26.0000, da Comarca de São Paulo, em que é
autor MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO, são réus PRE-
FEITO DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO e PRESIDENTE DA CÂMARA
MUNICIPAL DE SÃO PAULO.
ACORDAM, em Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo,
proferir a seguinte decisão: “REJEITARAM A PRELIMINAR E JULGARAM
A AÇÃO PROCEDENTE. V.U.”, de conformidade com o voto do Relator, que
integra este acórdão. (Voto nº 52.283OE)
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FER-
NANDO TORRES GARCIA (Presidente), VICO MAÑAS, ADEMIR BENEDI-
TO, CAMPOS MELLO, VIANNA COTRIM, AROLDO VIOTTI, RICARDO
DIP, FIGUEIREDO GONÇALVES, GOMES VARJÃO, LUCIANA BRES-
CIANI, LUIS FERNANDO NISHI, JARBAS GOMES, MARCIA DALLA
DÉA BARONE, SILVIA ROCHA, NUEVO CAMPOS, CARLOS MONNE-
RAT, RENATO RANGEL DESINANO, AFONSO FARO JR., JOSÉ CARLOS
FERREIRA ALVES, ÁLVARO TORRES JÚNIOR, GERALDO WOHLERS,
BERETTA DA SILVEIRA e FRANCISCO LOUREIRO.
São Paulo, 7 de maio de 2025.
DAMIÃO COGAN, Relator
Ementa: Direta de Inconstitucionalidade. Lei Muni-
cipal nº 18.147, de 28 de junho de 2024, que “proíbe
utilização de animais em atividades desportivas com
emissão de pouleis de aposta em jogos de azar no
âmbito do município de São Paulo e dá outras provi-
dências”, do Município de São Paulo. Preliminar de
715
inépcia da inicial rejeitada. A indicação precisa dos
dispositivos impugnados, dos fundamentos jurídicos
e do pedido, bem como a apresentação dos documen-
Jurisprudência - Órgão Especial
tos necessários, garantem a admissibilidade da ação
direta de inconstitucionalidade. Mérito. Competência
privativa da União para legislar sobre atividades que
envolvam sorteios e loterias. Inteligência do artigo 22,
XX, da Constituição Federal. Súmula Vinculante nº 2,
do C. Supremo Tribunal Federal firmou entendimen-
to de que “é inconstitucional a lei ou ato normativo
estadual ou distrital que disponha sobre sistemas de
consórcios e sorteios, inclusive bingos e loterias”. A
matéria de que trata a lei é constitucionalmente reser-
vada à União, em caráter de absoluta privatividade,
de forma que configurada restou a usurpação de com-
petência pelo Município e, portanto, a inconstitucio-
nalidade formal da norma. Jurisprudência já firmou
entendimento no sentido de que a cláusula de compe-
tência inscrita no art. 22, inciso XX, da Constituição
da República atribui máximo coeficiente de federali-
dade ao tema dos “sorteios” (expressão que abrange
os jogos de azar, as loterias e similares), em ordem
a afastar, nessa específica matéria, a possibilidade
constitucional de legítima regulação normativa, ain-
da que concorrente, por parte dos Estados-membros,
do Distrito Federal ou dos Municípios. Lei Federal nº
7.291/1984, que dispõe sobre as atividades de equideo-
cultura no país, disciplinando sua coordenação, fisca-
lização e orientação, de forma que dentre tais ativida-
des se encontra a atividade turfística, consistente na
realização de corridas de cavalo, com exploração de
apostas, consignando expressamente sua permissão
no País. Decreto Federal nº 96.993, de 17 de outubro
de 1988, “que dispõe sobre as atividades da equideo-
cultura no País e dá outras providências”, não haven-
do qualquer margem à legislação municipal para a
limitação ou proibição da atividade. Impossibilidade
de lei municipal legislar de forma contrária à legis-
lação federal. Afastada a possibilidade do Município,
sob pretexto de que a norma tem como objetivo a pro-
teção de animais, invadir competência de esfera da
716
União. Violação do princípio federativo e do princípio
da repartição constitucional de competências. Viola-
ção ao artigo 144, da Constituição Estadual, e artigo
22, XX, da Constituição Federal. Ação procedente.
Jurisprudência - Órgão Especial
VOTO
O Procurador-Geral de Justiça propõe Ação Direta de Inconstituciona-
lidade, com pedido de liminar, em face da Lei Municipal nº 18.147, de 28 de
junho de 2024, que “proíbe utilização de animais em atividades desportivas com
emissão de pouleis de aposta em jogos de azar no âmbito do município de São
Paulo e dá outras providências”, do Município de São Paulo.
Sustenta que lei local, que proíbe utilização de animais em atividades
desportivas com emissão de pouleis de aposta em jogos de azar no âmbito do
Município de São Paulo, inviabiliza a atividade turfística, modalidade de sorteio
expressamente permitida pela União, a teor da Lei (federal) nº 7.291/84.
Aduz que há violação do princípio federativo e pode ser objeto de ação
direta de inconstitucionalidade na esfera estadual, nos termos do art. 144 da
CE/89 e do Tema 484 de repercussão geral.
Acrescenta ainda que há contrariedade ao princípio da repartição consti-
tucional de competências, porquanto é da competência privativa da União legis-
lar sobre matéria de consórcios e sorteios (art. 22, XX, CF/88).
Entende pela ausência de espaço normativo para o Município exercer
competência legislativa sobre o tema.
Pleiteia a procedência da ação para que seja declarada a inconstituciona-
lidade da lei objurgada.
Foi concedida a liminar para determinar a suspensão da eficácia da Lei nº
18.147, de 28.6.2024, do Município de São Paulo (fls. 191/195).
Prestou informações o Presidente da Câmara Municipal de São Paulo de-
fendendo a constitucionalidade da legislação impugnada. Entende que o Muni-
cípio possui competência para legislar sobre matéria ambiental e proteção aos
animais, nos termos dos artigos 23, incisos VI e VII, 24, inciso VI, 30, incisos I e
II, 225, § 1º, inciso VII, todos da Constituição Federal. Acrescenta que consta da
justificativa do projeto que a iniciativa parlamentar teve por intuito implementar
política pública tendente a outorgar maior proteção ao meio ambiente, onde se
incluem os animais, uma vez que animais utilizados para disputas envolvendo
proveito financeiro são expostos a práticas extenuantes. Aduz que a Comissão
de Constituição, Justiça e Legislação Participativa emitiu parecer pela constitu-
cionalidade do projeto de lei. Pontua que a lei não trata de sistemas de consór-
cios e sorteios, mas de proteção à fauna, no sentido de vedação da submissão de
animais à crueldade, com amparo no artigo 225, § 1º, inciso VII, da Constituição
Federal, para a proteção ao meio ambiente, matéria de competência concorrente
717
entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios, nos termos do artigo 24,
VI, da Constituição Federal, e competência comum, nos termos do artigo 23,
incisos VI e VII, da Constituição Federal. Cita o Tema 145, do C. STF, segundo
Jurisprudência - Órgão Especial
o qual o município é competente para legislar sobre o meio ambiente com a
União e o Estado, no limite do seu interesse local e desde que tal regramen-
to seja harmônico com a disciplina estabelecida pelos demais entes federados.
Assevera que a lei municipal está de acordo com normas federais e estaduais a
respeito da matéria quanto à proteção ao meio ambiente, especificamente quanto
à fauna: Lei 9.605/1998, artigo 32, que tipifica ilícitos ambientais, definindo
como o ato de prática de abuso contra animais domésticos ou domesticados, e
artigos 12-B, 20 e 21 da Lei Estadual 11.977/2005, que instituiu o Código de
Proteção aos Animais no Estado. Pontua que o Município de São Paulo já editou
normas similares, que não tiveram qualquer questionamento, citando: Lei nº
11.259/1993 (proíbe a realização de rodeios, touradas ou eventos similares); Lei
14.014/2005 (proíbe a utilização de animais de qualquer espécie em apresenta-
ção de circos e congêneres); Lei 14.370/2007 (institui a semana municipal de
proteção a animais), e Lei nº 17.464/2020 (dispõe sobre o Estatuto de Proteção,
Defesa e Controle das Populações de Animais Domésticos do Município de São
Paulo). Afirma ainda que são indiscutíveis os danos causados à saúde dos ani-
mais submetidos a competições desportivas de alto rendimento, uma vez que as
provas causam dor e lesões aos animais. Entende que não se permite imunizar
do controle ambiental municipal qualquer atividade nociva pelo simples fato de
envolver apostas. Requer seja a ação julgada improcedente (fls. 215/236).
O Prefeito do Município de São Paulo argui em preliminar inépcia da
inicial por ausência de correlação entre a Lei Municipal e os parâmetros indi-
cados quanto à competência privativa da União para legislar sobre consórcios
e sorteios, além da indicação de parâmetros genéricos. Argui ainda inadequa-
ção da via eleita por pretender a autora ter como parâmetro a Lei Federal nº
7.291/1984. No mérito entende: que a disciplina de jogos de azar envolvendo
animais não se relaciona com consórcios ou sorteios; que a finalidade da lei é
estritamente a proteção da dignidade animal, da fauna, mais especificamente a
saúde e qualidade de vida de animais; que não se proíbem atividades esportivas,
nem se regulamentam as apostas, mas apenas se afasta o uso de animais nas ati-
vidades que mesclam as duas características: atividades desportivas e emprego
de animais; que a lei se mostra proporcional e razoável; que o Município possui
competência concorrente para legislar sobre direito ambiental; que a lei preten-
de impedir que apostas e jogos de azar potencializem ou maximizem a submis-
são de animais a situações artificiais e desconfortáveis, estranhas à sua condição
biopsicossocial e verdadeiramente cruéis. Sustenta, ainda, que de acordo com
o disposto no art. 225, § 7º, da Constituição Federal, para que “práticas des-
portivas que utilizem animais” não sejam consideradas cruéis, é preciso que se
718
trate de manifestações culturais, conforme o § 1º do art. 215 desta Constituição
Federal, “registradas como bem de natureza imaterial integrante do patrimônio
cultural brasileiro”, e “regulamentadas por lei específica que assegure o bem-es-
tar dos animais envolvidos”. Requer seja extinta a Ação Direta sem resolução
Jurisprudência - Órgão Especial
de mérito, diante da patente ausência de correlação entre a lei municipal e a
competência da União para legislar sobre Sistemas de Consórcios e Sorteios, ou
mesmo diante do caráter genérico dos parâmetros invocados, ou, ainda, diante
do caráter reflexo da suposta ofensa; ou então, superadas as preliminares, o jul-
gamento de improcedência da ADI, declarando-se expressamente a constitucio-
nalidade da Lei Municipal n.º 18.147/2024 (fls. 390/399).
A Procuradoria-Geral do Estado de São Paulo não se manifestou sobre a
ação (certidão de fls. 207).
A D. Procuradoria-Geral de Justiça opina pela procedência do pedido, em
parecer assim ementado (fls. 505/516):
CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO DIRETA DE INCONSTI-
TUCIONALIDADE. LEI N. 18.147, DE 28 DE JUNHO DE 2024, DO MUNI-
CÍPIO DE SÃO PAULO, QUE “PROÍBE UTILIZAÇÃO DE ANIMAIS EM
ATIVIDADES DESPORTIVAS COM EMISSÃO DE POULEIS DE APOSTA
EM JOGOS DE AZAR NO ÂMBITO DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO E
DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS”. DISCIPLINA SOBRE CONCURSOS DE
PROGNÓSTICOS E SORTEIOS. VEDAÇÃO DE ATIVIDADE TURFÍSTICA,
MODALIDADE AUTORIZADA DE SORTEIO. VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO
FEDERATIVO. COMPETÊNCIA PRIVATIVA DA UNIÃO PARA LEGISLAR
SOBRE CONSÓRCIOS E SORTEIOS. SÚMULA VINCULANTE 02. PROCE-
DÊNCIA DO PEDIDO.
1. Inépcia da inicial não configurada. Indicação dos fundamentos jurídicos que
sustentaram o pedido e promovido o contraste com as normas constitucionais
afrontadas.
2. Lei local que proíbe utilização de animais em atividades desportivas com
emissão de pouleis de aposta em jogos de azar no âmbito do Município de São
Paulo, de sorte a inviabilizar a atividade turfística, modalidade de sorteio expres-
samente permitida pela União, a teor da Lei (federal) n. 7.291/84.
3. Lei que viola o princípio federativo e pode ser objeto de ação direta de incons-
titucionalidade na esfera estadual, nos termos do art. 144 da CE/89 e do Tema
484 de repercussão geral.
4. Contrariedade ao princípio da repartição constitucional de competências, por-
quanto é da competência privativa da União legislar sobre matéria de consórcios
e sorteios (art. 22, XX, CF/88).
5. Ausência de espaço normativo para o Município exercer competência legisla-
tiva sobre o tema.
6. Procedência do pedido.
É o relatório.
Julgamento em conjunto com o Mandado de Segurança nº 2190895-44.2024.8.26.0000 (Impetrante: Jockey Club de São Paulo e Impetrados Pre-
719
feito do Município de São Paulo e Presidente da Câmara Municipal de São
Paulo).
A preliminar arguida deve ser afastada.
Jurisprudência - Órgão Especial
Não há se falar sobre inépcia da inicial, que na presente ação, nos ter-
mos em que proposta, preenche os requisitos apontados no artigo 3º, da Lei nº
9.868/1999, que disciplina o processo e julgamento da ação direta de inconsti-
tucionalidade.
Conforme o art. 3º da referida lei, a petição inicial deve indicar: I – o
dispositivo da lei ou do ato normativo impugnado e os fundamentos jurídicos
do pedido em relação a cada uma das impugnações; II – o pedido, com suas
especificações.
Além disso, o parágrafo único do artigo 3º estabelece que a petição ini-
cial, acompanhada de instrumento de procuração, quando subscrita por advoga-
do, deve conter cópias da lei ou do ato normativo impugnado e dos documentos
necessários para comprovar a impugnação.
Da leitura da peça inaugural verifica-se que o fundamento da arguição de
inconstitucionalidade baseia-se na violação dos princípios constitucionais apli-
cáveis ao caso, em especial o princípio federativo e o princípio da repartição
constitucional de competências, de forma que a citação da Lei Federal existente
sobre a matéria se deu tão somente para demonstrar que há legislação federal
que a disciplina.
Dessa forma, a petição inicial apresentada nesta ação cumpre rigorosa-
mente os requisitos legais, não havendo qualquer fundamento para alegar sua
inépcia.
A indicação precisa dos dispositivos impugnados, dos fundamentos ju-
rídicos e do pedido, bem como a apresentação dos documentos necessários,
garantem a admissibilidade da ação direta de inconstitucionalidade, conforme
previsto na legislação vigente, de forma que não se acolhe o pedido de extinção
da ação.
Passa-se à análise do mérito.
A Lei nº 18.147, de 28 de junho de 2024, do Município de São Paulo,
proibiu as atividades desportivas que utilizem animais, como corridas, disputas
ou qualquer outra prova, com a emissão de pouleis de apostas, ainda que por
meio digital ou virtual, determinando que tais estabelecimentos cessem as ativi-
dades em um prazo de 180 dias, nos seguintes termos:
LEI Nº 18.147, DE 28 DE JUNHO DE 2024
“Proíbe utilização de animais em atividades desportivas com emissão de pouleis
de aposta em jogos de azar no âmbito do Município de São Paulo, e dá outras
providências.”
PROJETO Nº 691/2022 – DO VEREADOR XEXÉU TRIPOLI – UNIÃO
RICARDO NUNES, Prefeito do Município de São Paulo, no uso das atribuições
que lhe são conferidas por lei, faz saber que a Câmara Municipal, em sessão de
720
26 de junho de 2024, decretou e eu promulgo a seguinte lei:
Art. 1º. Ficam proibidas atividades desportivas que utilizem animais, como
corridas, disputas ou qualquer outra prova, com a respectiva emissão de
pouleis de apostas, ainda que por meio digital ou virtual.
Jurisprudência - Órgão Especial
Art. 2º Os estabelecimentos que desenvolvam atividades como as descritas
no artigo anterior deverão cessar essas atividades no prazo de 180 (cento e
oitenta) dias, a partir da publicação desta Lei.
Art. 3º O descumprimento ao disposto nesta Lei sujeitará os infratores às seguin-
tes penas:
I – advertência para a regularização no prazo de 30 (trinta) dias;
II – na reincidência, multa de R$ 100,00 (cem reais) multiplicados pela capaci-
dade de frequentadores;
III – se decorridos 30 (trinta) dias ou mais, contados da última autuação, sem a
regularização do estabelecimento, o alvará de funcionamento será suspenso.
Parágrafo único. O valor da multa será reajustado anualmente pela variação do
Índice de Preços ao Consumidor Amplo – IPCA, apurado pelo Instituto Brasi-
leiro de Geografia e Estatística – IBGE, sendo que, no caso de extinção deste
índice, será adotado outro criado por legislação federal e que reflita a perda do
poder aquisitivo da moeda.
Art. 4º As despesas decorrentes da execução desta Lei correrão por conta das
dotações orçamentárias próprias, suplementadas se necessário.
Art. 5º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação, independentemente de
regulamentação.
PREFEITURA DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO, aos 28 de junho de 2024,
471º da fundação de São Paulo.
RICARDO NUNES – PREFEITO
FABRICIO COBRA ARBEX – Secretário Municipal da Casa Civil
FERNANDO JOSÉ DA COSTA – Secretário Municipal de Justiça
Publicada na Casa Civil, em 28 de junho de 2024.
Quanto à questão de direito, tem-se que a Constituição Federal, no artigo
22, inciso XX, dispõe que é competência privativa da União legislar sobre ati-
vidades que envolvam sorteios e loterias, o que inclui a corrida de cavalos, pois
abrange as apostas:
“Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:
XX – sistemas de consórcios e sorteios.”
Há inclusive a Súmula Vinculante nº 2, do C. Supremo Tribunal Fede-
ral, que firmou: “É inconstitucional a lei ou ato normativo estadual ou dis-
trital que disponha sobre sistemas de consórcios e sorteios, inclusive bingos
e loterias.”
O C. Supremo Tribunal Federal, em controle concentrado de constitucio-
nalidade, firmou entendimento no sentido da matéria ser constitucionalmente
reservada à União, em caráter de absoluta privatividade, de forma que con-
figurada restou a usurpação de competência pelo Estado e, portanto, a inconsti-
tucionalidade formal da norma.
721
Os seguintes julgados definem a interpretação sobre a matéria:
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – LEGISLAÇÃO ESTA-
DUAL PERTINENTE À EXPLORAÇÃO DE ATIVIDADE LOTÉRICA – DIS-
CUSSÃO SOBRE A COMPETÊNCIA PARA LEGISLAR SOBRE O TEMA
Jurisprudência - Órgão Especial
REFERENTE A SISTEMAS DE SORTEIOS – MATÉRIA SUBMETIDA AO
REGIME DE COMPETÊNCIA PRIVATIVA DA UNIÃO (CF, ART. 22, IN-
CISO XX) – HISTÓRICO DA LEGISLAÇÃO REFERENTE À EXPLORA-
ÇÃO DOS JOGOS E SISTEMAS LOTÉRICOS (INCLUSIVE BINGOS) NO
BRASIL – DIPLOMAS NORMATIVOS ESTADUAIS QUE DISCIPLINAM
OS SERVIÇOS DE LOTERIAS E INSTITUEM NOVAS MODALIDADES
DE JOGOS DE AZAR – MATÉRIA CONSTITUCIONALMENTE RESER-
VADA, EM CARÁTER DE ABSOLUTA PRIVATIVIDADE, À UNIÃO FE-
DERAL – USURPAÇÃO, PELO ESTADO-MEMBRO, DE COMPETÊNCIA
LEGISLATIVA EXCLUSIVA DA UNIÃO – OFENSA AO ART. 22, XX, DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL – INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL DA
LEI PERNAMBUCANA Nº 12.343/2003 E DO DECRETO ESTADUAL Nº
24.446/2002 – AÇÃO DIRETA JULGADA PROCEDENTE. LEGISLAÇÃO
PERTINENTE A SISTEMAS DE SORTEIOS – MATÉRIA SUBMETIDA AO
REGIME DE COMPETÊNCIA PRIVATIVA DA UNIÃO (CF, ART. 22, INCISO
XX) – NORMAS ESTADUAIS QUE DISCIPLINAM A ATIVIDADE LOTÉ-
RICA – USURPAÇÃO DE COMPETÊNCIA – INCONSTITUCIONALIDADE
FORMAL CARACTERIZADA – PRECEDENTES.
– A cláusula de competência inscrita no art. 22, inciso XX, da Constituição
da República atribui máximo coeficiente de federalidade ao tema dos “sor-
teios” (expressão que abrange os jogos de azar, as loterias e similares), em
ordem a afastar, nessa específica matéria, a possibilidade constitucional de
legítima regulação normativa, ainda que concorrente, por parte dos Estados-
membros, do Distrito Federal ou dos Municípios.
– Não assiste, ao Estado-membro, bem assim ao Distrito Federal, competência
para legislar, por autoridade própria, sobre qualquer modalidade de loteria ou de
serviços lotéricos. Precedentes.
– A usurpação, pelo Estado-membro, da competência para legislar sobre sistemas
de sorteios – que representa matéria constitucionalmente reservada, em cará-
ter de absoluta privatividade, à União Federal – traduz vício jurídico que faz
instaurar situação de inconstitucionalidade formal, apta a infirmar, de modo
radical, a própria integridade do ato legislativo daí resultante. Precedentes.
– Não se instaurou, perante o Supremo Tribunal Federal, processo de controle
normativo abstrato referente à Lei nº 73/1947 do Estado de Pernambuco, editada
em momento no qual era facultado, a qualquer Estado-membro, por efeito de
legislação federal (DL nº 204/67), dispor, validamente, sobre a instituição e a
exploração de serviços lotéricos. Matéria estranha, portanto, ao âmbito deste
processo de fiscalização normativa, cujo objeto limita-se, unicamente, ao exame
da legitimidade constitucional da Lei estadual nº 12.343/2003 e do Decreto
estadual nº 24.446/2002. Situação idêntica à que se registrou no julgamento
da ADI 2.996/SC. A QUESTÃO DO FEDERALISMO NO SISTEMA
722
CONSTITUCIONAL BRASILEIRO – O SURGIMENTO DA IDÉIA FEDE-
RALISTA NO IMPÉRIO – O MODELO FEDERAL E A PLURALIDADE DE
ORDENS JURÍDICAS (ORDEM JURÍDICA TOTAL E ORDENS JURÍDICAS
PARCIAIS) – A REPARTIÇÃO CONSTITUCIONAL DE COMPETÊNCIAS:
Jurisprudência - Órgão Especial
PODERES ENUMERADOS (EXPLÍCITOS OU IMPLÍCITOS) E PODERES
RESIDUAIS. (STF, ADI 2995, Relator: CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno,
julgado em 13-12-2006, DJe-112 DIVULG 27-09-2007 PUBLIC 28-09-2007 DJ
28-09-2007 PP-00026 EMENT VOL-02291-02 PP-00187)
No mesmo sentido, decisão monocrática do C. Supremo Tribunal Federal
proferida na Reclamação nº 9557, especificando que a expressão “sorteios”
abrange jogos de azar, loterias e similares, na qual a corrida de cavalos se
enquadra:
INCONSTITUCIONALIDADE. LEGISLAÇÃO ESTADUAL PERTINENTE
À EXPLORAÇÃO DE ATIVIDADE LOTÉRICA. DISCUSSÃO SOBRE A
COMPETÊNCIA PARA LEGISLAR SOBRE O TEMA REFERENTE A SIS-
TEMAS DE SORTEIOS – MATÉRIA SUBMETIDA AO REGIME DE COM-
PETÊNCIA PRIVATIVA DA UNIÃO (CF, ART. 22, INCISO XX) INCONSTI-
TUCIONALIDADE FORMAL DA LEI PERNAMBUCANA Nº 12.343/2003
E DO DECRETO ESTADUAL Nº 24.446/2002 – AÇÃO DIRETA JULGADA
PROCEDENTE. (...) – A cláusula de competência inscrita no art. 22, inciso
XX, da Constituição da República atribui máximo coeficiente de federalida-
de ao tema dos “sorteios” (expressão que abrange os jogos de azar, as lote-
rias e similares), em ordem a afastar, nessa específica matéria, a possibilida-
de constitucional de legítima regulação normativa, ainda que concorrente,
por parte dos Estados-membros, do Distrito Federal ou dos Municípios. –
Não assiste, ao Estado-membro, bem assim ao Distrito Federal, competência
para legislar, por autoridade própria, sobre qualquer modalidade de loteria
ou de serviços lotéricos. Precedentes. – A usurpação, pelo Estado-membro,
da competência para legislar sobre sistemas de sorteios (...) traduz vício ju-
rídico que faz instaurar situação de inconstitucionalidade. (STF, Rcl 9557,
Relatora Ministra Cármen Lúcia, j.09/12/2010, p. 17/12/2010).
Dessa forma, a corrida de cavalos ou outro esporte com a utilização de
qualquer animal, quando associada a apostas, enquadra-se no conceito de “sis-
temas de sorteios” e jogos de azar, que envolvem matéria de competência legis-
lativa exclusiva da União, conforme a Súmula Vinculante nº 2 do STF.
Isso ocorre porque as apostas em corridas de cavalos envolvem elementos
de sorte e azar, similares aos sistemas de consórcios e sorteios mencionados na
súmula.
Portanto, a regulamentação das apostas em corridas de cavalos deve ser
feita pela União, e não pelos Estados ou pelo Distrito Federal, tampouco pelos
Municípios, para evitar a violação da repartição constitucional de competências.
José Afonso da Silva trata sobre o problema da repartição de competên-
cias federativas: “A autonomia das entidades federativas pressupõe repartição
de competências para o exercício e desenvolvimento de sua atividade norma-
723
tiva. Esta distribuição constitucional de poderes é o ponto nuclear da noção
de Estado federal. São notórias as dificuldades quanto a saber que matérias
devem ser entregues à competência da União, quais as que competirão aos
Jurisprudência - Órgão Especial
Estados e quais as que se indicarão aos Municípios. (...) A Constituição de
1988 estruturou um sistema que combina competências exclusivas, privativas
e principiológicas com competências comuns e concorrentes, buscando re-
construir o sistema federativo segundo critérios de equilíbrio ditados pela ex-
periência histórica” e esclarece, quanto ao sistema adotado pela Constituição
de 1988, procurando definir o sistema complexo por ela adotado “que busca
realizar o equilíbrio federativo, por meio de uma repartição de competências
que se fundamenta na técnica da enumeração dos poderes da União (arts. 21 e
22), com poderes remanescentes para os Estados (art. 25, § 1º) e poderes defi-
nidos indicativamente para os Municípios (art. 30), mas combina, com essa re-
serva de campos específicos (nem sempre exclusivos, mas apenas privativos),
possibilidades de delegação (art. 22, parágrafo único), áreas comuns em que se
preveem atuações paralelas da União, Estados, Distrito Federal e Municípios
(art. 23) e setores concorrentes entre União e Estados em que a competência
para estabelecer políticas gerais, diretrizes gerais ou normas gerais cabe à
União,³ enquanto se defere aos Estados e até aos Municípios a competência
suplementar.” (José Afonso da Silva. Curso de Direito Constitucional Positivo,
23ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2004, p. 475 e 477).
No âmbito das competências concorrentes, a Constituição Federal optou
por um modelo vertical, vez que cabe à União em regra a edição de normas ge-
rais, que poderão ser objeto de complementação pelos Estados, Distrito Federal,
e Municípios.
E José Afonso da Silva complementa:
“A verticalidade decorre do fato de que a legislação editada em caráter
complementar deverá observar o conteúdo das normas gerais editadas pela
União. Nesse contexto, calha invocar lição de Raul Machado Horta, de acordo
com o qual ‘a repartição vertical de competências conduziu à técnica da legis-
lação federal fundamental de normas gerais e de diretrizes essenciais, que recai
sobre determinada matéria legislativa de eleição do constituinte federal. A le-
gislação federal é reveladora das linhas essenciais, enquanto a legislação local
buscará preencher os claros que ficou, afeiçoando a matéria reveladora na
legislação de normas gerais às peculiaridades e às exigências estaduais’, bem
como municipais.
Nesse ponto, importante trazer à questão o princípio da predominân-
cia do interesse, que norteia a repartição de competências, segundo o qual “à
União caberão aquelas matérias e questões de predominante interesse geral,
nacional, ao passo que aos Estados tocarão as matérias e assuntos de predomi-
nante interesse regional, e aos Municípios concernem os assuntos de interesse
local” (José Afonso da Silva. Curso de Direito Constitucional Positivo, 23ª ed.
724
São Paulo: Malheiros Editores, 2004, p. 476).
Para Hely Lopes Meirelles, estabelece-se a premissa de que para se des-
cobrir se o assunto é da competência municipal, de interesse local, são aqueles
que predominantemente interessam à atividade local, considerando que a ativi-
Jurisprudência - Órgão Especial
dade municipal é “multifária nos seus aspectos e variável na sua apresentação,
em cada localidade”. Assim, esclarece que o “interesse local se caracteriza pela
predominância (e não pela exclusividade) do interesse para o Município em
relação ao do Estado e da União. Isso porque não há assunto municipal que não
seja reflexamente de interesse estadual e nacional. A diferença é apenas de grau,
e não de substância.”
No entanto, ainda que se considerasse permitido que o Município legisle,
desde que sob os limites das normas federais e estaduais, em certas matérias
não há se alegar interesse local do Município como permissivo indistinto a fun-
damentar a legislação municipal, podendo disciplinar o que se pode denominar
como “aspectos externos” na matéria.
“Celso Antonio Bandeira de Melo é de opinião que a matéria de competência
da União pode ter ressonância no plano Municipal, salientando que, no entanto,
perante certas matérias deferidas à União, improcede alegar o interesse local do
Município, para fundamentar legislação municipal. Assim, as relações de traba-
lho, cíveis e comerciais, as relações agrárias, etc..., vão se realizar na esfera de
algum Município, sendo porém a regência de tais matérias de competência da
União.
O Município não pode dispor sobre o conteúdo das matérias deste tipo, mas pode
e deve reger ‘aspectos externos’ a elas, para disciplinar seu desempenho de
forma compatível com a vida local, ou seja, a concretização de tais matérias
projetará efeitos no meio onde se realiza, daí a necessidade de disciplinar estes
efeitos de forma a não perturbar a vida comunitária local, sem invadir conteúdo
da própria atividade.
A doutrina e jurisprudência concordam que compete ao Município regular o ho-
rário do comércio local. Dispõe a Súmula 419, do STF: ‘Os Municípios têm
competência para regular o horário de comércio local, desde que não infrinjam
leis estaduais ou federais válidas’.
‘Nem se objete que a fixação de horário do comércio constitui regulamentação
da atividade econômica e por isso refoge da competência municipal. A objeção
é improcedente porque a simples imposição de horário, vale dizer, do período de
atendimento do público não se confunde com intervenção no domínio econômi-
co. Há uma diferença fundamental entre estabelecer normas de comércio e fixar
horário de comércio: aquelas são de competência da União, este é o do Municí-
pio, porque traduz, tão-somente, a ordenação de uma atividade urbana, que é o
comércio local’ Hely Lopes Meirelles, Direito Municipal Brasileiro, São Paulo,
Ed. RT, 3ª ed., 1977, p. 575-576.” (...)
A identificação do âmbito do interesse local é que vai definir a competência sobre
a matéria, o que será determinado casuisticamente, sucumbindo, nestes casos, a
competência estadual e federal. Porém, havendo entrechoque de competências
725
dos entes federativos e improcedendo a alegação de interesse local, não pode ser
definida a competência como do Município, sob pena de inconstitucionalidade.
(...)
Cabe salientar que o citado art. 24 refere-se apenas à União, aos Estados e ao
Jurisprudência - Órgão Especial
Distrito Federal, não incluindo neste elenco a figura do Município, admitindo a
competência suplementar apenas em relação aos Estados. O art. 30, II, veio, de
certa forma, suprir a falha do art. 24, não criando a competência concorrente para
o Município, mas admitindo que ele tem competência legislativa suplementar da
legislação federal e estadual, naquilo que couber, ou seja, dentro dos assuntos de
interesse local.
É interessante ressaltar que a forma como foi redigido o dispositivo contido no
art. 30, II, nos leva a admitir que esta suplementação seja apenas complemen-
tar, isto é, no sentido de adaptação da legislação federal e estadual às suas
peculiaridades ou realidades da comuna.” (“Competência Legislativa do Mu-
nicípio. Regina M. Macedo Nery Ferrari. In Cadernos de Direito Constitucional
e Ciência Política/Instituto Brasileiro de Direito Constitucional. Revista dos Tri-
bunais, outubro-dezembro de 1992, p. 263/265)”
Sendo, pois, a matéria de competência privativa da União, ainda que se
admitisse ao Município legislar sobre a matéria, esta não pode se dar em desa-
cordo com a norma federal, tampouco a pretexto de legislar acerca de direito
ambiental, uma vez que o sistema de repartição de competências não o permite.
Como ressaltado anteriormente, a jurisprudência do C. Supremo Tribu-
nal Federal fixou o entendimento no sentido de que a cláusula de competência
inscrita no artigo 22, inciso XX, da Constituição Federal atribuiu “máximo coe-
ficiente de federalidade” aos temas dos “sorteios”, expressão que abrange os
jogos de azar, as loterias e similares, dentre as quais está abarcada a corrida de
cavalos, de forma que se afasta de forma veemente, nessa específica matéria,
a possibilidade constitucional de legítima regulação normativa, por parte dos
Estados-membros, do Distrito Federal ou dos Municípios.
Como bem pontuado pela D. Procuradoria-Geral de Justiça, ao exercer a
sua competência privativa para legislar sobre consórcios e sorteios, a União edi-
tou a Lei Federal nº 7.291/84, que dispõe sobre as atividades de equideocultura
no país, disciplinando sua coordenação, fiscalização e orientação, de forma que
dentre tais atividades se encontra a atividade turfística, consistente na realização
de corridas de cavalo, com exploração de apostas, consignando expressamente
sua permissão no País:
“TÍTULO III – Atividade Turfística
CAPÍTULO I – Do Funcionamento
Art.6º – A realização de corridas de cavalo, com exploração de apostas, é permi-
tida no País com a finalidade de suprir os recursos necessários à coordenação e
fiscalização da equideocultura nacional, através da Comissão Coordenadora da
Criação do Cavalo Nacional – CCCCN.
Art.7º – A autorização a entidades turfísticas, para exploração de apostas, ates-
726
tada sua viabilidade técnica e econômica, será concedida através de carta pa-
tente expedida pela comissão Coordenadora da Criação do Cavalo Nacional –
CCCCN, juntamente com a homologação do Plano Geral de Apostas.
Parágrafo único. A Comissão Coordenadora da Criação do Cavalo Nacional –
Jurisprudência - Órgão Especial
CCCCN poderá conceder, a título experimental, por prazo não superior a 180
(cento e oitenta) dias, autorização para:
a) exploração de apostas a novas entidades;
b) exploração de modalidades de apostas, não constantes do Plano Geral de
Apostas homologado.”
Para regulamentar a lei federal foi editado o Decreto nº 96.993, de 17 de
outubro de 1988, “que dispõe sobre as atividades da equideocultura no País e dá
outras providências”, não dando qualquer margem à legislação municipal para a
limitação ou proibição da atividade:
Art. 1º. Compete à Comissão Coordenadora da Criação do Cavalo Nacional –
CCCCN, diretamente subordinada ao Ministro de Estado da Agricultura, nos ter-
mos da Lei nº 7.291, de 19 de dezembro de 1984:
I – regular as atividades concernentes à equideocultura no País, coordenando e
orientando os órgãos governamentais e fiscalizando as entidades que congregam
as pessoas físicas ou jurídicas que se dediquem à criação, ao emprego e melhora-
mento do equídeo brasileiro, visando precipuamente o fortalecimento da criação
nacional;
II – no interesse do desenvolvimento da criação nacional e da ampliação do mer-
cado de trabalho respectivo, autorizar a realização de corridas de cavalos, com
obstáculos ou sem eles, e de trote atrelado, com exploração de apostas;
III – estabelecer normas para combate ao doping, respeitadas as prescrições in-
ternacionais que regem a matéria;
IV – fiscalizar o cumprimento da legislação específica sobre equideocultura e de
registro genealógico das raças equinas;
V – elaborar o plano nacional de criação e exploração racional de equídeos;
VI – fiscalizar as receitas e despesas de interesse turfístico;
VII – gerir a arrecadação prevista na lei regulamentada;
VIII – fiscalizar a execução dos planos e programas, desenvolvidos com recursos
por ela fornecidos e a aplicação desses recursos;
IX – promover a melhoria zootécnica e o desenvolvimento dos rebanhos equinos
de sela, de serviço, de esportes hípicos e de corrida;
X – baixar instruções técnico-normativas regulando a importação de equídeos
das diferentes raças e espécies, tendo em vista a melhoria zootécnica do rebanho
nacional;
XI – organizar e fiscalizar o registro genealógico dos equídeos e asininos;
XII – estimular medidas que visem à preservação das raças de equídeos em ex-
tinção;
XIII – estabelecer normas gerais para a realização de rodeios;
XIV – estabelecer normas para o melhoramento zootécnico de equídeos;
XV – fiscalizar, de acordo com a orientação da Secretaria de Produção Animal,
as provas zootécnicas dos equídeos, realizadas em todo o País.
727
Parágrafo único. Mediante contratos, convênios ou ajustes, firmados por seu Pre-
sidente, a CCCCN buscará a colaboração de órgãos públicos e entidades que se
dediquem às atividades de equideocultura para a consecução de seus objetivos.
O Decreto segue dispondo sobre a criação nacional, defesa sanitária, re-
Jurisprudência - Órgão Especial
gulamentação das atividades turfísticas e apostas, realização das corridas, distri-
buição de prêmios, fiscalização das entidades turfísticas, além de penalidades.
Não há dúvidas, pois, que inexiste espaço para o Município legislar acer-
ca da matéria, tampouco nos termos em que postas pela lei objurgada sob o pre-
texto de que a norma tem como objetivo a proteção dos animais e que, portanto,
teria respaldo na competência concorrente prevista no artigo 24, inciso VI, da
Constituição Federal:
“Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorren-
temente sobre:
VI – florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos
recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição;”
Como já dito, ainda que se admitisse o Município legislar, teria como
limite as disposições federais acerca da matéria.
Assim, é de rigor a declaração de inconstitucionalidade da lei.
Isso posto, julga-se procedente a presente ação para declarar a in-
constitucionalidade da Lei Municipal nº 18.147, de 28 de junho de 2024, do
Município de São Paulo.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Ação Direta de Inconstitucio-
nalidade nº 2009542-37.2025.8.26.0000, da Comarca de São Paulo, em que é
autor PREFEITO MUNICIPAL DE SÃO JOSÉ DO RIO PRETO, é réu PRESI-
DENTE DA CÂMARA MUNICIPAL DE SÃO JOSÉ DO RIO PRETO.
ACORDAM, em Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo,
proferir a seguinte decisão: “JULGARAM A AÇÃO IMPROCEDENTE, RE-
VOGADA A LIMINAR. V.U.”, de conformidade com o voto do Relator, que
integra este acórdão. (Voto nº 56.704)
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FER-
NANDO TORRES GARCIA (Presidente), RICARDO DIP, FIGUEIREDO
GONÇALVES, GOMES VARJÃO, ÁLVARO TORRES JÚNIOR, LUCIA-
NA BRESCIANI, LUIS FERNANDO NISHI, JARBAS GOMES, MARCIA
DALLA DÉA BARONE, SILVIA ROCHA, NUEVO CAMPOS, RENATO
RANGEL DESINANO, AFONSO FARO JR., JOSÉ CARLOS FERREIRA AL-
VES, LUIS SOARES DE MELLO, LUIZ EURICO, GERALDO WOHLERS,
PAULO ALCIDES, BERETTA DA SILVEIRA, FRANCISCO LOUREIRO,
DAMIÃO COGAN, VICO MAÑAS, ADEMIR BENEDITO e CAMPOS
728
MELLO.
São Paulo, 21 de maio de 2025.
Jurisprudência - Órgão Especial MATHEUS FONTES, Relator
Ementa: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONA-
LIDADE – LEI Nº 14.723, DE 16 DE DEZEMBRO
DE 2024, DO MUNICÍPIO DE SÃO JOSÉ DO RIO
PRETO, QUE “DISPÕE SOBRE A CIRCULAÇÃO
DOS PROJETOS CONTEMPLADOS PELO PRO-
GRAMA NELSON SEIXAS DE FOMENTO À PRO-
DUÇÃO CULTURAL NAS ESCOLAS PÚBLICAS
EM SÃO JOSÉ DO RIO PRETO” – INICIATIVA
PARLAMENTAR – NORMA GENÉRICA/ABSTRA-
TA EM MATÉRIA DE POLÍTICA PÚBLICA SO-
CIAL VOLTADAAO FOMENTO CULTURAL, BEM
COMO AO INTERESSE LOCAL – INEXISTÊNCIA
DE VIOLAÇÃO À SEPARAÇÃO DE PODERES –
AUSÊNCIA DE DOTAÇÃO ORÇAMENTÁRIA NA
LEI – FATO QUE, POR SI SÓ, NÃO ACARRETA
INCONSTITUCIONALIDADE – AÇÃO JULGADA
IMPROCEDENTE, REVOGADA A LIMINAR.
VOTO
Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pelo Prefeito do
Município de São José do Rio Preto em face da Lei nº 14.723, de 16 de dezem-
bro de 2024, que “Dispõe sobre a circulação dos projetos contemplados pelo
Programa Nelson Seixas de Fomento à Produção cultural nas escolas públicas
em São José do Rio Preto”.
Ressalta a importância do “Projeto Nelson Seixas” para a cultura local.
Sustenta, porém, que a lei interfere na independência dos poderes, na
gestão administrativa, bem como desrespeita a legislação orçamentária e finan-
ceira ao determinar que o poder executivo faça constar no edital de chamamento
público apresentações em escolas públicas em períodos letivos, além de colocar
à disposição a estrutura mínima necessária para esse fim, bem como energia
elétrica e segurança no local, sem indicação do impacto financeiro ou indicação
da correspondente fonte de custeio, violando, assim, os artigos 5º, 47, II e XIV,
144, 176, inciso I da Constituição Estadual e art. 113 do ADCT da CF, incluído
pela EC nº 95/2016; art. 132 da Lei Orgânica do Município e art. 16, inciso I, da
LC 101/2000, Lei de Responsabilidade Fiscal.
Postula liminar para suspensão da Lei nº 14.723, de 16 de dezembro de
2024, do Município de São José do Rio Preto e, no mérito, procedência da ação
729
para que seja declarada sua inconstitucionalidade.
A liminar foi deferida pelo relator (fls. 58/59).
A Câmara Municipal de São José do Rio Preto prestou informações dis-
Jurisprudência - Órgão Especial
correndo sobre o processo legislativo que deu origem ao ato normativo impug-
nado (fls. 69/71).
A Procuradoria-Geral do Estado, embora tenha sido citada, não se mani-
festou (fls. 104).
A Procuradoria Geral de Justiça opinou pela improcedência da ação (fls.
109/114).
É o Relatório.
A Lei nº 14.723, de 16 de dezembro de 2024, que “Dispõe sobre a cir-
culação dos projetos contemplados pelo Programa Nelson Seixas de Fomento
à Produção cultural nas escolas públicas em São José do Rio Preto”, tem o
seguinte teor:
“Art. 1º – O Poder Executivo constará no chamamento público do Pro-
grama Municipal Nelson Seixas de Fomento à Produção Cultura que a con-
trapartida das propostas inscritas contemple apresentações em escolas públicas
municipais.
Art. 2º – As apresentações serão realizadas, preferencialmente, em perío-
dos letivos, a fim de propiciar a interação dos artistas premiados com toda co-
munidade educacional, bem como dos munícipes que moram nas proximidades.
Parágrafo Único – Para a apresentação das propostas vencedoras, o mu-
nicípio disponibilizará a estrutura mínima necessária, como energia elétrica e
segurança.
Art. 3º – As despesas com a execução desta lei correrão por conta de do-
tações orçamentárias próprias, suplementadas se necessário.
Art. 4º – Esta lei entra em vigor na data de sua publicação”.
Convém desde logo dizer que o parâmetro de controle abstrato de normas
é a Constituição Estadual, a teor do art. 125, § 2º, da CF.
A lei impugnada teve origem em projeto de lei de autoria do vereador
Douglas Silva Sedem.
O projeto foi primeiramente aprovado pela Câmara Municipal, depois
vetado pelo Prefeito e, finalmente, transformou-se em lei após rejeição do veto
do Prefeito e sua promulgação pela Câmara Municipal.
A norma em questão não cria nem extingue Secretarias e órgãos do Poder
Executivo Municipal; não cria ou extingue cargos, funções ou empregos públi-
cos, e não fixa a respectiva remuneração; igualmente não dispõe sobre servido-
res públicos e tampouco sobre os respectivos regimes jurídicos.
Consoante se colhe de seu bojo, trata-se de norma geral que estimula o fo-
mento à cultura em escolas públicas municipais, política pública social voltada
ao interesse local, o que conta com o permissivo do artigo 30, inciso I, da Carta
730
da República, aplicável aos Municípios por força do artigo 144 da Constituição
Bandeirante, não tangenciando o núcleo da reserva de iniciativa legislativa do
Chefe do Poder Executivo ou da reserva de Administração, presente ainda o
Tema 917 de repercussão geral do Supremo Tribunal Federal.
Jurisprudência - Órgão Especial
Ademais, a norma garante o acesso a relevante fonte de cultura à popu-
lação, nos termos dos artigos 259 e 262, I, ambos da Constituição Estadual, in
verbis:
“Artigo 259 – O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos
culturais e o acesso às fontes da cultura, e apoiará e incentivará a valorização e
a difusão de suas manifestações.
Artigo 262 – O Poder Público incentivará a livre manifestação cultural
mediante:
I – criação, manutenção e abertura de espaços públicos devidamente
equipados e capazes de garantir a produção, divulgação e apresentação das ma-
nifestações culturais e artísticas”.
Cito pertinente trecho do parecer do douto Subprocurador Geral de Justi-
ça, cujos fundamentos adoto e incorporo como razão de decidir:
“A lei local de iniciativa parlamentar estabeleceu projeto de fomento à
cultura consistente na contemplação de apresentações de artistas em escolas pú-
blicas municipais, devendo constar do chamamento público como contrapartida
a ser contemplada no programa (art. 1º). Fixou que as apresentações serão rea-
lizadas, preferencialmente, em períodos letivos, a fim de propiciar a interação
dos artistas premiados com a comunidade educacional e com os munícipes que
moram nas proximidades (art. 2º). Por fim, determinou que, para a apresentação
das propostas vencedoras, o município disponibilizará a estrutura mínima ne-
cessária, como energia elétrica e segurança (parágrafo único do art. 2º).
Eis aí, indiscutivelmente, uma política pública, ou uma das medidas de
política pública.
Parece-me, em linha de princípio, que, atendendo-se à natureza e à exten-
são da divisão funcional do poder, é lícito ao Poder Legislativo – assim como
ao Poder Executivo pelos instrumentos normativos à sua disposição – instituir
políticas públicas desde que não tangencie o núcleo da reserva de iniciativa
legislativa do Chefe do Poder Executivo (organização e funcionamento da Ad-
ministração; atribuição de competências a órgãos do Poder Executivo com ge-
ração de despesas; servidores públicos e seu regime jurídico etc.) ou da reserva
de Administração (direção superior das atividades administrativas; organização
e funcionamento da Administração; atribuição de competências a órgãos do Po-
der Executivo sem geração de despesas; prática de atos da Administração etc.),
como deflui das premissas do julgamento em repercussão geral (Tema 917),
considerando o caráter excepcional e restrito das reservas apontadas, de tal sorte
que nessa empresa poderá valer-se de diretrizes, normas gerais etc”.
731
No sentido transcrevo a seguir ementas de acórdãos do Órgão Especial
em casos análogos, para melhor compreensão:
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – Lei nº 5.715, de
Jurisprudência - Órgão Especial
23 de maio de 2022, do Município de Caieiras, de iniciativa parlamentar, que
instituiu o ‘Cinema Social Itinerante’ e deu outras providências – VÍCIO DE
INICIATIVA NÃO CONFIGURADO – Matéria de competência concorrente
(art. 24, § 1º, da Constituição Estadual), e não privativa do Chefe do Poder Exe-
cutivo, conforme entendimento consolidado pelo C. Supremo Tribunal Federal,
no julgamento do RE. nº 878.911/RJ, em sede de repercussão geral (Tema 917)
– Norma impugnada que institui verdadeira política pública no âmbito do Mu-
nicípio de Caieiras, mediante a previsão de exibição gratuita de filmes em logra-
douros públicos, garantindo o acesso a relevante fonte de cultura à população,
nos termos dos arts. 259 e 262, I, da Constituição Estadual – Ausência de in-
tervenção em atos de gestão administrativa – Ato normativo que não estabelece
qualquer regra acerca do modo de concretização do programa, inexistindo, por-
tanto, afronta o princípio da Reserva de Administração – Ação improcedente”
(Direta de Inconstitucionalidade nº 2235540-28.2022.8.26.0000, da Comarca de
São Paulo, Rel. Des. Luis Fernando Nishi, j. 20.09.2023).
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – LEI Nº 3.936,
DE 18 DE AGOSTO DE 2020, DO MUNICÍPIO DE MAIRIPORÃ/SP, QUE
‘DISPÕE SOBRE A CRIAÇÃO DO PROGRAMA DE INCENTIVO À CUL-
TURA – CINEMA ITINERANTE EM BAIRROS E PRAÇAS DO MUNI-
CÍPIO DE MAIRIPORÃ’ – LEI DE INICIATIVA PARLAMENTAR – CON-
FORMIDADE, NA ESSÊNCIA, AOS ARTIGOS. 5º, 24, § 2º, 47, INCISOS
II, XI, XIV E XIX, ALÍNEA ‘A’, DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE
SÃO PAULO – VÍCIO DE INICIATIVA NÃO CARACTERIZADO, POIS
A NORMA IMPUGNADA NÃO VERSA SOBRE A ESTRUTURA OU
ORGANIZAÇÃO DE ÓRGÃOS DO EXECUTIVO OU REGIME JURÍDICO
DOS SERVIDORES PÚBLICOS – TESE FIXADA EM REPERCUSSÃO GE-
RAL NO ÂMBITO DO C. STF – TEMA Nº 917 ARE. 878.911/RJ” (Direta de
Inconstitucionalidade nº 2289675-58.2020.8.26.0000, Rel. Des. Francisco Cas-
coni, j. em 16/03/2022).
Por fim, ausência de previsão de dotação orçamentária na lei, por si só,
não autoriza declaração de sua inconstitucionalidade, impedindo apenas sua efi-
cácia no exercício financeiro respectivo (ADI nº 3.599/DF, Rel. Min. Gilmar
Mendes, DJ 14.09.2007; ADI nº 1.585/DF, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ
03.04.1998).
Portanto, não há que se falar em ofensa ao princípio da separação de po-
deres, à iniciativa legislativa reservada ou à reserva da administração, tampouco
contrariedade ao ordenamento por criação de despesa pública não prevista no
orçamento.
732
Assim, ausente qualquer violação aos artigos 5º, 24, § 2º, 2, e 47, incisos
II, XIV e XIX, alínea ‘a’, todos da Constituição Estadual.
Jurisprudência - Órgão Especial Julgo, pois, improcedente a ação, revogada a liminar.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Ação Direta de Inconstitu-
cionalidade nº 2026534-73.2025.8.26.0000, da Comarca de São Paulo, em que
é autor PREFEITA DO MUNICÍPIO DE ITAPEVA, é réu PRESIDENTE DA
CÂMARA MUNICIPAL DE ITAPEVA.
ACORDAM, em Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo,
proferir a seguinte decisão: “JULGARAM A AÇÃO PROCEDENTE, COM
EFEITOS ‘EX TUNC’. V.U.”, de conformidade com o voto do Relator, que
integra este acórdão. (Voto nº 52.322)
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FER-
NANDO TORRES GARCIA (Presidente), MATHEUS FONTES, RICARDO
DIP, FIGUEIREDO GONÇALVES, GOMES VARJÃO, ÁLVARO TORRES
JÚNIOR, LUCIANA BRESCIANI, LUIS FERNANDO NISHI, MARCIA
DALLA DÉA BARONE, SILVIA ROCHA, NUEVO CAMPOS, CARLOS
MONNERAT, RENATO RANGEL DESINANO, AFONSO FARO JR., JOSÉ
CARLOS FERREIRA ALVES, MÁRIO DEVIENNE FERRAZ, LUIZ AN-
TONIO CARDOSO, BERETTA DA SILVEIRA, XAVIER DE AQUINO, DA-
MIÃO COGAN, VICO MAÑAS, ADEMIR BENEDITO e CAMPOS MELLO.
São Paulo, 28 de maio de 2025.
FÁBIO GOUVÊA, Relator
Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade. Pre-
feita do Município de Itapeva que questiona a Lei
Municipal nº 5.138, de 07 de outubro de 2024, que
dispõe sobre “o Código de Proteção aos animais, no
âmbito do Município de Itapeva/SP e dá outras pro-
vidências”. Estabelecimento de atendimento do Cen-
tro de Proteção Animal de segunda a sexta-feira das
08h30 às 16h e, nos casos de urgência e emergência, de
forma ininterrupta por 24 horas. Vício de iniciativa.
Inconstitucionalidade formal. Separação de Poderes.
Matéria que se insere no âmbito da chamada “reserva
de Administração”. Ação direta julgada procedente,
com efeitos ex tunc.
733
VOTO
Trata-se de ação direta ajuizada pela Prefeita de Itapeva, na qual pretende
a declaração de inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 5.138, de 07 de ou-
Jurisprudência - Órgão Especial
tubro de 2024, que “altera a redação da Lei Municipal nº 4.219, de 01 de março
de 2019, que ‘Dispõe sobre o Código de Proteção aos Animais, no âmbito do
Município de Itapeva/SP e dá outras providências”.
Alega a alcaide, em suma, que a lei impugnada, de iniciativa parlamentar,
trata de gestão administrativa e atribuições dos órgãos da Administração Pública
Municipal, o que ofende a harmonia e a independência de poderes e implica ví-
cio de iniciativa. Sustenta que a lei impugnada, ao estabelecer novos horários de
atendimento do Centro de Proteção Animal, acaba por ingerir-se na estruturação
administrativa e nas atribuições de órgão público.
Teriam sido violados, destarte, os arts. 5º, 24, § 2º, 47, incs. II, XIV e
XIX, e 144 da Constituição Estadual (CE); e arts. 61, § 1º, II, “b”, e 84 da Cons-
tituição Federal.
Pela decisão de fls. 37/38, a liminar foi deferida por este Relator, para
suspender a execução da Lei Municipal.
Informações do Presidente da Câmara Municipal de Itapeva, noticiando o
trâmite legislativo (fls. 49/51).
Embora citada, a douta Procuradora-Geral do Estado não se manifestou
(fl. 55).
Parecer do douto Subprocurador-Geral de Justiça, Doutor Wallace Paiva
Martins Junior, opinando pela procedência da ação direta de inconstitucionali-
dade (fls. 60/64).
É o relatório.
A ação deve ser julgada procedente.
A lei municipal ora questionada em fiscalização abstrata de constitucio-
nalidade foi publicada com o seguinte teor:
“Art.1º. Dá nova redação ao artigo 29, § 3º da Lei Municipal número 4.219/2019,
de 01 de março de 2019, que ‘Dispõe sobre o Código de Proteção aos animais,
no âmbito do Município de Itapeva’, passando a vigorar com a seguinte reda-
ção:
Art. 29º (...)
§ 3º O atendimento do Centro de Proteção Animal, dar-se-á, de segunda a sexta-
feira, das 8h30 às 16h, nos casos clínicos, nos casos de urgência e emergência
de segunda a domingo e feriados, 24 horas, podendo ser alterado por Decreto,
conforme conveniência e oportunidade do Executivo. (NR)
Art. 2º Essa Lei entra em vigor na data de sua publicação”.
Anoto, de início, que cumpre ao Tribunal de Justiça realizar o controle de
constitucionalidade de leis ou atos normativos municipais tendo por parâmetro
de controle a Constituição Estadual (art. 125, § 2º, da CF-88), e, eventualmente,
como já assentado pelo Egrégio Supremo Tribunal Federal, normas da Consti-
734
tuição Federal que sejam consideradas de “reprodução obrigatória” pelo cons-
tituinte estadual, como é o caso daquelas que regem as competências dos entes
Jurisprudência - Órgão Especial federativos e o processo legislativo.
Conforme definição apresentada por Paulo Henrique Macera (“Reserva
de administração: delimitação conceitual e aplicabilidade no direito brasilei-
ro”. In: Revista Digital de Direito Administrativo, vol. 1, n. 2, pp. 333-376,
2014), “[a] reserva de administração em sentido estrito tem por função a proteção da
Administração Pública, visando resguardar o núcleo central da função administrativa
contra indevidas ingerências”, as quais podem partir tanto do Judiciário quanto do
Legislativo.
Dentre as possíveis ingerências indevidas no campo próprio de atuação
da Administração Pública está, justamente, a violação da iniciativa reservada
ao Chefe do Poder Executivo com relação a determinadas matérias que o texto
constitucional destacou por serem especialmente sensíveis aos interesses ad-
ministrativos. A ideia por trás dessa construção gira em torno de preservar a
harmônica separação dos Poderes do Estado (art. 2º, da CF, e art. 5º, da CE).
É certo que, embora seja possível ao Legislativo determinar que o poder
Executivo zele pelo bem-estar geral dos munícipes, isso deverá se dar por meio
de prescrições genéricas e abstratas, que apontem os fins últimos colimados,
deixando a cargo do Poder Executivo os meios para que tais finalidades sejam
atingidas.
Não se nega a louvabilidade dos propósitos inspiradores da lei ora impug-
nada, a qual pretende estabelecer um atendimento de urgência e emergência aos
animais dos munícipes em regime ininterrupto, possibilitando amplo acesso ao
Centro de Proteção Animal.
O normativo objurgado, todavia, acaba ferindo a reserva de Adminis-
tração, ao impor ao Poder Executivo atividades próprias de gestão, no caso, a
organização e a execução de serviços públicos, dispondo sobre seu horário de
funcionamento, inclusive para atendimento de urgências e emergências por 24
horas, o que interfere na competência do Poder Executivo, a quem cabe, con-
forme critérios de oportunidade e conveniência, definir o funcionamento dos
serviços públicos, em nítida violação aos arts. 5º e 47, inc. II, XIV e XIX, “a”,
ambos da Constituição Paulista, aplicáveis aos Municípios por força do art. 144,
também da CE.
De rigor, portanto, o reconhecimento da inconstitucionalidade da Lei nº
5.138, de 07 de outubro de 2024, do Município de Itapeva, em razão do vício de
inconstitucionalidade formal subjetiva (“vício de iniciativa”).
Por esses motivos, julgo procedente a presente ação direta para declarar a
inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 5.138, de 07 de outubro de 2024, de
Itapeva, pelas razões expostas, com efeitos ex tunc.
ACÓRDÃO
Jurisprudência - Órgão Especial
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Ação Direta de Inconstitu-
cionalidade nº 2010549-64.2025.8.26.0000, da Comarca de São Paulo, em que
é autor PREFEITO DO MUNICÍPIO DE SÃO JOSÉ DO RIO PRETO (PRE-
FEITO), é réu PRESIDENTE DA CÂMARA MUNICIPAL DE SÃO JOSÉ DO
RIO PRETO.
ACORDAM, em Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo,
proferir a seguinte decisão: “JULGARAM A AÇÃO IMPROCEDENTE, CAS-
SADA A LIMINAR. V.U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra
este acórdão. (Voto nº 53.002)
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FER-
NANDO TORRES GARCIA (Presidente), CARLOS MONNERAT, RENATO
RANGEL DESINANO, AFONSO FARO JR., JOSÉ CARLOS FERREIRA AL-
VES, MÁRIO DEVIENNE FERRAZ, LUIZ ANTONIO CARDOSO, BERET-
TA DA SILVEIRA, FRANCISCO LOUREIRO, XAVIER DE AQUINO, DA-
MIÃO COGAN, VICO MAÑAS, ADEMIR BENEDITO, CAMPOS MELLO,
VIANNA COTRIM, FÁBIO GOUVÊA, MATHEUS FONTES, FIGUEIREDO
GONÇALVES, GOMES VARJÃO, ÁLVARO TORRES JÚNIOR, LUCIANA
BRESCIANI, LUIS FERNANDO NISHI, MARCIA DALLA DÉA BARONE
e SILVIA ROCHA.
São Paulo, 4 de junho de 2025.
NUEVO CAMPOS, Relator
Ementa: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIO-
NALIDADE – LEI 14.717, DE 16 DE DEZEMBRO
DE 2024, DO MUNICÍPIO DE SÃO JOSÉ DO RIO
PRETO, DE ORIGEM PARLAMENTAR – NOR-
MA MUNICIPAL QUE “INSTITUI O PROGRAMA
‘EMPRESA VIVA O ESPORTE’ NO MUNICÍPIO
DE SÃO JOSÉ DO RIO PRETO-SP” – ALEGAÇÃO
DE VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO
DE PODERES E RESERVA À ADMINISTRAÇÃO
– POLÍTICA PÚBLICA – COMPETÊNCIA LEGIS-
LATIVA CONCORRENTE EM RELAÇÃO AOS
PODERES LEGISLATIVO E EXECUTIVO – NOR-
MA QUE NÃO TRATOU DA ESTRUTURA OU DA
ATRIBUIÇÃO DE ÓRGÃOS DA PREFEITURA DO
MUNICÍPIO DE MAUÁ, NEM DO REGIME JURÍ-
DICO DE SERVIDORES PÚBLICOS – INCIDÊN-
736
CIA DA TESE DO TEMA 917 DE REPERCUSSÃO
GERAL DO STF – EVENTUAL AUSÊNCIA DE
RECURSOS FINANCEIROS ESPECÍFICOS PARA
FAZER FRENTE ÀS DESPESAS CRIADAS PELA
Jurisprudência - Órgão Especial
LEI ACARRETA, NO MÁXIMO, A INEXEQUIBI-
LIDADE DA NORMA NO EXERCÍCIO FINANCEI-
RO RESPECTIVO (STF, ADI nº 3.599/DF) – AÇÃO
DIRETA JULGADA IMPROCEDENTE CASSADA
A LIMINAR.
VOTO
Vistos.
Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Prefeito do
Município de São José do Rio Preto, objetivando a declaração de inconstitucio-
nalidade da Lei Municipal nº 14.717, de 16 de dezembro de 2024, do Município
de São José do Rio Preto, de origem parlamentar, promulgada pelo Presidente
da Câmara Municipal de São José do Rio Preto, a partir de rejeição do veto in-
tegral ao Projeto de Lei nº 463/2021, pelo Eminente Chefe do Poder Executivo.
Referida lei “Institui o programa ‘Empresa Viva o Esporte no Município
de São José do Rio Preto-SP” (fls. 19/20):
“Art. 1º É instituído o programa ‘Empresa Viva o Esporte’, que tem por
objetivo buscar apoio da iniciativa privada para instalação de equipamentos e ob-
jetos de esporte e lazer nas áreas públicas de esporte e lazer, como campos, qua-
dras, praças de caminhada, parquinhos ecológicos, academias populares, áreas
de ginástica, praças com instalações esportivas e demais locais voltados à pratica
esportiva no município de São José do Rio Preto.
Art. 2º Os contratos de serviços de instalação dos equipamentos de áreas
públicas de esporte e lazer, como campos, quadras, praças de caminhada, par-
quinhos ecológicos, academias populares, áreas de ginástica e praças com insta-
lações esportivas, firmados entre o adotante e o Município, dar-se-ão através de
termo de Cooperação/Doação onde constarão as atribuições das partes.
Art. 3º Após a doação do equipamento, o mesmo não pode ser retirado
ou alterado, podendo apenas sofrer alteração, se houver comum acordo entre o
doador e o Poder Público, ou caso o equipamento/objeto traga risco à população
devido seu desgaste natural ou outro problema.
Art. 4º Em troca da doação do equipamento/objeto, a empresa poderá
divulgar a parceria na imprensa e em informes publicitários envolvendo a área do
objeto, bem como colocar placas padrão no equipamento doado, como em ban-
cos, lixeiras, brinquedos, academias ao ar livre, e outros itens com propaganda
da empresa, obedecendo os seguintes critérios:
I – Inscrição dos dizeres:
a) Programa ‘Empresa Viva o Esporte’ – Este equipamento/objeto foi
doado pela empresa (...);
737
b) Serviços fiscalizados pela Secretaria de Esportes e Lazer.
II – Além dos dizeres, poderá ser inserida a Logomarca e slogan da em-
presa na Placa.
III – O tamanho da placa deverá ser proporcional as dimensões do local
Jurisprudência - Órgão Especial
adotado, obedecendo um limite máximo de até 2 m² (dois metros quadrados).
IV – Será permitida a colocação de mais de uma placa, conforme o ta-
manho do local adotado, sempre prezando pela razoabilidade na interação com
a paisagem.
V – Poderão também ser instalados bancos, lixeiras, brinquedos, quios-
ques ou outros objetos que possam conter a Logomarca e Slogan da empresa com
medida máxima de 2 m² (dois metros quadrados).
VI – É vedado qualquer tipo de propaganda que se refira a bebidas alcoó-
licas, cigarro e armas de fogo.
Art. 5º Os espaços públicos de grandes dimensões poderão ser subdividi-
dos, para fins de realização do programa com mais de um doador.
Art. 6º O doador do equipamento/objeto poderá ser destinado para:
I – urbanização;
II – implantação de áreas de esporte e lazer;
III – maior comodidade aos usuários;
IV – realização de atividades culturais, esportivas ou de lazer;
V – medidas de proteção e segurança;
IV – incentivar a instalação de mobiliário urbano que atenda as melhores
práticas de esporte, cultura e lazer;
Art. 7º A seleção do doador se dará mediante licitação, na modalidade
concorrência, nos termos da Lei Federal nº 8.987/1995.
Art. 8º O Poder Executivo regulamentará a presente lei e estabelecerá os
critérios para elaboração e realização dos projetos, bem como a análise e aceita-
ção de propostas.
Art. 9º A presente Lei entra em vigor na data de sua publicação.”
Sustenta o requerente, a propósito, que a norma é inconstitucional, por-
que, em suma, viola os princípios da Reserva da Administração e da Separação
dos Poderes.
Sustenta, neste aspecto, aos arts. 5º, 47, II, XIV e XVIII, e 144, todos da
Constituição Estadual.
Em 24/01/2025, a liminar foi deferida, para suspender a vigência da Lei
Municipal em questão (fls. 44/48).
A Ínclita Câmara Municipal de São José do Rio Preto prestou informa-
ções (fls. 61/64).
A D. Procuradora-Geral do Estado, regularmente cientificada, deixou de
se manifestar (fl. 92).
A D. Procuradoria de Justiça manifestou-se pela improcedência da ação
(fls. 97/102).
A ementa do r. parecer ministerial tem o seguinte teor:
738
“CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE. LEI Nº 14.717, DE 16 DE DEZEMBRO
DE 2024, DO MUNICÍPIO DE SÃO JOSÉ DO RIO PRETO. BENS PÚ-
BLICOS. CONCESSÃO DE ESPAÇO PÚBLICO PARA INSTALAÇÃO
Jurisprudência - Órgão Especial
DE EQUIPAMENTOS ESPORTIVOS E DE LAZER EM ÁREAS COMO
PRAÇAS, GINÁSIOS, PARQUES E QUADRAS. DIREITO DE DIVUL-
GAÇÃO DA PARCERIA NA IMPRENSA, COM INSERÇÃO DO NOME
DO CONTRATADO EM PLACAS NO LOCAL E, TAMBÉM, DE INSTA-
LAÇÃO DE BANCOS, BRINQUEDOS, LIXEIRAS E QUIOSQUES, COM
A LOGOMARCA E SLOGAN DA EMPRESA CONTRATADA. INEXIS-
TÊNCIA DE VÍCIO DE INICIATIVA. PREVISÃO DE REALIZAÇÃO DE
LICITAÇÃO. PRINCÍPIOS DE MORALIDADE E IMPESSOALIDADE
PRESERVADOS. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO.
1. Lei que permite a concessão de espaço público à iniciativa privada,
mediante licitação, para instalação de equipamentos esportivos e de lazer em
áreas como praças, ginásios, parques e quadras, em troca do direito de divul-
gação da parceria na imprensa, com inserção do nome do contratado em placas
e em bancos, brinquedos, lixeiras e quiosques, com a logomarca e slogan da
empresa contratada.
2. Matéria tratada na lei objurgada que não se submete às hipóteses ta-
xativas de reserva de iniciativa legislativa do Chefe do Poder Executivo ou de
reserva de Administração.
3. Lei em questão que não interfere na atribuição dos órgãos da Adminis-
tração.
4. Previsão de realização de licitação, em obediência ao art. 117 da Carta
Estadual e art. 37, XXI, da Carta Federal.
5. Improcedência”.
É, em síntese, o relatório.
A ação deve ser julgada improcedente.
Lei municipal que disciplina política pública relativa a direito social, no
caso em tela a busca de apoio com a iniciativa privada para instalação de equi-
pamentos e objetos de esporte e lazer em áreas públicas, não exige iniciativa
reservada do Chefe do Poder Executivo e, também, não se insere na reserva da
Administração.
A competência legislativa relativa à matéria em questão é concorrente em
relação aos Poderes Legislativo e Executivo.
Importa considerar, a propósito, que o Excelso Supremo Tribunal Fede-
ral, ao julgar o ARE 878.911/RJ, leading case em que se deu a fixação da Tese
do Tema 917 de Repercussão Geral, reafirmou sua jurisprudência dominante no
sentido de que “Não usurpa competência privativa do Chefe do Poder Executivo
lei que, embora crie despesa para a Administração, não trata da sua estrutura ou
da atribuição de seus órgãos nem do regime jurídico de servidores públicos (art.
61, § 1º, II, ‘a’, ‘c’ e ‘e’, da Constituição Federal).”.
Insta observar, neste aspecto, que a norma impugnada não tratou da estru-
739
tura ou da atribuição de órgãos da Prefeitura do Município de São José do Rio
Preto, nem do regime jurídico de servidores públicos.
A atividade legislativa em tela estabeleceu, genericamente, o programa
Jurisprudência - Órgão Especial
de parceria com a iniciativa privada para fomentar o esporte e o lazer, com
instalação de equipamentos e aprimoramento dos espaços públicos, nos estritos
limites do interesse local.
Há que se observar, ademais, como bem anotado no r. parecer ministerial,
que o ato normativo em questão dependerá de regulamentação específica pelo
Poder Executivo para sua posterior aplicabilidade.
Importa considerar, também, que a norma questionada estabelece, ade-
quadamente, que a seleção do doador se dará mediante processo licitatório (art.
7º, da Lei Municipal 14.717/2024).
No que tange à fonte de custeio, importa observar, a propósito, que even-
tual ausência de recursos financeiros específicos, para fazer frente às despesas
criadas pela lei, acarreta, no máximo, a inexequibilidade da norma no exercício
financeiro respectivo (STF, ADI nº 3.599/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. em
21-5-2007).
Importa considerar, ainda, que a despesa prevista pela norma objeto desta
ação direta não tem natureza de despesa obrigatória de caráter continuado (art.
17, LRF), tendo em vista que o ato impugnado, como já referido anteriormente,
apenas instituiu, abstrata e genericamente, um programa de política pública e
não fixou, ao Chefe do Poder Executivo, a obrigação de sua execução, não ha-
vendo que se falar, portanto, em violação ao art. 113 do ADCT, da Constituição
Federal.
Por derradeiro, impõe-se, em razão do ora decidido, seja cassada a limi-
nar anteriormente deferida.
Face ao exposto, nos termos ora deduzidos, meu voto é no sentido da
improcedência da presente ação, cassada a liminar.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Ação Direta de Inconstitucio-
nalidade nº 2002712-55.2025.8.26.0000, da Comarca de São Paulo, em que é
autor PREFEITO DO MUNICÍPIO DE MIRASSOL, é réu PRESIDENTE DA
CÂMARA MUNICIPAL DE MIRASSOL.
ACORDAM, em Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo,
proferir a seguinte decisão: “JULGARAM A AÇÃO IMPROCEDENTE. V.U.”,
de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. (Voto nº
33.667)
740
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FER-
NANDO TORRES GARCIA (Presidente), DAMIÃO COGAN, VICO
MAÑAS, ADEMIR BENEDITO, CAMPOS MELLO, VIANNA COTRIM,
FÁBIO GOUVÊA, MATHEUS FONTES, FIGUEIREDO GONÇALVES, GO-
Jurisprudência - Órgão Especial
MES VARJÃO, ÁLVARO TORRES JÚNIOR, LUCIANA BRESCIANI, LUIS
FERNANDO NISHI, MARCIA DALLA DÉA BARONE, SILVIA ROCHA,
NUEVO CAMPOS, CARLOS MONNERAT, RENATO RANGEL DESINA-
NO, AFONSO FARO JR., JOSÉ CARLOS FERREIRA ALVES, MÁRIO DE-
VIENNE FERRAZ, LUIZ ANTONIO CARDOSO, BERETTA DA SILVEIRA
e FRANCISCO LOUREIRO.
São Paulo, 4 de junho de 2025.
XAVIER DE AQUINO, Decano e Relator
Ementa: DIREITO CONSTITUCIONAL. AÇÃO
DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. IM-
PLANTAÇÃO DE CÓDIGO DE BARRAS BIDI-
MENSIONAL (QR CODE) EM PLACAS DE OBRAS
PÚBLICAS. IMPROCEDÊNCIA.
I. Caso em Exame:
Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta contra
a Lei nº 4.886/2024, do Município de Mirassol, que
determina a implantação de Código QR em placas de
obras públicas municipais para leitura e fiscalização
eletrônica pela população local, que poderá acessar
dados relativos à obra realizada.
II. Questão em Discussão:
Consiste em determinar se a lei, ao impor obrigações
à administração municipal, viola a competência pri-
vativa do Chefe do Poder Executivo e a independên-
cia e harmonia entre os Poderes.
III. Razões de Decidir:
Não há ofensa ao artigo 24, § 2º, “2”, da Constituição
do Estado de São Paulo, pois a norma não trata da
estrutura ou atribuição de órgãos da administração,
nem do regime jurídico de servidores públicos.
A lei visa assegurar a publicidade de atos relativos a
obras públicas, em consonância com o princípio cons-
titucional da Publicidade dos atos administrativos,
sem a criação de obrigações além das que já são da
praxe do administrador municipal, de maneira a não
violar a independência e harmonia entre os Poderes.
741
IV. Dispositivo e Tese:
Ação julgada improcedente.
V. Tese de julgamento:
Jurisprudência - Órgão Especial
1. Lei que determina a implantação de Código QR em
obras públicas não usurpa competência privativa do
Chefe do Poder Executivo. 2. A norma reforça o prin-
cípio da Publicidade e transparência dos atos admi-
nistrativos.
VOTO
Trata-se de Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta pelo PREFEI-
TO DO MUNICÍPIO DE MIRASSOL em face da Lei nº 4.886, de 05 de se-
tembro de 2024, de iniciativa parlamentar, que “dispõe acerca da implantação
de Código QR em todas as placas de obras públicas municipais para leitura e
fiscalização eletrônica”.
Alega o autor que o ato normativo atacado é incompatível com o artigo 2º
da Carta Magna da República e com os artigos 1º, 5º, 24, § 2º, “2” e 47, incisos
II, XIV e XIX e 119 da Constituição do Estado de São Paulo, aplicáveis aos mu-
nicípios nos termos de seu artigo 144, na medida em que, ao estabelecer obriga-
ções ao Departamento Municipal de Obras, fatalmente envereda em matéria de
competência privativa do Chefe do Poder Executivo, a quem compete exercer
a direção da administração municipal, dispondo sobre a sua organização e fun-
cionamento, violando a reserva da Administração e a independência e harmonia
entre os Poderes, razão pela qual requer liminarmente a suspensão da eficácia do
diploma questionado e ao final a declaração de inconstitucionalidade da lei (fls.
01/09, com documentos de fls. 10/22).
Liminar indeferida (fls. 24).
Informações prestadas pelo Presidente da Câmara Municipal de Mirassol,
dando conta do trâmite legislativo que culminou na promulgação da norma (fls.
33/34, com documentos de fls. 35/36).
Ausência de manifestação do ilustre Procurador-Geral do Estado (certi-
dão de fls. 37).
Parecer da douta Procuradoria-Geral de Justiça pela improcedência do
pedido (fls. 42/48).
É o relatório.
Improcede a ação.
A Lei nº 4886/2024 do Município de Mirassol, de iniciativa parlamentar,
que “dispõe acerca da implantação de Código QR em todas as placas de obras
públicas municipais para leitura e fiscalização eletrônica”, assim estabelece:
742
“LEI Nº 4.886, DE 05 DE SETEMBRO DE 2024
(...)
O Presidente da Câmara Municipal de Mirassol ‘Renato Zancaner’. Faço saber
que a Câmara Municipal aprovou e eu promulgo, nos termos dos §§ 3º e 6º, do
Jurisprudência - Órgão Especial
art. 44, da Lei Municipal nº 1.612, de 31 de março de 1990, a seguinte Lei:
Art. 1º Fica determinada a implantação de Código de Barras Bidimensional –
Código QR (Quick Response) em cada placa de obra pública Municipal, que
será disponibilizada eletronicamente, mediante acesso vinculado à página
oficial da Prefeitura.
Art. 2º Durante o acesso à base de dados deverão constar, para fins de fiscaliza-
ção e transparência pública, os empenhos, as notas fiscais e eventuais aditivos
contratuais, sem prejuízo das seguintes informações sobre as obras:
I – Valor previsto da obra;
II – População atendida;
III – Nome da empresa(s) executante(s) do contrato;
IV – Projeto arquitetônico com descrição das imagens;
V – Eventuais aditivos contratuais, com informações claras e precisas descre-
vendo a necessidade do aditivo;
VI – Data de previsão da conclusão da obra e
VII – Nome e matrícula do agente público responsável pela fiscalização da obra.
Parágrafo único. O Órgão Municipal responsável pela fiscalização da obra de-
verá ainda disponibilizar para consulta, relatórios mensais sobre a execução e
avanço da obra.
Art. 3º O Poder Executivo regulamentará esta Lei no que couber.
Art. 4º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as dispo-
sições em contrário.
Câmara Municipal de Mirassol, 05 de setembro de 2024.”
Defende o autor que o diploma vergastado contraria frontalmente o artigo
2º da Constituição da República1, bem como os artigos 1º2, 5º3, 24, § 2º, “2”4,
1 “Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e
o Judiciário.”
2 “Artigo 1º – O Estado de São Paulo, integrante da República Federativa do Brasil, exerce as com-
petências que não lhe são vedadas pela Constituição Federal.”
3 “Artigo 5º – São Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o
Executivo e o Judiciário.
§ 1º – É vedado a qualquer dos Poderes delegar atribuições.
§ 2º – O cidadão, investido na função de um dos Poderes, não poderá exercer a de outro, salvo as exceções
previstas nesta Constituição.”
4 “Artigo 24
(...)
§ 2º – Compete, exclusivamente, ao Governador do Estado a iniciativa das leis que disponham sobre:
(...)
2 – criação e extinção das Secretarias de Estado e órgãos da administração pública, observado o disposto no
artigo 47, XIX;”
743
47, incisos II, XIV e XIX5 e 1196 da Carta Paulista, à qual está subordinada a
produção normativa municipal nos moldes do artigo 1447, eis que, ao determi-
nar a afixação de código de barras bidimensional em placas de obras públicas
Jurisprudência - Órgão Especial
municipais, com acesso a diversos dados do trabalho realizado, tais como o
valor previsto, empresa executante do contrato, notas fiscais, aditivos contra-
tuais, agente público responsável pela fiscalização e data prevista para conclu-
são, entre outros, cria atribuições ao Departamento de Obras, imiscuindo-se em
assunto de sua competência privativa, violando a reserva da administração e a
independência e harmonia entre os Poderes.
Sem razão, contudo.
Não se verifica, por primeiro, ofensa ao artigo 24, § 2º, “2”, da Constitui-
ção do Estado de São Paulo.
Com efeito, leis de iniciativa exclusiva do Alcaide são aquelas cujas ma-
térias estão indicadas no § 2º do artigo 24 da Carta Estadual, aplicados aos Mu-
nicípios por força de seu artigo 144.
Nesse diapasão, editou o Pretório Excelso o Tema nº 917 de Repercussão
Geral, pontificando que “não usurpa competência privativa do Chefe do Poder
Executivo lei que, embora crie despesa para a Administração, não trata da sua
estrutura ou da atribuição de seus órgãos nem do regime jurídico de servidores
públicos (art. 61, § 1º, II, ‘a’, ‘c’ e ‘e’, da Constituição Federal)”.
E consoante já se decidiu na Corte Suprema, “a iniciativa reservada, por
constituir matéria de direito estrito, não se presume e nem comporta interpre-
tação ampliativa, na medida em que por implicar limitação ao poder de instau-
ração do processo legislativo deve necessariamente derivar de norma constitu-
cional explícita e inequívoca” (ADI-MC 724/RS, Relator Ministro CELSO DE
MELLO, DJ 27/04/2011).
Assim, não cuidando a norma combatida de tema elencado no referido
5 “Artigo 47 – Compete privativamente ao Governador, além de outras atribuições previstas nesta
Constituição:
(...)
II – exercer, com o auxílio dos Secretários de Estado, a direção superior da administração estadual;
(...)
XIV – praticar os demais atos de administração, nos limites da competência do Executivo;
(...)
XIX – dispor, mediante decreto, sobre:
a) organização e funcionamento da administração estadual, quando não implicar aumento de despesa, nem
criação ou extinção de órgãos públicos;
b) extinção de funções ou cargos públicos, quando vagos.”
6 “Artigo 119 – Os serviços concedidos ou permitidos ficarão sempre sujeitos à regulamentação e
fiscalização do Poder Público e poderão ser retomados quando não atendam satisfatoriamente aos seus fins ou
às condições do contrato.
Parágrafo único – Os serviços de que trata este artigo não serão subsidiados pelo Poder Público, em qualquer
medida, quando prestados por particulares.”
7 “Artigo 144 – Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira
se auto-organizarão por Lei Orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta
Constituição.”
744
dispositivo constitucional, não se há falar em invasão da esfera de competência
reservada ao Prefeito.
Jurisprudência - Órgão Especial Por sua vez, não se vislumbra a alegada inconstitucionalidade por ofensa
a independência e harmonia entre os Poderes, haja vista que inexiste qualquer
violação à competência privativa do Poder Executivo, prevista no artigo 47 da
Constituição Paulista.
In casu, cuidou o diploma impugnado unicamente em assegurar a neces-
sária publicidade de atos relativos a obras públicas do município, por meio de
ferramenta atual, de fácil acesso e amplamente utilizada (implantação de código
de barras bidimensional – QR Code), que direciona os interessados à página
oficial da Prefeitura na internet (artigo 1º), onde poderão obter as informações
básicas do serviço realizado (quais sejam, as previstas no artigo 2º) sem buro-
cracia, de maneira rápida e atualizada.
Diante disto, inconteste a conclusão de que a lei em xeque está em con-
sonância com o princípio da Publicidade dos atos administrativos de que trata o
artigo 111 da Constituição Estadual e, em nível infraconstitucional, através da
Lei Federal nº 12527/2011 (Lei de Acesso à Informação), não se havendo falar,
destarte, em invasão à esfera de competência do Alcaide.
Nesse sentido:
“Ação direta de inconstitucionalidade. Lei nº 11.521/2000 do Estado do Rio
Grande do Sul. Obrigação do Governo de divulgar na imprensa oficial e na
internet dados relativos a contratos de obras públicas. Ausência de vício formal
e material. Princípio da publicidade e da transparência. Fiscalização. Consti-
tucionalidade.
1. O art. 22, inciso XXVII, da Constituição Federal atribuiu à União a compe-
tência para editar normas gerais de licitações e contratos. A legislação questio-
nada não traz regramento geral de contratos administrativos, mas simplesmente
determina a publicação de dados básicos dos contratos de obras públicas rea-
lizadas em rodovias, portos e aeroportos. Sua incidência é pontual e restrita a
contratos específicos da administração pública estadual, carecendo, nesse pon-
to, de teor de generalidade suficiente para caracterizá-la como ‘norma geral’.
2. Lei que obriga o Poder Executivo a divulgar na imprensa oficial e na internet
dados relativos a contratos de obras públicas não depende de iniciativa do chefe
do Poder Executivo. A lei em questão não cria, extingue ou modifica órgão admi-
nistrativo, tampouco confere nova atribuição a órgão da administração pública.
O fato de a regra estar dirigida ao Poder Executivo, por si só, não implica que
ela deva ser de iniciativa privativa do Governador do Estado. Não incide, no
caso, a vedação constitucional (CF, art. 61, § 1º, II, e).
3. A legislação estadual inspira-se no princípio da publicidade, na sua vertente
mais específica, a da transparência dos atos do Poder Público. Enquadra-se,
portanto, nesse contexto de aprimoramento da necessária transparência das ati-
vidades administrativas, reafirmando e cumprindo o princípio constitucional da
publicidade da administração pública (art. 37, caput, CF/88).
745
4. É legítimo que o Poder Legislativo, no exercício do controle externo da ad-
ministração pública, o qual lhe foi outorgado expressamente pelo poder cons-
tituinte, implemente medidas de aprimoramento da sua fiscalização, desde que
respeitadas as demais balizas da Carta Constitucional, fato que ora se verifica.
Jurisprudência - Órgão Especial
5. Não ocorrência de violação aos ditames do art. 167, I e II, da Carta Magna,
pois o custo gerado para o cumprimento da norma seria irrisório, sendo todo
o aparato administrativo necessário ao cumprimento da determinação legal
preexistente.
6. Ação julgada improcedente.”
(STF, ADI nº 2.444/RS, Relator Ministro DIAS TOFFOLI, Pleno, j. 06/11/2014,
p. 02/02/2015).
Especificamente no que tange à transparência dos atos de gestão pública,
deixou assente o Ministro LUÍS ROBERTO BARROSO, no julgamento do RE
nº 770.329-SP, j. em 29/05/2014, que:
“A publicidade dos atos da Administração e a transparência da gestão públi-
ca são princípios constitucionais de direta aplicação aos Municípios – como a
qualquer outra esfera federativa (CF/88, art. 37, caput e § 1º) –, sendo funda-
mentais, também, para a participação dos cidadãos da atuação administrativa e
para o controle social sobre o Poder Público (CF/88, art. 37, § 3º; art. 74, § 4º,
c/c art. 75 e art. 31, § 3º; art. 163, V).
Quanto à iniciativa privativa, o acórdão recorrido está alinhado com a juris-
prudência do Supremo Tribunal Federal, no sentido de que lei de iniciativa
parlamentar pode dispor sobre a publicidade de atos administrativos do Poder
Executivo.”
Ademais, registre-se que este colendo Órgão Especial já teve a oportuni-
dade de apreciar matéria idêntica, nos autos da Ação Direta de Inconstituciona-
lidade nº 2099113-53.2024.8.26.0000, de relatoria do eminente Desembargador
AFONSO FARO JR., j. em 21/08/2024, conforme ementa a seguir:
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – Lei nº 6.484/24 do Mu-
nicípio de Catanduva – Colidência com normas infraconstitucionais – Não
cabimento – Precedentes do C. STF. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONA-
LIDADE – Lei nº 6.484/24 do Município de Catanduva que prevê a disponibili-
zação do código de barras bidimensional Quick Response (QR Code) nas placas
de obras públicas executadas por sua Administração Direta e Administração In-
direta ou por empresas terceirizadas – Ofensa ao princípio da separação dos po-
deres não configurada – Norma que não implica em criação/extinção de cargos,
funções ou empregos públicos, nem dispõe sobre remuneração de servidores,
tampouco interfere diretamente em secretarias ou órgãos da administração e
que, por outro lado, materializa o princípio da publicidade previsto no art. 37 da
Constituição Federal e no art. 111 da Constituição Estadual – ARE 878911/RJ
(Tema nº 917) – Garantia ao munícipe do acesso à informação, viabilizando, por
consequência, uma melhor fiscalização do emprego de verbas públicas – Ofensa
ao art. 113 do ADCT não caracterizada – Geração do código que não depende
da criação de aplicativos próprios da municipalidade, podendo ser obtida gra-
tuitamente pela administração, que já dispõe de página na internet com dados
746
sobre contratos em vigência. AÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE.”
No teor do julgado supra, cujo diploma objeto de análise guarda, em es-
sência, praticamente as mesmas disposições da Lei nº 4886/2024 do Município
de Mirassol, nota-se que o Colegiado afastou de pronto a alegação de que a in-
Jurisprudência - Órgão Especial
serção de QR Code em placas de obras públicas acarretaria na invasão da esfera
de competência do Prefeito, ao argumento de “tal procedimento não implica
em criação/extinção de cargos, funções ou empregos públicos, nem trata da
remuneração de servidores, tampouco interfere diretamente em secretarias ou
órgãos da administração”, de forma a materializar o princípio constitucional da
Publicidade, como “meio de garantir ao munícipe o acesso à informação e, por
consequência, viabilizar uma melhor fiscalização do emprego de verbas públi-
cas”, tratando-se de iniciativa “salutar, legítima e sem vícios, mesmo porque a
disponibilização de informações aos cidadãos já é um dever da administração”.
E, quanto ao rol de informações ofertadas – que também se mostram bas-
tante assemelhadas às constantes do artigo 2º da lei aqui atacada – ponderou o
Órgão Especial que “trata da disponibilização de informações mínimas (...) que
já são de conhecimento da administração local (...), bastando ser utilizada a
página do Município na internet, que já existe e tem campos específicos referen-
tes aos contratos firmados”.
A propósito, importante o registro de que o artigo 8º da Lei Federal nº
12527/2011 (Lei de Acesso à Informação), na busca de efetivação do primado
constitucional da Publicidade, já instituiu como dever de órgãos e entidades pú-
blicas a divulgação, em local de fácil acesso – inclusive via internet –, de infor-
mações de interesse público ou geral por eles produzidas ou custodiadas, estabe-
lecendo em seu § 1º que deverão constar, no mínimo, os registros de “quaisquer
repasses ou transferências de recursos financeiros” (inciso II), de “despesas”
(inciso III), de “informações concernentes a procedimentos licitatórios, inclu-
sive os respectivos editais e resultados, bem como a todos os contratos celebra-
dos” (inciso IV), além de “dados gerais para o acompanhamento de progra-
mas, ações, projetos e obras de órgãos e entidades” (inciso V), e de “respostas
a perguntas mais frequentes da sociedade” (inciso VI); e, não bastasse, a Lei
Federal nº 14133/2021 (Lei de Licitações e Contratos Administrativos) deixa
explícito em seu artigo 19, inciso III, o dever dos órgãos da Administração com
competências relativas às atividades de administração de materiais, de obras e
serviços e de licitações e contratos de “instituir sistema informatizado de acom-
panhamento de obras, inclusive com recursos de imagem e vídeo”.
Assim, conclusão outra não há, senão a de que inexiste na lei em debate
a criação de novas obrigações além daquelas que já devem ser da praxe da ad-
ministração municipal, que certamente possui informações detalhadas e atuali-
zadas das obras em andamento, com toda a documentação a elas pertinente, não
havendo falar, portanto, em agir o Parlamento ultra vires na edição da norma
747
que reforça o mister de transparência dos atos públicos, postura esta que, se
antes era necessária, atualmente é imperiosa – como, aliás, já decidiu este au-
gusto Colegiado nos autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2016698-
Jurisprudência - Órgão Especial
91.2016.8.26.0000, j. em 15/06/2016, de minha relatoria:
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Lei nº 13.606, de 02 de se-
tembro de 2015, de autoria parlamentar, que ‘cria a plataforma virtual para
acompanhamento das obras da Prefeitura do Município de Ribeirão Preto e dá
outras providências’. Alegada invasão da esfera de competência exclusiva do
Alcaide. Inocorrência. § 2º que traz elenco ‘numerus clausus’ das matérias de
iniciativa reservada. Lei em questão, editada consoante o princípio da publici-
dade dos atos administrativos que não cria, extingue ou modifica órgão admi-
nistrativo, tampouco confere nova atribuição a órgão da administração pública.
Regra que por estar dirigida ao Poder Executivo, por si só, não implica deva
ser de iniciativa privativa do Alcaide. Ausência de especificação de fonte de cus-
teio que não é óbice à edição da norma, tornando-a tão somente inexequível no
ano em que em editada. Prefeitura do Município de Ribeirão Preto que possui
sítio eletrônico com aba própria denominada ‘Portal da Transparência’, não se
havendo falar em despesas para a consecução da norma. Ação improcedente.”
Constitucional, portanto, a Lei nº 4.886, de 05 de setembro de 2024, do
Município de Mirassol.
Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTE a ação.
Agravos Internos
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo Interno Cível nº
3001626-32.2025.8.26.0000/50000, da Comarca de São Paulo, em que é agra-
vante PREFEITO DO MUNICÍPIO DE NOVA ODESSA (PREFEITO) e in-
teressado PRESIDENTE DA CÂMARA MUNICIPAL DE NOVA ODESSA,
é agravado PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO
PAULO (PROCURADOR GERAL DE JUSTIÇA).
ACORDAM, em Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo,
proferir a seguinte decisão: “NEGARAM PROVIMENTO AO AGRAVO IN-
TERNO. V.U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acór-
dão. (Voto nº 52.717)
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FER-
NANDO TORRES GARCIA (Presidente), FÁBIO GOUVÊA, AROLDO VIO-
TTI, FIGUEIREDO GONÇALVES, GOMES VARJÃO, LUIS FERNANDO
NISHI, JARBAS GOMES, MARCIA DALLA DÉA BARONE, SILVIA RO-
748
CHA, NUEVO CAMPOS, CARLOS MONNERAT, RENATO RANGEL DE-
SINANO, JOSÉ CARLOS FERREIRA ALVES, ÁLVARO TORRES JÚNIOR,
LUIS SOARES DE MELLO, EUVALDO CHAIB, PAULO ALCIDES, MAU-
RICIO VALALA, BERETTA DA SILVEIRA, FRANCISCO LOUREIRO, XA-
Jurisprudência - Órgão Especial
VIER DE AQUINO, DAMIÃO COGAN, ADEMIR BENEDITO e CAMPOS
MELLO.
São Paulo, 30 de abril de 2025.
VIANNA COTRIM, Relator
Ementa: Agravo interno – Decisão que concedeu li-
minar em ação direta de inconstitucionalidade para
suspender normas do Município de Nova Odessa que
dispõem sobre a concessão de adicional de risco a
agentes de trânsito e guardas municipais – Inexistên-
cia de elementos novos a fundamentar a reforma pre-
tendida – Questões ventiladas no recurso que dizem
respeito ao mérito da ação – Razões recursais insufi-
cientes para alterar a posição perfilhada em juízo de
cognição sumária – Ato judicial mantido – Recurso
improvido.
VOTO
Agravo interno contra decisão que, em ação direta de inconstitucionali-
dade ajuizada pelo Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo em face
da Lei n.º 3.679, de 31 de agosto de 2023, do Município de Nova Odessa, que
“dispõe sobre a concessão de adicional de risco aos servidores municipais que
especifica e dá outras providências”, e, por arrastamento, da Lei n.º 1.895, de 26
de dezembro de 2002, concedeu a liminar.
O agravante sustenta, em síntese, que o artigo 3º da Lei Municipal n.º
2.897/2014 estabelece um rol de competências específicas da Guarda Civil Mu-
nicipal que evidenciam o risco das funções exercidas pelos servidores públicos
e que, ao ser analisado conjuntamente com as normas impugnadas, compro-
va a necessidade do pagamento da vantagem pecuniária. Argumenta, em com-
plementação, que o adicional implementado pela legislação vergastada atende
aos princípios da razoabilidade, moralidade, igualdade, finalidade e interesse
público, nos termos dos artigos 111, 128 e 144 da Constituição Estadual de
São Paulo, porquanto remunera os guardas civis pelo exercício de atividade
perigosa, aduzindo, outrossim, que a permanência das normas objurgadas não
acarreta prejuízo ao erário por contar com expressa previsão orçamentária. Ale-
ga, no mais, que por se tratar de servidores submetidos ao regime da CLT a
concessão do adicional decorre da liberalidade do Poder Público, que possui
749
autonomia política, administrativa, financeira e legislativa, apontando, também,
que a Constituição Federal e a CLT asseguram o pagamento de adicional a todos
que exercerem atividades penosas, insalubres ou perigosas, tal como os guardas
Jurisprudência - Órgão Especial
civis municipais. Insistindo, por fim, na inexistência dos requisitos necessários
à concessão da liminar e invocando, em seu prol, a necessidade de se observar
o princípio da segurança jurídica e da irredutibilidade de vencimentos, busca
a reconsideração da decisão agravada, ou, alternativamente, o acolhimento do
agravo interno.
Houve resposta nos termos do artigo 1.021, § 2º, do CPC (fls. 255/261).
É o relatório.
Tenho para mim que o agravante não apresentou argumento convincente
a evidenciar o desacerto da decisão agravada.
Na verdade, o que pretende o Alcaide é discutir o mérito da causa, com o
nítido intento de antecipar o julgamento da ação direta, finalidade que o agravo
interno evidentemente não possui.
Vale lembrar que em sede de agravo interno só se justifica a alteração de
posicionamento quando o ato judicial combatido estiver eivado de manifesta
ilegalidade ou abuso de poder, o que aqui não se verificou até porque a conces-
são da liminar se pautou na presença, em concurso, do fumus boni iuris e do
periculum in mora.
Paralelamente, a decisão agravada observou a jurisprudência deste C.
Órgão Especial em casos análogos (ADI n.º 2043099-83.2023.8.26.0000; Rel.
Des. Damião Cogan; j. 20/09/2023), sendo oportuno registrar que a apreciação
dos pressupostos legais para a concessão da liminar está inserida no prudente
arbítrio e livre convencimento do Relator (Órgão Especial, Agravo Interno nº
2004925-39.2022.8.26.0000/50000, Rel. Des. Renato Sartorelli, j. 09/03/2022).
Nesse sentido:
“AGRAVO INTERNO – INTERPOSIÇÃO DE DECISÃO DO RELA-
TOR, DE DEFERIMENTO DE LIMINAR EM AÇÃO DIRETA DE INCONSTI-
TUCIONALIDADE – LEI MUNICIPAL Nº 6.192/2021 QUE DISPÕE SOBRE
A OBRIGATORIEDADE DE PRESTAÇÃO DE SOCORRO AOS ANIMAIS
ATROPELADOS NO ÂMBITO MUNICIPAL E DÁ OUTRAS PROVIDÊN-
CIAS – EXAME DOS REQUISITOS LEGAIS ATRELADO AO PRUDENTE
ARBÍTRIO E LIVRE CONVENCIMENTO DO MAGISTRADO – REVOGA-
ÇÃO DA LIMINAR CONDICIONADA A CONSTATAÇÃO DE FLAGRANTE
ILEGALIDADE OU ABUSO DE PODER – INOCORRÊNCIA – PRETENSÃO
RECURSAL COM INTUITO DE ANTECIPAR O MÉRITO DA AÇÃO DIRE-
TA – INADMISSIBILIDADE – DECISÃO MANTIDA – RECURSO IMPRO-
VIDO” (Agravo Interno n.º 2010724-63.2022.8.26.0000; Rel. Des. Matheus
Fontes; j. 27/04/2022 – grifei).
Consoante se infere da leitura dos textos normativos hostilizados, ao me-
nos em sede de cognição superficial, o legislador local instituiu modalidade de
750
adicional sem qualquer justificativa razoável, beneficiando apenas interesses
financeiros e pessoais dos servidores, sem qualquer contrapartida no que diz
respeito ao atendimento do interesse público, o que não se compatibiliza com
os princípios da moralidade, da finalidade e da razoabilidade, circunstância que
Jurisprudência - Órgão Especial
possibilita, a meu ver, o preenchimento do pressuposto do fumus boni iuris.
Por outro lado, consoante deixei pontificado na decisão agravada, o peri-
culum in mora se faz presente diante da irrepetibilidade dos valores percebidos
de boa-fé, afigurando-se irrelevante o fato de que uma das normas impugnadas
já está em vigor há muitos anos por se tratar de prestação continuada que acar-
reta risco de prejuízo ao erário.
Aliás, este C. Órgão Especial manteve liminar concedida em caso análo-
go, referente a gratificação concedida a servidores públicos municipais, mesmo
a lei objurgada contando com trinta anos de vigência:
“AGRAVO INTERNO EM DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
– LIMINAR DEFERIDA – DISPOSITIVOS QUE VERSAM SOBRE A CON-
CESSÃO DE GRATIFICAÇÃO A SERVIDORES PÚBLICOS MUNICIPAIS
– VERBA APARENTEMENTE DISTANCIADA DOS PARÂMETROS DOS
ARTIGOS 111 E 128, DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL, MACULANDO
AINDA O PRINCÍPIO DA RESERVA LEGAL – PRESENÇA DOS REQUISI-
TOS LEGAIS – RECLAMO, ADEMAIS, QUE NÃO OSTENTA FUNDADAS
RAZÕES PARA ABALAR A CONVICÇÃO SUMARIAMENTE FORMADA,
ANTE AS CIRCUNSTÂNCIAS DOS AUTOS – QUESTÕES MERITÓRIAS A
SEREM ENFRENTADAS OPORTUNAMENTE – RECURSO IMPROVIDO”
(Agravo Interno n.º 2236334-83.2021.8.26.0000; Rel. Des. Francisco Casconi;
j. 02/02/2022).
No mesmo sentido:
“Agravo interno – Decisão que concedeu liminar em ação direta de in-
constitucionalidade para suspender a eficácia os parágrafos 1º a 4º do artigo 86-A
da Lei Orgânica do Município de Bauru, na redação conferida pela emenda n.º
079 de 16.05.2016, que concede gratificação a servidor ocupante de cargo em co-
missão ou função de confiança que já tiver incorporado diferenças entre a remu-
neração do cargo efetivo de origem e àquela correspondente ao cargo em comis-
são ou função de confiança exercido. – Aparente violação aos artigos 111 e 128
da Carta Paulista – Apreciação dos pressupostos legais para a concessão da limi-
nar atrelada ao prudente arbítrio e livre convencimento do Relator – Inexistência
de elementos novos a fundamentar a reforma pretendida – Questões ventiladas
no recurso que dizem respeito ao mérito da ação – Razões recursais insuficientes
para alterar a posição perfilhada em juízo de cognição sumária – Ato judicial
mantido – Recurso improvido” (Agravo Interno n.º 2012018-19.2023.8.26.0000;
Rel. o signatário, j. 03/05/2023).
Paralelamente, cumpre destacar que apenas ao ensejo do julgamento é
que se terá uma posição definitiva sobre as questões jurídicas suscitadas na ini-
cial da ação direta e em eventuais informações a serem prestadas. Logo, os
temas relacionados ao próprio mérito da causa deverão aguardar a apreciação
751
quando do julgamento definitivo pelo Colegiado.
Há de ser mantido, portanto, o ato judicial combatido que concedeu a
liminar pleiteada.
Jurisprudência - Órgão Especial
Ante o exposto e por esses fundamentos, nego provimento ao agravo in-
terno.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo Regimental Cível nº
2096719-39.2025.8.26.0000/50000, da Comarca de São Paulo, em que é im-
petrante SINDICATO DOS FUNCIONÁRIOS E SERVIDORES PÚBLICOS
MUNICIPAIS DE LIMEIRA – SINDSEL, são impetrados MUNICÍPIO DE LI-
MEIRA e PREFEITO MUNICIPAL DE LIMEIRA.
ACORDAM, em Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo,
proferir a seguinte decisão: “NEGARAM PROVIMENTO AO AGRAVO IN-
TERNO. V.U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acór-
dão. (Voto nº 85150)
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FER-
NANDO TORRES GARCIA (Presidente sem voto), FÁBIO GOUVÊA, MA-
THEUS FONTES, RICARDO DIP, FIGUEIREDO GONÇALVES, GOMES
VARJÃO, ÁLVARO TORRES JÚNIOR, LUCIANA BRESCIANI, LUIS
FERNANDO NISHI, MARCIA DALLA DÉA BARONE, SILVIA ROCHA,
NUEVO CAMPOS, CARLOS MONNERAT, RENATO RANGEL DESINA-
NO, AFONSO FARO JR., JOSÉ CARLOS FERREIRA ALVES, MÁRIO DE-
VIENNE FERRAZ, LUIZ ANTONIO CARDOSO, BERETTA DA SILVEIRA,
XAVIER DE AQUINO, DAMIÃO COGAN, VICO MAÑAS e ADEMIR BE-
NEDITO.
São Paulo, 28 de maio de 2025.
CAMPOS MELLO, Relator
Ementa: AGRAVO INTERNO CONTRA DECISÃO
DO RELATOR QUE INDEFERIU REQUERIMEN-
TO DE LIMINAR. EIVA NA DECISÃO AGRAVADA
NÃO CONFIGURADA. DECISÃO MANTIDA. RE-
CURSO DESPROVIDO.
VOTO
Cuida-se de agravo interno voltado contra decisão a fls. 60 que, em man-
dado de segurança, indeferiu a liminar, consistente na suspensão da Portaria n.
798/2025 do Município de Limeira.
752
Alega em resumo que a decisão não pode subsistir, pois o Mandado de
Segurança não buscou impugnar o teor normativo da Portaria nº 798/2025, mas
a incompetência absoluta dos agravados em regulamentar o direito constitu-
cional de greve, por meio de ato infralegal. Sustenta afronta ao Princípio da
Jurisprudência - Órgão Especial
Reserva Legal (art. 9º, caput e §§ 1º e 2º, art. 37, caput e VII, da Constituição
Federal), às decisões do Supremo Tribunal Federal e ao Princípio da Separação
de Poderes. Pede a reforma.
É o relatório.
O recurso não comporta provimento.
A liminar foi indeferida pela decisão agravada, assim proferida:
“1. Trata-se de Mandado de Segurança impetrado pelo Sindicato dos
Funcionários e Servidores Públicos Municipais de Limeira contra ato prati-
cado pelo Prefeito do Município de Limeira. Alega o impetrante que a Por-
taria expedida é ato que violou o princípio da reserva legal, que inovou no
ordenamento jurídico e contrariou decisão proferida no processo n. 2085068-10.2025.8.26.0000. Nesse contexto, postula liminarmente a suspensão da alu-
dida Portaria.
Indefiro a liminar requerida, pois, em princípio, não há verossimilhança
do direito alegado. Em análise perfunctória da controvérsia, o que se constata
é que o impetrante impugna o teor normativo da Portaria n. 798/2025 do Mu-
nicípio de Limeira, hipótese em que, em tese, não caberia mandado de seguran-
ça consoante aplicação analógica da Súmula 266 do STF. Quanto ao suposto
descumprimento de decisão do Poder Judiciário, tampouco seria cabível, em
princípio, o mandado de segurança para o exame da questão.
2. Comunique-se à autoridade coatora, nos termos do art. 7º, I, da Lei
12.016/2009, solicitando-se as informações pertinentes, no prazo de 10 (dez)
dias. Além disso, dê-se ciência ao órgão de representação judicial da pessoa
jurídica interessada, nos termos do art. 7º, II, do mesmo diploma.
3. Após, remetam-se os autos à Procuradoria Geral de Justiça.”
Os fundamentos externados na decisão agravada subsistem íntegros.
Como dito, em princípio, não há verossimilhança do direito alegado, pois no
caso em tela não caberia mandado de segurança consoante aplicação analógica
da Súmula 266 do STF. Assim, o indeferimento da liminar foi escorreito.
Pelo exposto, nego provimento ao presente agravo interno.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo Interno Cível nº
2001214-21.2025.8.26.0000/50000, da Comarca de Piracicaba, em que é agra-
vante MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO e interessado
753
MM. JUIZ DE DIREITO DA 1ª VARA DA FAZENDA PÚBLICA DE PIRACI-
CABA, são agravados MUNICÍPIO DE PIRACICABA e SERVIÇO MUNICI-
PAL DE ÁGUA E ESGOTO DE PIRACICABA – SEMAE.
Jurisprudência - Órgão Especial
ACORDAM, em Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Pau-
lo, proferir a seguinte decisão: “NEGARAM PROVIMENTO AO AGRAVO.
V.U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. (Voto
nº 39.634)
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FER-
NANDO TORRES GARCIA (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA, XA-
VIER DE AQUINO, DAMIÃO COGAN, VICO MAÑAS, ADEMIR BENEDI-
TO, CAMPOS MELLO, FÁBIO GOUVÊA, MATHEUS FONTES, RICARDO
DIP, FIGUEIREDO GONÇALVES, GOMES VARJÃO, ÁLVARO TORRES
JÚNIOR, LUCIANA BRESCIANI, LUIS FERNANDO NISHI, MÁRCIA
DALLA DÉA BARONE, SILVIA ROCHA, NUEVO CAMPOS, CARLOS
MONNERAT, RENATO RANGEL DESINANO, AFONSO FARO JR., JOSÉ
CARLOS FERREIRA ALVES, MÁRIO DEVIENNE FERRAZ e LUIZ ANTO-
NIO CARDOSO.
São Paulo, 28 de maio de 2025.
FERNANDO TORRES GARCIA, Presidente e Relator
Ementa: DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO
INTERNO. SUSPENSÃO DE TUTELA DE URGÊN-
CIA. NEGADO PROVIMENTO. I. Caso em Exame
(1) O Ministério Público do Estado de São Paulo in-
terpôs agravo interno contra decisão que deferiu a
suspensão da tutela de urgência em ação civil pública,
alegando ausência de risco de grave lesão à ordem pú-
blica e existência de periculum in mora inverso devido
à poluição ambiental. II. Questão em Discussão (1) A
questão em discussão consiste em verificar se estão
presentes os pressupostos legais para a manutenção
da suspensão da tutela de urgência, considerando o
risco de lesão à ordem pública e o periculum in mora
inverso. III. Razões de Decidir (1) O agravante não
apresentou argumentos suficientes para afastar os
fundamentos da decisão recorrida, que considerou
configurados os pressupostos legais para a suspen-
são. (2) A decisão de suspensão foi baseada nas Leis
nº 12.016/2009, nº 9.494/1997 e nº 8.437/1992, que au-
torizam a suspensão para evitar grave lesão à ordem
pública, saúde, segurança e economia. IV. Dispositivo
754
e Tese (1) Nego provimento ao agravo interno. Tese
de julgamento: 1. A suspensão de tutela de urgência
é cabível quando configurado risco de grave lesão à
ordem pública. 2. O mérito do pedido de suspensão é
Jurisprudência - Órgão Especial
restrito à potencialidade lesiva dos atos decisórios em
face dos interesses públicos. Legislação Citada: Leis
nº 12.016/2009, nº 9.494/1997, nº 8.437/1992; Código
de Processo Civil, art. 1.008.
VOTO
Inconformado com o teor da decisão que deferiu o pedido de suspensão
da tutela de urgência concedida nos autos da ação civil pública nº 1028356-56.2024.8.26.0451, da 1ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Piracicaba, o
Ministério Público do Estado de São Paulo interpôs agravo interno.
Em síntese, o agravante sustenta que não se verifica o risco de grave lesão
à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas, mas, caso mantida a sus-
pensão da tutela, a existência de periculum in mora inverso, consubstanciado na
liberação da poluição ambiental por anos a fio.
Houve resposta (fls. 697/707).
É o relatório.
O agravo interno não comporta provimento.
Em suas razões, o agravante não apresentou argumentos suficientes ao
afastamento dos fundamentos da decisão recorrida, que considerou configura-
dos os pressupostos legais ao deferimento do pedido de suspensão dos efeitos da
decisão de primeiro grau de jurisdição.
De efeito, conforme fixado na decisão agravada, as Leis nº 12.016/2009,
nº 9.494/1997 e nº 8.437/1992, bases normativas do instituto da suspensão de
liminar, autorizam que a Presidência do Tribunal de Justiça, para evitar grave
lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas, suspenda a execu-
ção de decisões concessivas de segurança, de liminar ou de tutela antecipada,
proferidas pelos juízos de primeiro grau em detrimento das pessoas jurídicas de
direito público.
E, como medida de contracautela, a suspensão de liminar ou de sentença
pelo Presidente do Tribunal ostenta caráter excepcional e urgente, destinado a
resguardar a ordem, a saúde, a segurança e a economia públicas.
Nesse sentido, destituído de viés infringente, o pedido de suspensão de
decisão possui âmbito limitado de conhecimento do litígio. O mérito do pedido
de suspensão é restrito à apreciação do alegado rompimento da ordem pública
em decorrência da decisão, como instrumento de proteção ao interesse público.
Por isso o pedido foi analisado com base nas diretrizes normativas que
disciplinam as medidas de contracautela, dentre as quais não se inclui a apre-
755
ciação do mérito da ação em que proferida a decisão, limitada, portanto, aos
aspectos relacionados à potencialidade lesiva dos atos decisórios em face dos
interesses públicos assegurados em lei.
Jurisprudência - Órgão Especial
Era premente que a decisão proferida em primeiro grau de jurisdição ti-
vesse sua eficácia suspensa, uma vez que, à luz das razões de interesse públi-
co, ostentava periculum in mora inverso de densidade manifestamente superior
àquele que, aparentemente, animou o deferimento da medida postulada.
Assim, conforme consignado na decisão recorrida, de acordo com as
informações técnicas fornecidas pela própria autarquia municipal, a cessação
imediata do lançamento de resíduos e efluentes das ETAs Luiz de Queiroz I e II
no rio Piracicaba poderia acarretar a paralisação do tratamento em tais estações,
seguindo-se a interrupção do fornecimento de água tratada a aproximadamente
30% da população do Município de Piracicaba, incluindo hospitais e escolas.
Aliás, referido trabalho técnico sugeriu que as estações de tratamento em
tela são responsáveis pelo abastecimento de água a 179 bairros, loteamentos e
condomínios, com suas unidades de saúde e educacionais. E 121.838 pessoas
poderiam ser prejudicadas.
Assim, inequívoco o risco que emergia da situação delineada, mormente
em uma cidade com grande população e em estação caracterizada pelo expres-
sivo consumo de água.
Vale acrescentar que as indicadas medidas alternativas podem ser aplica-
das. De toda sorte, pelo menos nos limites destes autos, nada sugere que afasta-
riam o risco acima mencionado.
Destarte, presentes os requisitos legais, mostrou-se cabível a suspensão
da decisão, com observação de que os efeitos da suspensão prevalecem até o jul-
gamento provisório ou definitivo em segundo grau de jurisdição, ou seja, com o
pronunciamento colegiado do órgão fracionário exsurge o efeito substitutivo do
recurso, na forma do artigo 1.008 do Código de Processo Civil, a colocar termo
à eficácia da medida de contracautela deferida.
Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento ao agravo.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo Interno Cível nº
2008298-73.2025.8.26.0000/50002, da Comarca de São Paulo, em que é agra-
vante PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO,
são agravados PRESIDENTE DA CÂMARA MUNICIPAL DE COTIA e PRE-
FEITO DO MUNICÍPIO DE COTIA.
ACORDAM, em Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo,
proferir a seguinte decisão: “NEGARAM PROVIMENTO AO AGRAVO IN-
756
TERNO. V.U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acór-
dão. (Voto nº 57801)
Jurisprudência - Órgão Especial O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FER-
NANDO TORRES GARCIA (Presidente), LUCIANA BRESCIANI, LUIS
FERNANDO NISHI, MARCIA DALLA DÉA BARONE, SILVIA ROCHA,
NUEVO CAMPOS, CARLOS MONNERAT, RENATO RANGEL DESINA-
NO, AFONSO FARO JR., JOSÉ CARLOS FERREIRA ALVES, MÁRIO DE-
VIENNE FERRAZ, GRAVA BRAZIL, LUIZ ANTONIO CARDOSO, BERE-
TTA DA SILVEIRA, FRANCISCO LOUREIRO, DAMIÃO COGAN, VICO
MAÑAS, ADEMIR BENEDITO, CAMPOS MELLO, VIANNA COTRIM,
FÁBIO GOUVÊA, MATHEUS FONTES, FIGUEIREDO GONÇALVES e
GOMES VARJÃO.
São Paulo, 11 de junho de 2025.
ÁLVARO TORRES JÚNIOR, Relator
Ementa: RECURSO – Agravo interno – Admissibili-
dade – A existência de decisão colegiada em sede de
embargos de declaração não tem o condão de afas-
tar a necessidade de interposição do agravo interno,
porquanto este é o recurso apto a levar o órgão cole-
giado à apreciação da questão debatida nos autos –
Inteligência do art. 1.021, § 2º, do CPC – Precedentes
do STJ – O julgamento dos declaratórios pelo órgão
colegiado não pode suprimir o cabimento do agravo
interno contra a monocrática originária, ainda que
alterada com o acolhimento parcial dos embargos –
Agravo conhecido.
RECURSO – Agravo interno – Inconformismo con-
tra a decisão colegiada que deferiu a liminar para
suspensão, com efeitos “ex nunc” de leis municipais
a partir da data da decisão até o julgamento de ação
direta de inconstitucionalidade – A decisão que conce-
de a liminar, na ação direta de inconstitucionalidade,
tem efeito “ex nunc”, não alcançando período pretéri-
to – Precedentes do STF e deste Órgão Especial.
Agravo interno desprovido.
VOTO
1. Agravo interno contra o acórdão de relatoria do Des. Aroldo Viotti, que
acolheu os embargos de declaração do agravante e rejeitou os declaratórios do
agravado.
757
2.1. Este agravo interno comporta conhecimento, não obstante o julga-
mento dos embargos de declaração pelo órgão colegiado, pois (i) não houve a
conversão em agravo interno a que alude o art. 1.024, § 3º, do CPC e (ii) a ju-
Jurisprudência - Órgão Especial
risprudência do STJ é no sentido de que “a existência de decisão colegiada em
sede de embargos de declaração não tem o condão de afastar a necessidade de
interposição do agravo interno, porquanto este é o recurso apto a levar ao ór-
gão coletivo à apreciação da questão debatida nos autos, nos termos do artigo
1.021, § 2º, do CPC/15” (cf. AgInt no AREsp 1557971/SP).
Neste sentido:
“PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO
ESPECIAL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXIGIBILIDADE DE TÍTULO CUMU-
LADA COM COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS. APELAÇÃO. AUSÊNCIA
DE EXAURIMENTO DA INSTÂNCIA ORDINÁRIA. APLICAÇÃO, POR ANALO-
GIA, DA SÚMULA 281/STF. NECESSIDADE DE INTERPOSIÇÃO DO RECUR-
SO DO ART. 1.021 § 2º, DO CPC/15. 1. Ação declaratória de inexigibilidade de título
cumulada com compensação por danos morais. 2. Não se pode conhecer do recurso
especial interposto contra decisão monocrática, tendo em vista que não houve o neces-
sário esgotamento das instâncias ordinárias. Aplicação, por analogia, da Súmula 281
do STF. Precedentes. 3. A existência de decisão colegiada em sede de embargos de
declaração não tem o condão de afastar a necessidade de interposição do agravo
interno, porquanto este é o recurso apto a levar ao órgão coletivo à apreciação da
questão debatida nos autos, nos termos do artigo 1.021, § 2º, do CPC/15. 4. Agravo
interno no agravo em recurso especial não provido.” (cf. AgInt no AREsp 1557971/SP,
Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, j. 18-11-2019).
“PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. DIFERENÇAS DECORREN-
TES DA REVISÃO DE BENEFÍCIO PELA READEQUAÇÃO AOS TETOS DAS
ECS 20/1998 E 41/2003. RECURSO ESPECIAL CONTRA DECISÃO MONOCRÁ-
TICA. JULGAMENTO DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO PELO ÓRGÃO CO-
LEGIADO. INEXISTÊNCIA DO EXAURIMENTO DAS INSTÂNCIAS. SÚMULA
281/STF. !. A jurisprudência do STJ é firme no sentido de ser incabível a interposição de
Recurso Especial contra decisão singular, uma vez que não se encontram esgotadas as
instâncias ordinárias. 2. In casu, a Apelação foi decidida monocraticamente (fls. 54-58, e
STJ, do Expediente Avulso). Em seguida, foram apresentados Embargos de Declaração,
os quais foram apreciados pelo Colegiado local (fls. 210-215, e-STJ). Em 16.7.2018 o
ora agravante interpôs Recurso Especial (fls. 233-239, e-STJ). 3. Dessa maneira, o apelo
especial só teria cabimento se interposto após decisão colegiada, nos termos do artigo
105, III, da Constituição Federal, haja vista a necessidade do exaurimento da prestação
jurisdicional pelo órgão fracionário de tribunal (Súmula 281 do STF). 4. E ainda é
entendimento pacífico no STJ que os Embargos de Declaração opostos contra deci-
são monocrática, ainda que decididos pelo órgão colegiado do Tribunal a quo, não
exaurem a prestação jurisdicional pela instância ordinária. 5. Agravo Interno não
provido.” (cf. AgInt no AREsp 921.127/SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda
Turma, j. 03-10-2019).
758
“PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DE-
CLARAÇÃO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AUSÊNCIA DE EXAURI-
MENTO DA INSTÂNCIA ORDINÁRIA. APLICAÇÃO DA SÚMULA N. 281/STF.
FALTA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA N. 282/STF. DECISÃO MANTI-
Jurisprudência - Órgão Especial
DA. 1. Não se pode conhecer do recurso especial interposto contra decisão monocráti-
ca, tendo em vista que não houve o necessário esgotamento das instâncias ordinárias.
Aplicação, por analogia, da Súmula n. 281/STF. Precedentes. 2. ‘A existência de deci-
são colegiada em sede de embargos de declaração não tem o condão de afastar a
necessidade de interposição do agravo interno, porquanto este é o recurso apto a
levar ao órgão coletivo a apreciação da questão debatida nos autos nos termos do
artigo 1.021, § 2º, do CPC’ (AgInt no AREsp 1418179/PA, Rel. Ministra NANCY
ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 27/05/2019, DJe 29/05/2019). 3. A
simples indicação dos dispositivos legais tidos por violados, sem que o tema tenha sido
enfrentado pelo acórdão recorrido, obsta o conhecimento do recurso especial, por falta
de prequestionamento (Súmula n. 282/STF). 4. Agravo interno a que se nega provimen-
to.” (cf. AgInt nos EDcl no AREsp 1147166/PR, Rel. Ministro Antônio Carlos Ferreira,
Quarta Turma, j. 02-9-2019).
Logo, se o STJ entende ser o agravo interno o recurso apto a provocar a
manifestação do órgão colegiado, o julgamento dos declaratórios por tal órgão
não pode suprimir o cabimento do agravo interno contra a decisão monocrática
originária, ainda que alterada com o acolhimento parcial dos embargos.
2.2. O acórdão agravado foi assim fundamentado:
“Desse modo, o voto rejeita os embargos opostos pelo PREFEITO DO MUNI-
CÍPIO DE COTIA e acolhe parcialmente aqueles opostos pelo PROCURADOR GERAL
DE JUSTIÇA, para sanar a omissão do julgado, passando o ‘decisum’ embargado a
viger com o seguinte comando, no item ‘2’ da fl. 6150: “(...) defiro a medida liminar
requerida para suspender os efeitos das Leis Complementares nºs. 380/24 e 381/24,
ambas do Município de Cotia, e, por arrastamento, da Lei Complementar nº 325, de 16
de março de 2022 e da Lei Complementar nº 334, de 11 de agosto de 2022, da mesma
localidade, a partir desta data e até o julgamento da presente ação”. III. Pelo exposto,
acolhem parcialmente os embargos de declaração opostos pela parte autora para sanar
a omissão apontada e rejeitam os embargos opostos pelo requerido” (cf. fl. 32 do ED.
nº 2008298-73.2025.8.26.0000/5001).
O agravante insiste na necessidade de concessão de efeito “ex tunc” à
decisão que deferiu a liminar, ao fundamento de que “A suspensão cautelar de
sua validade opera em benefício do interesse público (evitando a consolidação
de edificação irregular), e mesmo em benefício dos particulares interessados
(se procedente a ação direta, não haveria, ou restaria diminuído, seu prejuízo
financeiro; se improcedente, poderão edificar regularmente no momento opor-
tuno). A não suspensão cautelar, de outro lado, opera em benefício – e ainda
imediato – apenas dos interessados, com sacrifício do interesse público diante
do caráter de irreversibilidade de certas situações consolidadas, como exposto
acima. Daí porque necessária a aplicação da excepcionalidade prevista na lei,
conferindo-se efeitos ex tunc à liminar deferida.” (cf. fl. 4)
759
Não é o caso.
Em sede de ação direta de inconstitucionalidade, a concessão de medida
liminar é, em regra, dotada de efeitos “ex nunc”, “salvo se o Tribunal entender
Jurisprudência - Órgão Especial
que deva conceder-lhe eficácia retroativa”, conforme § 1º do art. 11 da Lei nº
9.868, de 10-11-1999.
Diz a doutrina:
“‘A decisão que concede a liminar, na ação direta de inconstitucionalidade,
tem efeito ex nunc, vale dizer, não tem efeito retroativo’ (RTJ 161/438), sua eficácia
opera-se, portanto, ‘a partir do momento em que o STF a defere’ (RTJ 124/80);
melhor esclarecendo, em ação direta de inconstitucionalidade, ‘a decisão, em julga-
mento de liminar, é válida a partir da data da publicação no Diário da Justiça da ata da
sessão de julgamento’ (STF-Pleno, Rcl 2.576-4, Min. Ellen Gracie, j. 23.6.04, um voto
vencido, DJU 20.8.04).” (cf. Theotônio Negrão, Código de Processo Civil e Legislação
Processual em Vigor, Ed. Saraiva 45ª ed. 2013, art. 11 da Lei nº 9.868, de 10.11.99, nota
3, p. 1.323).
A propósito, no referendo à medida cautelar na ADI nº 4.843/PB, o STF
decidiu que a jurisprudência “firmou-se no sentido de definir como início da
eficácia do provimento cautelar concedido em processo de controle normativo
abstrato o momento em que formalmente divulgada, no órgão de publicações
oficiais (DJU), a ata correspondente à sessão de julgamento em que deferida a
suspensão cautelar da aplicabilidade e execução dos atos estatais questiona-
dos no âmbito das ações diretas de inconstitucionalidade” (STF, Pleno, ADI
4.843-MCED-Ref/PB, Rel. Ministro Celso de Mello, j. 11-12-2014, DJe 19-02-
2015).
Também é o entendimento deste Órgão Especial:
“AGRAVO REGIMENTAL Monocrática deferindo liminar para suspender a va-
lidade, em Ação Direta de Inconstitucionalidade, de expressões constantes dos arts. 1º e
3º e, na integralidade, de seus §§ 2º e 3º, da Lei Municipal nº 5.323, de 26.12.05. Nor-
ma dispondo sobre concessão de vale compra a servidores aposentados e pensionistas.
Liminar. Efeito ex nunc, sem retroação. Ficam vedadas novas concessões do bene-
fício, bem como a continuidade do seu pagamento aos que já o recebiam. Recurso
não provido” (cf. ARg. nº 2.010.315-34.2015.8.26.0000/50000, Rel. Des. Evaristo dos
Santos, j. 25-02-2015).
Prevalece, assim, ao menos no período anterior ao da suspensão da efi-
cácia das leis impugnadas, a presunção de constitucionalidade inerente a toda e
qualquer lei ou ato normativo.
3. Posto isso, o meu voto nega provimento a este agravo interno.
760
Arguições de Inconstitucionalidade
ACÓRDÃO
Jurisprudência - Órgão Especial
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Incidente de Arguição de In-
constitucionalidade Cível nº 0003656-91.2025.8.26.0000, da Comarca de Ara-
raquara, em que é suscitante 7ª CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO DO TRI-
BUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO.
ACORDAM, em Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo,
proferir a seguinte decisão: “ACOLHERAM A ARGUIÇÃO. V.U.”, de confor-
midade com o voto do relator, que integra este acórdão. (Voto nº 0081)
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FER-
NANDO TORRES GARCIA (Presidente), JOSÉ CARLOS FERREIRA AL-
VES, ÁLVARO TORRES JÚNIOR, GERALDO WOHLERS, BERETTA DA
SILVEIRA, FRANCISCO LOUREIRO, DAMIÃO COGAN, VICO MAÑAS,
ADEMIR BENEDITO, CAMPOS MELLO, VIANNA COTRIM, FÁBIO
GOUVÊA, AROLDO VIOTTI, RICARDO DIP, FIGUEIREDO GONÇALVES,
GOMES VARJÃO, LUCIANA BRESCIANI, LUIS FERNANDO NISHI, JAR-
BAS GOMES, MARCIA DALLA DÉA BARONE, SILVIA ROCHA, NUEVO
CAMPOS, CARLOS MONNERAT e RENATO RANGEL DESINANO.
São Paulo, 7 de maio de 2025.
AFONSO FARO JR., Relator
Ementa: ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONA-
LIDADE – Arts. 5º e 9º da Lei nº 8.318/14, do Mu-
nicípio de Araraquara – Previsão de pagamento de
gratificação a servidores públicos municipais sem
estabelecimento de critérios objetivos – Delegação da
regulamentação da premiação ao Poder Executivo –
Violação do princípio de reserva de lei, art. 37, X, da
Constituição Federal, e art. 144 da Constituição Esta-
dual – Ausência de observância ao interesse público e
às exigências do serviço, em desacordo ao art. 128 da
Constituição Estadual – Precedentes deste C. Órgão
Especial – Inconstitucionalidade reconhecida.
INCIDENTE ACOLHIDO.
VOTO
Vistos.
Trata-se de arguição de inconstitucionalidade suscitada pela C. 7ª Câmara
761
de Direito Público nos autos da apelação nº 0009323-15.2023.8.26.0037, recur-
so este interposto contra sentença proferida em reclamação trabalhista ajuizada
por Selma Cristina Rodrigues de Oliveira.
Jurisprudência - Órgão Especial
Segundo o relatório da sentença, a autora ajuizou a ação “alegando que,
em 02 de outubro de 2014, o Município instituiu o Programa Nota Fiscal Arara-
quarense por meio da Lei nº 8.318/2014, estipulando em favor dos servidores lá
mencionados gratificação pecuniária, cujo valor foi estabelecido pela Portaria
Municipal nº 24.365/2016. Que referida gratificação foi paga à parte autora
de julho/2016 a abril/2018, sendo o pagamento suspenso a partir de maio para
fins de auditoria. Ocorre que o pagamento não foi retomado, violando o di-
reito do servidor. Pleiteia, assim, a condenação da parte ré para implementar
novamente a gratificação nos vencimentos da requerente, com o pagamento
das parcelas vencidas desde a suspensão” (fls. 943). A r. sentença julgou im-
procedente o pedido, tendo em vista que “a Lei nº 8.318/2014, que instituiu o
‘Programa Nota Fiscal Araraquarense’ criou, em seu art. 5º, a gratificação
vinculada ao referido programa; entretanto, a norma não dispõe de nenhum
elemento objetivo para aferir o valor da prestação pecuniária, revelando, dessa
forma, a necessidade de regulamentação, conforme, aliás, consubstanciado nos
artigos 6º e 9º da mesma lei” e, ainda, “que a regulamentação dos critérios de
pagamento da gratificação deveriam ter sido criadas por lei específica, e não
por portaria” (fls. 944).
Interposto recurso de apelação (fls. 951/966), este foi distribuído à C.
7ª Câmara de Direito Público que, por acórdão de fls. 976/983, entendeu que
“há indícios de inconstitucionalidade dos artigos 5º e 9º da Lei Municipal nº
8.318/2014, que aparentemente violam o artigo 37, X, da Constituição Federal
e os artigos 111 e 128 da Constituição Estadual” e suscitou o presente incidente
(fls. 983).
O Presidente da Câmara Municipal de Araraquara manifestou-se pela
improcedência da arguição de inconstitucionalidade e, em caráter subsidiário,
pelo reconhecimento da irrepetibilidade dos valores recebidos de boa-fé (fls.
993/999).
O Prefeito do Município de Araraquara manifestou-se às fls. 1.001/1.006
pela improcedência do pedido de declaração de inconstitucionalidade, pois foi
observado o devido processo legislativo, não podendo haver ingerência do Po-
der Judiciário na função administrativa do município de se auto-organizar.
A D. Procuradoria-Geral de Justiça opinou pelo reconhecimento da in-
constitucionalidade dos arts. 5º e 9º da lei em apreço (fls. 1.055/1.058).
É o relatório.
Como visto, a C. 7ª Câmara de Direito Público identificou indícios de
inconstitucionalidade nos arts. 5º e 9º da Lei nº 8.318/14, do Município de Ara-
762
raquara, que violariam o art. 37, inc. X1, da Constituição Federal, e os arts. 1112
e 1283 da Constituição Estadual.
Jurisprudência - Órgão Especial Assim dispõe a lei objeto da presente arguição de inconstitucionalidade,
com destaque para os arts. 5º e 9º:
“LEI MUNICIPAL Nº 8.318, DE 2 DE OUTUBRO DE 2014
Institui o Programa ‘Nota Fiscal Araraquarense’, com o objetivo de estimular a
cidadania fiscal e incentivar o Programa de Arrecadação Tributária do Municí-
pio. Dispõe ainda sobre a criação do sistema de premiação para tomadores de
serviços sujeitos ao Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza - ISSQN.
O Prefeito do Município de Araraquara, Estado de São Paulo, no exercício de
suas atribuições legais, e de acordo com o que aprovou a Câmara Municipal, em
sessão ordinária de 30 de setembro de 2014, promulga a seguinte lei:
Art. 1º Fica instituído o Programa Nota Fiscal Araraquarense, que permitirá a
premiação para os cidadãos que solicitarem a Nota Fiscal de Serviços Eletrônica
- NFS-e.
Art. 2º A premiação se dará através de sorteios dos cupons gerados eletronica-
mente aos tomadores de serviços que solicitarem Nota Fiscal de Serviços Ele-
trônica – NFS-e de serviços prestados no Município de Araraquara e que estive-
rem devidamente identificados na Nota Fiscal emitida.
Art. 3º Para participação nos sorteios de prêmios do Programa Nota Fiscal Arara-
quarense o tomador de serviços, identificado na Nota Fiscal de Serviços Eletrôni-
ca - NFS-e deverá providenciar seu cadastro, em local próprio no sítio eletrônico
www.araraquara.sp.gov.br da Prefeitura Municipal, uma única vez.
§ 1º O Imposto Sobre Serviços de qualquer Natureza - ISSQN correspondente
à Nota Fiscal de Serviços Eletrônica - NFS-e, deverá estar devidamente quitado
por ocasião do sorteio, para que ocorra a geração do cupom ao tomador dos
serviços identificado na Nota emitida.
§ 2º São tomadores de serviços, beneficiados por essa lei, somente as pessoas
físicas, residentes ou não na cidade de Araraquara, cadastradas no site citado no
caput deste artigo.
§ 3º Não farão jus à participação em sorteios o Chefe do Executivo, Vice-Prefeito,
Secretários das pastas da administração municipal, bem como os servidores
municipais lotados na Coordenadoria Executiva de Planejamento, da Secretaria
Municipal de Planejamento e Participação Popular; na Coordenadoria Executiva
de Administração Tributária; na Coordenadoria Executiva de Consolidação da
Dívida Ativa e na Coordenadoria Executiva Financeira, da Secretaria Municipal
de Gestão e Finanças; e na Controladoria Geral do Município.
§ 4º Para o tomador de serviços sorteado receber a premiação, não poderá possuir
débitos tributários ou não, com o Município de Araraquara, excetuando-se as
1 X – a remuneração dos servidores públicos e o subsídio de que trata o § 4º do art. 39 somente
poderão ser fixados ou alterados por lei específica, observada a iniciativa privativa em cada caso, assegurada
revisão geral anual, sempre na mesma data e sem distinção de índices;
2 Art. 111 – A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do
Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, fina-
lidade, motivação, interesse público e eficiência.
3 Art. 128 – As vantagens de qualquer natureza só poderão ser instituídas por lei e quando atendam
efetivamente ao interesse público e às exigências do serviço.
763
situações de exigibilidade suspensa, nos termos da legislação tributária.
Art. 4º Cabe à Secretaria Municipal de Gestão e Finanças, à Secretaria Municipal
de Planejamento e Participação Popular e à Controladoria Geral do Município
de Araraquara a fiscalização dos atos de realização dos sorteios e seus desdobra-
Jurisprudência - Órgão Especial
mentos, devendo, dentre outras providências, suspender ou cancelar a realização
dos mesmos, quando houver indícios de irregularidades.
Art. 5º Com a implantação do ‘Programa’, os servidores efetivos lotados
na Coordenadoria Executiva de Planejamento, da Secretaria Municipal
de Planejamento e Participação Popular; na Coordenadoria Executiva de
Administração Tributária, na Coordenadoria Executiva de Consolidação
da Dívida Ativa e na Coordenadoria Executiva Financeira, da Secretaria
Municipal de Gestão e Finanças; e na Controladoria Geral do Município
receberão um incentivo a título de gratificação pecuniária sobre seus ven-
cimentos.
Art. 6º Cabe ao Poder Executivo a divulgação detalhada do programa, além de
implementação de campanha que incentive a cidadania fiscal, esclarecendo e
orientando a população sobre o direito e o dever de exigir notas fiscais.
Art. 7º Os prestadores de serviços ficam obrigados a fixar cartazes orientadores,
fornecidos pelo Município, em local visível de seus estabelecimentos, esclare-
cendo a população sobre a necessidade de se exigir notas fiscais de prestação de
serviços.
Art. 8º Fica instituída a ‘Comissão Especial da Nota Fiscal Araraquarense’, a ser
nomeada por Decreto do Executivo, com o objetivo de acompanhamento e con-
trole do ‘Programa Nota Fiscal Araraquarense’, que deverá, obrigatoriamente,
ser composta por membros do Poder Público e representantes de entidades de
classe.
Art. 9º O Poder Executivo regulamentará a premiação e demais normas do
‘Programa’ por meio de Decreto.
Art. 10. As dotações orçamentárias para execução desta lei estarão previstas na
LOA-2015, a cada ano consecutivamente, compatibilizadas nas demais peças
orçamentárias.
Art. 11. Esta lei entrará em vigor a partir de 1º janeiro de 2015.” (fls. 109/110,
g.n.)
Por sua vez, o Decreto Municipal nº 10.882, de 15/04/15, regulamentou
o Programa Nota Fiscal Araraquarense, definiu critérios para participação nos
sorteios, nomeou a comissão organizadora e estabeleceu os meses em que se-
riam realizados os sorteios: agosto de 2015 (1º sorteio), novembro de 2015 (2º
sorteio), dezembro de 2015 (3º sorteio) e janeiro de 2016 (4º sorteio).
Posteriormente, o Decreto nº 11.125, de 18/03/16, alterou a data do 4º
sorteio para março de 2016. E o Decreto nº 11.184, de 27/06/16, assim estipulou:
“Art. 1º O artigo 11 do Decreto 11.125, de 16 de março de 2016, que
alterou o Decreto 10.882, de 15 de abril de 2015, passa a vigorar com a
seguinte redação:
‘Art. 11. O Poder Executivo realizará sorteios previstos para as seguintes
764
datas:
1º Sorteio: Agosto de 2016 – “Aniversário da Cidade” - cupons regis-
trados e gerados eletronicamente entre abril e julho de 2016; 2º Sorteio:
Dezembro de 2016 – “Especial de Natal” - cupons registrados e gerados
Jurisprudência - Órgão Especial
eletronicamente entre abril e dezembro de 2016.
Parágrafo único. As datas de sorteio, quantidade de sorteados e valores a
premiar serão determinados pelo titular da Secretaria da Fazenda Muni-
cipal.
Art. 2º Fica regulamentada a gratificação pecuniária devida aos ser-
vidores em efetivo exercício na Secretaria da Fazenda Municipal,
conforme previsto no artigo 5º da Lei nº 8318/2014, a ser paga men-
salmente, cuja normatização e parametrização será determinada por
Portaria específica exarada pelo Prefeito Municipal ou pelo titular da
Secretaria da Fazenda Municipal.” (g.n.)
De seu turno, a Portaria nº 24.365, de 01/06/16, do Prefeito Municipal
(fls. 115/118), nomeou comissão, estabeleceu os valores dos prêmios a serem
sorteados à população e, quanto à gratificação dos servidores, assim dispôs:
“XIII – De acordo com o art. 5º da Lei nº 8318/2014 e o art. 2º do Decreto 11.184
de 27 de junho de 2016, os servidores em efetivo exercício na Secretaria da
Fazenda Municipal, desde que não participe de outro tipo de gratificação, terão
direito a seguinte forma de pontuação e respectivo valor de remuneração:
Pontos alcançados no mês Quantidade de UFM
100 01
200 02
300 03
400 04
500 05
600 06
700 07
800 08
900 09
Acima de 1.000 10
XIV – As planilhas com os parâmetros de pontuação por atividade realiza-
da será composta pelas gerências contempladas, submetidas aos respecti-
vos Coordenadores Executivos e posteriormente ao titular da Secretaria da
Fazenda Municipal para validação de critérios e valoração, considerando-
se que a avaliação será individual e coletiva dentro de cada gerência.” (fls.
117/118, g.n.)
Por fim, a Portaria nº 01/18, de 30/05/18, do Secretário Municipal de Ges-
765
tão de Finanças, suspendeu o pagamento das gratificações e determinou apura-
ção do desempenho dos servidores que as perceberam no período de janeiro de
2017 a maio de 2018.
Jurisprudência - Órgão Especial
Pois bem.
Das disposições transcritas, infere-se que a Lei Municipal nº 8.318/14
não estabeleceu critérios objetivos para o pagamento da gratificação pecuniária
a seus servidores, conforme se verifica em seu art. 5º, delegando ao Poder Exe-
cutivo a regulamentação da premiação (art. 9º).
Segundo o disposto no inc. X do art. 37 da Constituição Federal, a remu-
neração dos servidores públicos somente pode ser fixada ou alterada por lei. E
conforme o art. 1444 da Constituição do Estado de São Paulo, os Municípios de-
verão observar os princípios estabelecidos tanto na Constituição Federal, quanto
na Constituição Estadual.
Sendo assim, os arts. 5º e 9º da lei em comento não poderiam delegar a
decretos e portarias a definição de balizas para o pagamento de referida gratifi-
cação aos servidores municipais. Além disso, nem mesmo o decreto e a portaria
acima transcritos estabeleceram parâmetros para obtenção de pontuação e res-
pectivo recebimento da gratificação, deixando a critério de cada gerência.
Outrossim, não se verifica, em referidas normas, observância ao interesse
público e às exigências do serviço, em desacordo ao art. 128 da Constituição
Estadual, que estabelece que “as vantagens de qualquer natureza só poderão
ser instituídas por lei e quando atendam efetivamente ao interesse público e às
exigências do serviço”.
Patente, portanto, a inconstitucionalidade dos arts. 5º e 9º da Lei Munici-
pal nº 8.318/14, do Município de Araraquara.
Na mesma esteira, o parecer da D. Procuradoria-Geral de Justiça:
“Examinando-se os dispositivos, nota-se que instituíram uma vantagem remune-
ratória, porém não de forma completa, já que trouxeram previsão no sentido de
que ato normativo secundária – decreto do Poder Executivo – fixaria os critérios
e até mesmo o seu valor.
De fato, as normas possibilitam a fixação de gratificação em quantum variável
pelo Chefe do Poder Executivo, a violar a reserva legal, por versar a normativa
sobre remuneração, vulnerando, ainda, o postulado da separação de poderes.
Ademais, viabiliza a estipulação de gratificação em valores diferentes para servi-
dores que exercem a mesma função, em agravo à moralidade.
Comprovada, pois, a ofensa ao disposto nos arts. 5º, 24, § 2º, 1, e 111 da Cons-
tituição Estadual.
Face ao exposto, opino pelo reconhecimento da inconstitucionalidade dos arts. 5º
e 9º da lei em apreço.” (fls. 1.057)
Assim já decidiu este C. Órgão Especial em casos semelhantes:
4 Art. 144 – Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se
auto-organizarão por Lei Orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta
Constituição.
766
“Arguição de Inconstitucionalidade. Acolhimento. Lei Complementar n. 82/2009
do município de Turiúba. Fixação de gratificações por portaria do Prefeito, adota-
das a critério deste frações que podem variar de 5 a 50%. Afronta à separação de
poderes. Desatendimento dos critérios de moralidade, eficiência e razoabilidade.
Jurisprudência - Órgão Especial
Violação dos artigos 5º; 24, § 2º, n. 1; 111; 128 e 144 da Constituição Estadual.
Incidente de arguição provido.” (Incidente de arguição de inconstitucionalidade
nº 0001913-51.2022.8.26.0000; Relator Roberto Solimene; j. 06/04/22)
“INCIDENTE DE ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. 1) Por-
tarias nº 377/97, 587/97, 187/98, 191/98, 113/00 do Município de Itapira, que
dispõem sobre a concessão de gratificação e seu valor a servidores municipais.
Dispositivos que cuidam de matéria referente à remuneração de servidor pú-
blico e que, portanto, está submetida à reserva de lei formal. Vedada, assim,
a sua disciplina por meio de Portaria. Violação ao art. 37, X da Constituição
Federal; 2) Leis Municipais nº 3.125/99, 3.598/04 e 3.587/03 (art. 2º). Con-
cessão de gratificação e estabelecimento de sua remuneração sem critérios
objetivos e por discricionariedade do Chefe do Poder Executivo. Inconstitu-
cionalidade reconhecida. Violação aos princípios da razoabilidade, morali-
dade, legalidade e interesse público. Normas instituídas com o objetivo único
de beneficiar determinados servidores públicos, o que também viola o princípio
da impessoalidade. Afronta aos artigos 111, 128 e 144 da Constituição Paulista.
Arguição acolhida.” (Incidente de arguição de inconstitucionalidade nº 0021895-56.2019.8.26.0000; Relatora Cristina Zucchi; j. 30/09/20, g.n.)
Destarte, inegável que a gratificação arbitrada por critério exclusivo do
chefe do Poder Executivo, bem como de seus secretários e gerentes, e, portanto,
sem a especificação por lei das atividades e de critérios objetivos, é inconstitu-
cional, conferindo aumento indireto de remuneração, alheio aos parâmetros de
razoabilidade, moralidade, impessoalidade, interesse público e necessidade do
serviço, princípios que devem nortear a concessão de vantagens pecuniárias aos
servidores públicos.
De rigor, pois, o reconhecimento da inconstitucionalidade dos arts. 5º e
9º, da Lei Municipal nº 8.318/14, do Município de Araraquara.
Por fim, quanto ao pedido subsidiário do Presidente da Câmara Municipal
de Araraquara a respeito da irrepetibilidade dos valores recebidos de boa-fé, a
ressalva não se aplica ao caso concreto (controle difuso de constitucionalidade
em ação para proteção de direito individual).
Ante o exposto, acolhe-se a arguição para declarar a inconstitucionalida-
de dos arts. 5º e 9º da Lei nº 8.318/14, do Município de Araraquara, determinan-
do-se o retorno dos autos à Câmara suscitante.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Incidente de Arguição de In-
767
constitucionalidade Cível nº 0005374-26.2025.8.26.0000, da Comarca de Ja-
careí, em que é suscitante 1ª CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO DO TRIBU-
NAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO.
Jurisprudência - Órgão Especial
ACORDAM, em Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo,
proferir a seguinte decisão: “ACOLHERAM A ARGUIÇÃO. V.U.”, de confor-
midade com o voto do Relator, que integra este acórdão. (Voto nº 56057)
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FER-
NANDO TORRES GARCIA (Presidente), CAMPOS MELLO, MATHEUS
FONTES, RICARDO DIP, FIGUEIREDO GONÇALVES, GOMES VARJÃO,
ÁLVARO TORRES JÚNIOR, LUCIANA BRESCIANI, LUIS FERNANDO
NISHI, JARBAS GOMES, MARCIA DALLA DÉA BARONE, SILVIA RO-
CHA, NUEVO CAMPOS, RENATO RANGEL DESINANO, AFONSO FARO
JR., JOSÉ CARLOS FERREIRA ALVES, LUIS SOARES DE MELLO, LUIZ
EURICO, GERALDO WOHLERS, PAULO ALCIDES, BERETTA DA SIL-
VEIRA, FRANCISCO LOUREIRO, DAMIÃO COGAN e VICO MAÑAS.
São Paulo, 21 de maio de 2025.
ADEMIR BENEDITO, Relator
Ementa: INCIDENTE DE ARGUIÇÃO DE IN-
CONSTITUCIONALIDADE. ART. 82 DA LEI MU-
NICIPAL Nº 59.937/2021, E ARTS. 41 E 42 DA LEI
MUNICIPAL Nº 6.155/2017, AMBAS DE JACAREÍ.
DIREITO URBANÍSTICO. Normas que disciplinam
a destinação para área dominial de 2% da área total
da gleba loteada como “área de interesse social” a tí-
tulo de doação para o Município. Invasão de compe-
tência. Competência privativa da União para legislar
sobre normas gerais de Direito Urbanístico e suple-
mentar do Município nos termos do art. 24, I, § 1º da
CF. Doação de percentual de lotes particulares para
compor áreas dominiais. Inadmissibilidade. Confisco
da propriedade privada sem prévia e justa indeniza-
ção. Violação ao art. 5º, XXII e XXIV, da CF. Incons-
titucionalidade reconhecida. Incidente acolhido, com
determinação.
VOTO
Trata-se de incidente de inconstitucionalidade de lei, suscitado pela C.
1ª Câmara de Direito Público deste E. Tribunal de Justiça, no julgamento de
recurso de apelação de sentença de procedência de ação anulatória de doação
compulsória ajuizada por Norsul Empreendimentos de Administração Ltda. em
768
face do Município de Jacareí.
A controvérsia cinge-se quanto à necessidade de serem os autos remeti-
dos ao Egrégio Órgão Especial, para a apreciação da inconstitucionalidade do
artigo 82 da Lei Municipal nº 59.937/2021, bem como dos artigos 41 e 42 da Lei
Jurisprudência - Órgão Especial
Municipal nº 6.155/2017, que disciplinam a obrigatoriedade de transferência de
lotes urbanos à Prefeitura de Jacareí, como contraprestação à regularização do
loteamento, em contrariedade ao disposto na Lei nº 6.766/1979 e no artigo 24,
I, da Carta Magna.
As partes se manifestaram (fls. 259/260 e 256/282) e a Procuradoria Geral
de Justiça opinou pelo acolhimento do presente incidente (fls. 287/299).
É o relatório.
Acolhe-se o presente incidente.
No Acórdão prolatado a fls. 246/252, a Colenda Câmara suscitante assen-
tou que “...A questão diz respeito às condições legais especificadas no art. 82
da Lei Municipal nº 59.937/2021 (Lei de Uso do Solo do Município de Jacareí)
e arts. 41 e 42 da Lei Municipal nº 6.155/2017 (que estabeleceu a estrutura
administrativa, os cargos de provimento em comissão, as competências, as fun-
ções gratificadas da Fundação Pró-Lar de Jacareí), in verbis:
‘Art. 82. Todo loteamento habitacional é obrigado a transferir à
entidade pública municipal responsável pela política habitacional do
Município o percentual de 2% (dois por cento) da área dos lotes ou valor
equivalente conforme previsto na Lei nº 4.796/04, para fins de implanta-
ção de programas habitacionais de interesse social
Art. 41. O Patrimônio da Fundação Pró-Lar de Jacareí é consti-
tuído por:
I – bens imóveis, móveis e direitos;
II – 2% (dois por cento) dos lotes em todo e qualquer loteamento
aprovado no Município.
Art. 42. Fica facultado ao loteador, desde que previamente aprova-
do pela Presidência ou no Plano Local de Habitação de Interesse Social
– PLHIS, cumprir a obrigação de repasse de 2% (dois por cento) dos
lotes previsto no inciso II do art. 41 desta Lei, das seguintes formas:
I – pagamento em pecúnia, em valor equivalente ao dos lotes que
seriam repassados, conforme Laudo de Avaliação Oficial;
II – transferência de lotes de mesmo valor situados em outros lo-
teamentos;
III – repasse de outros imóveis, edificados ou não, de valor equiva-
lente ao dos lotes que seriam transferidos;
IV – entrega de unidades construídas no empreendimento a ser
loteado no valor equivalente ao dos lotes que seriam repassados em pe-
cúnia, conforme Laudo de Avaliação Oficial;
769
V – construção de unidades habitacionais de interesse social em
imóvel de propriedade desta Fundação no valor equivalente ao dos lotes
que seriam repassados em pecúnia, conforme Laudo de Avaliação Ofi-
Jurisprudência - Órgão Especial
cial;
VI – realização pelo loteador de obras de infraestrutura, drenagem
e pavimentação em bairro que esta Fundação indicar, no valor equiva-
lente ao dos lotes que seriam repassados em pecúnia, conforme Laudo de
Avaliação Oficial.’
Como se vê, tais normas impõem a destinação de parte de loteamento
para composição do patrimônio do ente público municipal e da Fundação Pró
-Lar de Jacareí como contraprestação à regularização de loteamento.
A concessão da licença está, portanto, condicionada a doação obrigató-
ria de área, a qual, ao que consta, não está vinculada a finalidade urbanística
prevista no plano diretor ou em lei municipal específica para aquela zona (nos
termos do art. 4º, I e para 2º, da Lei nº 6.766/79), em desacordo com referida
lei federal.
A legislação municipal apresenta, em princípio, inconstitucionalidade
sob o aspecto formal, na medida em que amplia os requisitos definidos na Lei de
Parcelamento do Solo Urbano (Lei 9.766/1979), sem observar suas exigências,
mais precisamente no tocante às condições para aprovação de projetos de par-
celamento do solo, o que acaba por avançar sobre a competência concorrente
da União, dos Estados e do Distrito Federal para legislar sobre direito urba-
nístico (art. 24, I, da CF), não se verificando, no caso, especificidade (interesse
local) capaz de justificar eventual competência suplementar da Municipalidade
para tanto (art. 30, I e II, da CF). (...)”
Tendo sido suspenso o processo e determinada a remessa dos autos para
este Órgão Especial, a fim de ser analisada a (in)constitucionalidade do artigo
82 da Lei Municipal nº 59.937/2021, bem como dos artigos 41 e 42 da Lei Mu-
nicipal nº 6.155/2017, ambas do Município de Jacareí.
Embora aos Municípios seja atribuída autonomia para legislar e se au-
toadministrar, somente pode se dar nos limites das Constituições Estadual e
Federal, conforme art. 30, I e II, da Constituição Federal e art. 144, da Consti-
tuição Estadual.
E a Constituição Federal estabelece no art. 24, I, § 1º, que compete à
União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre Direito
Urbanístico, cabendo à União estabelecer as normas gerais.
O Município de Jacareí, como bem apontado pela C. Câmara suscitante e
no parecer da D. Procuradoria Geral de Justiça, desbordou de sua competência
legislativa suplementar (art. 30, I, CF) ao elaborar norma que afronta diretamen-
te a Lei Federal nº 6.766/79 que trata sobre norma geral de Direito Urbanístico
e dispõe sobre o parcelamento do solo urbano.
770
Os arts. 4º e 5º, da Lei Federal nº 6.766/79 estabelecem quais os requisi-
tos que os loteamentos deverão atender, não restando disciplinado a destinação
de áreas dominiais, mas sim, de áreas públicas reservadas para a instalação de
equipamento urbano e comunitário, bem como a espaços livres de uso público.
Jurisprudência - Órgão Especial
Assim, a Municipalidade só poderá exigir em cada loteamento, reserva de
faixa non aedificandi destinada a equipamentos urbanos, como abastecimento
de água, serviços de esgotos, energia elétrica, coletas de águas pluviais, rede te-
lefônica e gás canalizado, nos termos do art. 5º e parágrafo único da Lei Federal
n. 6.766/79.
Sendo assim, não cabe ao Município exigir que 2% da área total do Lo-
teamento empreendido pela Norsul Empreendimentos e Administração Ltda
seja destinada para o interesse social, o que extrapola a competência legislativa
suplementar, eis que a reserva de 2% dos lotes para serem afetados ao uso domi-
nical destinados para “área de interesse social” não se confunde com reserva de
áreas non edificandi destinada a equipamentos urbanos.
O Município de Jacareí impôs, ainda, a transferência de bens (a título de
doação) como condição para aprovação do loteamento, afrontando ao disposto
no art. 5º, XXII e XXIV, da Constituição Federal, que protege o direito de pro-
priedade e se revela como verdadeiro confisco da propriedade privada, vez que
não há previsão de justa e prévia indenização na legislação municipal.
A transferência compulsória de domínio deve se dar mediante desapro-
priação, nos termos do art. 182, §§ 2º, 3º e 4º, III, da Constituição Federal. O
confisco, portanto, é repelido pela Carta Magna como forma de garantia do di-
reito de propriedade. Sua perda, por ato da Administração, deve se dar mediante
a desapropriação para não se recair em injusta apropriação municipal.
E embora qualificada como doação, o certo é que não se verifica as ca-
racterísticas desse ato jurídico como previsto no Código Civil, “em que uma
pessoa, por liberalidade, transfere do seu patrimônio bens ou vantagens para o
de outra” (art. 538). Ausente o animus donandi, qual seja, a vontade de efetuar
liberalidade.
Na espécie, não há manifestação válida na vontade de praticar liberalida-
de porque a doação de 2% da gleba loteada do Loteamento empreendido pela
Norsul Empreendimentos e Administração Ltda é cogentemente imposta como
condição para aprovação de loteamento.
Veja-se os seguintes precedentes deste C. Órgão Especial:
“INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE. Art. 215, inciso IV,
da LCM nº 355/2006 do Município de Catanduva, que ‘Institui o Plano Diretor
Participativo, a Lei de Uso e Ocupação do Solo e a Lei de Parcelamento do
Solo do Município de Catanduva e dá outras providências’. Dispositivo que
condiciona a aprovação de loteamento à doação de 5% da área total do em-
preendimento a título de ‘áreas de habitação de interesse social’. Ampliação das
771
restrições constantes da legislação nacional em desbordamento da competên-
cia do Município para legislar sobre assuntos locais, além de ferir o direito de
propriedade previsto no artigo 5º, XXII da Carta da República, de observância
Jurisprudência - Órgão Especial
obrigatória dos Municípios consoante artigo 144 de Constituição Bandeirante.
Inconstitucionalidade. Precedentes. Incidente conhecido e acolhido.” (IAI nº
0035654-82.2022.8.26.0000, Rel. Des. Xavier de Aquino, j. 09/08/2023).
“ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE – Município de
Olímpia – Parcelamento, uso e ocupação do solo urbano – Inciso IV do artigo
16 da Lei Municipal de Olímpia nº 3.310/2008, alterada pela Lei Municipal nº
3.384/2009 – Destinação, no mínimo, de 2% da área total de um projeto de par-
celamento para áreas dominiais – Incompatibilidade com os arts. 5º, caput, XXII
e XXIV, 22, II, e 24, I, da CF/88. 1. Usurpação de competência. Ocorrência.
Competência da União para legislar sobre normas gerais de direito urbanístico e
do Município apenas para suplementar, no que couber, a legislação federal, art.
24, I, § 1º da CF/88. 2. Doação de percentual para compor áreas dominiais. Per-
da da propriedade particular. Inadmissibilidade. Inexistência de prévia e justa
indenização. Confisco de propriedade privada. Violação ao art. 5º, XXI e XXIV,
da CF/88. 3. Inconstitucionalidade reconhecida. Arguição procedente.” (IAI nº
0028396-55.2021.8.26.0000, Rel. Des. Carlos Bueno, j. 15/09/2021).
“Incidente de Arguição de Inconstitucionalidade. Direito Urbanístico. In-
constitucionalidade do art. 47, IV e Anexo IX, da Lei nº 1967/13 (Plano Dire-
tor), do Município de Penápolis. Destinação para área dominial de 2% da área
total da gleba loteada como ‘área de interesse social’ a título de doação para o
Município. Invasão de competência. Competência privativa da União para le-
gislar sobre normas gerais de Direito Urbanístico e suplementar do Município
nos termos do art. 24, I, § 1º da CF. Doação de percentual de lotes particulares
para compor áreas dominiais. Inadmissibilidade. Confisco da propriedade priva-
da. Perda da propriedade particular sem prévia e justa indenização. Violação ao
art. 5º, XXII e XXIV, da CF. Precedentes deste Órgão Especial. Inconstituciona-
lidade reconhecida. Incidente acolhido, com determinação.” (IAI nº 0002867-29.2024.8.26.0000, Rel. Des. Damião Cogan, j. 26/06/2024).
Em resumo, os atos normativos em exame violam os arts. 24, I, 30, I e II,
182, §§ 2º, 3º e 4º, III, da Constituição Federal.
Assim, é caso de acolhimento do presente incidente.
Pelo exposto, acolhe-se o presente incidente de arguição de inconstitu-
cionalidade, para declarar a inconstitucionalidade art. 82 da Lei Municipal nº
59.937/2021 e dos arts. 41 e 42 da Lei Municipal nº 6.155/2017, ambos do Mu-
nicípio de Jacareí, nos termos acima explicitados e determino a devolução dos
autos à e. Câmara suscitante para julgamento dos autos principais.
772
Conflitos de Competência
Jurisprudência - Órgão Especial
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Conflito de Competência Cí-
vel nº 0006053-26.2025.8.26.0000, da Comarca de São Bernardo do Campo,
em que é suscitante 29ª CÂMARA DE DIREITO PRIVADO, é suscitada 2ª
CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO.
ACORDAM, em Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo,
proferir a seguinte decisão: “JULGARAM O CONFLITO PROCEDENTE E
COMPETENTE A 29ª CÂMARA DE DIREITO PRIVADO DO TRIBUNAL
DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO. V.U. IMPEDIDAS AS EXMAS.
SRAS. DES. LUCIANA BRESCIANI E SILVIA ROCHA.”, de conformidade
com o voto da Relatora, que integra este acórdão. (Voto nº 37.856)
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FER-
NANDO TORRES GARCIA (Presidente sem voto), NUEVO CAMPOS, CAR-
LOS MONNERAT, RENATO RANGEL DESINANO, AFONSO FARO JR.,
JOSÉ CARLOS FERREIRA ALVES, ÁLVARO TORRES JÚNIOR, GERAL-
DO WOHLERS, BERETTA DA SILVEIRA, FRANCISCO LOUREIRO, DA-
MIÃO COGAN, VICO MAÑAS, ADEMIR BENEDITO, CAMPOS MELLO,
VIANNA COTRIM, FÁBIO GOUVÊA, AROLDO VIOTTI, RICARDO DIP,
FIGUEIREDO GONÇALVES, GOMES VARJÃO, LUIS FERNANDO NISHI
e JARBAS GOMES.
São Paulo, 7 de maio de 2025.
MARCIA DALLA DÉA BARONE, Relatora
Ementa: DIREITO PROCESSUAL CIVIL. CON-
FLITO DE COMPETÊNCIA. AÇÃO INDENIZA-
TÓRIA. COMPETÊNCIA DA CÂMARA DE DIREI-
TO PRIVADO. PROCEDÊNCIA.
I. Caso em Exame
Conflito de competência suscitado pela 29ª Câmara
de Direito Privado em face da 2ª Câmara de Direito
Público, nos autos da apelação contra sentença que
julgou parcialmente procedente o pedido indenizató-
rio em relação ao réu HC Park Estacionamento Ltda.
e improcedente em relação ao Hospital das Clínicas
de São Paulo.
II. Questão em Discussão 2. A questão em discussão
consiste em determinar a competência recursal para
773
julgamento da apelação, considerando que a causa de
pedir envolve responsabilidade civil por danos em au-
tomóvel em estacionamento conveniado a autarquia
Jurisprudência - Órgão Especial
estadual.
III. Razões de Decidir 3. A competência dos órgãos
do Tribunal firma-se pelos termos do pedido inicial,
que não se funda na responsabilidade civil do Estado
ou deficiência do serviço público. 4. A causa de pedir
diz respeito a negócio jurídico envolvendo bem móvel,
aplicando-se o artigo 5º, inciso III, item 14 da Reso-
lução 623/2013, que atribui competência à Seção de
Direito Privado.
IV. Dispositivo e Tese 5. Julga-se procedente o conflito
de competência, determinando-se o conhecimento da
apelação pela 29ª Câmara de Direito Privado. Tese de
julgamento: 1. A competência recursal firma-se pelos
termos do pedido inicial, não alterada pela presença
de autarquia estadual no polo passivo. 2. Ações en-
volvendo negócios jurídicos sobre bens móveis são de
competência da Seção de Direito Privado III.
Legislação Citada:
Regimento Interno do Tribunal de Justiça de São
Paulo, art. 103.
Resolução 623/2013, art. 5º, inciso III, item 14.
Jurisprudência Citada:
TJSP, Apelação Cível 1005556-12.2023.8.26.0114, Rel.
Celina Dietrich Trigueiros, 27ª Câmara de Direito
Privado, j. 08.04.2025.
TJSP, Apelação Cível 1035050-75.2021.8.26.0506,
Rel. Claudia Menge, 32ª Câmara de Direito Privado,
j. 08.04.2025.
VOTO
Vistos,
Trata-se de conflito de competência suscitado pela E. 29ª Câmara de Di-
reito Privado em face da E. 2ª Câmara de Direito Público, nos autos da apela-
ção n. 1027318-92.2023.8.26.0564, interposta contra a r. sentença que julgou
parcialmente procedente o pedido em relação ao réu HC Park Estacionamento
Ltda. e improcedente em relação ao réu Hospital das Clínicas da Faculdade de
Medicina de São Paulo o pedido indenizatório pelos danos ocorridos no automó-
vel do autor no estacionamento do primeiro requerido, conveniado ao segundo.
774
O recurso foi inicialmente distribuído perante a C. 2ª Câmara de Direito
Público, a qual não conheceu do recurso por entender que a competência re-
cursal para o julgamento do feito seria atribuída a uma das Câmaras da Seção
de Direito Privado III, nos moldes do artigo 5º, inciso III.4, da Resolução n.
Jurisprudência - Órgão Especial
623/2013 (fls. 271/277).
O feito foi redistribuído à C. 29ª Câmara de Direito Privado, a qual sus-
citou conflito de competência perante este Col. Órgão Especial, nos termos do
artigo 200 do Regimento Interno do Tribunal de Justiça de São Paulo, sob a
alegação de que se discute, na presente lide, a responsabilidade civil do Hospital
das Clínicas de São Paulo, autarquia estadual (fls. 290/295).
É o relatório.
Nos moldes do artigo 103 do Regimento Interno do Tribunal de Justiça
de São Paulo “A competência dos diversos órgãos do Tribunal firma-se pelos
termos do pedido inicial, ainda que haja reconvenção ou ação contrária ou o
réu tenha arguido fatos ou circunstâncias que possam modificá-la.”
Na hipótese em questão, o autor ajuizou ação indenizatória distribuída
sob o número 1027318-92.2023.8.26.0564 em face do Hospital das Clínicas de
São Paulo e empresa prestadora de serviços de estacionamento de veículos no
local, buscando a reparação dos danos morais e materiais alegadamente sofri-
dos em razão de dano em seu automóvel quando deixado nas dependências da
corré HC Park Estacionamento enquanto comparecia em consulta no Hospital
das Clínicas. Aduz que os danos se deram em razão de tentativa do manobrista
deslocar o carro com o sistema de freio eletrônico acionado.
O pedido indenizatório não se funda na responsabilidade civil do Estado,
o que sequer foi mencionado na inicial, tampouco falta ou deficiência do serviço
público.
Neste contexto, verifica-se que a causa de pedir da demanda que originou
o conflito de competência diz respeito a negócio jurídico envolvendo bem mó-
vel, sendo certo que o fato de haver autarquia estadual ocupando o polo passivo
não altera a competência recursal. É possível vislumbrar que, caso a requerida
fosse pessoa jurídica de direito privado, os argumentos da inicial manter-se-iam
intactos, já que a pretensão não tem como base direito público.
Aplica-se, à hipótese, o disposto no artigo 5º, inciso III, item 14 da Reso-
lução 623/2013, que dispõe:
“Art. 5º. A Seção de Direito Privado, formada por 19 (dezenove) Grupos, nume-
rados ordinalmente, cada um deles integrado por 2 (duas) Câmaras, em ordem
sucessiva, é constituída por 38 (trinta e oito) Câmaras, também numeradas ordi-
nalmente, e subdividida em 3 (três) Subseções, assim distribuídas:
(...)
III – Terceira Subseção, composta pelas 25ª a 36ª Câmaras, com competência
preferencial para o julgamento das seguintes matérias: (...)
III.14 – Ações que versem sobre a posse, domínio ou negócio jurídico que tenha
775
por objeto coisas móveis, corpóreas e semoventes;”
Destarte, ressalte-se não haver qualquer situação descrita no artigo 3º da
Resolução n. 623/2013 deste Tribunal a justificar a competência recursal de uma
Jurisprudência - Órgão Especial
das Câmaras de Direito Público, sendo certo que a questão sub judice não versa
sobre prestação de serviço público, mas sim serviço particular de guarda de
veículo.
Pontua-se que são diversos os julgamentos realizados pelas Câmaras de
Direito Privado III envolvendo lides acerca de danos em veículos ocorridos em
estacionamentos, com efeito:
APELAÇÃO. Ação de ressarcimento por dano material. Roubo de relógio em
estacionamento de complexo comercial compartilhado pelas rés. Sentença de
parcial procedência. RECURSO manejado pela segunda requerida Churrascaria
Nova Pampa Cp Ltda, com preliminar de não incidência da legislação consume-
rista. EXAME: Relação sujeita à legislação consumerista. Dicção dos arts. 2º
e 3º da Lei nº 8.078/90. Churrascaria apelante que integra cadeia de benefício
econômico recíproco com todos os estabelecimentos integrantes do complexo
comercial. Responsabilidade objetiva e solidária. Exegese dos arts. 7º, parágrafo
único, 14, “caput”, 18 e 25, § 1º, do Código de Defesa do Consumidor. Mérito:
Estacionamento demarcado com vagas e vigiado por circuito interno de câmeras.
Vagas utilizadas por ambas as rés como incremento nas suas atividades comer-
ciais, atraindo consumidores. Legítima expectativa de segurança. Estacionamen-
to que responde de forma objetiva pela reparação de danos ocasionados por falha
no dever de guarda e vigilância. Inteligência do art. 14 do Código de Defesa do
Consumidor. Rés que devem arcar com os riscos inerentes à atividade exercida.
Súmula 130 do C. STJ. Todavia, autor que não comprovou a propriedade do
relógio. Nota fiscal de serviço de manutenção do relógio que foi emitida cinco
anos antes do ajuizamento da ação. Fotografias do bem sem autenticação e data.
Inversão do ônus probatório que não afasta a obrigação de provar minimamente
os fatos constitutivos do direito do autor. Precedentes. Sentença reformada para
afastar a condenação ao pagamento de indenização por dano material. Manuten-
ção dos ônus sucumbenciais a cargo integralmente da parte requerida, por força
do princípio da causalidade. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
(TJSP; Apelação Cível 1005556-12.2023.8.26.0114; Relatora: Celina Dietri-
ch Trigueiros; Órgão Julgador: 27ª Câmara de Direito Privado; Foro de
Campinas – 5ª Vara Cível; Data do Julgamento: 08/04/2025; Data de Regis-
tro: 08/04/2025)
APELAÇÃO. RESPONSABILIDADE CIVIL. Ação condenatória de indeni-
zação por danos materiais. Veículo danificado em estacionamento de Shopping
Center. Responsabilidade imputada ao Shopping Center. Sentença de improce-
dência. Insurgência da autora. – Cerceamento de defesa. Não caracterização. Des-
necessária a submissão das imagens de sistema de segurança à análise pericial.
Elementos fáticos extraídos da simples análise das imagens. Prova documental
suficiente para solução da lide. – Relação de consumo. Aplicável o Código de
Defesa do Consumidor. Descabida a inversão do ônus probatório, dada a falta
776
de verossimilhança. Art. 6º, VIII, CDC. Inexistência de prova dos fundamentos
fáticos do pedido. – Nexo de causalidade. Ausência de comprovação de que os
danos no veículo ocorreram no interior do estacionamento mantido pelo réu. Não
comprovada a falha na prestação de serviços. Indenização indevida. Sentença
Jurisprudência - Órgão Especial
mantida. RECURSO DESPROVIDO.
(TJSP; Apelação Cível 1035050-75.2021.8.26.0506; Relatora: Claudia Men-
ge; Órgão Julgador: 32ª Câmara de Direito Privado; Foro de Ribeirão
Preto – 7ª Vara Cível; Data do Julgamento: 08/04/2025; Data de Registro:
08/04/2025)
Portanto, Julga-se procedente o conflito de competência para conheci-
mento da apelação pela C. 29ª Câmara de Direito Privado.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Conflito de Competência Cí-
vel nº 0011010-70.2025.8.26.0000, da Comarca de Campinas, em que é susci-
tante COLENDA QUINTA CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO DO EGRÉGIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÂO PAULO, é suscitada COLENDA DÉCIMA
PRIMEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO.
ACORDAM, em Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo,
proferir a seguinte decisão: “POR VOTAÇÃO UNÂNIME, JULGARAM O
CONFLITO PROCEDENTE E, POR MAIORIA DE VOTOS, COMPETENTE
A 5ª CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO
ESTADO DE SÃO PAULO. VENCIDOS OS EXMOS. SRS. DES. LUCIANA
BRESCIANI (COM DECLARAÇÃO), ADEMIR BENEDITO, VIANNA CO-
TRIM, AROLDO VIOTTI, FIGUEIREDO GONÇALVES, CARLOS MON-
NERAT, AFONSO FARO JR E LUIS SOARES DE MELLO. IMPEDIDO O
EXMO. SR. DES. RENATO RANGEL DESINANO.”, de conformidade com o
voto do Relator, que integra este acórdão. (Voto nº 62 .924)
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FER-
NANDO TORRES GARCIA (Presidente sem voto), FIGUEIREDO GONÇAL-
VES, GOMES VARJÃO, LUCIANA BRESCIANI, LUIS FERNANDO NISHI,
JARBAS GOMES, MARCIA DALLA DÉA BARONE, SILVIA ROCHA, NUE-
VO CAMPOS, CARLOS MONNERAT, AFONSO FARO JR., JOSÉ CARLOS
FERREIRA ALVES, LUIS SOARES DE MELLO, GERALDO WOHLERS,
BERETTA DA SILVEIRA, FRANCISCO LOUREIRO, DAMIÃO COGAN,
VICO MAÑAS, ADEMIR BENEDITO, CAMPOS MELLO, VIANNA CO-
TRIM, MATHEUS FONTES e AROLDO VIOTTI.
São Paulo, 14 de maio de 2025.
RICARDO DIP, Relator
777
Ementa: CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊN-
CIA. REVISIONAL DE CONTRATO DE COMPAR-
TILHAMENTO DE INFRAESTRUTURA DE REDE
Jurisprudência - Órgão Especial
ELÉTRICA. CONTRATO ENTRE CONCESSIO-
NÁRIA DE ENERGIA ELÉTRICA E EMPRESA DE
TELECOMUNICAÇÃO.
– A matéria objeto diz respeito a contrato de compar-
tilhamento de infraestrutura de rede (postes).
– O Órgão Especial deste Tribunal de Justiça, no jul-
gamento do Conflito de competência 0004406-30.2024
, em 10 de abril de 2024 , decidiu, por maioria de votos
(Rel. designado Des. TASSO DUARTE DE MELO),
um caso símile, entendendo cuidar-se de matéria de
competência da Seção de Direito Público: “trata-se de
um contrato de compartilhamento de bem público (pos-
te de iluminação), firmado por duas empresas privadas
é verdade uma concessionária e outra permissionária
de serviços públicos, no exercício da atividade pública
concessionada, por força de contrato e dispositivo con-
tratual submetidos expressamente às regras do direito
público e, por definição legal, de interesse público”.
– Conflito procedente com determinação de atribuir-
se o feito à col. 5ª Câmara de Direito Público.
– Ressalva de entendimento do relator.
RELATÓRIO:
Desfiou conflito de competência a 5ª Câmara de Direito Público (acórdão
da relação do Des. EDUARDO PRATAVIEIRA – e-págs. 35-42) diante de an-
terior decisão monocrática proferida pela Des. CRISTINA DI GIAIMO CABO-
CLO (e-págs. 23-6) da 11ª Câmara de Direito Privado deste Tribunal de Justiça.
O conflito está posto em que a 11ª Câmara de Direito Privado entende
versar o caso sobre inobservância de normas editadas por agências reguladoras,
matéria de competência da Seção de Direito Público, nos termos do item I.13 do
art. 3º da Resolução 623/2013 (de 16-10) expedida por este Órgão Especial do
Tribunal de Justiça de São Paulo. Diversamente, a Câmara suscitante argumenta
que se discute na ação o preço do compartilhamento do uso de infraestrutura
(postes), o que equivaleria à locação de bem, matéria de competência da Seção
de Direito Privado, nos termos do § 1º do art. 5º da mesma Resolução.
É o relatório do necessário.
VOTO:
1. Versam os autos referenciais ação ajuizada por Link Net Provedor de
778
Internet Ltda. e Hugo Aparecido Bianquini Moreira contra a Companhia Paulis-
ta de Força e Luz – Cpfl, buscando a revisão do preço estipulado em “contrato
Jurisprudência - Órgão Especial de compartilhamento de infraestrutura de rede”.
2. A competência recursal deste Tribunal de Justiça define-se, em princí-
pio, ratione materiae, do modo mesmo como conste desfiada a pretensão nos
fundamentos e pedidos da inicial – arg. art. 103 do Regimento Interno da Corte
–, não sendo relevante a circunstância de uma concessionária de serviço público
participar da demanda, assim o fez ver este Órgão Especial, ainda recentemente,
em julgado conduzido pelo voto de relação do Des. XAVIER DE AQUINO:
“Nos termos do artigo 103 do Regimento Interno desta Corte, que disciplina
a competência jurisdicional, ‘A competência dos diversos órgãos do Tribunal
firma-se pelos termos do pedido inicial, ainda que haja reconvenção ou ação
contrária ou o réu tenha arguido fatos ou circunstâncias que possam modificá
-la.’. Na esteira de tal definição é que se entendeu, no Colendo Órgão Especial,
pela irrelevância da qualidade da parte ao firmar-se a competência para jul-
gamento (…)” (CC 0014356-97.2023, julg. 24-4-2023; a ênfase gráfica não é
do original; cf. ainda, brevitatis causa, pela recentidade: CC 0041292-96.2022
– Des. ELCIO TRUJILLO, j. 8-3-2023; CC 2293317-68.2022 – Des. DÉCIO
NOTARANGELI, j. 8-2-2023).
3. A matéria objeto diz respeito, como ficou dito, a contrato de compar-
tilhamento de infraestrutura de rede (postes). O Órgão Especial deste Tribunal
de Justiça, no julgamento do Conflito de competência 0004406-30.2024, em
10 de abril de 2024, decidiu, por maioria de votos (Rel. designado Des. TAS-
SO DUARTE DE MELO), um caso símile, entendendo cuidar-se de matéria de
competência da Seção de Direito Público: “trata-se de um contrato de comparti-
lhamento de bem público (poste de iluminação), firmado por duas empresas privadas é
verdade uma concessionária e outra permissionária de serviços públicos, no exercício
da atividade pública concessionada, por força de contrato e dispositivo contratual sub-
metidos expressamente às regras do direito público e, por definição legal, de interesse
público”.
4. Com ressalva de meu adverso entendimento pessoal, meu voto apli-
ca ao caso a regra do art. 926 do Código de processo civil.
Observo, porém, a propósito, que outrora era diversa a orientação deste
Órgão Especial:
“CONFLITO DE COMPETÊNCIA. Causa de pedir fundada em inadimplemento
contratual. Demanda relacionada ao descumprimento de contrato de compar-
tilhamento de postes de rede de distribuição de energia elétrica. Competência
da Subseção de Direito Privado III (art. 5º, incs. III e III.14, da Resolução nº
623/13 do TJSP). Conflito procedente, reconhecida a competência da 30ª Câma-
ra de Direito Privado” (CC 0026309-92.2022 – Rel. Des. FÁBIO GOUVÊA, j.
26-10-2022).
ISSO POSTO, propõe-se que se julgue procedente este conflito, afirma-
da a competência da eg. 5ª Câmara de Direito Público.
779
É como voto.
DECLARAÇÃO DE VOTO DIVERGENTE
Jurisprudência - Órgão Especial
(Voto nº 32.932)
Reporto-me aos termos do relatório do ilustre e culto Relator sorteado,
Desembargador Ricardo Dip:
Desfiou conflito de competência a 5ª Câmara de Direito Público (acórdão da
relação do Des. Eduardo Pratavieira – e-págs. 35-42) diante de anterior decisão mono-
crática proferida pela Des. Cristina Di Giaimo Caboclo (e-págs. 23-6) da 11ª Câmara
de Direito Privado deste Tribunal de Justiça.
O conflito está posto em que a 11ª Câmara de Direito Privado entende versar
o caso sobre inobservância de normas editadas por agências reguladoras, matéria de
competência da Seção de Direito Público, nos termos do item I.13 do art. 3º da Reso-
lução 623/2013 (de 16-10) expedida por este Órgão Especial do Tribunal de Justiça
de São Paulo. Diversamente, a Câmara suscitante argumenta que se discute na ação
o preço do compartilhamento do uso de infraestrutura (postes), o que equivaleria à
locação de bem, matéria de competência da Seção de Direito Privado, nos termos do §
1º do art. 5º da mesma Resolução.
É o relatório do necessário.
É o relatório.
Nos termos do artigo 103 do Regimento Interno deste C. Tribunal de
Justiça, a “competência dos diversos órgãos do Tribunal firma-se pelos termos
do pedido inicial, ainda que haja reconvenção ou ação contrária ou o réu tenha
arguido fatos ou circunstâncias que possam modificá-la” (grifou-se).
Os pedidos principais formulados na ação de origem estão relacionados à
natureza adesiva de um contrato celebrado entre particulares, tendo por objeto o
compartilhamento de infraestrutura, com pretensão de redução do preço pactua-
do, e foi deduzido nos seguintes termos:
a) seja julgada procedente a ação para confirmar os termos da medida liminar
que será deferida, para que seja reconhecida a abusividade da cobrança do valor de R$
11,80 (onze reais e oitenta centavos) por ponto de fixação/mês, para que seja revisado
o valor imposto para que seja fixado o valor do poste em R$ 3,06 (três reais e seis cen-
tavos) tal qual cobrado da Algar, ou, ainda, no valor de R$ 3,19 (três reais e dezenove
centavos), tal qual o estabelecido na resolução conjunta 04/2014, sob pena de multa
diária de R$ 10.000,00 (dez mil reais) e que sejam devolvidos os valores pagos a maior,
desde a assinatura do primeiro contrato, das parcelas vencidas e vincendas e porven-
tura pagas no decorrer do processo, com a incidência de juros e correção monetária;
b) a inversão do ônus da prova, considerando a posição de vulnerabilidade téc-
nica da Autora perante a Ré;
c) que a Acionada apresente uma tabela completa com o nome das empresas que
possuem os contratos firmados e os respectivos valores unitários efetivamente pagos
com os devidos comprovantes, a fim de comprovar a ausência de tratamento isonômico
por parte da Acionada;
780
d) seja a Ré compelida a informar a este Juízo se existem empresas que pagam
valor inferior ao relativo ao contrato firmado com a OI e com a Algar e qual a razão da
discrepância entre os valores cobrados, além de ser compelida a apresentar os contra-
tos firmados com a Oi, Vivo, Tim, Net, Embratel, Claro e operadoras de TV, para que se
Jurisprudência - Órgão Especial
apure o valor praticado com as grandes operadoras;
e) que o índice de correção do contrato seja alterado para o IPCA vez que menos
oneroso à parte Autora, além de ser o índice usado nos contratos firmados com a OI,
Algar e Brasil Telecom utilizando-se aqui o princípio da isonomia;
E, embora o contrato celebrado entre os particulares seja de algum modo
impactado pelo direito regulatório (Lei Geral de Telecomunicações e atos nor-
mativos da ANATEL e da ANEEL), os termos do pedido inicial demonstram
que a controvérsia está limitada à pretendida revisão do preço pactuado por
meio de contrato privado.
Assim, não se trata de análise do descumprimento de contrato administra-
tivo ou da inobservância de obrigação imposta diretamente por agência regula-
dora, temas para os quais a competência seria da Seção de Direito Público, mas
de ação relacionada especificamente à interpretação de ato entre particulares.
Embora o serviço prestado seja de interesse coletivo, merece destaque o
artigo 63 da Lei n.º 9.472/1997, a qual dispõe sobre a organização dos serviços
de telecomunicações, a criação e funcionamento de um órgão regulador e outros
aspectos institucionais, estabelecendo o seguinte (grifei):
Art. 63. Quanto ao regime jurídico de sua prestação, os serviços de telecomuni-
cações classificam-se em públicos e privados.
Parágrafo único. Serviço de telecomunicações em regime público é o prestado
mediante concessão ou permissão, com atribuição a sua prestadora de obrigações de
universalização e de continuidade.
A prestação do serviço está submetida ao Regulamento do Serviço de Co-
municação Multimídia da ANATEL, instituído pela Resolução nº 614, de 28 de
maio de 2013, a qual estabelece que em seu artigo 10 que “A prestação do SCM
depende de prévia autorização da Anatel, nos termos e condições estabelecidos
no Regulamento Geral de Outorgas, aprovado pela Resolução nº 720, de 10 de
fevereiro de 2020”.
Sem embargo da necessidade de autorização para exercício dessa ativi-
dade econômica, a Legislação de regência é clara ao estabelecer que se trata de
atividade submetida ao regime privado:
Art. 131. A exploração de serviço no regime privado dependerá de prévia au-
torização da Agência, que acarretará direito de uso das radiofreqüências necessárias.
§ 1º Autorização de serviço de telecomunicações é o ato administrativo
vinculado que faculta a exploração, no regime privado, de modalidade de serviço de
telecomunicações, quando preenchidas as condições objetivas e subjetivas necessárias.
§ 2º A Agência definirá os casos que independerão de autorização.
§ 3º A prestadora de serviço que independa de autorização comunicará
previamente à Agência o início de suas atividades, salvo nos casos previstos nas normas
781
correspondentes.
§ 4º A eficácia da autorização dependerá da publicação de extrato no Diário
Oficial da União.
Diante desse quadro, descabido o reconhecimento da competência dos
Jurisprudência - Órgão Especial
órgãos fracionários da Seção de Direito Público, pois a requerida não pode ser
enquadrada como concessionária ou permissionária de serviço público, pois não
se trata de atividade econômica delegada à iniciativa privada mediante processo
licitatório, tampouco submetida às obrigações de universalização e de continui-
dade.
Em que pese a C. 5.ª Câmara de Direito Público, ora suscitante, tenha en-
tendido que o caso do autos se insere na previsão do artigo 5.º, § 1.º, da Resolu-
ção de regência, que estabelece a competência comum das Subseções Segunda e
Terceira para as ações relativas a locação ou prestação de serviços, regidas pelo
Direito Privado, tenho que o caso atrai a competência exclusiva da Terceira Sub-
seção, competente para o julgamento de “ações e execuções relativas a locação
de bem móvel ou imóvel” e “ações que versem sobre a posse, domínio ou ne-
gócio jurídico que tenha por objeto coisas móveis, corpóreas e semoventes” (v.
artigo 6.º. inciso III, itens III.6 e III.14, da Resolução 623/2013).
Isso já havia sido reconhecido anteriormente na Seção de Direito Público,
como, por exemplo, nesta decisão do Exmo. Desembargador Ferreira Rodri-
gues:
Agravo de instrumento. Ação revisional. Contrato de compartilhamento de in-
fraestrutura. Indeferimento de redução liminar do valor do aluguel pago à con-
cessionária de energia. Competência recursal que, nessa matéria, é da C. Tercei-
ra Subseção de Direito Privado, nos termos do artigo 5º, itens III, III.6 e III.14,
da Resolução TJSP nº 623/2013. Recurso não conhecido, com determinação de
remessa dos autos à Terceira Subseção de Direito Privado. (TJSP; Agravo de
Instrumento 2044879-58.2023.8.26.0000; Relator: Ferreira Rodrigues; Órgão
Julgador: 4ª Câmara de Direito Público; Foro Regional II – Santo Amaro – 6ª
Vara Cível; Data do Julgamento: 24/04/2023; Data de Registro: 27/04/2023)
Também já foi reconhecido pela Subseção de Direito Privado I, remeten-
do ações análogas à Subseção de Direito Privado III:
DIREITO CIVIL. APELAÇÃO. COMPETÊNCIA RECURSAL. COMPARTI-
LHAMENTO DE INFRAESTRUTURA. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER
CUMULADA COM INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. 1.– Ação visando a
transferência de titularidade de contrato perante companhia de energia elétrica
e indenização por danos morais devido à inércia da ré. 2.– A questão em dis-
cussão consiste em determinar se a Subseção de Direito Privado I é competente
para julgar o recurso, considerando que o contrato envolve compartilhamento
de infraestrutura de postes de energia elétrica. 3.– O caso não se enquadra nas
matérias de competência preferencial da Subseção de Direito Privado I, confor-
me artigo 5º, I, da Resolução TJSP nº 623/2013. 4.– A competência para julga-
mento do recurso é da Subseção de Direito Privado III, que trata de ações so-
782
bre posse, domínio ou negócios jurídicos envolvendo coisas móveis, corpóreas e
semoventes, conforme artigo 5º, III.14, da Resolução TJSP nº 623/2013. Recurso
não conhecido, determinada a redistribuição. (TJSP; Apelação Cível 1006392-89.2024.8.26.0068; Relator: Alexandre Marcondes; Órgão Julgador: 1ª Câma-
Jurisprudência - Órgão Especial
ra de Direito Privado; Foro de Barueri – 2ª Vara Cível; Data do Julgamento:
14/02/2025; Data de Registro: 14/02/2025)
COMPETÊNCIA RECURSAL – Contrato de compartilhamento de infraestrutu-
ra de rede – Nulidade de cláusulas contratuais – Competência de uma das Câ-
maras integrantes da Subseção de Direito Privado III – Art. 5º, III.6, da Resolu-
ção nº 623/2013, do Órgão Especial desta Corte – Redistribuição determinada
– Recurso não conhecido. (TJSP; Apelação Cível 1002957-20.2014.8.26.0566;
Relator: Luiz Antonio de Godoy; Órgão Julgador: 1ª Câmara de Direito Privado;
Foro de São Carlos – 2ª Vara Cível; Data do Julgamento: 30/06/2015; Data de
Registro: 01/07/2015)
Igualmente, a competência foi reconhecida pela própria Subseção de Di-
reito Privado III, que julgou o mérito de diversos casos idênticos:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. AÇÃO REVI-
SIONAL DE CONTRATO DE COMPARTILHAMENTO DE INFRAESTRU-
TURA DE REDE. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. DECISÃO QUE EXCLUI
INCIDÊNCIA DE JUROS DE MORA SOBRE O DÉBITO EXEQUENDO, EIS
QUE NÃO PREVISTOS EXPRESSAMENTE NO TÍTULO EXECUTIVO JU-
DICIAL. INSURGÊNCIA DA EXEQUENTE. CABIMENTO. CONSECTÁRIOS
DA MORA QUE INCIDEM ATÉ A DATA DO EFETIVO PAGAMENTO OU DO
DEPÓSITO JUDICIAL. PEDIDO IMPLÍCITO. EXEGESE DA SÚMULA 254
DO C. STF. PRECEDENTES DO C. STJ. DECISÃO REFORMADA. Agravo de
instrumento provido, nos termos do v. acórdão. (TJSP; Agravo de Instrumen-
to 2377416-97.2024.8.26.0000; Relatora: Cristina Zucchi; Órgão Julgador:
34ª Câmara de Direito Privado; Foro de Campinas – 8ª. Vara Cível; Data do
Julgamento: 25/02/2025; Data de Registro: 25/02/2025)
1. Locação de bem móvel – Compartilhamento de infraestrutura de energia elé-
trica (postes) entre concessionária de energia e prestadora de serviços de siste-
mas a cabo – Preço de referência do Ponto de Fixação para o compartilhamento
de postes conforme Resolução Conjunta Aneel/Anatel 04/2014, mesmo atualiza-
do, que corresponde à metade daquele proposto pela ré no contrato – Indício de
abusividade presente, não derruído pela ré, que não trouxe qualquer parâmetro
específico para a questão dos autos – Preço fixado pela sentença mantido –
Valor de R$ 3,19 previsto na citada Resolução com atualização monetária –
Improvimento do apelo da ré. 2. Aplicação desses critérios a contratos futuros
– Descabimento de atuação do Judiciário – Ausência de pretensão resistida e
de interesse recursal – Sucumbência recíproca entre as partes – Improvimento
de ambos os recursos. (TJSP; Apelação Cível 1026024-36.2019.8.26.0114; Re-
lator: Vianna Cotrim; Órgão Julgador: 26ª Câmara de Direito Privado; Foro de
Campinas – 8ª Vara Cível; Data do Julgamento: 12/09/2024; Data de Registro:
12/09/2024)
Contrato de compartilhamento de infraestrutura de rede de energia elétrica
783
com empresa privada, para fins de prestação de serviços de telecomunicações.
Ação de obrigação de não fazer. Pedido de tutela de urgência para redução do
preço ajustado ou consignação do valor atual e que a agravada se abstenha
de retirar o cabeamento até decisão final. Medida excepcional, a ser conce-
Jurisprudência - Órgão Especial
dida quando presentes todos os requisitos do art. 300 do CPC, o que não se
verifica no caso específico. Recurso improvido. (TJSP; Agravo de Instrumento
2079523-90.2024.8.26.0000; Relator: Gomes Varjão; Órgão Julgador: 34ª Câ-
mara de Direito Privado; Foro de São José dos Campos – 5ª Vara Cível; Data do
Julgamento: 27/03/2024; Data de Registro: 27/03/2024)
E, por fim, a competência foi fixada por este C. Órgão Especial, por meio
de acórdão V.U. sobre a mesma matéria:
CONFLITO DE COMPETÊNCIA. Causa de pedir fundada em inadimplemento
contratual. Demanda relacionada ao descumprimento de contrato de compar-
tilhamento de postes de rede de distribuição de energia elétrica. Competência
da Subseção de Direito Privado III (art. 5º, incs. III e III.14, da Resolução
nº 623/13 do TJSP). Conflito procedente, reconhecida a competência da 30ª
Câmara de Direito Privado. (TJSP; Conflito de competência cível 0026309-92.2022.8.26.0000; Relator: Fábio Gouvêa; Órgão Julgador: Órgão Especial;
Foro Central Cível – 21ª Vara Cível; Data do Julgamento: 26/10/2022; Data de
Registro: 27/10/2022)
Esse julgado sobre compartilhamento de infraestrutura está plenamente
de acordo com a jurisprudência anterior deste C. Órgão Especial para casos
semelhantes, envolvendo inadimplemento de contratos privados, sem envolvi-
mento de interesse público (mesmo se tratando de concessionária em um dos
polos):
CONFLITO DE COMPETÊNCIA. Rescisão contratual. Empresa concessioná-
ria de serviços públicos (Transbrasiliana) que subcontratou a empresa Mon-
teadriano para realização de obras na rodovia sob concessão. Alegação de
inadimplemento contratual. Questão que não envolve discussão sobre o con-
trato administrativo, ou comportamento estatal, e sim sobre o cumprimento de
obrigações contraídas pela concessionária (Transbrasiliana) perante empresa
subcontratada (Monteadriano), ou seja, a controvérsia está sendo estabele-
cida entre particulares, com base em normas de direito privado. Competência
recursal que, nesse caso, é da C. Câmara suscitada, com base no artigo 5º,
§ 1º, da Resolução n. 623/2013. Conflito procedente. Competência da C. 25ª
Câmara de Direito Privado. (TJSP; Conflito de competência cível 0038371-67.2022.8.26.0000; Relator: Ferreira Rodrigues; Órgão Julgador: Órgão Espe-
cial; Foro Central Cível – 18ª Vara Cível; Data do Julgamento: 14/12/2022; Data
de Registro: 19/12/2022)
CONFLITO DE COMPETÊNCIA. Compromisso de venda e compra – Compa-
nhia Energética de São Paulo – CESP – Pedido de rescisão contratual cumulado
com reintegração de posse e cominação de pena pecuniária fundado no inadim-
plemento dos compradores – Apelação distribuída a Desembargador com as-
sento na 8ª Câmara de Direito Privado que, entendendo pela incompetência do
órgão julgador, não conheceu dos recursos – Autos redistribuídos a 10ª Câmara
784
de Direito Público, que não conheceu dos recursos e suscitou conflito de compe-
tência – Discussão que não se encontra diretamente relacionada à atividade-
fim da autora (concessão do serviço público), nem tampouco sobre questão
atinente à ocupação de bem público, mas sim de descumprimento de contrato
Jurisprudência - Órgão Especial
firmado entre as partes, de natureza privada – Matéria de competência recursal
da 8ª Câmara de Direito Privado, nos termos da Resolução nº 623/2013 – Con-
flito de competência procedente. Julga-se procedente o conflito de competência
para declarar competente a Colenda 8ª Câmara de Direito Privado (suscitada)
para o julgamento dos recursos. (TJSP; Conflito de competência cível 0065316-04.2016.8.26.0000; Relator: Ricardo Anafe; Órgão Julgador: Órgão Especial;
Foro de Ilha Solteira – Vara Única; Data do Julgamento: 22/02/2017; Data de
Registro: 06/04/2017)
A única ressalva é um julgado não unânime deste C. Órgão Especial,
em composição diversa da presente, que fixou a competência da Seção de
Direito Público para caso análogo (Conflito de competência cível 0004406-30.2024.8.26.0000; Relator: Tasso Duarte de Melo; Data do Julgamento:
10/04/2024).
Portanto, rigorosamente, a competência material para julgamento do re-
curso não é das Câmaras suscitante ou suscitada, mas sim dos órgãos fracioná-
rios da Terceira Subseção de Direito Privado, impondo-se, desde logo, o direcio-
namento para uma das Câmaras competentes, por um imperativo de economia
processual.
Diante do exposto, pelo meu voto, conheço o conflito para determinar a
redistribuição do recurso para uma das Câmaras integrantes da Terceira Subse-
ção de Direito Privado.
LUCIANA ALMEIDA PRADO BRESCIANI, Desembargadora
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Conflito de Competência Cí-
vel nº 0016018-28.2025.8.26.0000, da Comarca de Mauá, em que é suscitante 9ª
CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO, é suscitada 13ª CÂMARA DE DIREITO
PRIVADO.
ACORDAM, em Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo,
proferir a seguinte decisão: “JULGARAM O CONFLITO PROCEDENTE E
COMPETENTE A 13ª CÂMARA DE DIREITO PRIVADO DO TRIBUNAL
DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO. V.U.”, de conformidade com o
voto do Relator, que integra este acórdão. (Voto nº 53297)
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FER-
NANDO TORRES GARCIA (Presidente sem voto), MÁRIO DEVIENNE
FERRAZ, GRAVA BRAZIL, LUIZ ANTONIO CARDOSO, BERETTA DA
785
SILVEIRA, FRANCISCO LOUREIRO, DAMIÃO COGAN, VICO MAÑAS,
ADEMIR BENEDITO, CAMPOS MELLO, VIANNA COTRIM, FÁBIO
GOUVÊA, MATHEUS FONTES, FIGUEIREDO GONÇALVES, GOMES
Jurisprudência - Órgão Especial
VARJÃO, ÁLVARO TORRES JÚNIOR, LUCIANA BRESCIANI, LUIS FER-
NANDO NISHI, MARCIA DALLA DÉA BARONE, SILVIA ROCHA, NUE-
VO CAMPOS, CARLOS MONNERAT, RENATO RANGEL DESINANO e
AFONSO FARO JR.
São Paulo, 11 de junho de 2025.
JOSÉ CARLOS FERREIRA ALVES, Relator
Ementa: DIREITO PROCESSUAL CIVIL. CON-
FLITO DE COMPETÊNCIA. AÇÃO DE REINTE-
GRAÇÃO DE POSSE ENTRE PARTICULARES.
IMÓVEL INSERIDO EM ÁREA PÚBLICA. PRO-
CEDÊNCIA DO CONFLITO.
I. Caso em Exame
1. Conflito de competência suscitado pela 9ª Câma-
ra de Direito Público do Tribunal de Justiça de São
Paulo em face da 13ª Câmara de Direito Privado, no
curso de Apelação Cível, envolvendo a reintegração
de posse de bem imóvel construído em área pública
ocupada por particulares.
II. Questão em Discussão
2. A questão em discussão consiste em determinar se
a competência para julgar a ação de reintegração de
posse de imóvel em área pública cabe à Seção de Di-
reito Público ou à Seção de Direito Privado do Tribu-
nal de Justiça de São Paulo.
II. Razões de Decidir
3. A competência é determinada pelo pedido inicial,
conforme art. 103 do RITJSP, e não pela natureza pú-
blica da área em que o bem imóvel foi erigido.
4. A disputa é entre particulares sobre imóvel em área
invadida, sem interesse público direto, não atraindo a
competência da Seção de Direito Público.
III. Dispositivo e Tese
5. Conflito de competência procedente, declarando a
competência da 13ª Câmara de Direito Privado para
processar e julgar o recurso.
Tese de julgamento: “1. A competência é firmada pelo
pedido inicial, não pela natureza do bem”; “2. Dispu-
786
tas entre particulares sobre imóveis em áreas públicas
não atraem competência da Seção de Direito Públi-
co”.
Legislação Citada:
Jurisprudência - Órgão Especial
RITJSP, art. 103, 104.
Resolução do Órgão Especial nº 623/2013, arts. 1º, 3º,
5º.
Jurisprudência Citada:
TJSP, Conflito de competência nº 0038235-36.2023.8.26.0000, Rel. Silvia Rocha, Órgão Especial,
j. 13.12.2023.
RELATÓRIO.
1. Trata-se de conflito de competência suscitado pela C. 9ª Câmara de
Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, por meio do v. acórdão
copiado às fls. 24/39 do presente incidente, no curso do recurso de Apelação
Cível nº 1007365-48.2022.8.26.0348 e em face da C. 13ª Câmara de Direito
Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, sob o argumento de que a demanda
envolve relação jurídica nitidamente de caráter privado, qual seja, o direito de
se reintegrar na posse ou não em bem, ainda que de natureza pública, ocupado
por outro particular.
2. Por sua vez, a C. 13ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça
de São Paulo, pela r. Decisão Monocrática Terminativa copiada às fls. 12/16 do
presente incidente, de lavra do e. Des. Simões de Almeida, não conheceu do re-
curso, determinando a redistribuição a uma das Câmaras de Direito Público, por
considerar que “a área objeto da ação é bem público. Independentemente das
partes que compõem a lide, está configurado o interesse público”.
FUNDAMENTOS.
3. Após detido exame do presente incidente, cumpre reconhecer que a
razão está no entendimento da C. 9ª Câmara de Direito Público do Tribunal de
Justiça de São Paulo, o que determina o acolhimento da dúvida suscitada, nos
termos a seguir expostos.
4. De proêmio, anoto que a competência do órgão jurisdicional em segun-
do grau é determinada pelo pedido inicial, nos termos do art. 103 do RITJSP: “a
competência dos diversos órgãos do Tribunal firma-se pelos termos do pedido
inicial, ainda que haja reconvenção ou ação contrária ou o réu tenha arguido
fatos ou circunstância que possam modificá-lo”. E ainda, segundo o art. 104,
do mesmo estatuto, “a competência em razão da matéria, do objeto ou do título
jurídico é extensiva a qualquer espécie de processo ou tipo de procedimento”.
5. Extrai-se da r. sentença de fls. 165/172 dos autos principais que “a
problemática gira em torno de imóvel localizado em área pública, oriundo de
787
programa social de reurbanização local por meio do PAC (Programa de Ace-
leração do Crescimento do Governo Federal), iniciado no ano de 2011 e atual-
mente paralisado”.
Jurisprudência - Órgão Especial
6. Cinge-se a controvérsia em saber se o fato de imóvel objeto da presente
“ação de reintegração de posse com pedido liminar c.c indenização dos frutos”
estar inserido em área pública atrai ou não a competência da Seção de Direito
Público do Tribunal de Justiça de São Paulo.
7. Pois bem.
8. Os artigos 1º, 3º e 5º da Resolução do Órgão Especial nº 623/2013, que
“Dispõe sobre a composição do Tribunal de Justiça, fixa a competência de suas
Seções e dá outras providências”, acham-se assim redigidos:
“Art. 1º O Tribunal de Justiça, além de outros órgãos, é composto por três Se-
ções: Seção de Direito Criminal, Seção de Direito Público e Seção de Direito
Privado.
[...]
Art. 3º A Seção de Direito Público, formada por 8 (oito) Grupos, numerados
ordinalmente, cada um deles integrado por 2 (duas) Câmaras, salvo o 1º Grupo,
que é integrado pelas três primeiras Câmaras, e o 7º Grupo, que é integrado
pelas Câmaras 14ª, 15ª e 18ª, é constituída por 18 (dezoito) Câmaras, também
numeradas ordinalmente, assim distribuídas:
I – 1ª a 13ª Câmaras, com competência preferencial para o julgamento das
seguintes matérias:
(...)
I.11 – Ações de apossamento administrativo, de desistência de desapropriação e
de uso e ocupação e de reivindicação de bem público;
[...]
Art. 5º – A Seção de Direito Privado, formada por 19 (dezenove) Grupos,
numerados ordinalmente, cada um deles integrado por 2 (duas) Câmaras, em
ordem sucessiva, é constituída por 38 (trinta e oito) Câmaras, também numeradas
ordinalmente, e subdividida em 3 (três) Subseções, assim distribuídas:
(...)
II – Segunda Subseção, composta pelas 11ª a 24ª Câmaras, e pelas 37ª e 38ª, com
competência preferencial para o julgamento das seguintes matérias:
(...)
II.7 – Ações possessórias de imóveis, excluídas as derivadas de arrendamento
rural, parceria agrícola, arrendamento mercantil e ocupação ou uso de bem
público...”
9. Respeitado os jurídicos argumentos deduzidos pela C. Câmara sus-
citada, com razão a C. Câmara suscitante ao ressaltar que “O fato de o imóvel
reivindicado e objeto do litígio ser erigido em área pública, não atrai a com-
petência desta Seção de Direito Público, pois a presente demanda não trata de
reivindicação de bem público, nem se discute a ocupação de bem público”.
10. De fato, a matéria em discussão está relacionada com disputa entre
particulares sobre bem imóvel erigido em área invadida, de propriedade do mu-
788
nicípio de Mauá, a qual inicialmente seria destinada a programa de urbanização
local, atualmente paralisado.
Jurisprudência - Órgão Especial 11. Posto isto, não se discute a ocupação de bem público, questão que se
revela secundária, incidental e mediata ao deslinde da controvérsia.
12. Inexiste, por conseguinte, interesse público direto a atrair a competên-
cia da Seção de Direito Público.
13. Nesse sentido, colaciona-se julgado deste e. Órgão Especial em caso
análogo:
“CONFLITO DE COMPETÊNCIA – Ação de reintegração de posse – Detenção,
pela autora, da posse de bem imóvel em razão de contrato de permissão mantido
com a FEPASA – Irrelevância do fato, neste caso, para fixação da competência
– Inexistência de pedido envolvendo a permissão de uso de bem público – Com-
petência em razão da matéria, que se firma pelo pedido inicial, ainda que haja
reconvenção ou ação contrária ou o réu tenha arguido fatos ou circunstâncias que
possam modificá-la (RITJ, art. 103) – Controvérsia estabelecida entre particu-
lares, envolvendo apenas relação jurídica de direito privado – Matéria inserida
na competência das Câmaras entre a 11ª e a 24ª da Seção de Direito Privado do
Tribunal de Justiça (art. 5º, II.7, da Resolução nº 623/2013) – Competência da C.
23ª Câmara da Seção de Direito Privado – Conflito de competência procedente.”
(Conflito de competência nº 0038235-36.2023.8.26.0000; Órgão julgador: Órgão
Especial; Relatora: Silvia Rocha; Data do julgamento: 13/12/2023)
14. Diante do exposto, pelo meu voto, JULGO PROCEDENTE o pre-
sente conflito, para declarar a competência da C. 13ª Câmara de Direito Pri-
vado, preventa, para processar e julgar o recurso de Agravo de Instrumento nº
2309562-86.2024.8.26.0000.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Conflito de Competência Cí-
vel nº 0016018-28.2025.8.26.0000, da Comarca de Mauá, em que é suscitante 9ª
CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO, é suscitada 13ª CÂMARA DE DIREITO
PRIVADO.
ACORDAM, em Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo,
proferir a seguinte decisão: “JULGARAM O CONFLITO PROCEDENTE E
COMPETENTE A 13ª CÂMARA DE DIREITO PRIVADO DO TRIBUNAL
DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO. V.U.”, de conformidade com o
voto do Relator, que integra este acórdão. (Voto nº 53297)
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FER-
NANDO TORRES GARCIA (Presidente sem voto), MÁRIO DEVIENNE
FERRAZ, GRAVA BRAZIL, LUIZ ANTONIO CARDOSO, BERETTA DA
SILVEIRA, FRANCISCO LOUREIRO, DAMIÃO COGAN, VICO MAÑAS,
789
ADEMIR BENEDITO, CAMPOS MELLO, VIANNA COTRIM, FÁBIO
GOUVÊA, MATHEUS FONTES, FIGUEIREDO GONÇALVES, GOMES
VARJÃO, ÁLVARO TORRES JÚNIOR, LUCIANA BRESCIANI, LUIS FER-
Jurisprudência - Órgão Especial
NANDO NISHI, MARCIA DALLA DÉA BARONE, SILVIA ROCHA, NUE-
VO CAMPOS, CARLOS MONNERAT, RENATO RANGEL DESINANO e
AFONSO FARO JR.
São Paulo, 11 de junho de 2025.
JOSÉ CARLOS FERREIRA ALVES, Relator
Ementa: DIREITO PROCESSUAL CIVIL. CON-
FLITO DE COMPETÊNCIA. AÇÃO DE REINTE-
GRAÇÃO DE POSSE ENTRE PARTICULARES.
IMÓVEL INSERIDO EM ÁREA PÚBLICA. PRO-
CEDÊNCIA DO CONFLITO.
I. Caso em Exame
1. Conflito de competência suscitado pela 9ª Câma-
ra de Direito Público do Tribunal de Justiça de São
Paulo em face da 13ª Câmara de Direito Privado, no
curso de Apelação Cível, envolvendo a reintegração
de posse de bem imóvel construído em área pública
ocupada por particulares.
II. Questão em Discussão
2. A questão em discussão consiste em determinar se
a competência para julgar a ação de reintegração de
posse de imóvel em área pública cabe à Seção de Di-
reito Público ou à Seção de Direito Privado do Tribu-
nal de Justiça de São Paulo.
III. Razões de Decidir
3. A competência é determinada pelo pedido inicial,
conforme art. 103 do RITJSP, e não pela natureza pú-
blica da área em que o bem imóvel foi erigido.
4. A disputa é entre particulares sobre imóvel em área
invadida, sem interesse público direto, não atraindo a
competência da Seção de Direito Público.
IV. Dispositivo e Tese
5. Conflito de competência procedente, declarando a
competência da 13ª Câmara de Direito Privado para
processar e julgar o recurso.
Tese de julgamento: “1. A competência é firmada pelo
pedido inicial, não pela natureza do bem”; “2. Dispu-
tas entre particulares sobre imóveis em áreas públicas
790
não atraem competência da Seção de Direito Públi-
co”.
Legislação Citada:
RITJSP, art. 103, 104.
Jurisprudência - Órgão Especial
Resolução do Órgão Especial nº 623/2013, arts. 1º, 3º,
5º.
Jurisprudência Citada:
TJSP, Conflito de competência nº 0038235-36.2023.8.26.0000, Rel. Silvia Rocha, Órgão Especial,
j. 13.12.2023.
RELATÓRIO.
1. Trata-se de conflito de competência suscitado pela C. 9ª Câmara de
Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, por meio do v. acórdão
copiado às fls. 24/39 do presente incidente, no curso do recurso de Apelação
Cível nº 1007365-48.2022.8.26.0348 e em face da C. 13ª Câmara de Direito
Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, sob o argumento de que a demanda
envolve relação jurídica nitidamente de caráter privado, qual seja, o direito de
se reintegrar na posse ou não em bem, ainda que de natureza pública, ocupado
por outro particular.
2. Por sua vez, a C. 13ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça
de São Paulo, pela r. Decisão Monocrática Terminativa copiada às fls. 12/16 do
presente incidente, de lavra do e. Des. Simões de Almeida, não conheceu do re-
curso, determinando a redistribuição a uma das Câmaras de Direito Público, por
considerar que “a área objeto da ação é bem público. Independentemente das
partes que compõem a lide, está configurado o interesse público”.
FUNDAMENTOS.
3. Após detido exame do presente incidente, cumpre reconhecer que a
razão está no entendimento da C. 9ª Câmara de Direito Público do Tribunal de
Justiça de São Paulo, o que determina o acolhimento da dúvida suscitada, nos
termos a seguir expostos.
4. De proêmio, anoto que a competência do órgão jurisdicional em segun-
do grau é determinada pelo pedido inicial, nos termos do art. 103 do RITJSP: “a
competência dos diversos órgãos do Tribunal firma-se pelos termos do pedido
inicial, ainda que haja reconvenção ou ação contrária ou o réu tenha arguido
fatos ou circunstância que possam modificá-lo”. E ainda, segundo o art. 104,
do mesmo estatuto, “a competência em razão da matéria, do objeto ou do título
jurídico é extensiva a qualquer espécie de processo ou tipo de procedimento”.
5. Extrai-se da r. sentença de fls. 165/172 dos autos principais que “a
problemática gira em torno de imóvel localizado em área pública, oriundo de
programa social de reurbanização local por meio do PAC (Programa de Ace-
791
leração do Crescimento do Governo Federal), iniciado no ano de 2011 e atual-
mente paralisado”.
6. Cinge-se a controvérsia em saber se o fato de imóvel objeto da presente
Jurisprudência - Órgão Especial
“ação de reintegração de posse com pedido liminar c.c indenização dos frutos”
estar inserido em área pública atrai ou não a competência da Seção de Direito
Público do Tribunal de Justiça de São Paulo.
7. Pois bem.
8. Os artigos 1º, 3º e 5º da Resolução do Órgão Especial nº 623/2013, que
“Dispõe sobre a composição do Tribunal de Justiça, fixa a competência de suas
Seções e dá outras providências”, acham-se assim redigidos:
“Art. 1º O Tribunal de Justiça, além de outros órgãos, é composto por três Se-
ções: Seção de Direito Criminal, Seção de Direito Público e Seção de Direito
Privado.
[...]
Art. 3º A Seção de Direito Público, formada por 8 (oito) Grupos, numerados
ordinalmente, cada um deles integrado por 2 (duas) Câmaras, salvo o 1º Grupo,
que é integrado pelas três primeiras Câmaras, e o 7º Grupo, que é integrado
pelas Câmaras 14ª, 15ª e 18ª, é constituída por 18 (dezoito) Câmaras, também
numeradas ordinalmente, assim distribuídas:
I – 1ª a 13ª Câmaras, com competência preferencial para o julgamento das
seguintes matérias:
(...)
I.11 – Ações de apossamento administrativo, de desistência de desapropriação e
de uso e ocupação e de reivindicação de bem público;
[...]
Art. 5º – A Seção de Direito Privado, formada por 19 (dezenove) Grupos,
numerados ordinalmente, cada um deles integrado por 2 (duas) Câmaras, em
ordem sucessiva, é constituída por 38 (trinta e oito) Câmaras, também numeradas
ordinalmente, e subdividida em 3 (três) Subseções, assim distribuídas:
(...)
II – Segunda Subseção, composta pelas 11ª a 24ª Câmaras, e pelas 37ª e 38ª, com
competência preferencial para o julgamento das seguintes matérias:
(...)
II.7 – Ações possessórias de imóveis, excluídas as derivadas de arrendamento
rural, parceria agrícola, arrendamento mercantil e ocupação ou uso de bem
público...”
9. Respeitado os jurídicos argumentos deduzidos pela C. Câmara sus-
citada, com razão a C. Câmara suscitante ao ressaltar que “O fato de o imóvel
reivindicado e objeto do litígio ser erigido em área pública, não atrai a com-
petência desta Seção de Direito Público, pois a presente demanda não trata de
reivindicação de bem público, nem se discute a ocupação de bem público”.
10. De fato, a matéria em discussão está relacionada com disputa entre
particulares sobre bem imóvel erigido em área invadida, de propriedade do mu-
nicípio de Mauá, a qual inicialmente seria destinada a programa de urbanização
792
local, atualmente paralisado.
11. Posto isto, não se discute a ocupação de bem público, questão que se
Jurisprudência - Órgão Especial revela secundária, incidental e mediata ao deslinde da controvérsia.
12. Inexiste, por conseguinte, interesse público direto a atrair a competên-
cia da Seção de Direito Público.
13. Nesse sentido, colaciona-se julgado deste e. Órgão Especial em caso
análogo:
“CONFLITO DE COMPETÊNCIA – Ação de reintegração de posse – Detenção,
pela autora, da posse de bem imóvel em razão de contrato de permissão mantido
com a FEPASA – Irrelevância do fato, neste caso, para fixação da competência
– Inexistência de pedido envolvendo a permissão de uso de bem público – Com-
petência em razão da matéria, que se firma pelo pedido inicial, ainda que haja
reconvenção ou ação contrária ou o réu tenha arguido fatos ou circunstâncias que
possam modificá-la (RITJ, art. 103) – Controvérsia estabelecida entre particu-
lares, envolvendo apenas relação jurídica de direito privado – Matéria inserida
na competência das Câmaras entre a 11ª e a 24ª da Seção de Direito Privado do
Tribunal de Justiça (art. 5º, II.7, da Resolução nº 623/2013) – Competência da C.
23ª Câmara da Seção de Direito Privado – Conflito de competência procedente.”
(Conflito de competência nº 0038235-36.2023.8.26.0000; Órgão julgador: Órgão
Especial; Relatora: Silvia Rocha; Data do julgamento: 13/12/2023)
14. Diante do exposto, pelo meu voto, JULGO PROCEDENTE o pre-
sente conflito, para declarar a competência da C. 13ª Câmara de Direito Pri-
vado, preventa, para processar e julgar o recurso de Agravo de Instrumento nº
2309562-86.2024.8.26.0000.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Conflito de Competência Cí-
vel nº 0011558-95.2025.8.26.0000, da Comarca de Ubatuba, em que é suscitan-
te 7ª CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO
ESTADO DE SÃO PAULO, é suscitada COLENDA 27ª CÂMARA DE DIREI-
TO PRIVADO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO.
ACORDAM, em Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo,
proferir a seguinte decisão: “JULGARAM O CONFLITO PROCEDENTE E
COMPETENTE A 27ª CÂMARA DE DIREITO PRIVADO DO TRIBUNAL
DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO. V.U.”, de conformidade com o
voto do Relator que integra este Acórdão. (Voto nº 39426)
O julgamento teve a participação dos Exmos Desembargadores FER-
NANDO TORRES GARCIA (Presidente sem voto), JARBAS GOMES, MAR-
CIA DALLA DÉA BARONE, SILVIA ROCHA, NUEVO CAMPOS, RENATO
RANGEL DESINANO, AFONSO FARO JR., JOSÉ CARLOS FERREIRA AL-
793
VES, LUIS SOARES DE MELLO, LUIZ EURICO, GERALDO WOHLERS,
PAULO ALCIDES, BERETTA DA SILVEIRA, FRANCISCO LOUREI-
RO, DAMIÃO COGAN, VICO MAÑAS, ADEMIR BENEDITO, CAMPOS
Jurisprudência - Órgão Especial
MELLO, MATHEUS FONTES, RICARDO DIP, FIGUEIREDO GONÇAL-
VES, GOMES VARJÃO, ÁLVARO TORRES JÚNIOR e LUCIANA BRES-
CIANI.
São Paulo, 21 de maio de 2025.
LUIS FERNANDO NISHI, Relator
Ementa: DIREITO PROCESSUAL CIVIL. CON-
FLITO DE COMPETÊNCIA. OBRIGAÇÃO DE FA-
ZER. INSTALAÇÃO DE SERVIÇOS E FORNECI-
MENTO DE ÁGUA E REDE DE ESGOTO.
I. Caso em Exame
Ação de obrigação de fazer movida contra a conces-
sionária de serviço público de água e esgoto, visando à
instalação de serviços de fornecimento de água e rede
de esgoto em seu imóvel.
II. Questão em Discussão
2. A questão em discussão consiste em determinar a
competência para julgar a apelação interposta, consi-
derando se a matéria é de direito público ou privado.
III. Razões de Decidir
3. A competência é determinada pelos elementos do
pedido inicial, conforme o artigo 103 do Regimento
Interno do Tribunal de Justiça.
4. A causa de pedir está fundamentada em relação de
direito privado, não envolvendo obra de infraestrutu-
ra de rede pública, o que mantém a competência na
Seção de Direito Privado.
IV. Dispositivo e Tese
5. Conflito negativo de competência julgado proce-
dente, declarando a competência da 27ª Câmara de
Direito Privado para julgar a apelação.
Tese de julgamento: 1. A competência para julgar
ações de obrigação de fazer relacionadas ao forneci-
mento de água e esgoto em loteamentos irregulares é
da Seção de Direito Privado.
Legislação Citada:
Art. 103 e 104 do Regimento Interno do Tribunal de
Justiça de São Paulo.
794
Art. 5º, § 1º, da Resolução 623/2013 do Órgão Espe-
cial.
Jurisprudência Citada:
TJSP, Conflito de competência cível 0021385-
Jurisprudência - Órgão Especial
04.2023.8.26.0000, Rel. Damião Cogan, Órgão Espe-
cial, j. 26.07.2023.
TJSP, Conflito de competência cível 0018389-67.2022.8.26.0000, Rel. Ademir Benedito, Órgão Es-
pecial, j. 24.08.2022.
TJSP, Conflito de competência cível 0031368-95.2021.8.26.0000, Rel. Elcio Trujillo, Órgão Especial,
j. 22.09.2021.
VOTO
Vistos.
Trata-se de Conflito de Competência suscitado incidentalmente pela 7ª
CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO, em razão de decisão da 27ª CÂMA-
RA DE DIREITO PRIVADO que declinou da competência para conhecer da
Apelação nº 1000747-78.2022.8.26.0642, interposta por COMPANHIA DE
SANEAMENTO BÁSICO DO ESTADO DE SÃO PAULO – SABESP (fls.
296/311) nos autos de ação de obrigação de fazer promovida por DALCIR NU-
NES DOS SANTOS.
Distribuído originalmente à C. 27ª Câmara de Direito Privado (fls. 326),
o recurso restou não conhecido, com determinação de redistribuição, nos termos
do voto da Relatora, Desª. Celina Dietrich Trigueiros, por entender ser a matéria
afeta à uma das Câmaras da Seção de Direito Público (fls. 431/435).
Em razão disso, o feito foi redistribuído à 7ª Câmara de Direito Públi-
co, sob relatoria do Des. Coimbra Schmidt, que, por sua vez, entendeu que a
questão em debate se encontra restrita à pretensão de ligação de rede de água e
esgoto na propriedade do autor, essencial à formação, por adesão, de contrato
de fornecimento de água, não se tratando de obra de execução de rede pública,
motivo pelo qual aplicáveis as disposições contidas no artigo 5º, § 1º, da Reso-
lução 623/2013 do Órgão Especial, sendo a competência de uma das Câmaras
da Segunda ou Terceira Subseções da Seção de Direito Privado (fls. 443/450).
É o relatório, passo ao voto.
I – Trata-se de ação de obrigação de fazer movida por Dalcir Nunes dos
Santos contra Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo – SA-
BESP, objetivando a instalação dos serviços de fornecimento de água e rede de
esgoto em seu imóvel.
De início, pertinente anotar que a competência do órgão jurisdicional em
segundo grau é determinada pelos elementos que compõem o pedido inicial, nos
795
termos do artigo 103 do Regimento Interno deste C. Tribunal de Justiça, verbis:
“Art. 103. A competência dos diversos órgãos do Tribunal firma-se pe-
los termos do pedido inicial, ainda que haja reconvenção ou ação contrária ou
o réu tenha arguido fatos ou circunstâncias que possam modificá-la. ”
Jurisprudência - Órgão Especial
Por sua vez, o artigo 104, do mesmo estatuto dispõe que:
“Art. 104. A competência em razão da matéria, do objeto ou do título
jurídico é extensiva a qualquer espécie de processo ou tipo de procedimento.”
No caso, a causa de pedir e pedidos deduzidos na petição inicial estão
fundados em relação de direito privado, buscando o consumidor a instalação
de ponto de abastecimento de água em sua residência, situada em loteamento
irregular.
A discussão versa exclusivamente sobre o fornecimento de água e insta-
lação de rede de esgoto no imóvel de propriedade do requerente, não se tratando
de obra de infraestrutura de rede pública, circunstância que deslocaria a com-
petência do julgamento da presente demanda para a Seção de Direito Público.
Em caso análogo, relativo à mesma ré, assim decidiu este C. Órgão Es-
pecial:
“Conflito de Competência. Agravo de Instrumento. Ação de obrigação
de fazer. Fornecimento de água e esgoto. Competência da Seção de Direito
Privado. Inteligência do artigo 5º, § 1º, da Resolução nº 623/2013, do Órgão
Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo. Precedentes do Órgão Especial.
Conflito conhecido e improvido para determinar o retorno dos autos à 29ª Câ-
mara de Direito Privado.
(TJSP; Conflito de competência cível 0021385-04.2023.8.26.0000; Relator: Da-
mião Cogan; Órgão Julgador: Órgão Especial; Data do Julgamento: 26/07/2023;
Data de Registro: 27/07/2023).
“CONFLITO DE COMPETÊNCIA – Ação de obrigação de fazer com
pedido de tutela provisória de urgência – Imóvel sem fornecimento de serviços
de saneamento básico – Água e esgoto – Negativa administrativa da concessio-
nária baseada na irregularidade do loteamento – Matéria de natureza privada
– Eventual irregularidade do imóvel ou presença do ente municipal no feito
não alteram a competência – Precedentes – Aplicação do art. 5º, § 1º, da Reso-
lução nº. 623/2013 – Competência da Seção de Direito Privado – Fixação da
competência da 14ª Câmara de Direito Privado – Conflito procedente.”
(TJSP; Conflito de competência cível 0018389-67.2022.8.26.0000; Rela-
tor: Ademir Benedito; Órgão Julgador: Órgão Especial; Data do Julgamento:
24/08/2022).
“CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA – Ação de obrigação
de fazer – Fornecimento de água e coleta de esgoto em imóvel – Existência
de precedentes deste Egrégio Órgão Especial – Aplicação do art. 5º, § 1º, da
Resolução nº 623/2013 – Competência da Segunda e Terceira Subseções de
Direito Privado (da 11ª à 38ª Câmaras) Conflito acolhido – PROCEDÊNCIA
para reconhecer a competência da Colenda 22ª Câmara de Direito Privado
do Tribunal de Justiça/SP para conhecer e julgar do agravo de instrumento
796
interposto.”
(TJSP; Conflito de competência cível 0031368-95.2021.8.26.0000; Relator: El-
cio Trujillo; Órgão Julgador: Órgão Especial; Data do Julgamento: 22/09/2021).
Assim, é o caso de acolhimento do conflito, fixando a competência da
Jurisprudência - Órgão Especial
Câmara suscitada para processar e julgar os recursos de Apelação nº 1000747-78.2022.8.26.0642, por força do preceito do artigo 5º, § 1º, da Resolução
623/2013, deste Órgão Especial.
II – Ante o exposto, e pelo meu voto, JULGO PROCEDENTE o con-
flito negativo, declarando a competência da 27ª Câmara de Direito Privado para
conhecer e julgar a Apelação nº 1000747-78.2022.8.26.0642.
Embargos de Declaração
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Embargos de Declaração Cí-
vel nº 2343208-87.2024.8.26.0000/50000, da Comarca de Taubaté, em que é
embargante MÔNICA SANCHES DE ASSIS, são embargados MUNICÍPIO
DE TAUBATÉ e FAZENDA PÚBLICA DO MUNICÍPIO DE TAUBATÉ.
ACORDAM, em Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo,
proferir a seguinte decisão: “REJEITARAM OS EMBARGOS DE DECLARA-
ÇÃO. V.U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.
(Voto nº 21.338)
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FER-
NANDO TORRES GARCIA (Presidente sem voto), RENATO RANGEL DE-
SINANO, JOSÉ CARLOS FERREIRA ALVES, ÁLVARO TORRES JÚNIOR,
LUIS SOARES DE MELLO, EUVALDO CHAIB, PAULO ALCIDES, MAU-
RICIO VALALA, BERETTA DA SILVEIRA, FRANCISCO LOUREIRO, XA-
VIER DE AQUINO, DAMIÃO COGAN, ADEMIR BENEDITO, CAMPOS
MELLO, VIANNA COTRIM, FÁBIO GOUVÊA, AROLDO VIOTTI, FI-
GUEIREDO GONÇALVES, GOMES VARJÃO, LUIS FERNANDO NISHI,
JARBAS GOMES, MARCIA DALLA DÉA BARONE, SILVIA ROCHA e
NUEVO CAMPOS.
São Paulo, 30 de abril de 2025.
CARLOS MONNERAT, Relator
Ementa: DIREITO PROCESSUAL CIVIL. EMBAR-
GOS DE DECLARAÇÃO. RECLAMAÇÃO. REJEI-
ÇÃO DOS EMBARGOS.
797
I. Caso em Exame
1. Embargos de declaração opostos por Mônica San-
ches de Assis contra acórdão que julgou improceden-
Jurisprudência - Órgão Especial
te a reclamação sobre irredutibilidade e incorporação
de 25% dos vencimentos referentes à função comis-
sionada na Prefeitura de Taubaté. A embargante ale-
ga omissão no acórdão por não enfrentar argumentos
de fato que poderiam alterar a conclusão.
II. Questão em Discussão
2. A questão em discussão consiste em determinar se
há omissão, contradição ou erro material no acórdão
que justifique a alteração do julgamento por meio dos
embargos de declaração.
III. Razões de Decidir
3. Embargos de declaração visam integrar julgado
com erro, obscuridade, omissão ou contradição, con-
forme artigo 1.022 do CPC.
4. Não se verifica contradição, erro material ou omis-
são no acórdão. O inconformismo da embargante é
com o resultado, não com vícios no acórdão.
IV. Dispositivo e Tese
5. Embargos de declaração rejeitados.
Tese de julgamento: 1. Embargos de declaração não
se prestam ao reexame de questões já apreciadas. 2.
Alteração de posicionamento de julgador não justifica
a atribuição de efeitos infringentes aos embargos.
Legislação Citada:
CPC, art. 1.022; art. 489, § 1º.
Jurisprudência Citada:
STF, ARE nº 1.388.722 ED-AgR-ED, Rel. Min. Rosa
Weber, Tribunal Pleno, j. 19.06.2023.
VOTO
Trata-se de recurso de embargos de declaração oposto, tempestivamente,
por MÔNICA SANCHES DE ASSIS em face de v. acórdão, cujo teor, por maio-
ria, julgou improcedente a reclamação, mantendo a r. decisão que, igualmente,
julgou improcedente o pedido de irredutibilidade e incorporação de 25% dos
vencimentos referentes à função comissionada exercida junto à Prefeitura de
Taubaté (fls. 1.487/1.496).
A embargante afirma que o v. acórdão é omisso, vez que não enfrentou
“os argumentos de fato deduzidos no processo, capazes de (...) alcançar con-
798
clusão diversa ao que foi julgado”. Sustenta que este n. Relator designado,
em outro processo, mudou seu posicionamento sobre a matéria, o que deveria
conduzir à alteração deste julgamento. Requer, desta forma, a modificação do
decisum para que seja julgada procedente a reclamação (fls. 01/08).
Jurisprudência - Órgão Especial
O recurso aportou em meu gabinete de trabalho em 04 de abril de 2025.
RELATADOS, passo a decidir.
Inicialmente, não custa lembrar que os embargos de declaração visam
integrar julgado que padeça de erro, obscuridade, omissão ou contradição.
Com efeito, o artigo 1.022 do Código de Processo Civil, que trata das
hipóteses de cabimento dos embargos de declaração, está assim redigido:
“Art. 1.022. Cabem embargos de declaração contra qualquer decisão judicial
para:
I – esclarecer obscuridade ou eliminar contradição;
II – suprir omissão de ponto ou questão sobre o qual devia se pronunciar o juiz
de ofício ou a requerimento;
III – corrigir erro material.
Parágrafo único. Considera-se omissa a decisão que:
I – deixe de se manifestar sobre tese firmada em julgamento de casos repetitivos
ou em incidente de assunção de competência aplicável ao caso sob julgamento;
II – incorra em qualquer das condutas descritas no art. 489, § 1º.”
O artigo 489, § 1º, do mesmo diploma legal, por sua vez, estabelece que:
“Art. 489. São elementos essenciais da sentença:
(...)
§ 1º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela
interlocutória, sentença ou acórdão, que:
I – se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem
explicar sua relação com a causa ou a questão decidida;
II – empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concre-
to de sua incidência no caso;
III – invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão;
IV – não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em
tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador;
V – se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus
fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta
àqueles fundamentos;
VI – deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invo-
cado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento
ou a superação do entendimento.”
In casu, a leitura do v. acórdão não permite observar qualquer dos moti-
vos autorizadores do manejo dos declaratórios. Não há contradição, erro mate-
rial, omissão a ser sanada ou ponto a ser integrado.
Percebe-se, claramente, que o inconformismo da embargante é com o
resultado, não com eventuais vícios existentes no v. acórdão.
Nesse sentido, segundo o E. Supremo Tribunal Federal, “não se prestam
799
os embargos de declaração, não obstante a vocação democrática e a finalidade
precípua de aperfeiçoamento da prestação jurisdicional, para o reexame das
questões de fato e de direito já apreciadas no acórdão embargado” (STF, ARE
Jurisprudência - Órgão Especial
nº 1.388.722 ED-AgR-ED, Relatora Ministra ROSA WEBER, Tribunal Pleno,
julgado em 19/6/2023, DJe 28/6/2023).
Vale ressaltar, a alteração de posicionamento de um dos julgadores não é
bastante para justificar a atribuição de efeitos infringentes aos embargos, com
alteração do resultado do julgado.
Em outras palavras, é inadmissível a utilização do presente recurso para
fazer prevalecer interpretação diversa sobre a matéria, eis que este não ostenta
caráter infringente, o que enseja a rediscussão em via própria.
Pelo exposto, rejeito os embargos de declaração.
Mandados de Segurança
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Mandado de Segurança Cível
nº 2307418-42.2024.8.26.0000, da Comarca de São Paulo, em que é impetrante
A.A.F., é impetrado GOVERNADOR DO ESTADO DE SÃO PAULO.
ACORDAM, em Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo,
proferir a seguinte decisão: “CONCEDERAM A SEGURANÇA. V.U. SUS-
TENTOU ORALMENTE A ADV. DRA. LIZIANE MARIA DA SILVA BAR-
ROS.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. (Voto
nº 48.136)
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FER-
NANDO TORRES GARCIA (Presidente sem voto), ADEMIR BENEDITO,
CAMPOS MELLO, VIANNA COTRIM, AROLDO VIOTTI, RICARDO DIP,
FIGUEIREDO GONÇALVES, GOMES VARJÃO, LUCIANA BRESCIANI,
LUIS FERNANDO NISHI, JARBAS GOMES, MARCIA DALLA DÉA BA-
RONE, SILVIA ROCHA, NUEVO CAMPOS, CARLOS MONNERAT, RENA-
TO RANGEL DESINANO, AFONSO FARO JR., JOSÉ CARLOS FERREIRA
ALVES, ÁLVARO TORRES JÚNIOR, GERALDO WOHLERS, BERETTA
DA SILVEIRA e FRANCISCO LOUREIRO.
São Paulo, 7 de maio de 2025.
VICO MAÑAS, Relator
Ementa: MANDADO DE SEGURANÇA – ato do Go-
vernador do Estado de SP que declarou a cassação da
800
aposentadoria de carcereiro condenado à perda da
função pública em ação penal, nos termos do art. 92,
I, “a” e “b”, do CP – controvérsia no Órgão Especial
acerca do cabimento da cassação de aposentadoria –
Jurisprudência - Órgão Especial
reprimenda não prevista no Código Penal – compreen-
são do STF e do STJ, porém, no sentido de que cabível
administrativamente – previsão na Lei 8.112/90 e no
Estatuto dos Servidores Públicos Civis do Estado de
SP – por isso, só pode ser determinada no âmbito ad-
ministrativo, descabendo aplicação imediata pelo Ju-
diciário – impossibilidade, contudo, de conversão da
sanção aplicada judicialmente em outra diversa, sem
prévio processo administrativo em que assegurados o
contraditório e a ampla defesa, com prolação de deci-
são fundamentada – entendimento do STJ, acompa-
nhado por alguns votos de integrantes do OE – ques-
tão preliminar ao mérito – processo administrativo de
conversão não verificado na hipótese – concessão da
segurança para cassar o ato administrativo prolatado
pelo Governador do Estado, que declarou a cassação
da aposentadoria do servidor, procedendo-se ao pa-
gamento integral das quantias referentes ao benefício
previdenciário desde a publicação do ato impetrado,
retomando-se o regular pagamento da aposentadoria
até decisão em contrário.
VOTO
Trata-se de mandado de segurança impetrado por A.A.F. contra ato do
Governador do Estado de São Paulo, consistente na aplicação, por decreto, de
pena de cassação de aposentadoria, não obstante condenação transitada em jul-
gado por corrupção passiva não tenha estipulado tal reprimenda, mas a perda da
função pública, nos termos do art. 92, I, “a” e “b”, do Código Penal.
Alega violação a direito adquirido e à coisa julgada, além de infringência
ao princípio da legalidade, uma vez que inexiste previsão legal para a reprimen-
da aplicada pelo Chefe do Executivo Estadual. Desse modo, busca a cassação do
ato, com a continuidade do recebimento dos proventos da aposentadoria.
Indeferida a liminar postulada (fls. 235/237).
O Governador do Estado de São Paulo prestou informações às fls. 252/257.
Autorizada a ingressar no feito como assistente litisconsorcial e oficiada
(fl. 286), a Fazenda Pública do Estado de São Paulo não se pronunciou (fl. 296).
A D. Procuradoria-Geral de Justiça opinou pela denegação da segurança
801
(fls. 261/283).
É o relatório.
A.A.F., então carcereiro, foi condenado em ação penal proposta pelo Mi-
Jurisprudência - Órgão Especial
nistério Público (Autos nº (...), da 3ª Vara Criminal da Comarca de São José dos
Campos), a 08 (oito) anos, 07 (sete) meses e 22 (vinte e dois) dias de reclusão,
em regime inicial fechado, e ao pagamento de 1001 (mil e um) dias-multa, fixa-
dos cada um em seu patamar mínimo, como incurso nos artigos 35, caput, c.c.
art. 40, II, ambos da Lei nº 11.343/2006, na forma do art. 13, caput e § 2º, “a”,
do Código Penal; e no art. 317, § 1º, c.c. arts. 29 e 71, também do CP, em con-
curso material de infrações, bem como à perda da função pública que ocupava
na ocasião (fls. 10/91).
A condenação se tornou definitiva após enfrentamento de recursos das
partes, inclusive perante o STJ (fls. 183/230).
Em 22 de agosto de 2024, publicado no diário oficial o seguinte decreto
do Governador do Estado de São Paulo (fl. 231):
O GOVERNADOR DO ESTADO DE SÃO PAULO, à vista do que consta dos
autos do Processo SEI-(...), declara a CASSAÇÃO DA APOSENTADORIA concedida
a A.A.F., RG (...), no cargo de Carcereiro, do Quadro da Secretaria da Segurança Pú-
blica, em virtude do acórdão, transitado em julgado, proferido pelo Tribunal de Justiça
do Estado de São Paulo, na Apelação Criminal nº (...), que lhe impôs, como efeito da
condenação, a perda do cargo público, nos termos das alíneas ‘a’ e ‘b’ do inciso I do
artigo 92 do Código Penal”.
Daí o presente “writ”.
1. A impetração aborda um dos temas mais controversos neste Órgão Es-
pecial.
Questiona-se se seria possível a aplicação de pena de cassação de apo-
sentadoria, administrativamente, a servidor público condenado judicialmente à
perda da função pública, nos termos do art. 92, I, “a” e “b”, do CP.
Aqueles que entendem pela negativa argumentam que 1) tal penalidade
não está prevista no Código Penal, tampouco na Lei de Improbidade Admi-
nistrativa, se o caso. Aplicá-la, assim, seria interpretar ampliativamente norma
sancionadora, em violação ao princípio da legalidade; 2) não há equivalência
entre a perda da função pública e a cassação da aposentadoria. Esta é direito de
caráter retributivo do servidor, decorrente das contribuições previdenciárias ao
longo da carreira. Fulminá-la representaria verdadeiro confisco e enriquecimen-
to ilícito do Estado.
Nessa linha: MS nº 2259285-03.2023.8.26.0000, Relatora Designada Lu-
ciana Bresciani, j. 07.02.2024; AgRg 2112408-12.2014.8.26.0000/50000, voto
divergente do Desembargador Paulo Dimas Mascaretti, j. 25.03.2015; ACP nº
2147683-22.2014.8.26.0000, voto vencido do Desembargador Damião Cogan,
j. 17.05.2023.
Por sua vez, os que opinam pelo cabimento da reprimenda sustentam que
802
1) a aposentadoria rompe o vínculo do servidor com a Administração Pública,
representando a cassação da benesse o cumprimento de decisão judicial transi-
tada em julgado que impôs a perda da função pública; 2) a possibilidade de cas-
sação evita que o servidor se aposente no curso da ação penal ou de improbidade
Jurisprudência - Órgão Especial
apenas para refugir à punição de perda da função; 3) não há direito adquirido à
aposentadoria. O servidor que comete grave infração funcional no exercício do
cargo e que é demitido a bem do serviço público igualmente não se aposenta. A
cassação da aposentadoria representaria penalidade funcional a servidor inativo;
4) não há confisco na cassação da aposentadoria. A contribuição previdenciária,
conforme o art. 40 da CF, tem natureza tributária.
Nesse sentido: MS nº 2101707-74.2023.8.26.0000; Relatora Marcia
Dalla Déa Barone, j. 15/09/2023; MS nº 2228156-14.2022.8.26.0000, Relator
Xavier de Aquino, j. 12.04.2023; ACP nº 2147683-22.2014.8.26.0000, Relator
Campos Mello, j. 17.05.2023.
Entre os dois posicionamentos, o que aparenta prevalecer nesta Corte e,
mais claramente, nos Tribunais Superiores, é o de que a cassação da aposentado-
ria, – exclusivamente pela via administrativa, saliente-se – é possível:
“ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMEN-
TAL. CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. ARTS. 127, IV, E 134 DA LEI
8.112/1990. PENALIDADE DISCIPLINAR DE CASSAÇÃO DE APOSENTADO-
RIA OU DISPONIBILIDADE. EMENDAS CONSTITUCIONAIS 3/1993, 20/1998 E
41/2003. PENALIDADE QUE SE COMPATIBILIZA COM O CARÁTER CONTRI-
BUTIVO E SOLIDÁRIO DO REGIME PRÓPRIO DE PREVIDÊNCIA DOS SER-
VIDORES. PODER DISCIPLINAR DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. AÇÃO JUL-
GADA IMPROCEDENTE. 1. As Emendas Constitucionais 3/1993, 20/1998 e 41/2003
estabeleceram o caráter contributivo e o princípio da solidariedade para o financiamento
do regime próprio de previdência dos servidores públicos. Sistemática que demanda
atuação colaborativa entre o respectivo ente público, os servidores ativos, os servidores
inativos e os pensionistas. 2. A contribuição previdenciária paga pelo servidor público
não é um direito representativo de uma relação sinalagmática entre a contribuição e
eventual benefício previdenciário futuro. 3. A aplicação da penalidade de cassação de
aposentadoria ou disponibilidade é compatível com o caráter contributivo e solidário
do regime próprio de previdência dos servidores públicos. Precedentes. 4. A perda do
cargo público foi prevista no texto constitucional como uma sanção que integra o poder
disciplinar da Administração. É medida extrema aplicável ao servidor que apresentar
conduta contrária aos princípios básicos e deveres funcionais que fundamentam a atua-
ção da Administração Pública. 5. A impossibilidade de aplicação de sanção administra-
tiva a servidor aposentado, a quem a penalidade de cassação de aposentadoria se mostra
como única sanção à disposição da Administração, resultaria em tratamento diverso
entre servidores ativos e inativos, para o sancionamento dos mesmos ilícitos, em pre-
juízo do princípio isonômico e da moralidade administrativa, e representaria indevida
restrição ao poder disciplinar da Administração em relação a servidores aposentados que
cometeram faltas graves enquanto em atividade, favorecendo a impunidade. 6. Arguição
conhecida e julgada improcedente” (STF, ADPF 418, Tribunal Pleno, Rel. Min. Alexan-
803
dre de Moraes; J. 15.04.2020).
“É possível a aplicação da pena de cassação de aposentadoria, ainda que não haja
previsão expressa na Lei nº 8.429/92. Isso porque se trata de uma decorrência lógica
da perda de cargo público, sanção essa última expressamente prevista no referido texto
Jurisprudência - Órgão Especial
legal” (STJ. 2ª Turma. AgInt no REsp 1628455/ES, Rel. Min. Francisco Falcão, julgado
em 06/03/2018).
“O entendimento desta Corte é firme no sentido da constitucionalidade da pena
de cassação de aposentadoria de servidor em razão da constatação da prática de infração
disciplinar apenada com demissão durante o exercício da função pública. Agravo inter-
no a que se nega provimento” (STJ, AgInt no MS n. 27.935/DF, relator Ministro Paulo
Sérgio Domingues, Primeira Seção, julgado em 2/9/2024, DJe de 5/9/2024).
Como se vê, firmes as decisões do STF e do STJ quanto ao cabimento
da cassação de aposentadoria. Ainda que as conclusões das Cortes Superiores
não sejam vinculantes, entendimento contrário deste Tribunal estará sujeito a
revisão via Recursos Especial ou Extraordinário, gerando desnecessária inse-
gurança jurídica sobre tema tão delicado, que afeta significativamente a vida do
jurisdicionado.
O que se veda é o sancionamento judicial imediato com a cassação. Ao
Judiciário só cabe aplicar a perda da função pública, consequência da conde-
nação prevista tanto no Código Penal (art. 92, I, CP), quanto na Lei de Im-
probidade Administrativa (art. 12, I, da Lei 8.429/92). Esta reprimenda poderá
ser convertida, administrativamente, em cassação de aposentadoria, cominada
como “pena disciplinar” no art. 251, VI, do Estatuto dos Funcionários Públicos
Civis do Estado de São Paulo (Lei Estadual 10.261/68), e no art. 127, IV, da Lei
8.112/90.
Basta ver o seguinte precedente do STJ:
“Oportuno destacar o entendimento firmado por esta Corte de que o magistrado
não tem competência para aplicar pena de cassação de aposentadoria a servidor pú-
blico condenado por ato de improbidade administrativa. Isto porque a Lei Federal n.
8.429/1992 é lei especial e posterior à Lei n. 8.112/1990, disciplinando, especificamen-
te, ‘as sanções aplicáveis aos agentes públicos’ que incorram nos atos de improbidade
administrativa previstos na referida legislação. Portanto, no âmbito da persecução cível
por meio de processo judicial, e por força do princípio da legalidade estrita em matéria
de direito sancionador, as sanções aplicáveis limitam-se àquelas previstas pelo legis-
lador, não sendo competência do Judiciário estender ou adequar referidas sanções de
modo diverso àquelas inicialmente determinadas. Vale dizer, no tocante às penalidades
de demissão e de cassação de aposentadoria, que estas serão aplicadas, privativamen-
te, pela autoridade máxima da administração pública no nível federativo do respectivo
ramo do poder ou Ministério Público, nos termos do disposto no art. 141, I, da Lei n.
8.112/1990, que prevê a aplicação das penalidades disciplinares e a competência espe-
cífica do responsável por sua atribuição” (STJ, AgInt no AREsp n. 1.773.833/SP, relator
Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 20/6/2023, DJe de 22/6/2023).
O raciocínio se amolda perfeitamente às hipóteses de condenação por ou-
tros ilícitos, nos termos do art. 92, I, “a” e “b”, do CP, já que também no Código
804
Penal não há previsão da reprimenda de cassação de aposentadoria.
2. No entanto, toda a discussão acima explanada adentra o mérito da ques-
tão e, na hipótese destes autos, há questão preliminar que, embora não alegada,
por sua extrema relevância não pode ser ignorada, afastando, ao menos por ora,
Jurisprudência - Órgão Especial
a necessidade de adentrar na matéria de fundo.
Com efeito, o ato administrativo impugnado, que sancionou o autor com
a perda da aposentadoria, foi aplicado sem que lhe fosse franqueado o contradi-
tório e a ampla defesa no âmbito extrajudicial. Com isso, foi surpreendido por
punição da qual não se defendeu.
A violação a direitos líquidos e certos, previstos constitucionalmente,
a nosso ver, não pode ser relativizada. Tanto que a circunstância surge como
fundamento em votos deste OE que discordam da punição discutida, os quais
impressionam pela densidade jurídica (MS nº 2101707-74.2023.8.26.0000, voto
divergente do Desembargador Ricardo Dip, j. 06.09.2023; MS nº 2259285-03.2023.8.26.0000, Relatora Designada Luciana Bresciani, j. 07.02.2024).
Pontua o Desembargador Ricardo Dip no voto referido que o próprio Es-
tatuto dos Funcionários Públicos Civis do Estado de SP (Lei nº 10.261/1968),
especialmente em seus arts. 268 e 270, na redação trazida pela Lei Complemen-
tar nº 942/2003, estabelece que “a apuração das infrações será feita mediante
sindicância ou processo administrativo, assegurados o contraditório e a ampla
defesa” e que “será obrigatório o processo administrativo quando a falta disci-
plinar, por sua natureza, possa determinar as penas de demissão, de demissão
a bem do serviço público e de cassação de aposentadoria ou disponibilidade”.
Ademais, continua a declaração de voto, mesmo que despicienda a “apu-
ração das infrações” no âmbito administrativo – porque já atestadas no âmbito
da Justiça Criminal – necessário procedimento em que se garanta o contraditório
para incidência de sanção que não resulta automaticamente da sentença penal
condenatória, como é a hipótese da cassação de aposentadoria, quer por absolu-
ta ausência de previsão legal para tanto no Código Penal, quer porque, quando
definida a inculpação, o impetrante ainda se encontrava na ativa.
Deve-se garantir ao condenado judicialmente o devido processo legal
igualmente no âmbito administrativo, em que possa argumentar, se assim dese-
jar, contra a jurisprudência que defende a equivalência entre a perda da função
pública e a cassação da aposentadoria. E a decisão que encerrar tal procedimen-
to deve ser fundamentada, esmiuçando o porquê de sua conclusão em um ou
outro sentido.
Na verdade, no presente caso, de uma sentença judicial que aplicou a
sanção de perda da função pública, passou-se imediatamente para um mero de-
creto do Executivo Estadual que determinou a cassação da aposentadoria, sem
qualquer justificativa para a troca.
Como salienta o Desembargador Ricardo Dip:
805
“esta solução administrativa, por mais possa em abstrato ser tida por lícita, exige
que se observe o devido processo legal. Não era de admitir que, por meio de ato margi-
nado do direito de defesa e do contraditório, a Administração pudesse infligir, medindo
um juízo de interpretação, a impugnada cassação da aposentadoria.
Jurisprudência - Órgão Especial
(...)
Extrair a cogitada equipolência das situações (ou seja, que a perda de cargo equi-
vale, de algum modo, à cassação da aposentadoria) exigia a necessidade, por primeiro,
de interpretar o julgado penal à luz de fatos que nele não se consideraram.
Além disto, seria de esperar houvesse explícita fundamentação jurídica corres-
pondente a essa recrutada equivalência de sanções; mas, não constando fundamento
expresso bastante no decreto alvejado pela segurança, já isto pareceria sugerir maculado
o ato administrativo contra o qual se volta o impetrante (arg. do art. 93 da Constituição
federal; veja-se, por muitos, Juarez Freitas, O controle dos atos administrativos e os
princípios fundamentais , ed. Malheiros, 4.ed., São Paulo, 2009, p. 418 et sqq.).
Por fim, o impetrante não pôde contraditar no âmbito administrativo essa discu-
tida equivalência e, por mais razoável que se suponha, ela só pode ser um posterius em
relação ao direito de defesa e de contraditório” (MS nº 2101707-74.2023.8.26.0000,
voto divergente do Desembargador Ricardo Dip, j. 06.09.2023).
Não há argumento que possa retorquir os fundamentos expostos.
Princípios básicos, definidores da ciência jurídica, o contraditório e a am-
pla defesa devem ser assegurados, consoante o art. 5º, LV, da Constituição Fede-
ral, a todos os litigantes em processos judiciais ou administrativos.
Na hipótese, se essas garantias revestiram toda a ação penal que resultou
na perda da função pública, o mesmo não se deu no âmbito administrativo,
em que declarada a cassação da aposentadoria pelo Governador sem notícia de
qualquer procedimento prévio de conversão de uma sanção em outra, em que
assegurados o contraditório e a ampla defesa ao impetrante.
Com efeito, tem direito o servidor aposentado, para quem já não é mais
cabível a perda da função pública, aplicada como sanção em condenação judi-
cial, de discutir na esfera administrativa a possibilidade ou não de ter a aposen-
tadoria cassada, já que tal reprimenda não é, legalmente, decorrência automá-
tica da inculpação criminal ou cível. Absolutamente despropositada a simples
conversão, pelo Governador do Estado, da pena determinada pelo Judiciário em
outra, sem que seja oportunizada a defesa ao interessado, em que poderá arguir
o que entender pertinente para tentar evitar a alteração da punição, a qual, ade-
mais, deve ser devidamente fundamentada, o que igualmente não se verificou
no caso.
Veja-se que o processo administrativo que se desenvolverá não terá mais
como objeto os fatos que resultaram na condenação. Estes já constituem coisa
julgada judicial. O feito tratará somente da viabilidade de mudança extrajudicial
da sanção de perda da função pública em cassação de aposentadoria.
Sobre o tema, julgados do STJ:
“ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. CASSAÇÃO DE APOSENTA-
806
DORIA. EFEITO DA CONDENAÇÃO CRIMINAL. IMPOSSIBILIDADE. PROCES-
SO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. NECESSIDADE. 1. Essa Corte tem o enten-
dimento de que não é possível a cassação da aposentadoria de servidor público como
efeito da condenação criminal, ainda que a sentença penal tenha mencionado a perda do
Jurisprudência - Órgão Especial
cargo como efeito secundário, uma vez que os efeitos da condenação penal contidos no
art. 92 do Código Penal são previstos em relação numerus clausus, não sendo permitida
nenhuma interpretação extensiva. Precedentes. 2. Apesar de não ser possível a cassa-
ção da aposentadoria de servidor público apenas como efeito da condenação criminal,
a referida punição pode ser aplicada na esfera administrativa, após regular processo
administrativo disciplinar. 3. Hipótese em que a Administração efetivou a cassação da
aposentadoria do servidor público em razão da condenação criminal, o que é inviável,
nos moldes do entendimento desta Corte. 4. Agravo interno desprovido. (AgInt nos
EDcl no RMS n. 54.091/MS, relator Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado
em 19/4/2021, DJe de 5/5/2021).
“ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. SERVIDOR PÚBLICO. CON-
DENAÇÃO CRIMINAL. APOSENTADORIA. CASSAÇÃO AUTOMÁTICA. IM-
POSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE REGULAR PROCESSO ADMINISTRA-
TIVO DISCIPLINAR. OBSERVÂNCIA DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA
DEFESA. PRECEDENTES. RECURSO ESPECIAL NÃO PROVIDO. 1. O Supremo
Tribunal Federal, no julgamento da ADPF 418/DF, afirmou a constitucionalidade do
disposto no arts. 127, IV, e 134 da Lei n. 8.112/1990, entendendo cabível a penalidade
de cassação da aposentadoria ao servidor que, na atividade, praticou falta grave. 2. Este
Tribunal Superior já estabeleceu a impossibilidade da interpretação extensiva do art. 92,
I, do Código Penal, inadmitindo a cassação da aposentadoria como efeito da condenação
criminal imposta com base nesse dispositivo legal. 3. Entretanto, à luz da orientação da
Corte Maior, é possível a imposição da penalidade no regular processo administrativo
disciplinar. Precedente. 4. A apuração da irregularidade cometida no serviço público
deve ser realizada em procedimento que assegure ao acusado a ampla defesa, seja ela
em sindicância ou processo administrativo disciplinar. Ademais, o art. 153 da Lei n.
8.112/1990 impõe a observância do princípio do contraditório no inquérito. 5. Recurso
especial a que se nega provimento” (STJ, REsp 1.589.697/MT, Rel. Ministro OG FER-
NANDES, SEGUNDA TURMA, DJe de 17/12/2021).
“PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL.
CONDENAÇÃO CRIMINAL. CASSAÇÃO DE APOSENTADORIA. PROCEDI-
MENTO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. NECESSIDADE. ROL NUMERUS
CLAUSUS. JURISPRUDÊNCIA DO STJ. 1. A jurisprudência desta Corte Superior é no
sentido de que a cassação de aposentadoria não decorre automaticamente como efeito da
condenação criminal, somente sendo possível após regular procedimento administrativo
disciplinar, visto que os efeitos da condenação penal contidos no art. 92 do Código Penal
são previstos em relação numerus clausus, não sendo permitida nenhuma interpretação
extensiva. Precedente: AgInt nos EDcl no RMS 54.091/MS, Primeira Turma, relator
Ministro Gurgel de Faria, julgado em 19/4/2021, DJe 5/5/2021. 2. Agravo interno a que
se nega provimento” (STJ, AgInt no REsp n. 1.929.241/DF, relator Ministro Og Fernan-
des, Segunda Turma, julgado em 5/10/2021, DJe de 3/11/2021).
No STF, a questão da necessidade de processo administrativo em que se
807
assegure o contraditório e a ampla defesa para conversão da reprimenda judicial
de perda da função pública em cassação da aposentadoria nunca teve o mérito
enfrentado, por se compreender que a verificação de desrespeito a tais princípios
Jurisprudência - Órgão Especial
“dependente de prévia análise da adequada aplicação das normas infraconstitu-
cionais”, ao que eventual inconstitucionalidade seria apenas reflexa, afastando a
competência daquela Corte:
“AGRAVO INTERNO NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO.
ADMINISTRATIVO. CASSAÇÃO DE APOSENTADORIA. POSSIBILIDADE. PRE-
CEDENTES. PROCESSO ADMINISTRATIVO. REGULARIDADE. INCURSIONA-
MENTO NO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA
279 DO STF. SUPOSTA OFENSA AOS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO, DA
AMPLA DEFESA E DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. MATÉRIA SEM REPER-
CUSSÃO GERAL. TEMA 660. ARE 748.371. ALEGADA VIOLAÇÃO AO ARTIGO
93, IX, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. INEXISTÊNCIA. AGRAVO INTERPOS-
TO SOB A ÉGIDE DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. MAJORAÇÃO DOS
HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA. ARTIGO 85, § 11, DO CPC/2015. AGRAVO
INTERNO DESPROVIDO. (…) Os princípios da ampla defesa, do contraditório, do
devido processo legal e os limites da coisa julgada, quando debatidos sob a ótica infra-
constitucional, não revelam repercussão geral apta a tornar o apelo extremo admissível,
consoante decidido pelo Plenário Virtual do STF, na análise do ARE 748.371, da Relato-
ria do Min. Gilmar Mendes, o qual possui a seguinte ementa: ‘Alegação de cerceamento
do direito de defesa. Tema relativo à suposta violação aos princípios do contraditório,
da ampla defesa, dos limites da coisa julgada e do devido processo legal. Julgamento
da causa dependente de prévia análise da adequada aplicação das normas infraconstitu-
cionais. Rejeição da repercussão geral’” (ARE 1034320 AgR, Relator: LUIZ FUX, Pri-
meira Turma, julgado em 30-06-2017, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-171 DIVULG
03-08-2017 PUBLIC 04-08-2017).
Em suma: segundo os Tribunais Superiores, é possível a conversão da
pena de perda de função pública, aplicada judicialmente, em sanção de cassação
de aposentadoria, desde que assim se proceda em processo administrativo pró-
prio, em que se garanta ao servidor o contraditório e a ampla defesa, com deci-
são final fundamentada. A cassação de aposentadoria jamais pode ser aplicada
diretamente pelo Poder Judiciário, por carência de previsão legal para tanto.
No caso trazido à colação, à perda de função pública ordenada pelo Ju-
diciário na ação criminal deveria ter se seguido processo administrativo para
conversão da reprimenda em cassação da aposentadoria concedida a A.A.F., a
ele assegurado o contraditório e a ampla defesa, ao final proferida decisão de-
vidamente motivada. Como tal não se deu, caracterizada flagrante violação a
direito líquido e certo do impetrante, a ser corrigida por esta via.
Incumbe à Administração, portanto, instaurar o procedimento administra-
tivo de conversão da pena judicial de perda da função pública na sanção admi-
nistrativa de cassação de aposentadoria. Até a finalização do processo, o autor
deverá voltar a receber normalmente a sua aposentadoria e ser ressarcido pelo
808
período que deixou de auferi-la.
3. Frente ao exposto, concede-se a segurança para cassar o ato adminis-
trativo prolatado pelo Governador do Estado que declarou a cassação da aposen-
tadoria de A.A.F., procedendo-se ao pagamento integral das quantias referentes
Jurisprudência - Órgão Especial
ao benefício previdenciário desde a publicação do ato impetrado, retomando-se
o regular pagamento da aposentadoria até decisão em contrário.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Mandado de Segurança Cí-
vel nº 0238900-54.2012.8.26.0000, da Comarca de São Paulo, em que são im-
petrantes MTP FABRIL TUBOS DE AÇO E SERVIÇOS LTDA. E OUTRAS
– GRUPO MTP (MASSA FALIDA) e FERNANDO CELSO DE AQUINO
CHAD (ADMINISTRADOR JUDICIAL), é impetrado PRESIDENTE DO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO.
ACORDAM, em Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo,
proferir a seguinte decisão: “DENEGARAM A SEGURANÇA, COM OBSER-
VAÇÃO, EM JUÍZO DE RETRATAÇÃO. V.U. IMPEDIDO O EXMO. SR.
DES. FERNANDO TORRES GARCIA. JULGAMENTO PRESIDIDO PELO
EXMO. SR. DES. BERETTA DA SILVEIRA.”, de conformidade com o voto do
Relator, que integra este acórdão. (Voto nº 45.685)
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores BERE-
TTA DA SILVEIRA (Presidente), LUCIANA BRESCIANI, LUIS FERNAN-
DO NISHI, JARBAS GOMES, MARCIA DALLA DÉA BARONE, SILVIA
ROCHA, NUEVO CAMPOS, CARLOS MONNERAT, RENATO RANGEL
DESINANO, AFONSO FARO JR., JOSÉ CARLOS FERREIRA ALVES, ÁL-
VARO TORRES JÚNIOR, MÁRIO DEVIENNE FERRAZ, PAULO AYROSA,
LUIS SOARES DE MELLO, PINHEIRO FRANCO, FRANCISCO LOUREI-
RO, DAMIÃO COGAN, VICO MAÑAS, ADEMIR BENEDITO, CAMPOS
MELLO, MATHEUS FONTES e RICARDO DIP.
São Paulo, 12 de março de 2025.
GOMES VARJÃO, Relator
Ementa: Mandado de segurança. Ato impugnado
que extinguiu pedido de sequestro de rendas com
fundamento em inadimplemento de precatório. Cré-
dito anterior à EC nº 62/09. Concessão da seguran-
ça. Superveniência do julgamento do RE 659172/SP
que culminou na edição do Tema nº 519 do E. STF.
Retroatividade da Emenda Constitucional a precató-
809
rio expedido antes de sua promulgação. Reexame do
mandamus (art. 1.040, II, CPC).
Segurança denegada.
Jurisprudência - Órgão Especial
VOTO
Trata-se de mandado de segurança impetrado contra decisão proferida
pelo Exmo. Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que extin-
guiu pedido de sequestro1, com fundamento na EC nº 62/09 (fls. 95/99).
Concedida liminarmente a segurança com determinação de prossegui-
mento do pedido de sequestro (fl. 102), houve confirmação por meio do v. acór-
dão de fls. 171/186, a interessada Caixa Beneficente da Polícia Militar do Es-
tado de São Paulo interpôs Recurso Extraordinário (fls. 217/228), submetido à
repercussão geral decorrente do processamento do RE 659172/SP (fls. 266/267).
Com o julgamento deste, os autos retornaram para reexame, nos moldes do art.
1.040, II, do CPC (fl. 332).
Facultada à impetrante manifestação acerca da manutenção do interesse
processual (fl. 338), informou a credora não ter constatado depósito nestes autos
(fl. 357).
É o relatório.
Procede-se ao reexame da matéria, a fim de adequar o julgamento ao
entendimento vinculante fixado no Tema nº 519, conforme o decidido no RE
659172/SP, cuja ementa se transcreve:
Recurso extraordinário. Repercussão geral. Tema nº 519. Direito constitucional.
Regime especial de precatórios da EC nº 62/2009. Artigo 97 do ADCT. Incons-
titucionalidade reconhecida pelo STF. Questão de ordem. Efeitos prospectivos.
Aplicação a precatórios já expedidos na vigência da EC nº 30/2000 (art. 78 do
ADCT). Recurso extraordinário prejudicado em razão da quitação integral do
débito. Perda superveniente de objeto recursal.
1. No julgamento da ADI nº 4.357/DF, o Tribunal Pleno declarou a inconstitu-
cionalidade do regime “especial” de pagamento de precatórios criado pela EC
nº 62/09 destinado aos estados e aos municípios, por violação do princípio da
separação de poderes, do postulado da isonomia, da garantia do acesso à justiça,
da efetividade da tutela jurisdicional, do direito adquirido e da coisa julgada.
2. Por força da tese prevalecente na apreciação da Questão de Ordem suscitada
na ADI nº 4.425/DF, a declaração de inconstitucionalidade somente produziu
efeito a partir de 1º de fevereiro de 2020, motivo pelo qual, no período entre a
data da promulgação da EC nº 62/2009 e 1º de fevereiro de 2020, o sequestro
de verbas públicas para pagamento de precatórios anteriores à referida emenda
estava autorizado, desde que enquadrado nas novas hipóteses constitucionais que
autorizavam o sequestro de verbas públicas, que eram excepcionais e incidiam
exclusivamente para os casos nela especificados.
3. No caso concreto, o procedimento de sequestro foi extinto em razão da quita-
1 Processo nº 0130271-83.2012.8.26.0000
810
ção integral do débito, o que acarreta a prejudicialidade do recurso extraordiná-
rio, em razão da perda superveniente do objeto recursal.
4. Recurso extraordinário julgado prejudicado, fixando-se a seguinte tese para o
Tema nº 519 de Repercussão Geral:
Jurisprudência - Órgão Especial
‘O regime especial de precatórios trazidos pela EC nº 62/09 aplica-se aos
precatórios expedidos anteriormente a sua promulgação, observados a de-
claração de inconstitucionalidade parcial quando do julgamento da ADI nº
4.425 e os efeitos prospectivos do julgado’. (g.n.)
Observe-se que a pretensão deduzida no pedido de sequestro veio funda-
da em ofensa à ordem cronológica de pagamento, em razão do disposto no art.
78, § 4º, do ADCT:
Art. 78 – Ressalvados os créditos definidos em lei como de pequeno valor, os de
natureza alimentícia, os de que trata o art. 33 deste Ato das Disposições Constitu-
cionais Transitórias e suas complementações e os que já tiverem os seus respecti-
vos recursos liberados ou depositados em juízo, os precatórios pendentes na data
de promulgação desta Emenda e os que decorram de ações iniciais ajuizadas até
31 de dezembro de 1999 serão liquidados pelo seu valor real, em moeda corren-
te, acrescido de juros legais, em prestações anuais, iguais e sucessivas, no prazo
máximo de dez anos, permitida a cessão dos créditos.
(...)
§ 4º O Presidente do Tribunal competente deverá, vencido o prazo ou em caso de
omissão no orçamento, ou preterição ao direito de precedência, a requerimento do
credor, requisitar ou determinar o sequestro de recursos financeiros da entidade
executada, suficientes à satisfação da prestação.
Tal argumento foi rejeitado pelo ato impugnado, que entendeu pela extin-
ção do pedido em razão da promulgação da EC nº 62/09.
Contudo, a anterior análise do presente mandado concluiu pela possibili-
dade de prosseguimento do pedido de sequestro, em razão da inconstitucionali-
dade da aplicação retroativa da Emenda mencionada. Transcreva-se a ementa do
v. acórdão relatado pelo I. Des. GUILHERME G. STRENGER:
Mandado de Segurança – Impetração contra ato do Presidente do Tribunal de
Justiça do Estado de São Paulo, que, em razão do advento da Emenda Constitu-
cional nº 62/09, decretou a extinção do pedido de sequestro de rendas formulado
pelo impetrante – Inconsistência da preliminar de falta de interesse de agir, invo-
cada pelo litisconsorte passivo necessário Inadmissibilidade, quanto ao mais, da
retroação do regime especial de liquidação de precatórios judiciários, instituído
pelo novel artigo 97 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, aos
requisitórios expedidos em data anterior à de sua entrada em vigor, sob pena
de afronta ao postulado da separação dos poderes, à cláusula pétrea atinente à
intangibilidade do ato jurídico perfeito, do direito adquirido e da coisa julgada e
aos princípios da moralidade e da razoabilidade (respectivamente, artigos 2º, 5º,
inciso XXXVI, e 37, todos da Carta da República) – Precedentes deste Colendo
Órgão Especial – Segurança concedida.
Nessa medida, e diante do entendimento vinculante fixado no Tema nº
811
519, é o caso de se retratar tal julgamento, com denegação da segurança.
Com efeito, a aplicação retroativa da EC nº 62/09 aos precatórios expe-
didos antes de sua promulgação, considerada a suspensão liminar concedida na
Jurisprudência - Órgão Especial
ADI 2356/DF, obsta o sequestro de rendas pretendido pelo impetrante, eis que
permitida a medida tão somente entre a promulgação da mencionada Emenda e
a declaração de parcial inconstitucionalidade na ADI 4.425/DF, e caso o pedido
fosse fundado em falta de liberação de recursos para depósito relativo ao regime
especial de pagamentos, hipótese diversa da sustentada pelo autor, vale dizer,
ofensa à ordem de pagamento.
Ante o exposto, reexaminada a matéria com fundamento no art. 1.040, II,
do CPC, denego a segurança, e condeno o impetrante ao pagamento de custas e
despesas processuais, observada a gratuidade.
É meu voto.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos do Mandado de Segurança Cível
nº 2008686-73.2025.8.26.0000, da Comarca de São Paulo, em que é impetrante
A.B.V., é impetrado PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTA-
DO DE SÃO PAULO.
ACORDAM, em Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo,
proferir a seguinte decisão: “DENEGARAM A SEGURANÇA. V.U. IMPEDI-
DO O EXMO. SR. DES. FERNANDO TORRES GARCIA. JULGAMENTO
PRESIDIDO PELO EXMO. SR. DES. BERETTA DA SILVEIRA.”, de confor-
midade com o voto do Relator, que integra este acórdão. (Voto nº 40.213)
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores BERE-
TTA DA SILVEIRA (Presidente), AFONSO FARO JR., JOSÉ CARLOS FER-
REIRA ALVES, MÁRIO DEVIENNE FERRAZ, LUIZ ANTONIO CARDO-
SO, XAVIER DE AQUINO, DAMIÃO COGAN, VICO MAÑAS, ADEMIR
BENEDITO, CAMPOS MELLO, FÁBIO GOUVÊA, MATHEUS FONTES,
RICARDO DIP, FIGUEIREDO GONÇALVES, GOMES VARJÃO, ÁLVA-
RO TORRES JÚNIOR, LUCIANA BRESCIANI, LUIS FERNANDO NISHI,
MARCIA DALLA DÉA BARONE, SILVIA ROCHA, NUEVO CAMPOS e
CARLOS MONNERAT.
São Paulo, 28 de maio de 2025.
RENATO RANGEL DESINANO, Relator
Ementa: MANDADO DE SEGURANÇA – Impetra-
ção contra ato do Presidente do Tribunal de Justiça do
Estado de São Paulo, que deixou de nomear a impe-
812
trante para o cargo de Escrevente Técnico Judiciário
– Candidata aprovada fora do número de vagas ofer-
tadas no edital do certame – O surgimento de novas
vagas ou a abertura de novo concurso para o mesmo
Jurisprudência - Órgão Especial
cargo, durante o prazo de validade do certame ante-
rior, não gera automaticamente o direito à nomeação
dos candidatos aprovados fora das vagas previstas no
edital – Incidência do Tema 784 de Repercussão Ge-
ral – Inocorrência de preterição durante a vigência do
concurso para o qual a impetrante foi aprovada – Au-
sência de direito líquido e certo – Precedentes deste C.
Órgão Especial – SEGURANÇA DENEGADA.
VOTO
Trata-se de “mandado de segurança preventivo c/c pedido liminar” im-
petrado por A.B.V., candidata aprovada na 70ª colocação da lista geral para o
cargo de Escrevente Técnico Judiciário na Circunscrição Judiciária de Piraci-
caba.
A impetrante esclarece que alcançou a 70ª posição no concurso público
realizado pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo em 2021 para o car-
go de Escrevente Técnico Judiciário da 4ª Região Administrativa (Piracicaba),
cuja validade terminou em 24/11/2024. Sustenta que em 14/11/2024 ocorreu
a última convocação da lista geral, referente à candidata classificada em 62º
lugar. Afirma que, antes do término da validade do concurso de 2021, o impe-
trado iniciou novo concurso com edital publicado em 20/05/2024 para o mesmo
cargo. Aduz que a “sobreposição dos dois concursos públicos (2021 e 2024)
enseja o direito da candidata porque viola o princípio da continuidade da va-
lidade dos concursos e o respeito à ordem de classificação dos aprovados no
concurso anterior”. Alega que tal “situação configura uma ameaça concreta de
preterição, especialmente considerando que o concurso de 2021 ainda estava
vigente no momento da abertura do concurso de 2024”. Afirma haver “ris-
co concreto de que candidatos do novo certame sejam convocados para vagas
surgidas durante a validade do concurso anterior”. Em sede liminar, requer a
determinação de “suspensão imediata das convocações após o resultado final
referente ao concurso público regido pelo Edital de 20 de maio de 2024 para
o cargo de Escrevente Técnico Judiciário – 4a Região – Piracicaba”. Ao final,
pugna pela “concessão da segurança a fim de resguardar o direito líquido e
certo da Impetrante, determinando que o Impetrado se abstenha de praticar
atos que violem a ordem classificatória do concurso de 2021, assegurando que
as primeiras convocações para o cargo de Escrevente Técnico Judiciário – 4a
Região – Piracicaba do concurso 2024 sejam realizadas, prioritariamente, com
813
candidatos aprovados no concurso 2021, respeitando a ordem de classificação,
até a classificação da impetrante na posição 70, garantido o direito à nomeação
da Impetrante, assegurando a eficácia do presente mandado de segurança”.
Jurisprudência - Órgão Especial
Foi concedida a gratuidade da justiça à impetrante e indeferida a liminar
pretendida (fls. 235/238).
A autoridade impetrada prestou informações (fls. 243/257).
Parecer pela D. Procuradoria-Geral de Justiça, opinando pela denegação
da ordem (fls. 269/274).
É o relatório.
PASSO A VOTAR.
Trata-se de mandado de segurança impetrado por A.B.V. em face do
Exmo. Des. Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em razão
da omissão em nomeá-la para o cargo de Escrevente Técnico Judiciário da 34ª
Circunscrição Judiciária (Piracicaba), pertencente à 4ª Região Administrativa
Judiciária – RAJ.
Depreende-se dos autos que, em concurso público realizado em 2021,
com previsão de três vagas para a lista geral, uma para a lista de candidatos
negros e uma para a lista especial, a impetrante se classificou na 70ª colocação
da lista geral.
De acordo com as informações prestadas Seção de Concurso e No-
meações deste E. Tribunal de Justiça, o “concurso encerrou sua validade em
20.11.2024” e “foram providas 68 vagas, sendo necessário o provimento de
mais 9 cargos para que a impetrante fosse nomeada” (fls. 258/259).
Verifica-se, assim, que a impetrante foi aprovada fora do número de va-
gas ofertadas no edital do certame e não houve preterição na nomeação por não
observância da ordem de classificação.
Segundo a impetrante, sua preterição teria ocorrido a partir da publicação,
em 22/05/2024, de novo edital para o cargo de Escrevente Técnico Judiciário,
ainda durante a vigência do concurso de 2021 em que foi aprovada.
Tratando do assunto, o E. Supremo Tribunal Federal firmou, no âmbito do
Tema 784 de Repercussão Geral, a seguinte tese:
“O surgimento de novas vagas ou a abertura de novo concurso para o
mesmo cargo, durante o prazo de validade do certame anterior, não gera au-
tomaticamente o direito à nomeação dos candidatos aprovados fora das vagas
previstas no edital, ressalvadas as hipóteses de preterição arbitrária e imotivada
por parte da administração, caracterizada por comportamento tácito ou expres-
so do Poder Público capaz de revelar a inequívoca necessidade de nomeação
do aprovado durante o período de validade do certame, a ser demonstrada de
forma cabal pelo candidato. Assim, o direito subjetivo à nomeação do candidato
aprovado em concurso público exsurge nas seguintes hipóteses: I – Quando a
aprovação ocorrer dentro do número de vagas dentro do edital; II – Quando
houver preterição na nomeação por não observância da ordem de classifica-
814
ção; III – Quando surgirem novas vagas, ou for aberto novo concurso durante
a validade do certame anterior, e ocorrer a preterição de candidatos de for-
ma arbitrária e imotivada por parte da administração nos termos acima.” (RE
837311, Relator: LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 09-12-2015, PROCES-
Jurisprudência - Órgão Especial
SO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO DJe-072 DIVULG
15-04-2016 PUBLIC 18-04-2016)
A jurisprudência do E. Supremo Tribunal Federal também é firme no sen-
tido de que “A ação judicial visando ao reconhecimento do direito à nomeação
de candidato aprovado fora das vagas previstas no edital (cadastro de reserva)
deve ter por causa de pedir preterição ocorrida na vigência do certame” (RE
766304, Relator: MARCO AURÉLIO, Relator p/ Acórdão: EDSON FACHIN,
Tribunal Pleno, julgado em 02-05-2024, PROCESSO ELETRÔNICO REPER-
CUSSÃO GERAL – MÉRITO DJe-s/n DIVULG 02-08-2024 PUBLIC 05-08-
2024, g.n.).
No caso, a fim de evitar qualquer preterição, o edital do novo concurso
vedou a nomeação de candidatos até o encerramento do certame anterior, nos
seguintes termos:
“XVII – DAS DISPOSIÇÕES FINAIS
(...)
15. É vedada a nomeação de candidatos(as) aprovados(as) deste con-
curso até o encerramento do concurso de Escrevente Técnico Judiciário para
a Comarca da Capital, homologado em 06.12.2023, e dos concursos de Escre-
vente Técnico Judiciário para as Circunscrições Judiciárias da 2ª RAJ, homo-
logados em 17.02.2023, da 3ª RAJ, homologados em 16.02.2023, da 4ª RAJ,
homologados em 21.11.2022, da 5ª RAJ, homologados em 23.03.2023, da 6ª
RAJ, homologados em 07.03.2023, da 7ª RAJ, homologados em 15.02.2023, da
8ª RAJ, homologados em 21.03.2023, da 9ª RAJ, homologados em 14.03.2023,
da 10ª RAJ, homologados em 16.02.2023, que se encontram em validade.” (fls.
246/247, g.n.)
Nesse contexto, tem-se que não houve preterição durante a vigência do
concurso para o qual a impetrante foi aprovada.
Ademais, conforme informado pela Seção de Concurso e Nomeações,
“mesmo que houvesse nomeação de mais 5 (cinco) candidatos, que é o número
de cargos ofertados no certame de 2024 para a 34ª Circunscrição Judiciária
– Piracicaba (sede), a impetrante não seria nomeada, posto que faltavam 9
provimentos para sua nomeação” (fl. 259).
Portanto, diante da ausência de demonstração de preterição indevida, não
se vislumbra direito líquido e certo a ser amparado pela via mandamental.
Nesse sentido, confira-se o entendimento deste C. Órgão Especial:
“MANDADO DE SEGURANÇA – DECADÊNCIA – ATO DO PRESI-
DENTE DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO – Concur-
so público – Writ impetrado dentro do prazo decadencial de 120 dias a contar
do ato coator, este considerado como o termo final de vigência do certame – Pre-
815
liminar afastada. MANDADO DE SEGURANÇA – ATO DO PRESIDENTE DO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO – Concurso público –
Ausência de nomeação de candidato aprovado fora do número de vagas constan-
tes no edital do concurso de escrevente técnico judiciário da 4ª RAJ – Inexistên-
Jurisprudência - Órgão Especial
cia de direito subjetivo à nomeação – Incidência do Tema 784 do STF – Direito
líquido e certo não verificado – Mera expectativa de direito – Não demonstração
de desrespeito à ordem de classificação – Preterição arbitrária não verificada –
Critérios de conveniência e oportunidade da administração – Precedentes deste
C. Órgão Especial – Segurança denegada. SEGURANÇA DENEGADA.” (TJSP;
Mandado de Segurança Cível 2354280-71.2024.8.26.0000; Relator: Afonso Faro
Jr.; Órgão Julgador: Órgão Especial; Tribunal de Justiça de São Paulo – N/A;
Data do Julgamento: 12/02/2025; Data de Registro: 13/02/2025)
“MANDADO DE SEGURANÇA Concurso Público. Cargo de Escre-
vente Técnico Judiciário. Candidata aprovada em 25º colocação na Lista Ge-
ral da 12ª Circunscrição Judiciária – 6ª Região Administrativa. Classificação
fora do número previsto de vagas, em razão de haver apenas 05 (cinco) vagas
para a lista geral naquela Circunscrição. Pretensão à nomeação em virtude de
vaga aberta por desistência de candidatos em colocação superior. Tema 784 de
Repercussão Geral. Surgimento de novas vagas ou novo concurso não geram
nomeação automática. Preterição arbitrária e imotivada não demonstrada.
Ausência de direito líquido e certo à vaga, assegurado tão somente não ser
preterido. Precedentes. Ordem denegada.” (TJSP; Mandado de Segurança Cí-
vel 2236921-71.2022.8.26.0000; Relator: Evaristo dos Santos; Órgão Julgador:
Órgão Especial; Tribunal de Justiça de São Paulo – N/A; Data do Julgamento:
26/04/2023; Data de Registro: 23/05/2023)
“MANDADO DE SEGURANÇA – impetração por candidata aprovada
fora do número de vagas constantes do edital do concurso de escrevente técnico
judiciário da 30ª CJ/Tupã – alegação de surgimento de novas vagas, suficientes
para alcançar sua posição, durante a validade de seu concurso – writ impetrado
dentro do prazo decadencial de 120 dias a contar do ato coator, considerado
como o termo final de vigência do certame e não a data de publicação de novo
edital de concurso para o mesmo cargo – entendimentos do STJ e deste Órgão
Especial – no mérito, incidência do Tema 784 do STF – inexistência de direito
líquido e certo à nomeação de candidata aprovada fora do número de vagas pre-
vistas no edital – mera expectativa de direito – não demonstração de desrespeito
à ordem de classificação ou de preterição da candidata nas nomeações – publi-
cação de edital de novo concurso no curso da validade do anterior não confi-
gura preterição e, portanto, tampouco ato coator – ausência de comprovação
cabal de surgimento de novas vagas durante a vigência do certame precedente
e, de todo modo, não revelado o interesse da autoridade apontada como coatora
no preenchimento das eventuais vacâncias até o término do concurso anterior –
âmbito de discricionariedade da Administração Pública – existência de outros
candidatos melhor classificados que a impetrante, igualmente não nomeados
– ocorrência de mera frustração de expectativa de direito, e não de violação a
direito líquido e certo à nomeação – segurança denegada.” (TJSP; Mandado
816
de Segurança Cível 2014144-42.2023.8.26.0000; Relator: Vico Mañas; Órgão
Julgador: Órgão Especial; Tribunal de Justiça de São Paulo – N/A; Data do Jul-
gamento: 19/04/2023; Data de Registro: 24/04/2023)
Ante o exposto, pelo meu voto, denego a segurança, nos termos da fun-
Jurisprudência - Órgão Especial
damentação.
Notificações para Explicações
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Notificação para Explicações
nº 0003204-81.2025.8.26.0000, da Comarca de São Paulo, em que são reque-
rentes (...), (...) e (...), é requerido (...) (JUIZ DE DIREITO).
ACORDAM, em Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo,
proferir a seguinte decisão: “NEGARAM SEGUIMENTO AO PEDIDO DE
EXPLICAÇÕES. V.U.”, de conformidade com o voto da Relatora, que integra
este acórdão. (Voto nº 37606)
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FER-
NANDO TORRES GARCIA (Presidente sem voto), NUEVO CAMPOS, CAR-
LOS MONNERAT, RENATO RANGEL DESINANO, AFONSO FARO JR.,
JOSÉ CARLOS FERREIRA ALVES, MÁRIO DEVIENNE FERRAZ, LUIZ
ANTONIO CARDOSO, BERETTA DA SILVEIRA, XAVIER DE AQUI-
NO, DAMIÃO COGAN, VICO MAÑAS, ADEMIR BENEDITO, CAMPOS
MELLO, FÁBIO GOUVÊA, MATHEUS FONTES, RICARDO DIP, FIGUEI-
REDO GONÇALVES, GOMES VARJÃO, ÁLVARO TORRES JÚNIOR, LU-
CIANA BRESCIANI, LUIS FERNANDO NISHI e MÁRCIA DALLA DÉA
BARONE.
São Paulo, 28 de maio de 2025.
SILVIA ROCHA, Relatora
Ementa: – Notificação para explicações – Medida pre-
paratória, de natureza cautelar, de eventual e futura
ação penal de delito contra a honra – Art. 144 do Có-
digo Penal – Interpelação vinculada à necessidade de
esclarecer situações, frases ou expressões, escritas ou
verbais, caracterizadas por sua dubiedade, equivoci-
dade ou ambiguidade.
– Pedido de explicações relativo a conteúdo de decisão
judicial, proferida no regular exercício da jurisdição
817
– Excludente de ilicitude, na forma do art. 142 do Có-
digo Penal – Ausência de ilicitude a ser apurada pos-
teriormente – Inviabilidade da propositura de ação
Jurisprudência - Órgão Especial
penal, resultando na desnecessidade do pedido de
explicações e, consequentemente, na sua inadmissibi-
lidade – Precedentes do Supremo Tribunal Federal e
do Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Pau-
lo – Pedido de explicações ao qual se nega seguimento.
VOTO
Trata-se de pedido de “explicações em juízo”, formulado pelos advoga-
dos (...), (...) e (...), com fundamento no artigo 144 do Código Penal, em face do
Dr. (...), Juiz de Direito Titular da (...) Vara Cível do Foro Central da Comarca
de São Paulo.
Segundo os requerentes, em 8.12.2024, o magistrado prolatou decisão no
processo nº (...) (fls. 6/10), na qual, por duas vezes, teria sugerido que eles, que
atuam em conjunto e na condição de sócios de escritório de advocacia, estariam
atuando de maneira a causar prejuízo ao erário, violando princípios éticos e
exercendo a advocacia de maneira predatória.
Além disso, o magistrado teria aproximado “a ilibada atuação destes advo-
gados com a conduta narrada em reportagem que aborda a nefasta prática de advocacia
predatória, trazendo referência de tal reportagem e do provimento CG 02/2017 do E.
TJSP.”, chegando “ao absurdo de criar obrigação não prescrita em lei ao impor, sob
pena de extinção do feito, a apresentação de procuração com firma reconhecida, descre-
dibilizando publicamente a atuação destes advogados, bem assim a idoneidade profis-
sional destes e ainda afrontando o Art. 1º da Lei 11.925/2009 e o Art. 425, IV do CPC,
verdadeiramente impugnando previamente documento sem qualquer justificativa.” (sic,
fl. 2).
O Procurador de Justiça Sérgio Turra Sobrane, atuando por delegação do
Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, nos termos do art. 116,
inc. XIV, da Lei Orgânica do Ministério Público, apresentou parecer pelo inde-
ferimento, de plano, do pedido de explicações, com consequente arquivamento
dos autos, por falta de amparo legal e de interesse de agir, nas modalidades de
necessidade e adequação, porque “no caso concreto não há qualquer dubiedade nas
afirmações inseridas no despacho judicial que permitam a tramitação do pedido de ex-
plicações. Tanto que, de plano, a Promotora de Justiça em primeiro grau de jurisdição
notou ‘Aliás, nem se houvesse existido uma constatação categórica do ocorrido houve
calúnia uma vez que o juiz tem o dever de reconhecer a litigância predatória em caso
de sua existência, inclusive para denegar a justiça gratuita ou para tomar as medidas
cabíveis em âmbito cível, administrativo, disciplinar e penal. Percebe-se, portanto, que
AUSENTE QUALQUER ÂNIMO DIFAMATÓRIO OU CALUNIANTE. E, se ausente
estaria na própria constatação da conduta, quanto mais está na mera desconfiança, que
818
é apontada apenas para que se possa obter certeza quanto a necessidade da garantia tão
importante da gratuidade de justiça. No mais, reforço que se trata de mais uma situação
na qual se procura o envolvimento em esfera penal para proteção da parte autora ou
ainda para a obtenção de vantagens em esfera cível que em nada se relacionam com o
Jurisprudência - Órgão Especial
feito’ (fls. 17). (...) Assim sendo, ao formular pedido de explicações em juízo cabe ao
pretenso ofendido demonstrar de forma razoável a dubiedade presente nas expressões,
frases, gestos, etc, que, a depender dos esclarecimentos, podem ou não configurar mácu-
la à sua honra subjetiva ou objetiva, para subsidiar propositura de queixa crime. No caso
presente, porém, os requerentes não se desincumbiram de tal exigência e se limitaram
a deduzir questionamentos sobre a própria decisão judicial com a qual não concordam.
Ocorre que decisão judicial se enfrenta por meio de recursos previstos na legislação pro-
cessual. Aos requerentes cabe então deduzir suas pretensões e inconformismos na esfera
adequada, vale dizer, nos autos do processo cível onde se discute sobre a gratuidade
processual, onde há caminhos específicos para enfrentar as opções de convencimento
e os fundamentos que Juiz de Direito utilizou no caso concreto, sem abertura da esfera
penal para esta finalidade.” (fls. 31/38).
É o relatório.
De acordo com o artigo 144 do Código Penal, “Se, de referências, alusões
ou frases, se infere calúnia, difamação ou injúria, quem se julga ofendido pode pedir
explicações em juízo. Aquele que se recusa a dá-las ou, a critério do juiz, não as dá
satisfatórias, responde pela ofensa.”.
Há necessidade de prévio pedido de esclarecimentos quando, em virtude
dos termos empregados ou do verdadeiro sentido das frases, não for evidente a
intenção de praticar crime contra a honra, mas houver dúvida quanto ao sentido
da manifestação do autor ou quanto ao seu destinatário. Quando são empregadas
palavras de duplo sentido, frases vagas ou reticentes, alusões imprecisas, cabe o
pedido de explicações.
Ao contrário, não cabe pedido de explicações quando não há equivoci-
dade, verificando-se pela simples leitura que não há forma dúbia, se nada há
de ofensa à honra alheia ou não há nenhuma dúvida a respeito da existência
objetiva de ofensa.
O pedido de explicações, então, só pode ser admitido se houver, no mí-
nimo, algum indício da prática de calúnia, difamação ou injúria e se o procedi-
mento for útil ao interpelante, permitindo futura e eventual propositura de ação
penal.
Não se desconhece decisão recente deste C. Órgão Especial, a propósito
de pedidos de notificação para explicações, de não ser “adequado, nesta sede,
qualquer juízo de valor sobre o teor do requerimento, cingindo-se o procedimento a
conceber forma judicial à interpelação do requerido e disponibilizando-se os autos ao
requerente para as providências que entender necessárias.” (Notificação para Expli-
cações nº 2352952-09.2024.8.26.0000, rel. Des. Afonso Faro Jr., j. 26.02.2025).
No mesmo sentido: Notificação para Explicações nº 2299427-15.2024.8.26.0000, rel. Des. Afonso Faro Jr., j. 18.12.2024; Notificação para
819
Explicações nº 2268227-24.2023.8.26.0000, rel. Des. Luis Fernando Nishi, j.
28.02.2024; Notificação para Explicações nº 0007176-30.2023.8.26.0000, rel.
Des. Elcio Trujillo, j. 28.06.2023; Notificação para Explicações nº 2250351-
Jurisprudência - Órgão Especial
90.2022.8.26.0000, rel. Desª Luciana Bresciani, j. 12.04.2023; Notificação para
Explicações nº 2193500-31.2022.8.26.0000, rel. Des. James Siano, j. 19.10.2022;
Notificação para Explicações nº 2253596-46.2021.8.26.0000, rel. Des. Fran-
cisco Casconi, j. 16.02.2022; Interpelação nº 0038630-96.2021.8.26.0000, rel.
Desª Luciana Bresciani, j. 15.12.2021.
Este caso concreto, porém, tem contornos diferentes das hipóteses retra-
tadas nos precedentes acima mencionados.
Na hipótese agora em exame, o MM. Juiz de Direito proferiu a seguin-
te decisão (fls. 6/10 deste processo; 161/165 do processo digital nº 1187820-05.2024.8.26.0100, grifos e destaques no original):
“Vistos.
1. Em relação ao pedido de justiça gratuita, é importante lembrar que o
que existe é a ‘justiça subsidiada’, ou seja, os custos do processo são suportados
por toda a população. Sendo assim, quando se defere o benefício a uma pessoa
específica, se impõe aos demais cidadãos o pagamento daqueles custos. Por con-
ta disso, é preciso que este instituto seja utilizado com parcimônia para que os
mais necessitados não tenham que arcar com despesas daqueles que tem situa-
ção privilegiada em relação a eles (TJSP, Agravo de Instrumento nº 2114181-48.2021.8.26.0000, j. 16/06/2021).
O benefício se traduz como isenção ao pagamento do tributo, razão pela
qual realmente deve haver prova da situação de miserabilidade. Nesse sentido, o
art. 5º, inciso LXXIV, da CF/1988, estabelece que ‘o Estado prestará assistência
jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos’.
Assim, para apreciação do pedido de gratuidade, objetivando resguardar
o interesse público (uma vez que o prejuízo aos cofres públicos e, consequente-
mente, aos contribuintes paulistas apenas em razão de litigância predatória, foi
recentemente estimado em R$ 2,7 bilhões de reais1), a parte autora deverá apre-
sentar, no prazo de 15 dias, em atendimento ao disposto no art. 99, § 2º, parte fi-
nal, do CPC, todos os documentos abaixo elencados, sob pena de indeferimento:
a) cópia das últimas folhas da carteira do trabalho, ou comprovante de
renda mensal, seu e do cônjuge;
b) cópia dos extratos bancários de todas as contas de sua titularidade, e do
cônjuge, dos últimos três meses;
c) cópia dos extratos de cartão de crédito, seu e do cônjuge, dos últimos
três meses;
d) cópia das duas últimas declarações do imposto de renda apresentadas à
Secretaria da Receita Federal, seu e do cônjuge;
e) cópia do relatório completo e atualizado de contas emitido pelo sistema
REGISTRATO
.
Anoto que em rápida consulta realizada no SNIPER na presente data, foi
possível verificar que o autor é sócio-administrador da empresa SELETRON
820
COMÉRCIO E PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS ELETRÔNICOS LTDA, e que
possui conta ativa nas seguintes instituições financeiras:
– BCO C6 S.A.
– BCO BRADESCO S.A.
Jurisprudência - Órgão Especial
– BCO SANTANDER (BRASIL) S.A.
– BCO VOTORANTIM S.A.
– MERCADO PAGO IP LTDA.
– ITAÚ UNIBANCO S.A.
– NU PAGAMENTOS - IP
– EFÍ S.A. - IP
– AME DIGITAL BRASIL IP LTDA.
Logo, sem prejuízo da juntada dos demais documentos mencionados no
parágrafo anterior, deverá a parte autora juntar o extrato dos últimos 3 meses das
contas que possui em todas essas instituições financeiras, indicando a totalidade
de suas movimentações financeiras, ou comprovante idôneo emitido pela respec-
tiva instituição financeira atestando que a conta foi encerrada, com a indicação
da data de encerramento.
Conveniente salientar que como a concessão da gratuidade atinge, além
dos interesses da parte contrária, o próprio erário, por implicar renúncia de recei-
ta, o juiz está autorizado a examinar a veracidade da declaração, podendo deferir
ou indeferir a benesse pleiteada.
Por isso, o E. TJSP prestigia a consulta realizada pelo magistrado, de ofí-
cio, a sistemas conveniados ou a sites para dirimir dúvidas a respeito da alegada
hipossuficiência financeira da parte que pleiteia a gratuidade. (...).
O principal critério que será utilizado para a concessão do benefício con-
siste na demonstração de renda familiar mensal inferior a 3 (três) salários-míni-
mos (...).[
Esse critério, além de razoável, mantém a igualdade no tratamento em re-
lação às partes que procuram a Defensoria Pública do Estado de São Paulo (cujo
atendimento, para essa finalidade, se restringe às pessoas com renda familiar de
até 3 salários-mínimos por mês2).
Com base nesse entendimento, este Juízo, além de conceder igual trata-
mento para partes que se encontram na mesma situação, também busca assegurar
a harmonia do sistema, evitando casuísmos e privilégios.
Alternativamente, no mesmo prazo de 15 dias, poderá a parte autora optar
por recolher as custas (taxa judiciária de 1,5% sobre o valor da causa) e despesas
processuais (neste momento, para a expedição de carta de citação), nos termos
atualizados pela Lei Estadual nº 17.785, de 03/10/2023.
O não atendimento da determinação (juntada de todos os documentos
acima discriminados ou o recolhimento da taxa judiciária e despesas de citação
nos valores corretos) ensejará a extinção da demanda, sem nova intimação, nos
termos do art. 290, c.c. o art. 485, inciso IV, ambos do Código de Processo Civil.
(...)
3. No mesmo prazo, a parte autora deverá regularizar a sua representação
processual, apresentando procuração com firma reconhecida (ou com assinatura
821
eletrônica certificada por certificadora credenciada pelo ICP-Brasil) e também
com poderes específicos para o presente feito, nos termos do que preceitua o
art. 139, incisos III e IX, do Código de Processo Civil e do Comunicado CG N.º
02/17, sob pena de extinção sem julgamento de mérito (CPC, arts. 76, § 1º, inciso
Jurisprudência - Órgão Especial
I, 104 e 485, inciso IV).
(...)”.
Os requerentes afirmam que a alusão à litigância predatória, na decisão,
com referências a reportagens e provimentos do Tribunal de Justiça, assim como
a determinação de regularização da representação processual, os faz inferir “que
o requerido está sugerindo, por meio de referências e alusões, que a prática profissional
destes advogados se trata de: a) má prática da advocacia; b) advocacia predatória; c)
ato atentatório à dignidade da justiça; e d) existência de conflito de interesse entre os
advogados e o cliente (cerne da prática de advocacia predatória).” (sic, fl. 3), o que
dá ensejo ao pedido de explicações.
Ocorre que é dever legal de todo juiz tomar medidas para coibir eventual
litigância abusiva e, para verificar a sua existência, pode se valer do seu poder
geral de cautela, o que é recomendado não só pelo Código de Processo Civil,
como também pelo Conselho Nacional de Justiça e por este Tribunal.
Ao exercer suas funções, dentro dos limites legais, o juiz de direito, em
tese, não responde por nenhuma infração penal. De fato, atuando pautado pela
impessoalidade e legalidade, o magistrado atrai para si a imunidade preconizada
no artigo 142, III, do Código Penal, o que afasta a ilicitude de eventual conceito
desfavorável que possa ter emitido em sua decisão.
E, conforme lição de Damásio E. de Jesus, o pedido de explicações pre-
visto no artigo 144 do Código Penal “É incabível quando o fato imputado se encon-
tra acobertado por causa excludente da ilicitude (CP, art. 142) ou extintiva da punibilida-
de (decadência etc.).” (in Direito Penal, São Paulo: Saraiva, 1995, p. 209).
Depois, não há nenhuma dúvida quanto ao conteúdo da decisão nem indí-
cio de ofensa à conduta profissional dos requerentes, mas, apenas e tão somente,
determinação de juntada de documentos para análise do pedido de justiça gra-
tuita formulado pelo autor, a fim de se resguardar o interesse público, porque,
como tem sido amplamente divulgado e não se restringe a nenhuma parte nem
a nenhum escritório de advocacia, especificamente, a concessão indevida do
benefício da justiça gratuita tem causado enorme prejuízo à prestação jurisdicio-
nal, porque enseja, como é notório, a litigância predatória.
A menção à litigância predatória na decisão foi formulada como funda-
mento para as determinações nela contidas, que se destinam tão somente à prova
da necessidade do benefício da justiça gratuita e à regularização da representa-
ção processual, sem nenhuma imputação aos requerentes, basta ler a decisão.
Pedir explicações sobre a decisão em questão, que é absolutamente clara
e direta, implica tentativa de impedir a apuração e a regularização a que ela se
destina.
822
De se observar que, no caso concreto, o autor pretende, com a ação, a
revisão de cláusulas de contrato bancário, hipótese conhecida de ajuizamento
de causas em massa, notadamente porque nelas são costumeiramente invocadas
diversas e repetidas teses jurídicas, que se aplicam a qualquer contrato, e com
Jurisprudência - Órgão Especial
pedidos genéricos, que sugerem, em princípio, a repetição de causas similares.
Tudo isso atrai a cautela imposta aos juízes pelo artigo 139 do Código
de Processo Civil e pela Recomendação nº 159, de 23 de outubro de 2024, do
Conselho Nacional de Justiça, que, no Anexo A, elenca, exemplificativamente,
condutas processuais potencialmente abusivas, dentre elas “1) requerimentos de
justiça gratuita apresentados sem justificativa, comprovação ou evidências mínimas de
necessidade econômica;” e “7) distribuição de ações judiciais semelhantes, com peti-
ções iniciais que apresentam informações genéricas e causas de pedir idênticas, frequen-
temente diferenciadas apenas pelos dados pessoais das partes envolvidas, sem a devida
particularização dos fatos do caso concreto;”.
Além disso, breve análise daquele processo revela que a inicial não foi
instruída com procuração, causa da determinação de regularização da represen-
tação processual do autor, sem nenhuma conjectura a respeito da atuação do
escritório de advocacia ou da dos seus sócios.
Assim sendo, o que se tem é que a decisão judicial foi proferida no exer-
cício regular da jurisdição o que não pode ser cerceado - de forma a não haver
ilicitude a ser apurada posteriormente nem, portanto, viabilidade de propositura
de ação penal, resultando na inutilidade do pedido de explicações e, consequen-
temente, na sua inadmissibilidade.
De resto, não se pode esquecer que a matéria objeto da decisão proferida
pelo magistrado é de caráter estritamente jurisdicional, sujeitando-se, portanto,
à interposição de recurso.
Permitir que cada decisão judicial seja alvo de pedido de explicações,
quando não se vislumbra nenhuma razão para tanto, como se ele fosse sucedâ-
neo do recurso legalmente previsto, afrontaria o regular exercício da jurisdição,
impediria o controle da litigância predatória e subverteria o princípio do livre
convencimento do magistrado, que lhe assegura proferir decisões, devidamente
motivadas, com “independência, serenidade e exatidão” (LOMAN, art. 35, I),
sem se submeter a nenhum tipo de intimidação, sem o quê o juiz não poderia
executar as relevantes funções que lhe são atribuídas, dentre elas, como é cediço,
a de analisar cuidadosamente os pedidos deduzidos pelas partes nos processos e
proferir as decisões a tanto atinentes, respeitada a legislação vigente, não sendo
demais acrescentar que, “Salvo os casos de impropriedade ou excesso de linguagem
o magistrado não pode ser punido ou prejudicado pelas opiniões que manifestar ou pelo
teor das decisões que proferir.” (idem, art. 41).
Assim, eventuais decisões contrárias aos interesses do cliente dos advo-
gados requerentes deverão ser apontadas no processo e discutidas, se for o caso,
em regulares recursos.
823
Em suma, nada ampara o pedido de explicações, que, tendo em vista o
caso concreto, é inadmissível.
Na jurisprudência do C. Órgão Especial há precedentes no mesmo sen-
Jurisprudência - Órgão Especial
tido:
“Notificação. Pedido de Explicação. Interpelação. Matéria, em sede de agravo
de instrumento, de cunho pseudo-ofensivo. Inviabilidade. Inexistência de ambi-
guidade, dubiedade ou equivocidade na manifestação judicial. Indeferimento.”
(Notificação para Explicações nº 2069179-31.2016.8.26.0000, rel. Des. Sérgio
Rui, j. 27.04.2016);
“Notificação para Explicações – Equivocidade, ambigüidade e dubiedade de
expressões em manifestação de Promotor de Justiça – Mera contraposição às
conclusões e raciocínio inferidos pelo promotor de justiça em sua manifestação
– Requisitos essenciais à propositura da medida não observados – Indeferimento
liminar.” (Notificação para Explicações nº 0229797-23.2012.8.26.0000, rel. Des.
Castilho Barbosa, j. 27.02.2013);
“Pedido de explicações – Ausência de dúvida sobre o sentido das afirmações
do requerido – Medida que não se presta para investigação de autoria de su-
posto delito – Inicial indeferida.” (Notificação para Explicações nº 0101601-06.2010.8.26.0000, rel. Des. Mauricio Vidigal, j. 19.05.2010).
Esse é, também, o entendimento do Supremo Tribunal Federal:
“EMENTA: INTERPELAÇÃO JUDICIAL. PROCEDIMENTO DE NA-
TUREZA CAUTELAR. MEDIDA PREPARATÓRIA DE AÇÃO PENAL RE-
FERENTE A DELITOS CONTRA A HONRA (CP, ART. 144). PEDIDO DE
EXPLICAÇÕES AJUIZADO CONTRA DEPUTADO FEDERAL. COM-
PETÊNCIA ORIGINÁRIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, POR
DISPOR, O PARLAMENTAR FEDERAL, DE PRERROGATIVA DE FORO,
‘RATIONE MUNERIS’, PERANTE ESTA SUPREMA CORTE, NAS INFRA-
ÇÕES PENAIS COMUNS. IMPUTAÇÕES ALEGADAMENTE OFENSIVAS
AO PATRIMÔNIO MORAL DO INTERPELANTE. RECONHECIMEN-
TO, POR ELE PRÓPRIO, DE QUE AS AFIRMAÇÕES QUESTIONADAS
OFENDERAM-LHE A IMAGEM E A REPUTAÇÃO. AUSÊNCIA, EM TAL
CONTEXTO, DE DUBIEDADE, EQUIVOCIDADE OU AMBIGUIDADE.
CONSEQUENTE INEXISTÊNCIA DE DÚVIDA QUANTO AO CONTEÚDO
DE TAIS AFIRMAÇÕES. INVIABILIDADE JURÍDICA DO AJUIZAMEN-
TO DA INTERPELAÇÃO JUDICIAL, POR FALTA DE INTERESSE PROCES-
SUAL. PEDIDO DE EXPLICAÇÕES A QUE SE NEGA SEGUIMENTO.
– O Supremo Tribunal Federal possui competência originária para processar
pedido de explicações formulado com apoio no art. 144 do Código Penal,
quando deduzido contra parlamentar federal, que dispõe de prerrogativa de
foro, ‘ratione muneris’, perante esta Corte Suprema, nas infrações penais co-
muns (CF, art. 53, § 1º, ‘caput’, c/c o art. 102, I, ‘b’).
– O pedido de explicações, admissível em qualquer das modalidades de crimes
contra a honra, constitui típica providência de ordem cautelar, sempre facultati-
va (RT 602/368 – RT 627/365 – RT 752/611 – RTJ 142/816), destinada a apa-
relhar ação penal principal tendente a sentença condenatória. O interessado,
824
ao formulá-lo, invoca, em juízo, tutela cautelar penal, visando a que se esclare-
çam situações revestidas de equivocidade, ambiguidade ou dubiedade, a fim de
que se viabilize o exercício eventual de ação penal condenatória.
– O pedido de explicações em juízo submete-se à mesma ordem ritual que é
Jurisprudência - Órgão Especial
peculiar ao procedimento das notificações avulsas (CPC, art. 867 c/c o art. 3º do
CPP). Isso significa, portanto, que não caberá, ao Supremo Tribunal Federal,
em sede de interpelação penal, avaliar o conteúdo das explicações dadas pela
parte requerida nem examinar a legitimidade jurídica de sua eventual recusa
em prestá-las, pois tal matéria compreende-se na esfera do processo penal de
conhecimento a ser eventualmente instaurado. Doutrina. Precedentes.
– A interpelação judicial, fundada no art. 144 do Código Penal, acha-se ins-
trumentalmente vinculada à necessidade de esclarecer situações, frases ou ex-
pressões, escritas ou verbais, caracterizadas por sua dubiedade, equivocidade
ou ambiguidade. Ausentes esses requisitos condicionadores de sua formula-
ção, a interpelação judicial, porque desnecessária, revela-se processualmente
inadmissível. Doutrina. Precedentes. (Petição nº 5.187/SP, rel. Min. Celso de
Mello, decisão de 08.09.2014) (destaques no original; sublinhei).
Sendo assim, diante da desnecessidade da interpelação judicial, o que
traduz falta de interesse de agir, nego seguimento ao presente pedido de expli-
cações.
Reclamações
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Reclamação nº 2042545-80.2025.8.26.0000, da Comarca de Taubaté, em que é reclamante MUNICÍPIO
DE TAUBATÉ, é reclamada 4ª TURMA RECURSAL DA FAZENDA PÚBLI-
CA DO COLÉGIO JUIZADOS ESPECIAIS.
ACORDAM, em Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo,
proferir a seguinte decisão: “JULGARAM A RECLAMAÇÃO IMPROCE-
DENTE, COM OBSERVAÇÃO. V.U.”, de conformidade com o voto do Rela-
tor, que integra este acórdão. (Voto nº 61.153)
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FER-
NANDO TORRES GARCIA (Presidente sem voto), GOMES VARJÃO, ÁLVA-
RO TORRES JÚNIOR, LUCIANA BRESCIANI, LUIS FERNANDO NISHI,
MARCIA DALLA DÉA BARONE, SILVIA ROCHA, NUEVO CAMPOS,
CARLOS MONNERAT, RENATO RANGEL DESINANO, AFONSO FARO
JR., JOSÉ CARLOS FERREIRA ALVES, MÁRIO DEVIENNE FERRAZ,
LUIZ ANTONIO CARDOSO, BERETTA DA SILVEIRA, FRANCISCO LOU-
REIRO, XAVIER DE AQUINO, DAMIÃO COGAN, VICO MAÑAS, ADE-
825
MIR BENEDITO, CAMPOS MELLO, VIANNA COTRIM, FÁBIO GOUVÊA
e MATHEUS FONTES.
São Paulo, 4 de junho de 2025.
Jurisprudência - Órgão Especial
FIGUEIREDO GONÇALVES, Relator
Ementa: Direito Administrativo. Reclamação. Incor-
poração de Vencimentos. Improcedência.
I. Caso em Exame: Reclamação apresentada pela Fa-
zenda Pública do Município de Taubaté contra Acór-
dão da 4ª Turma Recursal da Fazenda Pública do
TJSP, que negou provimento ao recurso da munici-
palidade, mantendo a sentença que concedeu ao autor
a incorporação de 100% da referência salarial pelo
exercício da função de confiança de Chefe de Serviço
e pagamento da verba salarial.
II. Questão em Discussão: A questão em discus-
são consiste em determinar se o acórdão reclamado
afronta decisões proferidas nas Ações Diretas de In-
constitucionalidade nº 0394948-12.2010.8.26.0000 e nº
2169074-86.2021.8.26.0000.
III. Razões de Decidir: A servidora foi designada para
funções de confiança compatíveis com sua carga ori-
ginária, sem desvio de função, conforme legislação
municipal e art. 37, inciso V, da CF. Súmula análoga
julgada improcedente por unanimidade, evidencian-
do conformidade com emissão atual do TJSP.
IV. Dispositivo e Tese: Recuperação julgada improce-
dente. Tese de julgamento: 1. A incorporação de ven-
cimentos por exercício de função de confiança é válida
quando compatível com atribuições de carga efetiva.
2. A declaração de inconstitucionalidade posterior
não afeta atos praticados sob sua égide, respeitando
boa-fé e segurança jurídica.
Legislação Citada:
Constituição Federal, art. 37, inciso V.
Lei Complementar Municipal nº 001/1990, art. 169,
§§ 1º e 2º. Jurisprudência Citada:
TJSP, Reclamação nº 2353375-66.2024.8.26.0000, Rel.
Vianna Cotrim, Órgão Especial, j. 19/03/2025.
TJSP, Reclamação nº 2267395-54.2024.8.26.0000, Rel.
Luciana Bresciani, Órgão Especial, j. 02/05/2025.
826
STF, ADI 1.264/SC, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, DJ
de 15/02/2008.
STF, RE 563.965/RN, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA,
DJ de 20/3/2009.
Jurisprudência - Órgão Especial
STF, ARE 1.094.930-AgR, Rel. Min. Gilmar Mendes,
Segunda Turma, DJe 08.09.2021.
VOTO
Trata-se de Reclamação, com pedido de liminar, apresentada pela Fa-
zenda Pública do Município de Taubaté em face do v. acórdão proferido pela
C. 4ª Turma Recursal de Fazenda Pública do Tribunal de Justiça de São Paulo,
de relatoria da MM. Juiz de Direito Dr. Fábio Fresca, nos autos do Recurso
Inominado Cível nº 1008562-12.2024.8.26.0625, da Comarca de Taubaté, cujo
teor negou provimento ao recurso da municipalidade, mantendo a sentença, a
qual concedera à autora a incorporação de 100% da respectiva referência sa-
larial em razão do exercício da função de confiança de Chefe de Serviço (ref.
“36”) e ao pagamento da diferença salarial. Sustenta a reclamante, em síntese,
que o v. acórdão, ao assim decidir, contrariou a autoridade do entendimento
adotado no julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade n.º 2169074-86.2021.8.26.0000 e 0394948-12.2010.8.26.0000, por este C. Órgão Especial.
Requer a concessão de medida liminar, suspendendo-se a eficácia do v.
acórdão, sob o risco de gerar prejuízos ao Erário, ante a determinação de pa-
gamento de valores previdenciários indevidos decorrentes de incorporação de
100% da diferença de remuneração pelo exercício de função de Chefe de Divi-
são da Prefeitura Municipal de Taubaté, bem como do pagamento das diferenças
apuradas. Ao final, pede a cassação da r. decisão guerreada (fls. 1-3).
O feito foi distribuído inicialmente ao Desembargador Carlos Monne-
rat, que, de sua parte, representou ao d. Vice-Presidente do Tribunal de Justiça,
para que procedesse à livre distribuição dos presentes autos (fls. 61-63), o que
foi efetivamente determinado (fl. 65), abrindo-se conclusão a esta relatoria em
2.4.2025 (fl. 67).
A requerida liminar foi deferida (fls. 68-73).
Em informações, o eminente Relator da 4ª Turma Recursal de Fazenda
Pública do Colégio Recursal relatou que a pretensão da servidora foi acolhida
porque o exercício de função de confiança não ocorrera em desvio de função ou
reclassificação (fls. 78-79).
A douta Procuradoria-Geral de Justiça opinou pela improcedência da re-
clamação (fls. 87-103).
É o relatório.
Ao que se infere do acórdão proferido pela C. 4ª Turma Recursal de Fa-
zenda Pública do Tribunal de Justiça de São Paulo, a parte beneficiária é servi-
827
dora pública municipal concursada, investida no cargo de escriturária, designada
em 03/02/2014 para a função de confiança de Chefe de Serviço de Atendimento
ao Consumidor, permanecendo em exercício até 01/10/2020.
Jurisprudência - Órgão Especial
Tendo cumprido os requisitos legais, sua pretensão é no sentido de que
faz jus a 100% de incorporação no vencimento, nos termos do artigo 169, pará-
grafos 1º e 2º da Lei Complementar Municipal n.º 001/1990.
Pois bem. Na espécie ora sub censura, a interessada foi formalmen-
te designada para o exercício de funções de confiança legalmente instituídas
por legislação municipal (LCs nº 321/2013 e 330/2013), compatíveis com a
sistemática do art. 37, inciso V, da Constituição Federal, e suas designações
se deram dentro da estrutura da Administração, sem indícios de usurpação de
cargo ou exercício irregular de atribuições estranhas ao cargo originário.
Embora, em momento pretérito, a controvérsia tenha suscitado divergên-
cias no âmbito deste C. Órgão Especial, cumpre registrar que, recentemente,
foi julgado caso análogo (Reclamação nº 2353375-66.2024.8.26.0000), ocasião
em que se deliberou, por votação unânime, pela improcedência da ação. Tal
julgamento evidencia a conformidade da r. decisão ora reclamada com a juris-
prudência atual deste E. Tribunal, em linha, ademais, com o entendimento deste
Relator.
Vale citar a ementa do v. acórdão proferido no referido julgado, da lavra
do E. Desembargador Vianna Cotrim:
Reclamação – Ação originária de obrigação de fazer movida por servidora do
Município de Taubaté visando o reconhecimento do direito à irredutibilidade
dos vencimentos relativos ao exercício de função comissionada de “Chefe da
Divisão de Inspetoria Fiscal” – Alegação de violação às decisões proferidas
por este C. Órgão Especial no julgamento das Ações Diretas de Inconstitucio-
nalidade nº 0394948-12.2010.8.26.0000 e n.º 216974-86.2021.8.26.0000. 1. Lei
Complementar n.º 01/1990, do Município de Taubaté, que assegura o direito
à estabilidade financeira aos servidores que exercerem por pelo menos quatro
anos cargo diferente do seu e com referência mais elevada – Acórdão proferi-
do por este C. Órgão Especial que possibilita a irredutibilidade de vencimen-
tos quando houver designação para função de confiança e cargos em comissão
com atribuições correlatas com o cargo efetivo - Servidora que foi aprovada em
concurso público para cargo de “escriturário”, assumindo, posteriormente, de
forma regular, a função de confiança de “Chefe da Divisão de Inspetoria Fis-
cal” – Atribuições compatíveis – Desvio de função não caracterizado – Inobser-
vância da decisão proferida na ADI 0394948-12.2010.8.26.0000 não verificada.
2. Inocorrência, ademais, de descumprimento do acórdão proferido na ADI n.º
2169074-86.2021.8.26.0000 – Servidora que desempenhou, regularmente e de
boa-fé, função de confiança por mais de quatro anos, durante o período que a
lei que instituiu o posto de trabalho não havia sido declarada inconstitucional
– Necessidade de se observar a segurança jurídica e o princípio da proteção da
confiança legítima – Atos singular precluso que não pode ser afetado pela decla-
828
ração de inconstitucionalidade. 3. Reclamação julgada improcedente, cassada
a liminar, com condenação do Município reclamante ao pagamento das custas e
honorários advocatícios.
(TJSP; Reclamação 2353375-66.2024.8.26.0000; Relator: Vianna Cotrim; Ór-
Jurisprudência - Órgão Especial
gão Julgador: Órgão Especial; Foro de Taubaté – Vara da Fazenda Pública;
Data do Julgamento: 19/03/2025; Data de Registro: 01/04/2025)
Assim, respeitado o entendimento em sentido contrário, tenho que o acór-
dão reclamado, proferido pela C. 2ª Turma Recursal de Fazenda Pública da Capi-
tal, que determinou a incorporação de percentuais relativos a funções de confian-
ça exercidas pela servidora, não afronta as decisões proferidas nas ações diretas
de inconstitucionalidade paradigmas (ADI nº 0394948-12.2010.8.26.0000 e
ADI 2169074-86.2021.8.26.0000).
Como já exposto, as funções de confiança exercidas pela servidora guar-
dam pertinência com as atribuições do seu cargo originário, não restando evi-
denciada qualquer manobra que implique no desvio de função que a decisão
proferida na ADI nº 0394948-12.2020.8.26.0000 buscou evitar.
Ademais, ainda que posteriormente a função de confiança tenha sido reti-
rada do ordenamento jurídico mediante declaração de inconstitucionalidade nos
autos da ADI 2215643-14.2022.8.26.0000, há que se ponderar os seus efeitos,
respeitado o ato jurídico perfeito, direito adquirido, bem como atentando-se aos
princípios da segurança jurídica e proteção à confiança e boa fé.
Nesse sentido, destaca-se também outro precedente deste C. Órgão Espe-
cial, igualmente decidido por unanimidade, sob fundamentos similares aos ora
debatidos, no qual se julgou procedente reclamação contra acórdão que havia
afastado o pleito de incorporação de vantagens remuneratórias decorrentes do
exercício de funções de confiança no âmbito do Município de Taubaté:
“Reclamação – Direito administrativo – Ajuizamento contra acórdão da 8ª Tur-
ma Recursal da Fazenda Pública do Colégio Recursal dos Juizados Especiais
– Ato que afastou pleito de incorporação de diferença de vencimentos por ser-
vidor público de Taubaté com fulcro no art. art. 169, §§ 1º e 2º, da Lei Comple-
mentar Municipal nº 01/1990 – Alegação de afronta à autoridade das decisões
proferidas por deste C. Órgão Especial na ADI 0394948-12.2010.8.26.0000 e
nas Reclamações 2264850-16.2021.8.26.0000 e 2310135-61.2023.8.26.0000
– Acórdãos proferidos em reclamações somente operam efeitos ‘inter partes’,
não ostentando efeito geral vinculante – Não conhecimento, nesta parte – Ação
direta que declarou a inconstitucionalidade da expressão ‘designação’ contida
nos §§ 2º e 3º do art. 169 da LC n.º 01/90, aplicando-se interpretação conforme
a Constituição para afastar a aplicação desses dispositivos apenas aos casos de
desvio de função – Incorporação admitida em nomeações para cargos em comis-
são ou para funções de confiança com atribuições pertinentes ao cargo efetivo
de origem, como no caso – A posterior declaração de inconstitucionalidade do
posto exercido em confiança não afeta automaticamente os atos praticados sob
sua égide, especialmente quando o servidor agiu de boa-fé e confiou na regula-
829
ridade do ato – Reclamação procedente, na parte conhecida.”
(TJSP; Reclamação 2267395-54.2024.8.26.0000; Relatora: Luciana Bresciani;
Órgão Julgador: Órgão Especial; Foro de Taubaté – Vara da Fazenda Pública;
Data do Julgamento: 05/02/2025; Data de Registro: 14/02/2025)
Jurisprudência - Órgão Especial
Ressalte-se, de outro lado, que a constitucionalidade de benefícios fun-
cionais que concedem a incorporação de valores recebidos a título de cargo em
comissão ou função gratificada, com objetivo de valorização e profissionali-
zação do serviço público, é reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal nos
autos da ADI 1.264/SC, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, DJ de 15/2/2008, e RE
563.965/RN, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, DJ de 20/3/2009.
Em face disso, cogente a observância à irredutibilidade nominal dos
vencimentos aos servidores que se dispõem à prestação de tarefas que ensejem
maiores responsabilidades e que cumpriram todos os requisitos definidos na lei
vigente. Nesse sentido entendimento do Supremo Tribunal Federal: “valoriza-
ção e profissionalização do serviço público, sob o pressuposto de incentivar e
premiar a assunção de maiores responsabilidades pelo servidor e com a preo-
cupação de evitar um grave decesso remuneratório ao fim do exercício do cargo
ou função.” (ARE 1.094.930-AgR, Rel. Min. Gilmar Mendes, Segunda Turma,
DJe 08.09.2021)”
Por esses fundamentos, pelo meu voto, julgo a reclamação improceden-
te. Nos termos do artigo 85, § 3º do CPC, fixa-se a honorária, em face da sucum-
bência, em R$ 5.000,00 (cinco mil reais).
830
CÂMARA ESPECIAL
Jurisprudência - Câmara Especial
Agravos de Instrumento
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento nº
2026053-13.2025.8.26.0000, da Comarca de Poá, em que é agravante M.V.L.S.,
é agravado MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO.
ACORDAM, em sessão permanente e virtual da Câmara Especial do Tri-
bunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimen-
to ao recurso. V.U.”, de conformidade com o voto do relator, que integra este
acórdão. (Voto nº 37.402)
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores BERET-
TA DA SILVEIRA (VICE-PRESIDENTE) (Presidente sem voto), TORRES DE
CARVALHO (PRESIDENTE DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) e CAM-
POS MELLO (PRESIDENTE DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO).
São Paulo, 7 de maio de 2025.
XAVIER DE AQUINO, Decano e Relator
Ementa: “AGRAVO DE INSTRUMENTO – Execu-
ção de alimentos – Insurgência contra decisão que de-
feriu a cumulação de ritos de prisão e expropriação
de bens – Alegação de ocorrência da prisão civil – Não
obstante o devedor não deva ser preso mais de uma
vez pela mesma dívida alimentar, é possível, no en-
tanto, nova prisão do alimentante para cobrança de
prestações não pagas após sua soltura, sem prejuízo
da execução da dívida em aberto pelo rito menos gra-
voso – Decisão mantida – Recurso improvido”
VOTO
Trata-se de Agravo de Instrumento com pedido de concessão de efeito
suspensivo, interposto por M.V.L.S., contra a r. decisão proferida nos autos do
cumprimento de sentença proposto pelo Ministério Público, oriunda de ação que
reconheceu a exigibilidade da obrigação da agravante prestar alimentos (autos
de origem nº (...)). Pretende a reforma da r. decisão atacada, deferindo-se o
prosseguimento da ação no rito de penhora, referente a todo o período constante
na exordial, já que o agravante foi tolhido de sua liberdade referente aos meses
831
requeridos na inicial.
Por fim, requer seja concedido efeito suspensivo à r. decisão atacada e
ao final dado integral provimento ao presente recurso, para o fim de reformar a
Jurisprudência - Câmara Especial
decisão atacada que deferiu equivocadamente pelo seguimento do rito da pri-
são, determinando pagamento de valores de meses sequer cobrados em inicial
e mais, que inclusive o agravante também já foi preso, reconhecendo que tal
cumprimento somente pode prosseguir no rito da penhora, eis que como acima
mencionado o agravante já teve a sua liberdade tolhida a despeito de tal período
e vedado é a inovação dos pedidos da inicial (fls.1/10)
A antecipação da tutela recursal foi indeferida (fls.12/15), a contraminuta
de agravo foi apresentada (fls. 21/23) e, nesta instância, a Douta Procuradoria-
Geral de Justiça exarou parecer pelo improvimento do recurso (fls. 28/31).
É o relatório.
Por ocasião da decisão proferida em cognição sumária, ficou assentado
que a decisão recorrida não se demonstrou ilegal ou teratológica, encontran-
do-se, na verdade, devidamente fundamentada, não obstante os fundamentos
expostos na inicial.
O Magistrado de origem assim decidiu:
“Fls. 239/253: Cumpra-se o v. acórdão. Fls. 255: Uma vez que os cálcu-
los estão em consonância com o v. acórdão de fls. 239/253 (foram excluídos os
valores vencidos anteriormente ao tempo da sua detenção alvará de soltura às
fls. 137 data da soltura: 09/05/2024), intime-se o executado, para que no prazo
de 03 (três) dias, pague o débito alimentar de R$ 1.370,19, referente às parcelas
vencidas dos meses de julho/24, agosto/24, setembro/24, outubro/24 e novem-
bro/24 (vide planilha de fls. 256), sob pena de decretação de sua prisão. Nos
termos do v. acórdão, fica indeferida a cumulação do rito da prisão com o rito
da penhora. Prossiga-se somente em relação à prisão. Eventual requerimento
de execução para o rito que admite penhora deverá ser promovido em autos
apartados/outra execução”.
Pois bem.
De início, por oportuno, vale trazer à colação a jurisprudência citada às
fls. 29 no sentido de que ao Ministério Público cabe “a promoção de ação de
alimentos em proveito de criança ou adolescente, independente do exercício
do poder familiar dos pais ou de estar o menor de idade em situação de risco”
(STJ. 2ª Seção. REsp 1265821-BA e REsp 1.327.471-MT, Rel. Min. Luis Felipe
Salomão, julgados em 14/5/2014 (recurso repetitivo).
Convém registar, também, que a executada cumpriu com sua obrigação
alimentar (fls. 75) e o executado, ora agravante, chegou a ser submetido à prisão
civil, por inadimplência.
No caso dos autos, o representante do Ministério Público, em contrami-
nuta, deixou evidente sua manifestação no sentido e que não haverá nova prisão
832
civil pelos débitos que já foram objetos da medida coercitiva corporal, sendo
que sobre as verbas que fundamentaram a prisão civil e não houve o pagamento,
Jurisprudência - Câmara Especial elas serão objetos da medida coercitiva de penhora e expropriação de bens e
valores.
O V. Acórdão do Agravo de Instrumento nº (...) (fls. 239/253) indeferiu
a cumulação de diversos ritos na mesma execução, bem como limitou a decre-
tação de nova prisão civil pela dívida correspondente ao período subsequente
à custódia anterior, insurgindo-se o ora agravante contra a continuidade da co-
brança dos valores pelo rito da prisão.
A decisão sub judice determinou, com acerto, a intimação do executado
para pagamento do débito referente apenas às parcelas vencidas dos meses de
julho/24, agosto/24, setembro/24, outubro/24 e novembro/24 (vide planilha de
fls. 256).
A questão posta a exame no presente recurso está elucidada pela Douta
Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer subscrito pela ilustre Promotora de
Justiça Designada Laila Shukair, em trecho (fls. 30/31) cujos fundamentos são
adotados como razões de decidir, até para evitar inútil tautologia, passando-se
a transcrevê-lo:
“(...)
Consigna-se que não há vedação à adoção do rito de prisão no cumpri-
mento de sentença. O que o acórdão no agravo de instrumento nº (...) deter-
minou foi que não se combinassem os ritos da prisão e penhora (fls. 252), sem
estipular por qual rito tramitaria os autos de origem. Nesse contexto, é legítima
a opção da parte, chancelada pelo juízo (fls. 257).
Adiante, anota-se que M. já cumpriu prisão civil pelo débito por duas
vezes (primeira vez foi solto em 9/5/24 – fls. 133/134; segunda vez foi solto em
22/11/24 – fls. 318). Adveio, assim, nova planilha de débitos, apresentada pelo
Ministério Público (fls. 256), incluindo os meses de julho, agosto, setembro,
outubro e novembro de 2024.
Pois bem, no segundo mandado de prisão as parcelas que estavam incluí-
das – e que justificaram a privação de liberdade – eram até o mês de maio de
2024 (fls. 143). Houve demora no cumprimento da prisão civil, ante a não loca-
lização do executado, mas a prisão referiu-se única e tão somente quanto a tais
meses. Em verdade, a mora por ausência do executado não o beneficia, criando
‘saldo de meses’ sobre os quais supostamente não poderia ser preso civilmente.
Nesta quadra, o pedido de prisão por inadimplência quanto aos meses de
julho, agosto, setembro, outubro e novembro de 2024 (fls. 256) é válido e legal,
não havendo razões que justifiquem qualquer reforma quanto ao decidido”.
Portanto, o presente caso diz respeito às prestações vencidas e não pagas
após sua soltura, sem prejuízo da cobrança da dívida em aberto pelo rito menos
gravoso.
833
Em síntese, a decisão recorrida encontra devidamente fundamentada e
sem elementos que autorizem sua modificação.
Pelo exposto, nega-se provimento ao recurso.
Jurisprudência - Câmara Especial
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento nº
3003858-17.2025.8.26.0000, da Comarca de Itapevi, em que são agravantes K.
C.S.L. e D.P.L., é agravado MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO
PAULO.
ACORDAM, em sessão permanente e virtual da Câmara Especial do Tri-
bunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento
ao recurso. V.U.”, de conformidade com o voto do relator, que integra este acór-
dão. (Voto nº 126.270)
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores BERE-
TTA DA SILVEIRA (VICE-PRESIDENTE) (Presidente), XAVIER DE AQUI-
NO (DECANO) e TORRES DE CARVALHO (PRESIDENTE DA SEÇÃO DE
DIREITO PÚBLICO).
São Paulo, 2 de junho de 2025.
BERETTA DA SILVEIRA, Vice-Presidente e Relator
Ementa: Direito da Criança e do Adolescente. Agravo
de Instrumento. Intervenção de Terceiros. Provimen-
to.
I. Caso em Exame. 1. Agravo de instrumento inter-
posto contra decisão que indeferiu o pedido de inter-
venção dos tios nos autos de destituição do poder fa-
miliar da sobrinha. Os agravantes, tia paterna e seu
marido, manifestaram interesse em assumir a guarda
da criança, com base em estudo social favorável.
II. Questão em Discussão. 2. A questão em discussão
consiste em determinar se os agravantes, como mem-
bros da família extensa, podem intervir na ação de
destituição do poder familiar como assistentes sim-
ples, conforme previsto no artigo 206 do ECA e arti-
gos 119 a 124 do CPC.
III. Razões de Decidir. 3. As ações judiciais envolven-
do menores devem respeitar os princípios do melhor
interesse da criança e de sua integral proteção.
4. A legislação processual permite a intervenção de
834
terceiros como assistentes simples quando a decisão
judicial pode impactar a relação jurídica do interes-
Jurisprudência - Câmara Especial sado, conforme artigos 119 a 124 do CPC.
IV. Dispositivo e Tese. 5. Dá-se provimento ao recurso,
permitindo o ingresso dos agravantes nos autos como
assistentes simples. Tese de julgamento: 1. A inter-
venção de membros da família extensa em ações de
destituição do poder familiar é permitida como assis-
tentes simples, desde que haja legítimo interesse. 2. A
atuação dos assistentes simples deve ser limitada ao
auxílio à parte demandada, sem formulação de pedi-
dos em nome próprio.
Legislação Citada: ECA, art. 206; CPC, arts. 119 a
124.
Jurisprudência Citada: TJSP, Agravo de Instrumen-
to 2224080-10.2023.8.26.0000, Rel. Wanderley José
Federighi, Câmara Especial, j. 11/12/2023. TJ-SP,
AI: 2089633-85.2023.8.26.0000, Rel. Daniela Cilento
Morsello, j. 27/07/2023, Câmara Especial.
VOTO
Vistos.
Trata-se de agravo de instrumento interposto por K.C.S.L. e D.P.L., con-
tra a decisão a fl. 194, proferida nos autos nº (...), ajuizado pelo Ministério Pú-
blico do Estado de São Paulo, que indeferiu o pedido de intervenção dos tios
nos autos de Destituição do Poder Familiar em face L.S., para proteção de M.A.
(d.n. (...)).
Sustenta a agravante que, segundo o artigo 206 do ECA, são cabíveis
o litisconsórcio e a intervenção de terceiros na ação de destituição de poder
familiar, desde que legítima e juridicamente interessados no resultado da ação.
Alega que os agravantes, a tia paterna e seu marido, demonstram legítimo inte-
resse na solução da lide, pois “[s]ão integrantes da família extensa da criança,
conforme definição do art. 25, parágrafo único, do ECA”, “[m]anifestaram
expressamente o desejo de assumir a guarda da criança”, “[o] estudo social
realizado pelo Setor Técnico do juízo (fls. 179/191) concluiu favoravelmente à
possibilidade de os agravantes assumirem a guarda da criança” (fl. 05). Afir-
ma que a r. decisão agravada contraria a sistemática legal de proteção à criança
e ao adolescente e, em particular, do princípio da primazia da família extensa.
Aduz que há “interdependência entre a análise da destituição do poder familiar
e a verificação da existência de pessoas da família extensa aptas a assumir os
cuidados da criança” (fl. 07). Aponta que, embora seja possível que membro
835
da família extensa ajuíze uma ação autônoma de guarda, a instauração de um
novo processo não deve ser obrigatória. Ressalta que a “decisão agravada dei-
xou de privilegiar os princípios da economia processual e da proteção integral
Jurisprudência - Câmara Especial
da criança ao relegar a análise do pedido de guarda pelos agravantes a ‘autos
próprios.” (fl. 08).
Pretende, assim, a antecipação da tutela recursal e, ao final, o provimento
do recurso, para reformar a decisão combatida.
Deferida a antecipação dos efeitos da tutela (fls. 224/229), foi apresentada
contraminuta (fls. 238/243) e a D. Procuradoria Geral de Justiça manifestou-se
pelo parcial provimento do agravo (fls. 248/251).
É O RELATÓRIO.
É o caso de dar provimento ao recurso.
Com efeito, as ações judiciais envolvendo menores devem ser decididas
com obediência aos princípios do melhor interesse da criança ou adolescente e
de sua integral proteção.1
In casu, os agravantes, na qualidade de tia paterna da criança e seu mari-
do, ingressaram nos autos originários com pedido de habilitação para interven-
ção no feito enquanto assistentes da requerida (fls. 143/163 da origem).
Registra-se, assim, que a habilitação dos agravantes como assistentes na
ação de destituição do poder familiar, para assumir os cuidados da criança, está
fundamentada no artigo 206 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA):
“Art. 206 do ECA: A criança ou o adolescente, seus pais ou responsável,
qualquer pessoa que tenha legítimo interesse na solução da lide poderão inter-
vir nos procedimentos de que trata esta Lei, através de advogado, o qual será
intimado para todos os atos, pessoalmente ou por publicação oficial, respeitado
o segredo de justiça.”
Além disso, também o artigo 119 do CPC ampara tal pretensão.
Diante desse cenário, revela-se viável a intervenção pleiteada pelos agra-
vantes, cabendo, portanto, examinar se, no caso concreto, há fundamentos que
legitimem sua efetivação.
Nos termos da legislação processual, a admissão de terceiros na quali-
dade de assistentes processuais é cabível quando a decisão judicial proferida
no feito possuir potencial impacto sobre a relação jurídica do interessado, nos
exatos termos dos artigos 119 a 124 do Código de Processo Civil, in verbis:
“Art. 119. Pendendo causa entre 2 (duas) ou mais pessoas, o terceiro
juridicamente interessado em que a sentença seja favorável a uma delas poderá
intervir no processo para assisti-la.
1 O melhor interesse da criança foi consagrado pelo art. 227 da Constituição Federal, que dispõe ser
“dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta
prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à
dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda
forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.”
836
Parágrafo único. A assistência será admitida em qualquer procedimento
e em todos os graus de jurisdição, recebendo o assistente o processo no estado
Jurisprudência - Câmara Especial em que se encontre.”
“Art. 124. Considera-se litisconsorte da parte principal o assistente sem-
pre que a sentença influir na relação jurídica entre ele e o adversário do assis-
tido.”.
Nessas circunstâncias, a fim de evitar que terceiros sejam passivamente
submetidos aos efeitos da sentença que dirimirá o litígio, admite-se sua inter-
venção no feito, permitindo-lhes a defesa de seus direitos ou interesses juridi-
camente tutelados.
Duas são as modalidades previstas no ordenamento: a simples (artigos
121 a 123 do CPC) e a litisconsorcial (artigo 124 do CPC).
Para a admissão de terceiro na qualidade de assistente simples, faz-se ne-
cessária a existência de uma relação jurídica de direito material entre o assisten-
te e a parte assistida, bem como a possibilidade de a decisão judicial impactar,
ainda que de forma indireta, tal relação.
O assistente simples possui vínculo jurídico com a parte assistida, o qual
pode ser afetado pelos efeitos da sentença que dirimirá a controvérsia. Em razão
disso, é-lhe conferida a faculdade de intervir no processo, com o propósito de
cooperar na obtenção de um desfecho favorável à parte que assiste.
Na assistência litisconsorcial, o terceiro interessado detém uma relação
jurídica de direito material diretamente com a parte adversa do assistido, sendo
tal vínculo objeto de apreciação direta pela sentença a ser proferida no feito.
Constata-se, portanto, que o assistente litisconsorcial intervém no proces-
so com o objetivo de obter uma decisão favorável ao assistido, não em razão de
eventual reflexo indireto da sentença em sua relação jurídica, mas porque o vín-
culo jurídico que mantém com a parte adversa será objeto de apreciação direta
no pronunciamento jurisdicional a ser proferido.
Afinal, diversamente do assistente simples, cujo interesse reside na pre-
servação da relação jurídica mantida com o assistido, o assistente litisconsorcial
possui um vínculo jurídico direto com a parte adversa, o qual será necessaria-
mente atingido pelos efeitos da sentença.
Assentadas tais premissas, de rigor admitir a participação dos agravantes
no processo, mas na condição de assistentes simples.
Isso porque a tia paterna e seu marido, ora agravantes, possuem interesse
que o desfecho do processo seja favorável à requerida, uma vez que eventual
destituição do poder familiar com posterior adoção da infante acarretará a extin-
ção dos vínculos de parentesco.
Nesse sentido:
“AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO CAUTELAR DE APLICAÇÃO
DE MEDIDA DE PROTEÇÃO – Pleito de reforma da decisão que indeferiu
837
a habilitação nos autos requerida pela progenitora materna, que demonstra
interesse na obtenção de guarda das netas – Decisão comporta reforma parcial
– Agravante que integra a família extensa da criança – Interesse jurídico evi-
Jurisprudência - Câmara Especial
denciado – Inteligência do artigo 206, caput, da Lei nº 8.069/1990 – Agravante
deverá atuar no feito como assistente simples – Atuação deverá limitar-se ao
auxílio à parte demandada, não podendo formular pedidos em nome próprio
– Eventuais manifestações dessa natureza deverão ser deduzidas pelas vias
apropriadas – Recurso provido parcialmente.” (TJSP; Agravo de Instrumento
2224080-10.2023.8.26.0000; Relator: Wanderley José Federighi (Pres. da Se-
ção de Direito; Órgão Julgador: Câmara Especial; Foro de Palmital – 2ª Vara;
Data do Julgamento: 11/12/2023; Data de Registro: 11/12/2023).
Frise-se, entretanto, que os tios, na qualidade de assistente simples, de-
vem ter sua atuação limitada ao auxílio à parte demandada, não podendo formu-
lar pedidos em nome próprio.
Neste sentido, assim salientou a D. Procuradoria Geral de Justiça em seu
parecer de fls. 248/251:
“De início, tem-se que não se desconhece que a legitimidade para figurar
no polo passivo da ação de destituição do poder familiar é exclusivamente dos
genitores a quem é atribuído referido múnus público. Nesse sentido é o escólio
de MILTON PAULO DE CARVALHO FILHO ao comentar o art. 1.630 do Có-
digo Civil:
[...] a nova legislação civil reflete a evolução do conceito de família e as
modificações das próprias relações familiares ocorridas no decorrer do século
XX, definindo o instituto como o conjunto de deveres e obrigações dos pais em
relação aos filhos menores não emancipados e aos bens destes, decorrentes da
relação de parentesco existente entre eles. A lei, portanto, atribui simultanea-
mente aos pais um encargo a ser exercido perante a sociedade múnus público
que é indelegável, imprescritível e irrenunciável. A única exceção a essa última
característica ocorre na hipótese do art. 166 do ECA, quando os pais dão o fi-
lho para adoção, transferindo, pois, o encargo à família substituta, por meio de
determinação judicial” (Código Civil Comentado: doutrina e jurisprudência.
Cezar Peluso (coord.). 13ª ed. São Paulo: Manole, 2019, p. 1.782.)
E, é exatamente por essa razão que não é possível a intervenção dos
agravantes como assistentes litisconsorciais, conforme bem fundamento pelo
Desembargador relator em sua decisão que deferiu a tutela recursal (fls.
224/229) porquanto, na qualidade de tios paternos, não são titulares ou cotitu-
lares da autoridade parental.
Entretanto, o artigo 206 do Estatuto da Criança e do Adolescente au-
toriza sua intervenção como assistente simples ao dispor que “a criança ou o
adolescente, seus pais ou responsável, e qualquer pessoa que tenha legítimo
interesse na solução da lide poderão intervir nos procedimentos de que trata
esta Lei, através de advogado, o qual será intimado para todos os atos, pessoal-
838
mente ou por publicação oficial, respeitado o segredo de justiça”. No mesmo
diapasão, o artigo 119 do Código de Processo Civil prevê que o terceiro juridi-
Jurisprudência - Câmara Especial camente interessado em que a sentença seja favorável a uma das partes poderá
intervir no processo para assisti-la.
Desta feita, no caso em tela, o interesse jurídico dos agravantes está
demonstrado.
Isso porque como tios paternos têm interesse, repita-se, que o desfecho
do processo seja favorável ao seu irmão e à sua cunhada, uma vez que eventual
destituição do poder familiar com posterior adoção de sua sobrinha acarretará
a extinção dos vínculos de parentesco.
Neste sentido:
“AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE ACOLHIMENTO INSTITU-
CIONAL. ACESSO AOS AUTOS. PROGENITORA MATERNA. Decisão que
indeferiu o pleito de habilitação formulado pela avó. materna dos menores.
Agravante que integra a família extensa e manifestou interesse em assumir
os cuidados dos netos. Presença de interesse jurídico. Efeitos da sentença que
poderão atingir sua esfera jurídica. Recorrente que atuará no feito como as-
sistente simples dos genitores. Inteligência do art. 206 do ECA e art. 119 do
CPC. Recurso provido.” (TJ-SP – AI: 2089633-85.2023.8.26.0000 Sorocaba,
Relator: Daniela Cilento Morsello, J.: 27/07/2023, Câmara Especial). (desta-
quei).
Frise-se, entretanto, que os tios paternos, na qualidade de assistente sim-
ples, devem ter sua atuação limitada ao auxílio à parte demandada, não poden-
do formular pedidos em nome próprio, sendo, portanto, descabidos nos autos
de origem requerimentos de visitação, de guarda do menor ou de qualquer ou-
tra prova envolvendo outrem.
Cumpre destacar, ainda, que, a despeito do acima, nada obsta que os
agravantes postulem, em demanda autônoma a guarda da sobrinha.
Não se pode perder de vista que para atendimento dos interesses da
criança deve se ter como norteador o princípio do “melhor interesse da criança
e do adolescente” que, conforme esclarece Andréa Rodrigues Amin1 “Trata-se
de princípio orientador tanto para o legislador como para o aplicador, determi-
nando a primazia das necessidades da criança e do adolescente como critério
de interpretação da lei, deslinde de conflitos, ou mesmo elaboração de futuras
regras”.
Prossegue a autora dizendo que “atenderá o princípio do melhor in-
teresse toda e qualquer decisão de primar pelo resguardo amplo dos direitos
fundamentais, sem subjetivismos do intérprete. Melhor interesse não é o que
o Julgador entende que é melhor para criança, mas sim o que objetivamente
atende à sua dignidade como criança, aos seus direitos fundamentais em maior
grau possível”.
839
Portanto, diante desses fatos, o parecer é no sentido do parcial provi-
mento do presente agravo de instrumento, assegurando-se aos agravantes a
participação no feito na qualidade de assistente simples, nos limites deste tipo
Jurisprudência - Câmara Especial
de intervenção.” (fls. 249/251).
Ante o exposto, DÁ-SE PROVIMENTO ao recurso, para permitir o in-
gresso dos agravantes nos autos como assistentes simples.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento nº
2052901-37.2025.8.26.0000, da Comarca de Guarulhos, em que é agravante
E.L.M., é agravado MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO.
ACORDAM, em sessão permanente e virtual da Câmara Especial do Tri-
bunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimen-
to ao recurso. V.U.”, de conformidade com o voto do relator, que integra este
acórdão. (Voto nº AI-0525/25-CE)
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores BERET-
TA DA SILVEIRA (VICE-PRESIDENTE) (Presidente sem voto), HERALDO
DE OLIVEIRA (PRESIDENTE DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) e CA-
MARGO ARANHA FILHO (PRESIDENTE DA SEÇÃO DE DIREITO CRI-
MINAL).
São Paulo, 17 de junho de 2025.
TORRES DE CARVALHO, Relator e Presidente da Seção de Direito Pú-
blico
Ementa: DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLES-
CENTE. AGRAVO DE INSTRUMENTO. ACESSO
A AUTOS DE EXECUÇÃO DE ACOLHIMENTO
INSTITUCIONAL. RECURSO DESPROVIDO.
I. Caso em Exame
1. Agravo interposto contra decisão que indeferiu o
pedido de habilitação e acesso aos autos de execução
de medidas de proteção à criança e adolescente, es-
pecificamente acolhimento institucional, ao advogado
representante do genitor da jovem então acolhida.
II. Questão em Discussão
2. A questão em discussão consiste em determinar se
o advogado do genitor tem direito de acesso aos autos
de execução de acolhimento institucional, consideran-
do o caráter sigiloso do procedimento e a proteção in-
840
tegral à adolescente.
III. Razões de Decidir
Jurisprudência - Câmara Especial 3. O procedimento de execução de acolhimento ins-
titucional possui caráter não contencioso e sigiloso,
conforme art. 855, § 1º, das Normas de Serviço da
Corregedoria Geral da Justiça do TJSP, visando res-
guardar a intimidade dos menores.
4. A prevalência do interesse da criança e do adoles-
cente, conforme art. 227 da CF, justifica a restrição de
acesso aos autos, sem prejuízo ao contraditório que
pode ser exercido em outros processos relacionados.
IV. Dispositivo e Tese
5. Recurso desprovido.
Tese de julgamento: 1. O caráter sigiloso dos autos de
execução de acolhimento institucional visa proteger a
intimidade da criança e do adolescente, prevalecendo
sobre o direito ao contraditório. 2. O acesso aos autos
principais é assegurado, sem prejuízo à proteção in-
tegral.
Legislação Citada:
CF/1988, arts. 5º, LV, 227; Lei nº 8.906/94, art. 7º, XIII
e XV.
Jurisprudência Citada:
TJSP, Agravo de Instrumento 2339613-17.2023.8.26.0000, Rel. Camargo Aranha Filho, Câ-
mara Especial, j. 19.03.2024.
TJSP, Agravo de Instrumento 2098283-58.2022.8.26.0000, Rel. Francisco Bruno, Câmara Es-
pecial, j. 22.08.2022.
TJSP, Agravo de Instrumento 2032260-33.2022.8.26.0000, Rel. Sulaiman Miguel Neto, Câma-
ra Especial, j. 28.04.2022.
VOTO
1. Trata-se de agravo interposto contra decisão do MM. Juízo de Direito
da Vara da Infância e da Juventude, Protetiva e Cível de Guarulhos, profe-
rida na execução de medidas de proteção à criança e adolescente – acolhimento
institucional (autos nº (...)), que indeferiu o pedido de habilitação e acesso aos
autos ao advogado Dr. J.C.M.G., representante do genitor da jovem (e ora agra-
vante) A.C.O.M., sujeita à medida de proteção aplicada, bem como revogou
qualquer acesso anteriormente concedido ao patrono (fls. 632/633 da origem).
841
Sustenta o agravante que, na data de 29.6.2022, seu patrono juntou pro-
curação e documentos nos autos da execução de acolhimento, momento a partir
do qual passou a acompanhar a medida, receber intimações e, inclusive, parti-
Jurisprudência - Câmara Especial
cipar da audiência realizada. Em razão de posterior bloqueio de seu acesso aos
autos, o advogado pugnara pela renovação de sua habilitação no feito, o que
foi indeferido pelo Juízo na data de 11.2.2025, sob o argumento de se tratar de
procedimento administrativo de acompanhamento do acolhimento. Na data de
12.2.2025, foi proferida nova decisão, que revogou qualquer acesso anterior-
mente concedido ao patrono do agravante, aduzindo que o procedimento de
origem tem caráter sigiloso. Argumenta o agravante que o acesso de seu patrono
aos autos é direito líquido e certo, amparado pelos artigos 7º, incisos XIII e XV,
da Lei nº 8.906/94 e 5º, inciso LV, da Constituição Federal. Pugna pela conces-
são de tutela recursal, a fim de que seu patrono obtenha vista e cópia dos autos
nº (...), em trâmite perante a Vara da Infância e da Juventude, Protetiva e Cível
de Guarulhos e, ao final, o provimento do recurso (fls. 1/11).
A tutela recursal foi indeferida (fls. 49/51).
Fls. 54/59: Comunicação do MM. Magistrado a quo quanto à prolação de
sentença, que julgou procedente a pretensão deduzida pelo Ministério Público
na ação de medidas de proteção nº (...), que consiste na manutenção das medidas
protetivas adotadas, em especial atendimentos, encaminhamentos e orientações,
bem como o acolhimento (fls. 54/59 – naqueles autos, fls. 413/416).
Contraminuta às fls. 66/70. A Procuradoria-Geral de Justiça se manifestou
pelo desprovimento do recurso (fls. 75/78). Sem oposição ao julgamento virtual.
Decido.
2. Fatos. Na origem, trata-se de execução de acolhimento, instaurada a
partir da Guia de Acolhimento nº (...), que visa acompanhar a medida de prote-
ção de acolhimento institucional determinada no processo nº (...) em relação à
então adolescente A.C.O.M., nascida em (...), filha do ora agravante e de V.L.
D.O., já falecida.
3. A decisão proferida pelo juízo de primeiro grau, ora guerreada, referiu-
se tão somente aos autos de acompanhamento da execução de medida de acolhi-
mento institucional. Aparentemente, está assegurado acesso aos autos principais
(processo nº (...)), sem prejuízo da garantia do direito de proteção da adolescen-
te nos autos da execução da medida de acolhimento. Outrossim, encontra-se de
acordo com o art. 855, § 1º, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da
Justiça do TJSP, o qual destaca o caráter não contencioso do incidente de acom-
panhamento de medidas protetivas, justamente para se resguardar a intimidade
da pessoa em desenvolvimento.
O resguardo da intimidade e do sigilo das informações justifica a auto-
nomia do procedimento em relação à eventual ação de destituição do poder
familiar, à ação de adoção ou a quaisquer outros procedimentos em que se deva
842
observar o contraditório, a fim de materializar a proteção integral e a absoluta
prioridade que devem ser conferidas à criança e/ou ao adolescente em situação
Jurisprudência - Câmara Especial de vulnerabilidade. Consolida verdadeira prevalência, em situação concreta, do
mandamento extraído do art. 227 da Constituição Federal em detrimento do
direito ao contraditório, inserto no seu art. 5º, LV.
Em casos análogos, vem decidindo a Câmara Especial (grifo nosso):
AGRAVO DE INSTRUMENTO. Insurgência contra r. decisão que indeferiu
o acesso da agravante ao procedimento de colocação de seu filho em família
substituta. Pleito de deferimento de acesso ao procedimento administrativo. Im-
possibilidade. Inteligência dos artigos 855, § 1º, e 856, § 4º, das Normas de
Serviço da Corregedoria Geral de Justiça. Materialização da doutrina da pro-
teção integral. Prevalência dos princípios do melhor interesse da criança e
da absoluta prioridade em detrimento do contraditório da agravante, que
ainda pode ser exercido nos autos da ação de destituição do poder familiar
ou nos autos da medida de proteção de acolhimento institucional. Decisão
mantida. RECURSO DESPROVIDO. (TJSP; Agravo de Instrumento 2339613-17.2023.8.26.0000; Relator: Camargo Aranha Filho (Pres. Seção de Direito
Criminal); Órgão Julgador: Câmara Especial; Foro de Santos – Vara da Infân-
cia, Juventude e do Idoso; Data do Julgamento: 19/03/2024; Data de Registro:
19/03/2024)
Câmara Especial – Agravo de instrumento – Decisão que indeferiu pedido de
intervenção da genitora, formulado pela Defensoria Pública, nos autos da exe-
cução de acolhimento de seu filho menor – Processo com andamento autônomo
e que independe de contraditório, nos termos do artigo 855 das NSCGJ – Aces-
so restrito, com vistas à preservação do sigilo das informações referentes à
eventual colocação da criança em família substituta, se o caso, ou de dados
de pretensos adotantes – Ministério Público já atua no feito visando preser-
var os direitos do menor – Recurso desprovido. (TJSP; Agravo de Instrumento
2098283-58.2022.8.26.0000; Relator: Francisco Bruno (Pres. Seção de Direito
Criminal); Órgão Julgador: Câmara Especial; Foro de Piracicaba – Vara da Infân-
cia e Juventude; Data do Julgamento: 22/08/2022; Data de Registro: 22/08/2022)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO DE ACOLHIMENTO INSTI-
TUCIONAL. HABILITAÇÃO DA GENITORA. Indeferimento. Cerceamento
de defesa. Não ocorrência. Preservação do sigilo da situação da criança e dos
dados de eventuais adotantes. Melhor interesse da infante. Advogado da genitora
habilitado para defender seus interesses na ação de acolhimento institucional.
Procedimento executório que teria por objetivo o acompanhamento da crian-
ça. Desde o acolhimento até a sua eventual inserção na família biológica ou
extensa. Ausência de previsão legal para a habilitação. Procedimento que
independeria de contraditório. Inteligência do art. 855, das NSCGJ. Pre-
cedente. RECURSO DESPROVIDO. (TJSP; Agravo de Instrumento 2032260-33.2022.8.26.0000; Relator: Sulaiman Miguel Neto; Órgão Julgador: Câmara
Especial; Foro Regional VIII – Tatuapé – Vara da Infância e da Juventude; Data
do Julgamento: 28/04/2022; Data de Registro: 28/04/2022)
4. Em observância à supremacia dos interesses da criança e do adoles-
843
cente e por não haver prejuízo, mantém-se a decisão atacada. Consigno que há
informação, nos autos de origem, de que A.C.O.M. atingiu a maioridade em (...)
e foi desacolhida. O incidente foi arquivado em 14.5.2025 (fls. 683 e 687).
Jurisprudência - Câmara Especial
O voto é pelo desprovimento do recurso, nos termos da fundamentação.
Apelações
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1201196-58.2024.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que é apelante F.A.M. da S.,
é apelado M. P. DO E. DE S. P.
ACORDAM, em sessão permanente e virtual da Câmara Especial do Tri-
bunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimen-
to ao recurso. V.U.”, de conformidade com o voto do relator, que integra este
acórdão. (Voto nº 69.826)
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores BERE-
TTA DA SILVEIRA (VICE-PRESIDENTE) (Presidente) e CAMARGO ARA-
NHA FILHO (PRESIDENTE DA SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).
São Paulo, 8 de maio de 2025.
HERALDO DE OLIVEIRA, Relator e Presidente da Seção de Direito
Privado
Ementa: INFÂNCIA E JUVENTUDE. APELAÇÃO.
DESCONSTITUIÇÃO DE ADOÇÃO. RECURSO
DESPROVIDO.
I. Caso em Exame
1. Recurso de apelação interposto por F.A.M. da S.
contra M.B.M. da S., pretendendo a desconstituição
de adoção. A sentença julgou extinto o processo, sem
resolução do mérito, com base nos artigos 330, III e
485, inciso I, do Código de Processo Civil. O apelante
alega que a irrevogabilidade da adoção pode ser afas-
tada quando prejudicial à menor e à família adotante.
II. Questão em Discussão
2. A questão em discussão consiste em determinar se a
adoção pode ser desconstituída.
III. Razões de Decidir
844
3. A adoção é irrevogável e produz efeitos a partir do
trânsito em julgado da sentença constitutiva, confor-
Jurisprudência - Câmara Especial me o Estatuto da Criança e do Adolescente.
4. A desconstituição dos efeitos de coisa julgada mate-
rial deve ser deduzida por ação rescisória, não sendo
cabível na via processual escolhida.
IV. Dispositivo e Tese
5. Recurso desprovido.
Tese de julgamento: 1. A adoção é irrevogável e seus
efeitos são plenos e irreversíveis. 2. A desconstituição
dos efeitos da sentença deve ser deduzida por ação
rescisória.
Legislação Citada: CPC, arts. 330, III e 485, inciso I;
arte. 966; ECA, arts. 39, § 1º, 41, caput, e 47, § 7º.
Jurisprudência Citada: TJSP, Apelação Cível
1005929-97.2021.8.26.0248, Rel. Daniela Cilento Mor-
sello, Câmara Especial, j. 30/05/2022; TJSP, Apelação
Cível 1010389-97.2019.8.26.0604, Rel. Lídia Concei-
ção, Câmara Especial, j. 17/08/2020.
VOTO
Cuida-se de recurso de apelação, nos autos da ação de suspensão provi-
sória do poder familiar para desconstituição de adoção proposta por F. A. M. da
S. contra M. B. M. da S. A r. sentença de fls. 219/222 julgou extinto o processo,
sem resolução do mérito, nos termos dos artigos 330, III e 485, inciso I, do Có-
digo de Processo Civil.
Apela o requerente, alegando que a irrevogabilidade não é absoluta, po-
dendo ser afastada quando a manutenção da medida não for apta a satisfazer os
princípios da proteção integral e do melhor interesse da criança. Afirma que a
manutenção da adoção tem se mostrado prejudicial à menor e à família adotante,
porquanto o convívio entre a menor e mãe adotiva é marcado por violência e
desrespeito, gerando um ambiente insustentável. Pleiteia a concessão da tutela
de urgência recursal, para determinar seja realizado estudos sociais e psicoló-
gicos no núcleo familiar, de forma a sustentar o presente processo, e o pedido
de suspensão provisória do poder familiar e/ou revogação da adoção. Ao final,
pugna pelo provimento do recurso (fls. 234/241).
Parecer do Ministério Público às fls. 246/249.
A D. Procuradoria Geral de Justiça se manifestou pelo desprovimento do
recurso (fls. 262/266).
É o relatório.
Ex ante, com o julgamento da apelação, fica prejudicado o pedido de
845
tutela de urgência.
O autor ajuizou a presente ação pretendendo, em última análise, a des-
constituição da adoção da adolescente M. B. M. S.
Jurisprudência - Câmara Especial
Consta da narrativa dos fatos que o autor e sua esposa adotaram M. B. M.
S., por meio de decisão judicial proferida pela Vara da Infância e da Juventude
do Foro Regional do Ipiranga/SP (Processo (...)). Referido processo extinguiu
o poder familiar da genitora M. E. da S, concedendo a adoção aos requerentes,
e alterando o nome da adolescente (fls. 174/180). A sentença transitou em jul-
gado em 29.02.2024 (fls. 185). Apesar do empenho do casal em oferecer um lar
estável à menor, ao longo do convívio familiar, a menor começou a apresentar
comportamentos rebeldes e violentos, que se agravaram com o tempo, além
de se recusar a frequentar a escola. Diante disso, considerando a gravidade da
situação, ingressou com a presente ação.
Não obstante as alegações do apelante, a pretensão deduzida encontra
óbice legal e insuperável nesta via processual escolhida.
Conforme preconiza o artigo 47, § 7º, do Estatuto da Criança e do Ado-
lescente, “a adoção produz seus efeitos a partir do trânsito em julgado da sen-
tença constitutiva...”. Já o art. 39, § 1º, do mesmo diploma, dispõe: “a adoção
é medida excepcional e irrevogável, à qual se deve recorrer apenas quando
esgotados os recursos de manutenção da criança ou adolescente na família
natural ou extensa, na forma do parágrafo único do art. 25 desta Lei.
Desta maneira, o ato jurídico em comento atribui à adotada a condição de
filha, de forma definitiva (art. 41, caput, do ECA), excepcional e irrevogável.
Portanto, visando preservar os interesses da adolescente, o ato é insuscetível de
eventuais impulsos comportamentais supervenientes, irrefletidos, ou oscilações
de ânimo e de anseios dos adotantes.
O que se pretende é a desconstituição dos efeitos de coisa julgada mate-
rial, em virtude de suposta impossibilidade do exercício dos deveres parentais,
matéria adstrita à ação rescisória, uma vez preenchidos os requisitos previstos
no art. 966, do Código de Processo Civil.
Ademais, o apelante, em sua tese de defesa, aduz: “É possível e acre-
ditamos que tais comportamentos estejam relacionados a traumas e transtor-
nos preexistentes da criança, oriundos de sua vivência antes da adoção. Esses
fatores estão dificultando a convivência familiar saudável, comprometendo o
desenvolvimento pleno de M.”.
No entanto, ao que se infere da sentença de fls. 174/180, antes que de-
cretasse a adoção, a menor residiu por mais de um ano com o casal adotante.
Ainda, o núcleo familiar passou por entrevistas pela equipe técnica judicial que
concluiu favoravelmente quanto ao procedimento.
Saliente-se que M. foi a adotada aos 11 anos de idade, sendo certo que
carrega consigo experiências e memórias de seu núcleo familiar de origem, pas-
846
síveis de observação pelo apelante.
Por fim, não se vislumbrando qualquer situação excepcional de revoga-
Jurisprudência - Câmara Especial ção da adoção, a r. sentença deve ser mantida.
Nesse sentido, precedentes jurisprudenciais desta C. Câmara Especial:
“APELAÇÃO. INFÂNCIA E JUVENTUDE. ADOÇÃO. IRREVOGA-
BILIDADE. Sentença que julgou extinta, sem resolução do mérito, ação que
visava à reversão da adoção. Irresignação dos demandantes. Efeitos da ado-
ção que são plenos e irreversíveis, em razão de sua irrevogabilidade. Inteli-
gência do art. 39, § 1º, do ECA. Natureza constitutiva do provimento judicial
de mérito, proferido nos autos da ação de adoção, acobertado pela autoridade
da coisa julgada material. Pretensão de desconstituição dos efeitos da senten-
ça que deve ser deduzida pelo manejo da ação rescisória. Precedentes do E.
STJ e do TJSP. Inadequação da via eleita. Recurso desprovido.” (TJSP; Ape-
lação Cível 1005929-97.2021.8.26.0248; Relatora: Daniela Cilento Morsello;
Órgão Julgador: Câmara Especial; Foro de Indaiatuba – 1ª Vara Criminal; Data
do Julgamento: 30/05/2022; Data de Registro: 30/05/2022).
“APELAÇÃO. Ação de revogação da adoção. Falta de interesse pro-
cessual. Natureza constitutiva do ato, de caráter excepcional e irrevogável.
Artigos 39, § 1º 41 e 47, § 7º, todos do ECA. Desconstituição dos efeitos da coi-
sa julgada material. Discussão afeta à ação rescisória, sujeita a prazo deca-
dencial. Precedentes. Situação excepcional. Inocorrência. Sentença mantida.
Recurso desprovido”. (TJSP; Apelação Cível 1010389-97.2019.8.26.0604; Re-
latora: Lídia Conceição; Órgão Julgador: Câmara Especial; Foro de Sumaré - 2ª
Vara Criminal; Data do Julgamento: 17/08/2020; Data de Registro: 17/08/2020).
Ante o exposto, NEGA-SE PROVIMENTO ao recurso.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1500090-90.2024.8.26.0357, da Comarca de (...), em que é apelante L.F.S. (MENOR), é
apelado MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO.
ACORDAM, em sessão permanente e virtual da Câmara Especial do Tri-
bunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “CONHECERAM
EM PARTE do recurso e, nessa parte, NEGARAM PROVIMENTO. V.U.”, de
conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão. (Voto nº 45.060)
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores BERE-
TTA DA SILVEIRA (VICE-PRESIDENTE) (Presidente) e DAMIÃO COGAN
(DECANO).
São Paulo, 15 de maio de 2025.
CAMARGO ARANHA FILHO, Relator e Presidente da Seção de Direito
847
Criminal
Ementa. DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLES-
Jurisprudência - Câmara Especial
CENTE. APELAÇÃO. ATO INFRACIONAL. LE-
SÃO CORPORAL CULPOSA, AMEAÇA, PER-
TURBAÇÃO AO SOSSEGO E VIAS DE FATO.
RECURSO PREJUDICADO EM PARTE E, NO
RESTANTE, DESPROVIDO.
I. CASO EM EXAME
1. Apelação contra r. sentença que julgou procedente
a representação e aplicou medida socioeducativa de
semiliberdade.
II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO
2. As questões em discussão consistem em saber: (i) se
há prova da materialidade e autoria dos atos infracio-
nais; (ii) se há tipicidade nas condutas de ameaça; (iii)
se deve ser reconhecida a inimputabilidade do ado-
lescente em razão de transtornos mentais; e, (iv) se é
juridicamente viável a aplicação de medida socioedu-
cativa mais branda.
III. RAZÕES DE DECIDIR
3. Materialidade e autoria devidamente comprova-
das pelo conjunto probatório carreado aos autos. Pa-
lavras das vítimas firmes e coesas, corroboradas por
testemunhas.
4. Prova que demonstra a vontade livre e consciente
de perturbar o trabalho e o sossego alheios. Gritaria
e algazarras promovidas pelo adolescente que atingi-
ram a tranquilidade de alunos, professores e funcio-
nários da escola.
5. Adolescente que ameaçou verbalmente as vítimas,
de forma livre e consciente, de causar-lhes mal injusto
e grave, atemorizando-as, tanto que registraram bole-
tim de ocorrência sobre o ocorrido. Dolo inequívoco.
6. Eventual reconhecimento da incapacidade mental
do adolescente que não acarretaria a improcedência
da representação.
7. Conversão da medida socioeducativa de semiliber-
dade por liberdade assistida já determinada pelo Juí-
zo da Execução.
IV. DISPOSITIVO E TESE
848
8. Recurso prejudicado em parte e, na parte conheci-
da, desprovido.
Jurisprudência - Câmara Especial Tese de Julgamento: “1. A suficiência de provas e a
idoneidade das ameaças justificam a manutenção da
sentença. 2. Transtornos mentais não excluem a res-
ponsabilidade, mas podem influenciar na aplicação
da medida socioeducativa.”
Dispositivos relevantes citados: ECA, art. 112, § 3º; CP,
arts. 129, § 6º, e 147; Lei nº 12.594/12, arts. 43, § 1º, II,
e 60, III; Decreto-Lei nº 3.688/41, arts. 21 e 42, inciso
I.
Jurisprudência relevante citada: STJ, AREsp n.
2.554.624/SE, Rel. Min. Daniela Teixeira, Quinta Tur-
ma, j. 27.11.2024.
VOTO
Trata-se de apelação interposta por L.F.S. contra r. sentença (fls. 336/348)
que julgou parcialmente procedente a representação, reconhecendo a prática de
atos infracionais equiparados aos crimes descritos nos artigos 147, caput, por
duas vezes, e 129, § 6º, ambos do Código Penal, e às contravenções penais
descritas nos artigos 21 e 42, inciso I, do Decreto-Lei 3.688/41, aplicando-lhe
medida socioeducativa de semiliberdade.
Em suas razões, busca a improcedência da representação, pela insuficiên-
cia de provas; quanto às ameaças, também pela atipicidade da conduta, porque
não teriam causado fundado temor às vítimas ou, no tocante àquela proferida
contra P.S.O., porque direcionada a bem patrimonial. Também postula a impro-
cedência da representação pelo reconhecimento de causa excludente de culpa-
bilidade e ilicitude, argumentando que o adolescente, em razão de seu estado
mental e da dependência química, não tinha integral condição de entender e
determinar-se de acordo com o caráter ilícito de sua conduta. Subsidiariamente,
pleiteia o abrandamento da medida socioeducativa imposta (fls. 368/383).
Mantida a r. sentença em juízo de retratação (fls. 384) e oferecidas con-
trarrazões (fls. 388/394), a douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo des-
provimento do apelo (fls. 433/441).
É o relatório.
Conheço em parte do recurso, presentes os requisitos de desenvolvimento
válido e regular e de admissibilidade para, na parte conhecida, negar-lhe provi-
mento.
Consta dos autos que, no dia (...), o adolescente L.F.S., agindo de forma
imprudente, arremessou uma faca em direção de seu irmão, E.G.A.S., causando-
lhe lesão corporal de natureza leve.
849
Consta, ainda, que, no dia (...), L.F.S. ameaçou Y.P.S. dizendo que iria
jogar uma cadeira na cabeça dela e que iria rachar a sua cabeça; em seguida,
teria atrapalhado o bom andamento das aulas, promovendo algazarra e pertur-
Jurisprudência - Câmara Especial
bando os demais alunos.
Ainda, é descrito que, no dia (...), L.F.S. agrediu sua colega de classe,
P.S.O., com pontapés; e que no dia (...), L.F.S. ameaçou-a, dizendo que iria
quebrar seu celular, e que se a escola não resolver eu vou resolver do meu jeito.
A materialidade e a autoria dos atos infracionais ficaram sobejamente de-
monstradas pelos boletins e registros de ocorrência (fls. 09/10, 12/20, 31/32,
38/39, 41/44 e 59/60), pela ficha de atendimento ambulatorial (fl. 21), pelo lau-
do pericial (fls. 23/24) e pela prova oral colhida.
A vítima E.G.A.S., em depoimento especial, afirmou que o representado e
sua mãe discutiam, quando o chamou de um nome que não agradou ele e tinha a
faca do lado dele e ele tacou, mas não foi na minha perna, bateu no chão e, no
que movimentou o pé, a faca entrou. Disse que sente saudades do irmão.
A vítima Y.P.S., em depoimento especial, relatou que o representado
surtou do nada, explicando que às vezes você não podia falar com ele, ele
ameaçava. Registrou a ocorrência por questão de medo. Especificamente quan-
to aos fatos narrados na representação, afirmou que, após deixar a sala de aula,
para se afastar do representado, foi seguida por ele que surtou e começou a
gritar, ao que L.F.S. afirmou que iria estourar minha cabeça e que ia pegar um
revólver dentro da bolsa. No mais, contou que o representado a importunava,
puxando sua bolsa e seu cabelo, com toques no ombro e chutes cutucando, ex-
plicando que não era muito forte, mas incomodava. Ainda, afirmou ter visto o
representado ameaçando outro aluno, dizendo-lhe que iria tacar a cadeira nele.
Por fim, afirmou que L.F.S. ia para a escola apenas para perturbar, e que ele ia
fazendo isso de sala em sala, falando que ia matar todo mundo ali.
A vítima P.S.O., em depoimento especial, declarou que o representado era
muito provocativo e se irritava quando não lhe davam atenção; por essa razão,
certo dia ele a chutou na altura do quadril, através da cadeira, e quebrou sua
bolsa. Relatou os fatos à Diretora e à sua mãe, decidindo registrar a ocorrência.
Em outra oportunidade, enquanto mexia no seu telefone celular, o representado
puxava a cadeira do inspetor e supôs que o estaria filmando, pelo que a ameaçou
de que iria quebrar seu telefone e que se a escola não desse um jeito ele iria dar.
A testemunha G.F.A., colega de classe, em depoimento especial, disse
ter presenciado o representado assediando Y.P.S. e P.S.O. Afirmou ter assistido
L.F.S. puxar os cabelos das colegas, chutá-las, quebrar a bolsa de P.S.O. e segu-
rá-las pelos braços, impedindo-as de sair da sala. Acrescentou que o comporta-
mento do representado atrapalhava o bom andamento da aula.
A testemunha R.P.G., diretora da escola, afirmou que o representado cau-
sava tumulto e prejudicava seus colegas, além de perturbar outras turmas, alu-
850
nos e inspetores, muitas vezes impedindo os professores de ministrar as aulas.
Quanto a P.S.O., disse que a aluna relatou ter sido agredida com um chute e que
Jurisprudência - Câmara Especial teve sua bolsa quebrada pelo representado. Afirmou, ainda, que os relatos que
recebia davam conta de que as ocorrências tinham início sempre em razão da
indisciplina do representado.
A testemunha W.R.A.S., coordenadora na escola, contou que o represen-
tado não obedecia às regras da escola, incomodando a todos. Y.P.S. e P.S.O
queixavam-se de L.F.S.
A testemunha M.C.J.S., avó do representado, afirmou que o neto feriu o
irmão acidentalmente. Quanto aos fatos ocorridos na escola, disse que L.F.S.
queixava-se de suas colegas de classe, dizendo que elas o atormentavam, dizen-
do-lhe que foi preso e que ele não deveria estar na escola. Afirmou que o neto
contava que as provocações também provinham da diretora da escola, que lhe
dizia que deveria ficar em casa e que deveria tomar seus remédios. Disse que
seu neto é um menino excelente e que nunca deu trabalho.
A testemunha P.M., vizinha do apelante, disse que soube, pela mãe do
adolescente, que este teria atingido o irmão de forma acidental. Afirmou que ela
relatava que o filho vinha sendo vítima de bullying na escola, em razão de fazer
uso de remédios controlados.
A testemunha S.M.C. esclareceu não ter presenciado os fatos, mas soube
do episódio envolvendo o irmão do apelante. Tinha ciência de que o apelante
sofria bullying, diante dos problemas psiquiátricos que enfrentava.
A genitora do representado afirmou que o filho tem TDAH e tomava me-
dicamentos e que as meninas o chamavam de doido e diziam que ele não deve-
ria estar na escola. Argumentou que o filho sofre de depressão e tentou suicídio;
e que relatou à escola sobre a necessidade da ingestão dos medicamentos, mas
não teve apoio.
E o adolescente, ao ser ouvido em juízo, afirmou que nunca teve a inten-
ção de machucar seu irmão. Quanto aos fatos ocorridos na escola, afirmou sofrer
muito bullying, me chamavam de negro, falavam que eu não tinha que ficar na
escola, que era para eu tomar remédio. Negou ter ameaçado suas colegas Y.P.S.
e P.S.O., acreditando tratar-se de um mal-entendido; quanto ao fato de ter chuta-
do P.S.O., afirmou que estava com o pé na cadeira e o pé relou nela de novo, mas
sem intenção de agredi-la. Sofria de ansiedade e, por isso, saía muito da sala de
aula. Nunca desligou a energia da escola e seu tom de voz é mais alto.
Pela análise da prova, inviável a pretendida reforma da r. sentença.
De antemão, correta a desclassificação do ato infracional análogo ao cri-
me de lesão corporal para a forma culposa, uma vez que o conjunto probatório
é uníssono no sentido de que o representado não agiu com laedendi animus, de
ofender a integridade física de seu irmão, mas sim com imprudência, sem ob-
servar o dever de cuidado.
851
No tocante aos demais atos infracionais, as vítimas expuseram os fatos
ocorridos de maneira coerente e harmônica, e seus relatos foram corroborados
por testemunha presencial, que atestou ter visto o representado agredindo, im-
Jurisprudência - Câmara Especial
portunando e ameaçando Y.P.S. e P.S.O.; e pelas testemunhas R.P.G. e W.R.A.S.,
diretora e coordenadora da escola, que discorreram acerca das queixas recebidas
pelas vítimas e da conduta indisciplinada do adolescente, que perturbava a tran-
quilidade dos alunos, professores e funcionários da escola.
Ainda, evidente que as ameaças foram capazes de incutir fundado temor
às vítimas, tanto que registraram boletim de ocorrência. De todo modo, o crime
de ameaça é de natureza formal, consumando-se com a intimidação ou idonei-
dade intimidativa da ação, sendo desnecessário o efetivo temor da vítima ou a
ocorrência de um resultado lesivo. (AREsp n. 2.554.624/SE, Rel. Min. Daniela
Teixeira, Quinta Turma, j. em 27/11/2024).
Anote-se, ainda, que o bem jurídico tutelado pelo crime de ameaça – e
por seu correspondente ato infracional – é a tranquilidade psíquica e a liberdade
individual da vítima. Assim, certo é que a promessa de mal injusto e grave vol-
tada contra os bens da vítima tem o condão de violar o bem jurídico protegido.
No mais, a despeito dos transtornos mentais e comportamentais decor-
rentes do uso de drogas, não há indícios de que o representado, ao tempo dos
atos infracionais, não detinha consciência de suas ações. Além disso, em atenta
análise à audiência de instrução, percebe-se que respondeu a todas as indaga-
ções, inclusive, negando a prática de todos os atos infracionais que lhe foram
imputados na representação ministerial.
Assim, não se verificam elementos suficientes que comprovem a ausência
de consciência do representado.
De todo modo, o reconhecimento de eventual distúrbio mental que lhe
afetasse o discernimento no agir, tornando-o incapaz de entender o caráter ilí-
cito de suas atitudes, não ensejaria a improcedência da representação, e sim a
revisão da medida socioeducativa aplicada, conforme dispõe o artigo 112, § 3º,
do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Nesse sentido, considerando que a execução da medida socioeducativa
está em curso, não há nada que impeça à Defesa de comunicar eventual inadap-
tação ao programa ressocializador ou reivindicar qualquer tipo de tratamento de
saúde que lhe é devido, na forma dos artigos 43, § 1º, inciso II, e 60, inciso III,
ambos da Lei do SINASE.
Em arremate, como bem apontado na r. sentença, ainda que se admitisse a
veracidade da alegação da ocorrência de bullying – o que não é o caso –, tal não
lhe autorizaria “revidar” o que sofria através das atitudes praticadas.
Portanto, a procedência da representação, nos termos da r. sentença, era
mesmo de rigor.
A insurgência quanto à medida socioeducativa aplicada, como visto, não
será apreciada, uma vez que essa questão se tornou prejudicada com a substi-
852
tuição da semiliberdade por liberdade assistida no respectivo processo de exe-
cução.
Jurisprudência - Câmara Especial Ante o exposto, CONHEÇO EM PARTE do recurso e, nessa parte, NE-
GO-LHE PROVIMENTO.
Conflitos de Competência
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Conflito de Competência Cí-
vel nº 0040684-30.2024.8.26.0000, da Comarca de Jundiaí, em que é suscitante
MM. JUIZ DE DIREITO DA VARA DO JÚRI, EXECUÇÕES CRIMINAIS E
INFÂNCIA E JUVENTUDE DA COMARCA DE JUNDIAÍ, é suscitado MM.
JUIZ DE DIREITO DA 2ª VARA CRIMINAL DA COMARCA DE JUNDIAÍ.
ACORDAM, em sessão permanente e virtual da Câmara Especial do Tri-
bunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Por unanimidade
conheceram do conflito e julgaram competente o MM. Juízo da 2ª Vara Criminal
de Jundiaí, ora Suscitado”, de conformidade com o voto do relator, que integra
este acórdão. (Voto nº 37.418)
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores BERE-
TTA DA SILVEIRA (VICE-PRESIDENTE) (Presidente sem voto), TORRES
DE CARVALHO (PRESIDENTE DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) e HE-
RALDO DE OLIVEIRA (PRESIDENTE DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVA-
DO).
São Paulo, 7 de maio de 2025.
XAVIER DE AQUINO, Decano e Relator
Ementa: Conflito de Competência – Inquérito policial
para apurar denúncia de Estupro de vulnerável, ar-
tigo 217-A do Código Penal – Distribuição à 2ª Vara
Criminal de Jundiaí – Determinação de remessa à
Vara da Infância e Juventude – Vítimas crianças, re-
velaram ter sofrido atos de violência sexual pratica-
dos pelo genitor durante os períodos de convivência/
visita – A Lei nº 13.431/2017 não obriga a remessa de
feitos envolvendo violência contra crianças e adoles-
centes à Vara Especializada de Violência Doméstica,
na ausência de Vara Especializada de Crimes Contra
a Criança e Adolescente – Mera recomendação, des-
853
de que não haja vara especializada em crimes contra
crianças e adolescentes – Deve a ação de origem tra-
mitar na Vara Criminal Comum – Precedente desta
Jurisprudência - Câmara Especial
Câmara Especial – Conflito julgado procedente, com
o reconhecimento da competência do Juiz de Direito
da 2ª Vara Criminal de Jundiaí, ora suscitado.
VOTO
Trata-se de pedido de aplicação de medida protetiva formulado pelas
vítimas E.C.O.L. (d.n. (...)) e A.S.O.L. (d.n. (...)), representadas pela genitora
A.C.O.L., em face do agressor F.O.L., adulto imputável. De acordo com o pe-
dido para concessão de medidas protetivas de urgência (fls. 09/11), as crianças
revelaram ter sofrido atos de violência sexual praticados pelo genitor durante
os períodos de convivência/visita. Na origem, houve manifestação ministerial
favorável à concessão das medidas às fls. 23/25.
A 2ª Vara Criminal de Jundiaí declarou-se incompetente para o feito e de-
terminou sua remessa para a Vara da Infância e Juventude (fls. 27/28), em razão
da incidência da Lei nº 13.431/2017 e pelo fato de as vítimas serem criança e
adolescente, respectivamente.
Aduz a MMª Juíza suscitante, por sua vez, que: “Consta que as meninas
encontram-se sob regular guarda e poder familiar de sua genitora. Não há notí-
cia nem indício de que estejam de qualquer forma ou por qualquer causa amol-
dada a nenhuma das situações descritas no artigo 98 do Estatuto da Criança
e do Adolescente. Não estando, como não estão, as infantes em situação irre-
gular ou de risco, falece por completo competência a este juízo de infância e
juventude à causa.” (fls. 01/02, g.n.).
Manifestou-se a D. Procuradoria Geral de Justiça pela competência do
MM. Juízo suscitado (fls. 12/15).
É o relatório.
Configurado está o conflito de competência, nos termos do artigo 66, in-
ciso II, do Código de Processo Civil. In casu, a competência para conhecer e
julgar a ação é do MM. Juízo suscitado, conforme se verá.
Na hipótese, que se enquadra no conceito de violência doméstica familiar,
pois, as vítimas, que são irmãs, afirmam ter sido vítimas de abuso sexual, em
visitas realizadas ao genitor. Trata-se, em tese, de notícia de crime praticado
contra crianças (estupro de vulnerável), e as medidas impostas contra o acusado
e em favor dos menores são de caráter penal e não cível.
Na Lei Maria da Penha, não há previsão de que todo e qualquer crime
praticado com violência contra crianças e adolescentes deva ser processado pelo
Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher. Há, apenas, mera
recomendação nesse sentido, nos termos do artigo 23, § único da Lei 13.341/17,
854
desde que não haja vara especializada em crimes contra crianças e adolescentes.
Dispõe o artigo 33 da Lei nº 11340/2006:
Jurisprudência - Câmara Especial “Art. 33. Enquanto não estruturados os Juizados de Violência Doméstica e
Familiar contra a Mulher, as varas criminais acumularão as competências cível e cri-
minal para conhecer e julgar as causas decorrentes da prática de violência doméstica
e familiar contra a mulher, observadas as previsões do Título IV desta Lei, subsidiada
pela legislação processual pertinente.
Parágrafo único. Será garantido o direito de preferência, nas varas criminais,
para o processo e o julgamento das causas referidas no caput.”.
O texto legal deixa claro que, inexistindo a Vara especializada em cri-
mes contra violência doméstica na Comarca, a competência será do juízo cri-
minal. Assim, frente à ausência de vara especializada na Comarca (fls. 27
da origem), e não havendo situação de risco iminente, já que as vítimas se
encontram com a genitora, a competência de tais ações, nesse caso, é da vara
criminal, ora suscitada, ainda que as vítimas sejam menores.
Nesse sentido, já se manifestou, recentemente, e em caso assemelhado,
esta Colenda CÂMARA ESPECIAL:
“CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. COM-
PETÊNCIA DO JUÍZO SUSCITADO. I. Caso em Exame Conflito negativo de jurisdição
entre a 5ª Vara Criminal e a Vara de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher
de São Bernardo do Campo, referente ao Inquérito Policial nº (...), que apura lesão cor-
poral qualificada pela violência doméstica, supostamente praticada por E. L. da S. con-
tra sua filha menor, V. L. A. II. Questão em Discussão A questão em discussão consiste
em determinar a competência para processar e julgar o caso, considerando a aplicação
da Lei nº 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) e a ausência de Vara Especializada em
crimes contra a criança e o adolescente na Comarca. III. Razões de Decidir A Lei nº
11.340/2006 é aplicável, pois a violência ocorreu no âmbito doméstico e familiar, en-
volvendo vítima do sexo feminino em situação de vulnerabilidade. A Lei nº 13.431/2017
não altera a competência das Varas de Violência Doméstica, apenas recomenda a pre-
ferência por essas varas na ausência de especializadas para crimes contra menores. IV.
Dispositivo e Tese Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo suscitado,
Vara de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher de São Bernardo do Campo.
Tese de julgamento: 1. A Lei nº 11.340/2006 aplica-se a casos de violência doméstica
contra mulheres, independentemente da idade da vítima. 2. A competência das Varas
de Violência Doméstica não é ampliada pela Lei nº 13.431/2017. Legislação Citada:
Código Penal, art. 129, § 9º; Lei nº 11.340/2006, art. 5º; Lei nº 13.431/2017, art. 23;
CF/1988, art. 125. Jurisprudência Citada: TJSP, Conflito de Jurisdição 0022993-03.2024.8.26.0000, Rel. Beretta da Silveira, Câmara Especial, j. 11.10.2024; TJSP,
Conflito de Jurisdição 0017290-91.2024.8.26.0000, Rel. Torres de Carvalho, Câmara
Especial, j. 25.09.2024.” (Conflito de Jurisdição nº 0040479-98.2024.8.26.0000, Rel.
Beretta da Silveira, j. em 27.01.2025).
Pelo exposto, julga-se procedente o presente conflito e declara-se a com-
petência do Juiz de Direito da 2ª Vara Criminal de Jundiaí, ora suscitado.
855
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Conflito de Compe-
Jurisprudência - Câmara Especial
tência Cível nº 0006547-85.2025.8.26.0000, da Comarca de São Paulo,
em que é suscitante MM. JUIZ DE DIREITO DA 16ª VARA CÍVEL DO
FORO REGIONAL DE SANTO AMARO, é suscitado MM. JUIZ DE
DIREITO DA 31ª VARA CÍVEL DA CAPITAL.
ACORDAM, em sessão permanente e virtual da Câmara Especial
do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Por
unanimidade conheceram do conflito e julgaram competente o MM. Juí-
zo da 31ª Vara Cível do Foro Central da Comarca de São Paulo, ora Sus-
citado”, de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão.
(Voto nº 37.395)
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores
BERETTA DA SILVEIRA (VICE-PRESIDENTE) (Presidente sem voto),
TORRES DE CARVALHO (PRESIDENTE DA SEÇÃO DE DIREITO
PÚBLICO) e HERALDO DE OLIVEIRA (PRESIDENTE DA SEÇÃO
DE DIREITO PRIVADO).
São Paulo, 3 de junho de 2025.
XAVIER DE AQUINO, Decano e Relator
Ementa: DIREITO PROCESSUAL CIVIL.
CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA.
AÇÃO INDENIZATÓRIA. COMPETÊNCIA
DO FORO DA SEDE DA PESSOA JURÍDICA.
I. Caso em Exame
Conflito negativo de competência entre a 16ª
Vara Cível do Foro Regional de Santo Amaro e a
31ª Vara Cível do Foro Central Cível da Comarca
de São Paulo, em ação indenizatória movida por
Paulo Henrique Teixeira de Souza contra Naps-
ter do Brasil Licenciamentos de Música Ltda e
outro, alegando disponibilização de composições
musicais sem créditos de compositor.
II. Questão em Discussão
2. A questão em discussão consiste em definir o
juízo competente para processar e julgar a ação,
considerando a localização do domicílio da pes-
856
soa jurídica demandada.
III. Razões de Decidir
Jurisprudência - Câmara Especial 3. O artigo 53, III, “a” do CPC/2015 estabelece
que é competente o foro da sede da pessoa jurídi-
ca para ações em que esta seja ré.
4. O endereço da ré, conforme Cadastro Nacional
da Pessoa Jurídica, está nos limites territoriais
do Foro Central Cível da Capital, legitimando a
competência deste foro.
IV. Dispositivo e Tese
5. Conflito conhecido para declarar a competên-
cia do Juízo da 31ª Vara Cível do Foro Central da
Comarca de São Paulo.
Tese de julgamento: 1. A competência territorial
é do foro da sede da pessoa jurídica ré, conforme
art. 53, III, “a” do CPC/2015.
Legislação Citada:
CPC/2015, art. 53, III, “a”; art. 66, II.
Jurisprudência Citada:
TJSP, Conflito de competência cível 0046311-15.2024.8.26.0000, Rel. Claudio Teixeira Villar,
Câmara Especial, j. 31/01/2025.
VOTO
Trata-se de conflito negativo de competência, suscitado pelo MM.
Juiz de Direito da 16ª Vara Cível do Foro Regional de Santo Amaro de
São Paulo em face do MM. Juiz de Direito da 31ª Vara Cível do Foro
Central Cível da Comarca de São Paulo, em autos de “ação indenizatória,
sob alegação do autor de que a ré teria disponibilizado em sua plataforma
de streaming suas composições musicais sem lhe atribuir os devidos cré-
ditos de compositor.” movida por Paulo Henrique Teixeira de Souza em
face de Napster do Brasil Licenciamentos de Música Ltda e outro.
Sustenta o Juízo suscitante que o art. 53, III, “a” do CPC/2015, pre-
vê que, “nas ações em que for ré a pessoa jurídica, é competente o foro
de sua sede”, não havendo dúvida de que “apesar de a autora ter indi-
cado endereço diverso da corré em sua petição inicial, consta, conforme
Aviso de Recebimento da carta de citação (fls. 508), que a corré mudou-
se de tal endereço, devendo ser considerado, portanto, o endereço infor-
857
mado pela Receita Federal (fls. 1029)”. Observa, ainda, que “endereço
está inserido em área de competência do Foro Central,” (cf. fls. 01/02).
O Juízo suscitado, por sua vez, afirma “a divisão de competên-
Jurisprudência - Câmara Especial
cias entre os diversos foros da Capital é absoluta, devendo, por isso,
ser declinada de oficio e a qualquer tempo, sob pena de nulidade do
processo.”, impondo-se observar, in casu, “o presente caso, em consulta
ao site do Tribunal de Justiça (http://www.tjsp.jus.br/CompetenciaTerritorial),
verifica-se que a parte requerida tem domicílio em endereço abrangido
por outro Foro desta Comarca da Capital, razão pela qual o processo
deve ser remetido a uma das varas cíveis daquele Foro. Anoto ainda que
o valor da causa é inferior a 500 (quinhentos) salários mínimos vigentes
na Capital, o que torna não aplicável a exceção ao critério territorial,
nos termos do artigo 54, inciso I, da Resolução nº 2, de 15 de dezembro
de 1976, do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo”. (cf.
fls. 1024/1026 dos autos de origem).
Designou-se o D. Juízo suscitado “para apreciar e resolver as me-
didas urgentes” (fls. 04) e, nesta instância, a I. Procuradoria-Geral de
Justiça deixou “de oferecer manifestação de mérito”, entendendo que,
no incidente em análise, não está presente qualquer das hipóteses legais
de intervenção do Ministério Público no processo originário (cf. fls. 11).
É o relatório.
Presentes os requisitos legais para configuração do conflito negati-
vo de competência, previsto no artigo 66, inciso II, do Código de Proces-
so Civil, passo à análise do mérito.
A controvérsia gira em torno da definição do juízo competente para
processar e julgar ação de natureza pessoal, sendo que ambos os juízos
afastaram sua competência para apreciar a demanda.
O ponto central a ser esclarecido reside na localização do domicílio
da pessoa jurídica demandada, uma vez que, tratando-se de ação pessoal
e inexistindo regra especial aplicável, incide a norma do artigo 53 do
CPC: “É competente o foro: (...) III – do lugar; a) onde está a sede, para
a ação em que for ré pessoa jurídica”., que consagra o foro do domicílio
do réu como regra geral de competência.
Ainda que o requerente tenha indicado um endereço distinto na pe-
tição inicial, verifica-se, conforme o Aviso de Recebimento da carta de
citação (cf. fls. 509 dos autos de origem), que a corré já não se encontrava
nesse local, tendo o requerente informado um novo endereço. Esse novo
endereço, por sua vez, corresponde ao constante no Cadastro Nacional da
858
Pessoa Jurídica (CNPJ) como sede da empresa, conforme confirmado nos
documentos de fls. 1029 dos autos de origem.
Jurisprudência - Câmara Especial O Juízo suscitado, ao afastar sua competência, baseou-se na consul-
ta ao portal eletrônico deste Tribunal (www.tjsp.jus.br/CompetenciaTerritorial),
concluindo que o endereço da ré estaria situado em região coberta por
outro foro regional. No entanto, a localização da sede empresarial está
nos limites territoriais abrangidos pelo Foro Central Cível da Capital,
conforme comprovado nos autos, basta para legitimar a competência da-
quele foro para o processamento do feito.
Inúmeros são os precedentes, desta C. Câmara Especial, no sentido
do que ora se decide, destacando-se os seguintes:
CONFLITO DE COMPETÊNCIA. Juízo da 4ª Vara Cível da Comarca de Su-
maré (suscitante) e Juízo da 2ª Vara de Acidentes do Trabalho do Foro Central
da Capital (suscitado). Ação previdenciária visando a concessão de benefício
previdenciário por motivo de acidente. Ajuizamento da ação no local da sede
da pessoa jurídica, nos termos do art. 53, III, “a”, do Código de Processo Civil,
sendo vedada a declinação de ofício. Competência territorial. Observância da
Súmula 33 do C. Superior Tribunal de Justiça. Precedentes desta c. Câmara Es-
pecial. Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo da 2ª Vara de
Acidentes do Trabalho do Foro Central da Capital, ora suscitado.
(TJSP; Conflito de competência cível 0046311-15.2024.8.26.0000; Relator:
Claudio Teixeira Villar; Órgão Julgador: Câmara Especial; Foro Central
– Fazenda Pública/Acidentes – 2ª Vara de Acidentes do Trabalho; Data do
Julgamento: 31/01/2025; Data de Registro: 31/01/2025)
Portanto, reconhece-se a competência do Juízo do Foro Central Cí-
vel da Comarca da Capital para conduzir o processo.
Do exposto, conhece-se do conflito e declara-se competente o D.
Juízo suscitado, da 31ª Vara Cível do Foro Central da Comarca de São
Paulo, para processar e julgar a demanda em trâmite nos autos originá-
rios.
Conflitos de Jurisdição
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Conflito de Jurisdição nº
0011039-23.2025.8.26.0000, da Comarca de Campinas, em que é suscitante
MM. JUIZ DE DIREITO DA 1ª VARA CRIMINAL DE CAMPINAS, é suscita-
859
do MM. JUIZ DE DIREITO DA 5ª VARA CRIMINAL DE CAMPINAS.
ACORDAM, em sessão permanente e virtual da Câmara Especial do
Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Conheceram do
Jurisprudência - Câmara Especial
conflito negativo e deram provimento para declarar a competência do Juízo sus-
citado. V.U.”, de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão.
(Voto nº 126.173)
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores BERE-
TTA DA SILVEIRA (VICE-PRESIDENTE) (Presidente), DAMIÃO COGAN
(DECANO) e TORRES DE CARVALHO (PRESIDENTE DA SEÇÃO DE DI-
REITO PÚBLICO).
São Paulo, 15 de maio de 2025.
BERETTA DA SILVEIRA, Vice-Presidente e Relator
Ementa: CONFLITO NEGATIVO DE JURISDI-
ÇÃO. COMPETÊNCIA DECLARADA.
I. Caso em Exame
Conflito negativo de jurisdição entre a 1ª e a 5ª Vara
Criminal da Comarca de Campinas, referente a In-
quérito Policial instaurado para apurar a suposta
participação de coautor e outros no crime de roubo
(art. 157, § 2º, II, CP), já julgado em Ação Penal.
II. Questão em Discussão
A questão em discussão consiste em determinar a
competência para julgar o inquérito policial, conside-
rando a alegada conexão com ação penal já senten-
ciada.
III. Razões de Decidir
A conexão não determina a reunião dos processos se
um deles já foi julgado, conforme Súmula 235 do STJ.
A prevenção pressupõe a existência de conexão entre
demandas em curso, o que não ocorre no presente
caso, pois a ação penal já transitou em julgado.
IV. Dispositivo e Tese
Conflito conhecido para declarar a competência do
MM. Juízo de Direito da 5ª Vara Criminal da Comar-
ca de Campinas.
Tese de julgamento: 1. A conexão não determina a
reunião dos processos se um deles já foi julgado. 2.
A prevenção pressupõe a existência de conexão entre
demandas em curso.
Legislação Citada:
860
Código de Processo Penal, art. 82, art. 114, inciso I.
Jurisprudência Citada:
Jurisprudência - Câmara Especial STJ, 4ª Turma, REsp. nº 9490-SP, Rel. Min. Sálvio de
Figueiredo, j. 6.8.91.
TJSP, Conflito de Jurisdição 0003726-45.2024.8.26.0000, Rel. Xavier de Aquino, Câmara
Especial, j. 10/07/2024.
TJSP, Conflito de Jurisdição 0041148-25.2022.8.26.0000, Rel. Wanderley José Federighi,
Câmara Especial, j. 13/04/2023.
TJSP, Conflito de Jurisdição 0032407-93.2022.8.26.0000, Rel. Daniela Cilento Morsello, Câ-
mara Especial, j. 05/12/2022.
VOTO
Cuida-se de conflito negativo de jurisdição suscitado pelo MM. Juízo
de Direito da 1ª Vara Criminal da Comarca de Campinas em face do MM.
Juízo de Direito da 5ª Vara Criminal da Comarca de Campinas, nos autos
do Inquérito Policial nº (...), instaurado para apurar a suposta participação de E.
C.A.R., bem como do indivíduo identificado apenas como B. e de outros indiví-
duos, no crime praticado por G.H.S. (artigo 157, § 2º, inciso II, CP), processado
e julgado nos autos da Ação Penal nº (...).
Expôs que “[o] MM Juízo suscitado decidiu pela remessa do feito ao
Juízo suscitante, alegando conexão intersubjetiva, muito embora tenha o Mi-
nistério Público promovido o arquivamento.” (fl. 334 da origem). Destacou que
“os autos em que se aponta suposta conexão já foram sentenciados, fato aliás
observado pelo Promotor de Justiça, o que por si só, já afasta a prevenção e a
competência do Juízo suscitante.” (fl. 334 da origem). Discorreu que “[a] finali-
dade primordial do instituto da conexão é evitar o risco de prolação de decisões
contraditórias, por juízos distintos, em casos que se relacionam, podendo in-
fluenciar-se reciprocamente.” (fls. 334/335 da origem) e sustentou que, na espé-
cie, “tal risco já encontra-se afastado, vez que a prolação da sentença nos autos
conexos encerrou a atividade jurisdicional do juízo anteriormente responsável
por aquele feito. Observa-se, ainda, que tal ação penal transitou em julgado em
11/05/2022 e foi arquivada há mais de três anos.” (fl. 335 da origem). Ressaltou
a inteligência da Súmula nº 235 do C. Superior Tribunal de Justiça (“A conexão
não determina a reunião dos processos, se um deles já foi julgado.”). Por fim,
apontou jurisprudências desta C. Câmara Especial.
Processado o conflito de jurisdição, foi designado o MM. Juízo suscitado
(MM. Juízo de Direito da 5ª Vara Criminal da Comarca de Campinas) para apre-
ciar as medidas urgentes (fls. 05/07).
861
A Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo conhecimento do conflito,
declarando-se a competência do MM. Juízo suscitado (fls. 17/20).
É O RELATÓRIO.
Jurisprudência - Câmara Especial
Conhece-se do conflito negativo de jurisdição, visto que presente a hipó-
tese prevista no artigo 114, inciso I, do Código de Processo Penal.
Trata-se de Inquérito Policial instaurado para apurar a suposta participa-
ção de E.C.A.R., bem como do indivíduo identificado apenas como B. e de ou-
tros indivíduos, no crime praticado por G.H.S. (artigo 157, § 2º, inciso II, CP),
processado e julgado nos autos da Ação Penal nº (...).
O feito foi distribuído ao MM. Juízo de Direito da 5ª Vara Criminal da
Comarca de Campinas e, apresentado o relatório final pela Autoridade Policial
(fls. 299/300 da origem), o d. representante do Ministério Público do Estado
de São Paulo se manifestou, “ante a ausência de indícios suficiente de partici-
pação da indiciada no crime, bem como de identificação do coautor” (fl. 307
da origem), promovendo o arquivamento do inquérito policial (fls. 304/307 da
origem).
Ato contínuo, juntados documentos dos Autos nº (...) (Ação Penal), o
MM. Juízo de Direito da 5ª Vara Criminal da Comarca de Campinas, “[t]endo
em vista que o presente inquérito policial foi instaurado para apurar a parti-
cipação de coautores do crime apurado nos autos de nº (...) (pág. 03), ante a
conexão entre os fatos” (fl. 328 da origem), declinou da competência e determi-
nou a remessa para a 1ª Vara Criminal da Comarca de Campinas (decisão à fl.
328 da origem).
Redistribuídos os autos, o MM. Juízo de Direito da 1ª Vara Criminal
da Comarca de Campinas suscitou o presente conflito de jurisdição (fls. 333 e
334/336 da origem).
Razão assiste ao MM. Juízo suscitante.
In casu, como bem salientado pela d. Procuradoria-Geral de Justiça em
seu parecer (fls. 17/20), “mesmo que os fatos estivessem entrelaçados, o pro-
cesso ao qual o Juízo Suscitado aponta como causa de conexão (n.º (...)), que
tramitava perante o Juízo Suscitante, já foi sentenciado e teve seu trânsito em
julgado certificado (fl. 327 daqueles autos). Diante disso, não é possível a pre-
tendida reunião para julgamento conjunto, consoante Súmula 235, do C. STJ.”
(fl. 18).
Consoante reiterado entendimento, a prevenção pressupõe a existência
de conexão entre demandas e que ambos estejam em curso (Nesse sentido: STJ,
4ª Turma, REsp. nº 9490-SP, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo, j. 6.8.91., v.u.).
Considerando que, na espécie, a primeira ação já foi julgada1, não se vis-
lumbra risco de prolação de decisões contraditórias, de modo a ensejar a compe-
tência do Juízo suscitante. Nesse sentido a Súmula nº 235 do Colendo Superior
1 Sentença em 03/09/2021 (fls. 211/224), parcialmente modificada por acórdão (fls. 303/313), com
trânsito em julgado em 11/05/2021 (fl. 327) e arquivamento há mais de 03 (três) anos.
862
Tribunal de Justiça, pela qual “[a] conexão não determina a reunião dos proces-
sos, se um deles já foi julgado”.
Jurisprudência - Câmara Especial Ainda, nos termos do artigo 82, do Código de Processo Penal: “Se, não
obstante a conexão ou continência, forem instaurados processos diferentes, a
autoridade de jurisdição prevalente deverá avocar os processos que corram
perante os outros juízes, salvo se já estiverem com sentença definitiva. Neste
caso, a unidade dos processos só se dará, ulteriormente, para o efeito de soma
ou de unificação das penas” (destaques nossos).
Destarte, não há como se afastar a competência do MM. Juízo suscitado
(MM. Juízo de Direito da 5ª Vara Criminal da Comarca de Campinas) para pro-
cessar e julgar os autos de origem.
Nesse sentido, precedentes desta C. Câmara Especial:
“Conflito Negativo de Jurisdição – Instaurado inquérito policial para
apuração de delito de roubo e extorsão – Alegada conexão – Inocorrência –
Autos já sentenciado – Distribuição que deve se dar livremente – Incidência do
artigo 82 do CPP – Inteligência, outrossim, da Súmula 235 do C. STJ – Conflito
procedente – Competência do Juízo suscitante.” (TJSP; Conflito de Jurisdição
0003726-45.2024.8.26.0000; Relator: Xavier de Aquino (Decano); Órgão Jul-
gador: Câmara Especial; Foro de Campinas – 4ª Vara Criminal; Data do Julga-
mento: 10/07/2024; Data de Registro: 10/07/2024).
“Conflito Negativo de Jurisdição – Ação Penal pela prática dos crimes
de organização criminosa e porte ilegal de arma – Distribuição livre para a 1ª
Vara Criminal de Ribeirão Preto – Redistribuição para a 4ª Vara Criminal da
mesma Comarca – Impossibilidade – Ação penal dita conexa já sentenciada
– Artigo 82 do C.P.P e Súmula 235 do STJ – Precedentes – Conflito de Jurisdi-
ção julgado procedente, para determinar o processamento junto ao MM. Juízo
Suscitado.” (TJSP; Conflito de Jurisdição 0041148-25.2022.8.26.0000; Relator:
Wanderley José Federighi (Pres. da Seção de Direito; Órgão Julgador: Câma-
ra Especial; Foro de Ribeirão Preto – 4ª Vara Criminal; Data do Julgamento:
13/04/2023; Data de Registro: 13/04/2023).
“CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO. AÇÃO PENAL. ART. 157,
§ 2º, II, E § 2º-A, I, DO CP. PRCEDENTE AÇÃO PENAL PARA APURAÇÃO
DOS MESMOS FATOS CONTRA ACUSADOS DISTINTOS. FEITO JÁ SEN-
TENCIADO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA Nº 235 DO STJ. Ação penal distri-
buída ao Juízo da 6ª Vara Criminal do Foro Central Criminal da Barra Funda.
Declinação da competência e redistribuição dos autos ao Juízo onde tramitou a
ação penal para apuração do mesmo crime contra acusados distintos. Denúncia
ofertada pelo Ministério Público após o sentenciamento da primitiva demanda.
Impossibilidade de reunião dos processos. Inteligência do artigo 82 do CPP e
da Súmula nº 235 do E. STJ. Conflito conhecido. Competência do Juízo da 6ª
Vara Criminal do Foro Central Criminal da Barra Funda.” (TJSP; Conflito de
863
Jurisdição 0032407-93.2022.8.26.0000; Relatora: Daniela Cilento Morsello;
Órgão Julgador: Câmara Especial; Foro Central Criminal Barra Funda – 5ª Vara
Criminal; Data do Julgamento: 05/12/2022; Data de Registro: 05/12/2022).
Jurisprudência - Câmara Especial
Ante o exposto, CONHEÇO DO CONFLITO NEGATIVO para decla-
rar a competência do MM. Juízo de Direito da 5ª Vara Criminal da Comarca
de Campinas, suscitado.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Conflito de Jurisdição nº
0009509-81.2025.8.26.0000, da Comarca de Arujá, em que é suscitante MM.
JUIZ DE DIREITO DA VARA DO JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL DE
ARUJÁ, é suscitado MM. JUIZ DE DIREITO DA 2ª VARA JUDICIAL DE
ARUJÁ.
ACORDAM, em sessão permanente e virtual da Câmara Especial do Tri-
bunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “CONHECERAM
DO CONFLITO NEGATIVO para DECLARAR a competência do MM. Juízo
suscitado da 2ª Vara Criminal de Arujá. V.U.”, de conformidade com o voto do
relator, que integra este acórdão. (Voto nº 69.911)
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores BERE-
TTA DA SILVEIRA (VICE-PRESIDENTE) (Presidente) e CAMARGO ARA-
NHA FILHO (PRESIDENTE DA SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).
São Paulo, 12 de maio de 2025.
HERALDO DE OLIVEIRA, Relator e Presidente da Seção de Direito
Privado
Ementa: DIREITO PROCESSUAL PENAL. CON-
FLITO DE JURISDIÇÃO. CALÚNIA E DIFAMA-
ÇÃO. COMPETÊNCIA DO MM. JUÍZO SUSCITA-
DO DECLARADA.
I. Caso em Exame
Conflito de jurisdição suscitado pelo Juízo do Juizado
Especial Cível e Criminal de Arujá contra o Juízo da
2ª Vara Criminal de Arujá, nos autos de queixa-crime
por calúnia e difamação, alegando que a soma das pe-
nas ultrapassa dois anos, afastando a competência do
Juizado Especial.
II. Questão em Discussão
2. A questão em discussão consiste em determinar a
competência para julgar a queixa-crime, consideran-
864
do a soma das penas máximas em abstrato.
III. Razões de Decidir
Jurisprudência - Câmara Especial 3. A competência do Juizado Especial Criminal é limi-
tada a infrações penais com pena máxima de até dois
anos, conforme art. 61 da Lei 9.099/95.
4. A soma das penas máximas para os crimes de calú-
nia e difamação é de três anos, excedendo o limite de
competência do Juizado Especial.
IV. Dispositivo e Tese
5. Conflito conhecido para declarar a competência do
Juízo da 2ª Vara Criminal de Arujá.
Tese de julgamento: 1. A competência do Juizado Es-
pecial Criminal é limitada a crimes com pena máxima
de até dois anos. 2. Quando a soma das penas ultra-
passa esse limite, a competência é do Juízo Criminal
Comum.
Legislação Citada:
Lei 9.099/95, art. 61.
Jurisprudência Citada:
TJSP, Câmara Especial, Conflito de Jurisdição nº
0016620-53.2024.8.26.0000, Rel. Des.
Heraldo de Oliveira Silva, j. 22/08/2024.
VOTO
Vistos.
Trata-se de Conflito de Jurisdição suscitado pelo MM. JUÍZO DA
VARA DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL E CRIMINAL em face do MM.
JUÍZO DA 2ª VARA, ambos do FORO E COMARCA DE ARUJÁ, nos autos
da queixa-crime nº (...), proposta por K.R.D.S.S. e E.S.S. em face de M.A.M., sob
alegação de prática dos crimes de calúnia e difamação em concurso formal
impróprio.
O Juízo suscitante argumenta que a soma das penas em abstrato imputa-
das ao querelado ultrapassa o limite de dois anos, o que afasta a competência do
Juizado Especial, que é absoluta (fls. 125/128, origem).
Processado o conflito de jurisdição, foi designado o MM. Juízo suscitado
da 2ª Vara Criminal de Arujá para apreciar as medidas urgentes (fl. 09/10).
Em seguida, a douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pela competên-
cia do MM. Juízo suscitado da 2ª Vara Criminal de Arujá (fl. 18/21).
É O RELATÓRIO.
Assiste razão ao MM. Juízo suscitante.
Trata-se de conflito negativo de competência suscitado pelo juízo do Jui-
865
zado Especial Cível e Criminal da Comarca de Arujá (processo nº (...) – quei-
xa-crime) de queixa-crime apresentada para apuração de crimes de calúnia e
difamação.
Jurisprudência - Câmara Especial
Os autos foram inicialmente distribuídos ao MM. Juízo da 2ª Vara da
Comarca de Arujá, o qual, após a apresentação de defesa prévia, declinou da
competência ao Juizado Especial Cível daquela Comarca ao fundamento de
consistirem em crimes de menor potencial ofensivo (fl. 38 daqueles autos).
Remetidos os autos, o Jecrim suscitou o presente conflito ao entendimen-
to de somatório das penas máximas superior ao limite de 02 anos (fl. 124/128
daqueles autos).
O conflito de jurisdição foi remetido para a C. Turma Recursal Criminal
do TJSP que reconheceu a incompetência absoluta do Colégio Recursal para
julgar o incidente e determinou redistribuição para esta C. Câmara Especial do
TJSP (Conflito de Jurisdição nº (...), Rel. Jurandir de Abreu Júnior, Turma Re-
cursal Criminal do TJSP, j. 17/12/2024, V.U. – acórdão com cópia a fls. 144/147,
origem).
Por fim, o conflito de jurisdição foi encaminhado a esta Col. Câmara.
Pois bem.
A aferição da competência do Juizado Especial Criminal deve levar em
conta a pena máxima em abstrato cominada pela lei, nos termos do art. 61 da
Lei 9.099/95: “Art. 61. Consideram-se infrações penais de menor potencial
ofensivo, para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que
a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com
multa. (Redação dada pela Lei nº 11.313, de 2006 – destaque nosso)”.
Cumpre ressaltar que é entendimento corrente nesta Câmara Especial que
a análise em abstrato da imputação feita ao réu deve considerar o que consta da
peça inicial.
Assim, a indicação do procedimento a ser adotado e consequentemente
da competência do órgão judicial para processamento da denúncia ou queixa-
crime deve ser analisada a partir da peça acusatória, vedada a interpretação am-
pliativa ou restritiva dos fatos descritos e da capitulação jurídica apresentada.
No mesmo sentido das considerações até aqui expostas, o seguinte julga-
do de minha relatoria, mutatis mutandis:
“CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO. Denúncia visando à
apuração do crime de resistência (art. 329, caput, do Código Penal). Infração
penal de menor potencial ofensivo. Distribuição à Vara do Juizado Especial
Criminal. Redistribuição ao Juízo criminal comum, com fundamento na exis-
tência de concurso material com o crime de dano, considerando o somatório
das penas. Impossibilidade. Delito de dano que não foi objeto de queixa-cri-
me, superando-se o respectivo prazo decadencial e, desde o inquérito policial,
declarando a vítima desinteresse em ver o réu processado por tal ilícito. Feito
866
que estava em tramitação no JECrim, onde o réu chegou a ser citado, antes
da redistribuição. Reprimenda do crime de resistência que não ultrapassa o
Jurisprudência - Câmara Especial limite do art. 61 da Lei n. 9.099/95. Análise da imputação feita ao réu que
deve levar em conta o que consta da inicial acusatória, vedada a interpretação
ampliativa ou restritiva dos fatos descritos e da capitulação jurídica apresen-
tada. Inteligência da Súmula n. 82 do TJSP. Precedentes da Câmara Especial.
Competência do MM. Juiz suscitante do Juizado Especial Cível e Criminal de
Jales (Conflito de Jurisdição Nº: 0016620-53.2024.8.26.0000, j. 22.08.2024 –
destaque nosso).
Nesse sentido, a Súmula 82 deste Egrégio Tribunal de Justiça: “Com-
pete ao Juízo Criminal Comum processar e julgar ação na qual se imputam
ao réu crimes cuja soma das penas máximas ultrapassa o limite de 02 (dois)
anos previsto no art. 61 da Lei 9.099/95.”.
Os querelantes ofereceram queixa-crime ante a suposta prática dos cri-
mes de calúnia e difamação (artigos 138 e 139 do Código Penal), cujas penas
máximas previstas em lei são, respectivamente, 02 (dois) anos e 01 (um) ano de
detenção (fl. 73/74, origem), totalizando 03 anos de detenção.
Logo, ante a quantidade de pena máxima em tese aplicável (ultrapassa
dois anos de pena privativa de liberdade), não está configurada a competência
do Juizado Especial Criminal, nos termos do art. 61 da Lei 9.099/95, razão pelo
qual a competência é do MM. Juízo suscitado da 2ª Vara Criminal de Arujá.
Ante o exposto, CONHEÇO DO CONFLITO NEGATIVO para DE-
CLARAR a competência do MM. Juízo suscitado da 2ª Vara Criminal de
Arujá.
Comunique-se e cumpra-se, com urgência.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Conflito de Jurisdição nº
0011974-63.2025.8.26.0000, da Comarca de Assis, em que é suscitante MM.
JUÍZO DE DIREITO DA 2ª VARA CRIMINAL E DA VIOLÊNCIA DOMÉS-
TICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER DA COMARCA DE ASSIS, é sus-
citado MM. JUÍZO DE DIREITO DA 1ª VARA CRIMINAL DA COMARCA
DE ASSIS.
ACORDAM, em sessão permanente e virtual da Câmara Especial do Tri-
bunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “CONHECERAM
do conflito negativo de jurisdição e DECLARARAM a competência do JUÍZO
SUSCITADO (MM. Juízo de Direito da 1ª Vara Criminal da Comarca de Assis).
V.U.”, de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão. (Voto
nº 44.582)
867
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores BERET-
TA DA SILVEIRA (VICE-PRESIDENTE) (Presidente) e XAVIER DE AQUI-
NO (DECANO).
Jurisprudência - Câmara Especial
São Paulo, 2 de junho de 2025.
CAMARGO ARANHA FILHO, Relator e Presidente da Seção de Direito
Criminal
Ementa: DIREITO PROCESSUAL PENAL. CON-
FLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO. CRIME
CONTRA VÍTIMA CRIANÇA OU ADOLESCEN-
TE DO SEXO MASCULINO. COMPETÊNCIA DO
JUÍZO SUSCITADO.
I. CASO EM EXAME
1. Conflito negativo de jurisdição entre a 2ª Vara Cri-
minal e da Violência Doméstica e Familiar contra a
Mulher e a 1ª Vara Criminal da Comarca de Assis,
nos autos de ação penal para apuração de suposta
prática do crime tipificado no art. 217-A do CP, con-
tra vítima criança ou adolescente do sexo masculino.
II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO
2. A questão em discussão consiste em determinar se
a competência é da Vara Criminal ou da Vara de Vio-
lência Doméstica e Familiar contra a Mulher.
III. RAZÕES DE DECIDIR
3. Art. 23 da Lei nº 13.431/2017 não ampliou a com-
petência das Varas de Violência Doméstica e Familiar.
4. Organização da Justiça que compete aos Estados,
por meio de lei de iniciativa do respectivo Tribunal de
Justiça, conforme dispõe o artigo 125, caput, e § 1º, da
Constituição Federal.
5. A presença de vítima do gênero masculino exclui a
incidência da Lei Maria da Penha.
IV. DISPOSITIVO E TESE
6. Conflito conhecido para declarar a competência do
Juízo suscitado.
Tese de julgamento: “Nas Comarcas em que não há
Vara Especializado em Crimes contra Crianças e
Adolescentes, a competência para julgar processos de
crimes cometidos contra vítima do sexo masculino é
das Varas Criminais Comuns.”
Dispositivos relevantes citados: CF, art. 125, caput e
868
§1º; CPP, art. 114, I; L. nº 13.431/2017, art. 23.
Jurisprudência relevante citada: STJ, HC nº 728.173/
Jurisprudência - Câmara Especial RJ, Rel. Min. Olindo Menezes, j. 26/10/2022; TJSP,
Conflito de Jurisdição nº 0008470-83.2024.8.26.0000,
Rel. Des. Sulaiman Miguel Neto, Câmara Especial, j.
21/06/2024; TJSP, Conflito de Jurisdição nº 0011218-88.2024.8.26.0000, Rel. Des. Torres de Carvalho –
Pres. Seção de Direito Público, Câmara Especial, j.
22/05/2024.
VOTO
Trata-se de conflito negativo de jurisdição suscitado pelo MM. Juízo de
Direito da 2ª Vara Criminal e da Violência Doméstica e Familiar contra a Mu-
lher em face do MM. Juízo de Direito da 1ª Vara Criminal, ambos da Comarca
de Assis, nos autos da ação penal em que se apura a prática do delito previsto no
artigo 217-A do Código Penal, por S.C.F. (processo nº (...)).
O feito foi distribuído ao Juízo suscitado, que determinou a remessa dos
autos ao Juízo suscitante, por entender ser dele a competência absoluta para pro-
cessar e julgar o feito, em observância ao disposto no artigo 23, parágrafo único,
da Lei nº 13.431/2017 (fls. 42/43 dos autos de origem).
O Juízo suscitante discorda do ato declinatório, ao argumento de que o
artigo 23 da Lei nº 13.431/2017 não ampliou a competência das Varas de Vio-
lência Doméstica e Familiar contra a Mulher (fls. 121/125 dos autos de origem).
Foi designado o Juízo suscitado (MM. Juízo de Direito da 1ª Vara Crimi-
nal da Comarca de Assis) para apreciar e decidir questões urgentes (fl. 06).
A Douta Procuradoria-Geral de Justiça opinou pela declaração da compe-
tência do Juízo suscitado (fls. 14/19).
É o relatório.
Presente a hipótese do artigo 114, I, do Código de Processo Penal, co-
nheço do presente conflito de jurisdição na medida em que ambos os Juízos se
recusam a processar e julgar a demanda.
E, na hipótese, assiste razão ao Juízo suscitante.
Trata-se de feito em que se apura a prática de crime contra criança ou
adolescente do sexo masculino, que tramita em Comarca em que não instalada
Vara Especializada de Crimes contra Crianças e Adolescentes.
O artigo 23 da Lei nº 13.431/20171, que estabelece o sistema de garantia
de direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência, não
ampliou a competência das Varas de Violência Doméstica e Familiar Contra a
1 Art. 23. Os órgãos responsáveis pela organização judiciária poderão criar juizados ou varas es-
pecializadas em crimes contra a criança e o adolescente. Parágrafo único. Até a implementação do disposto
no caput deste artigo, o julgamento e a execução das causas decorrentes das práticas de violência ficarão,
preferencialmente, a cargo dos juizados ou varas especializadas em violência doméstica e temas afins.
869
Mulher, tendo apenas facultado aos órgãos estaduais, responsáveis pela organi-
zação judiciária, a criação de varas especializadas em crimes praticados contra
crianças e adolescentes, destacando que, até sua instalação, seria preferível que
Jurisprudência - Câmara Especial
tais crimes fossem processados nas Varas de Violência Doméstica e Familiar
Contra a Mulher, mas não impondo essa competência.
E não poderia ser de outro modo, pois qualquer imposição nesse sentido
violaria o disposto no artigo 125, caput, e § 1º, da Constituição Federal, os quais
preveem que compete aos Estados a organização da sua Justiça, por meio de lei
de iniciativa do respectivo Tribunal de Justiça.
Assim, sendo a vítima do gênero masculino, excluída a incidência da Lei
Maria da Penha, e não tendo sido instalada vara especializada, deve o feito tra-
mitar na Vara Criminal Comum.
Nesse sentido, a jurisprudência desta Colenda Câmara Especial:
CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO. MEDIDAS PROTETIVAS. CRIMES
DE MAUS TRATOS E TORTURA SUPOSTAMENTE PRATICADOS PELO PAI
CONTRA OS FILHOS. Vítimas do sexo masculino. Relativamente à vítima do
sexo feminino, não se estaria diante de violência de gênero. Competência da
Vara de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher não configurada. Não
incidência da Lei nº. 11.340/06. Art. 26, da referida norma que não modificou
ou ampliou a competência material dos juizados ou varas especializadas. Fa-
culdade, pelos órgãos estaduais, de criação de varas especializadas em crimes
praticados contra crianças e adolescentes. Inexistência na Comarca. Feito que
deve tramitar pela Vara Comum. Aplicação da Súmula nº. 114 do TJSP. Prece-
dentes. CONFLITO PROCEDENTE. COMPETÊNCIA DO JUÍZO SUSCITAN-
TE. (TJSP, Conflito de Jurisdição nº 0008470-83.2024.8.26.0000, Rel. Des. Su-
laiman Miguel Neto, Câmara Especial, j. 21/06/2024)
CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO – Ação penal – Estupro de vulne-
rável (caput do art. 217-A do C.P) – Vítima menor do gênero masculino – Re-
distribuição ao Juízo da Vara do Juizado de Violência Doméstica e Familiar
contra a Mulher de Guarulhos – Impossibilidade – Gênero da vítima que afasta
a incidência da Lei nº 11.340/2006 à hipótese, a qual depende da verificação da
existência efetiva de qualquer tipo de violência de gênero, no âmbito da unidade
doméstica ou familiar, ou ainda, em qualquer relação íntima de afeto, consoante
previsão de seu art. 5º e da Súmula 114 deste E. Tribunal de Justiça – Lei nº
13.431/2017 que não modificou ou ampliou a competência material dos Juizados
ou Varas especializadas em Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher
prevista na Lei n. 11.340/2006, mas facultou aos órgãos estaduais a criação de
Varas especializadas em crimes contra a criança e adolescente – Ausência de
obrigatoriedade – Organização da Justiça que cabe aos Estados – Inteligência
do art. 125, caput e § 1º, da Constituição Federal – Comarca de Guarulhos que
não possui vara especializada em crimes contra a criança e adolescente – Pre-
cedentes – Procedente o conflito – Competente o Juízo Suscitado. (TJSP, Con-
flito de Jurisdição nº 0011218-88.2024.8.26.0000, Rel. Des. Torres de Carvalho
– Pres. Seção de Direito Público, Câmara Especial, j. 22/05/2024)
870
Por fim, conquanto não se desconheça o entendimento fixado pela Colen-
da 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do HC nº 728.173/
Jurisprudência - Câmara Especial RJ, é certo que o posicionamento não foi firmado sob o rito dos recursos repeti-
tivos, o que afasta seu caráter vinculante.
Ante o exposto, CONHEÇO do conflito negativo de jurisdição e declaro
a competência do JUÍZO SUSCITADO (MM. Juízo de Direito da 1ª Vara Cri-
minal da Comarca de Assis).
Exceções de Suspeição
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Exceção de Suspeição nº
0006850-02.2025.8.26.0000, da Comarca de Piracicaba, em que é excipiente
E.S.A., é excepto RODRIGO PARES ANDREUCCI (JUIZ DE DIREITO).
ACORDAM, em sessão permanente e virtual da Câmara Especial do Tri-
bunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Rejeitaram a exce-
ção de suspeição. V.U.”, de conformidade com o voto do relator, que integra este
acórdão. (Voto nº IS-0046/25-CE)
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores BERET-
TA DA SILVEIRA (VICE-PRESIDENTE) (Presidente sem voto), HERALDO
DE OLIVEIRA (PRESIDENTE DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) e CA-
MARGO ARANHA FILHO (PRESIDENTE DA SEÇÃO DE DIREITO CRI-
MINAL).
São Paulo, 31 de maio de 2025.
TORRES DE CARVALHO, Relator e Presidente da Seção de Direito Pú-
blico
Ementa: DIREITO PROCESSUAL PENAL. EXCE-
ÇÃO DE SUSPEIÇÃO. IMPROCEDÊNCIA.
I. Caso em Exame
1. Exceção de suspeição interposta por E.S. contra
o juiz da 3ª Vara Criminal de Piracicaba, Dr. Ro-
drigo Pares Andreucci, na ação penal nº 1508088-21.2024.8.26.0451, onde o réu é acusado de roubo
majorado. Alega-se suspeição do magistrado por ter
condenado o excipiente em ação penal anterior por
fatos semelhantes, comprometendo a imparcialidade
no julgamento atual.
871
II. Questão em Discussão
2. A questão em discussão consiste em determinar se a
atuação anterior do juiz em ação anterior comprome-
Jurisprudência - Câmara Especial
te sua imparcialidade no julgamento atual.
III. Razões de Decidir
3. A imparcialidade do juiz é essencial para a validade
do processo, sendo a suspeição ou impedimento regu-
lados por lei para garantir essa imparcialidade.
4. A mera prolação de decisão contrária ao interesse
da parte não caracteriza suspeição. Não foram apre-
sentados elementos que comprovem a quebra da im-
parcialidade do magistrado.
IV. Dispositivo e Tese
5. Exceção de suspeição rejeitada.
Tese de julgamento: 1. A atuação anterior do juiz em
processos semelhantes não implica, por si só, em sus-
peição. 2. A imparcialidade deve ser comprovada com
base em fatos concretos e não em conjecturas.
Legislação Citada:
CPC, arts. 144, 145 e 147; CPP, art. 254.
Jurisprudência Citada:
STJ, AgRg no RHC nº 165.304-MT, Rel. Reynaldo Soa-
res da Fonseca, 5ª Turma, j. 07.06.2022; STJ, AgInt na
ExSusp nº 195-DF, Rel. Ricardo Villas Bôas Cuevas,
2ª Seção, j. 26.06.2019; TJSP, Exceção de Suspeição nº
0043197-05.2023.8.26.0000, Rel. Heraldo de Oliveira,
Câmara Especial, j. 18.03.2024; TJSP, Exceção de
Suspeição nº 0028039-41.2022.8.26.0000, Rel. Beretta
da Silveira, Câmara Especial, j. 03.11.2022.
VOTO
1. Trata-se de exceção de suspeição interposta por E.S. em face do MM.
JUIZ DE DIREITO DA 3ª VARA CRIMINAL DA COMARCA DE PIRACICA-
BA, Dr. Rodrigo Pares Andreucci, na ação penal nº 1508088-21.2024.8.26.0451,
na qual o réu é acusado de roubo majorado (artigo 157, § 2º-A, inciso I, do CP).
Afirma suspeição do magistrado, eis que teria ele condenado o excipiente em
ação penal anterior, por fatos semelhantes aos ora impugnados, o que o impos-
sibilitaria de proferir um julgamento imparcial no processo atual. Pede que o
excepto seja declarado suspeito (fls. 1/5 da origem).
Recusados os motivos pelo magistrado excepto (fls. 6/7 dos autos de nº
0001182-55.2025.8.26.0451). Concedido prazo de 5 dias para regularização da
872
representação processual, o excipiente juntou a procuração (fls. 3, 7). Parecer
da Procuradoria-Geral de Justiça a fls. 15/19, opinado pela improcedência da
Jurisprudência - Câmara Especial exceção.
É o relatório.
2. A Convenção Americana sobre Direitos Humanos de 22-11-1969 (Pac-
to de San José da Costa Rica), em vigor no Brasil desde 25-9-1992, prevê no
item 1 do art. 8º que “toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas
garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente,
independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de
qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem seus
direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra
natureza”. No mesmo sentido são os art. 10 da Declaração Universal dos Direi-
tos Humanos, proclamada pela Assembleia-Geral das Nações Unidas em 10-12-
1948, e art. 14 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, adotado
pela XXI Seção da Assembleia-Geral das Nações Unidas em 16-12-1966.
A imparcialidade do juiz é um pressuposto subjetivo de validade do pro-
cesso e assegura aos litigantes a lisura da prestação jurisdicional. O incidente de
arguição de suspeição ou impedimento, por sua vez, é “o modelo estabelecido
em lei com o escopo de afastar o magistrado do feito, por lhe faltar a principal
característica do julgador, a imparcialidade (Celio Alves de Souza v. Ministério
Público do Mato Grosso, AgRg no RHC nº 165.304-MT, STJ, 5ª Turma, 7-6-
2022, Rel. Reynaldo Soares da Fonseca). As hipóteses de impedimento e suspei-
ção estão previstas nos arts. 144, 145 e 147 do CPC; e o reconhecimento da uma
dessas situações exige a comprovação da quebra da imparcialidade do julgador
para apreciar o litígio, sendo insuficientes meras conjecturas (J.D.M. v. Ministra
Nancy Andrighi, AgInt na ExSusp nº 195-DF, STJ, 2ª Seção, 26-6-2019, Rel.
Ricardo Villas Bôas Cuevas).
3. O excipiente é réu na ação penal nº 1508088-21.2024.8.26.0451, pela
suposta prática do crime previsto no artigo 157, § 2º-A, inciso I, do Código Pe-
nal. Segundo a denúncia, em 3-4-2022 o acusado abordou a vítima C.S.S. e, se
identificando como policial, mediante ameaça exercida com arma de fogo, lhe
subtraiu um celular e a carteira. A denúncia foi recebida em 24-1-2025, ocasião
em que o juiz impôs medidas cautelares ao acusado, quais sejam a proibição de
se aproximar da vítima, suspensão do porte funcional de arma de fogo e aloca-
ção em atividades administrativas da Corporação enquanto perdurar o processo,
considerando que o acusado é Guarda Municipal em atividade (fls. 107/108 e
110/111 do processo nº 1508088-21.2024.8.26.0451).
O excipiente afirma que em data anterior, mais precisamente no ano de
2022, foi oferecida denúncia contra si como incurso nos mesmos artigos e em
circunstâncias idênticas, nos autos do processo nº 1500658-30.2022.8.26.0451,
tramitado também perante a 3ª Vara Criminal da Comarca de Piracicaba/SP;
873
aduz que em tal ação penal, durante audiência de instrução e julgamento, o juiz
excepto demonstrou interesse em desfavorecer o acusado por meio de atos par-
ciais (fls. 10/11).
Jurisprudência - Câmara Especial
4. A insurgência do excipiente se direciona ao fato de o juiz excepto ter
oficiado em outra ação penal em que figurou como réu e, de maneira vaga,
afirma que foram praticados atos parciais, sem, contudo, indicar quais atos fo-
ram esses. O exame do processo de nº 1500658-30.2022.8.26.0451 não indica
qualquer atitude que caracterize a parcialidade alegada; os fatos são distintos,
havidos em outra data e envolvem outras vítimas; o réu foi condenado e, poste-
riormente, absolvido pela 11ª Câmara de Direito Criminal. Tais circunstâncias,
por si só, não são fundamentos para a oposição de exceção de suspeição, por não
caracterizarem quebra da imparcialidade.
A mera prolação de decisão contrária ao interesse da parte não caracteriza
a suspeição apta a justificar o acolhimento da exceção em análise. Nesse sen-
tido é o entendimento consolidado na Súmula nº 88, deste Egrégio Tribunal de
Justiça: “Reiteradas decisões contrárias aos interesses da excipiente, no estrito
exercício da atividade jurisdicional, não tornam o juiz excepto suspeito para
o julgamento da causa”. O artigo 254 do Código de Processo Penal arrola as
hipóteses de suspeição do magistrado, e no caso concreto não se contempla pre-
sente quaisquer delas, destacando-se que o excepto não é inimigo do excipiente,
a quem incumbiria a comprovação de suas alegações sob o enfoque atinente
ao liame subjetivo apto à caracterização da suspeição buscada, o que não se
verificou.
Somente o receio legítimo, motivado por circunstâncias ou interesses
comprovados e com base na realidade, autoriza a conclusão de que o juiz pode-
rá agir com parcialidade na solução da causa, o que não se verificou no presente
incidente, como enfatizado. Assim, na ausência de fundamento apto a sinalizar o
comprometimento da imparcialidade, inadmissível a destituição do juiz natural
do processo.
Em casos equivalentes, assim já decidiu esta C. Câmara Especial:
EXCEÇÃO DE SUSPEIÇÃO. Pretensão de afastamento do MM. Juiz proces-
sante da ação penal. Alegações genéricas. Não configuração das hipóteses pre-
vistas no artigo 254 do Código de Processo Penal. Prolação de decisões judiciais
fundamentadas e legais, que podem desagradar aos interesses particulares do
excipiente, sem tornar o magistrado suspeito. Incidência da Súmula nº 88 des-
te E. Tribunal de Justiça. Incidente de suspeição rejeitado.” (TJSP; Exceção de
Suspeição nº 0028039-41.2022.8.26.0000; Relator: Beretta da Silveira; Órgão
julgador: Câmara Especial; Data de julgamento: 03/11/2022; Data de publicação:
03/11/2022; Excipiente: Giselle Aparecida Grandizioli da Silva; Excepto: Luiz
Filipe Souza Fonseca)
O voto é pela rejeição da exceção de suspeição.
874
Habeas Corpus
Jurisprudência - Câmara Especial
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Habeas Corpus Cível nº
2344795-47.2024.8.26.0000, da Comarca de Votorantim, em que é impetrante
M.R.C., pacientes W.S.O.I. (MENOR), J.W.O.I. (MENOR), V.H.C.S.L. (ME-
NOR), R.C. (MENOR), A.G.O.D. (MENOR) e A.H.O.D. (MENOR).
ACORDAM, em sessão permanente e virtual da Câmara Especial do
Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Concederam a
ordem para devolução da guarda das crianças J.W. e W.S. aos genitores, pros-
seguindo-se com as estratégias traçadas para reestruturação familiar. V.U.”, de
conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão. (Voto nº HC
-0240/24-CE)
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores BERET-
TA DA SILVEIRA (VICE-PRESIDENTE) (Presidente sem voto), HERALDO
DE OLIVEIRA (PRESIDENTE DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) e CA-
MARGO ARANHA FILHO (PRESIDENTE DA SEÇÃO DE DIREITO CRI-
MINAL).
São Paulo, 30 de abril de 2025.
TORRES DE CARVALHO, Relator e Presidente da Seção de Direito Pú-
blico
Ementa: Direito da Criança e do Adolescente. Habeas
Corpus. Guarda de Menores. Ordem concedida.
I. Caso em Exame
1. Habeas corpus impetrado contra decisão que de-
terminou o desacolhimento de crianças e sua entrega
em guarda à tia paterna por 180 dias. A defesa alega
abusividade da decisão, destacando evolução dos re-
latórios técnicos, ausência de provas de maus tratos e
mudança dos genitores para uma casa maior.
II. Questão em Discussão
2. A questão em discussão consiste em determinar se a
guarda das crianças deve ser mantida com a tia pater-
na ou devolvida aos genitores, considerando o direito
das crianças de serem criadas em sua família natural.
III. Razões de Decidir
3. Os genitores demonstraram esforços para reestru-
875
turação familiar, seguindo orientações técnicas e as-
sistenciais, sem comprovação de impedimentos graves
para retomar a guarda.
Jurisprudência - Câmara Especial
4. A prioridade legal é a manutenção das crianças
junto aos pais, conforme o Estatuto da Criança e do
Adolescente, sendo a colocação em família substituta
medida excepcional.
IV. Dispositivo e Tese
5. Ordem concedida para devolução da guarda das
crianças aos genitores, prosseguindo-se as estratégias
traçadas para reestruturação familiar.
Tese de julgamento: 1. A reintegração familiar deve
ser priorizada em relação à colocação em família
substituta. 2. A reestruturação familiar dos genitores
foi demonstrada, e estão aptos a retomar a guarda das
crianças.
Legislação Citada:
ECA, art. 19.
VOTO
1. Trata-se de habeas corpus impetrado pela DRA. M.R.C. em favor de
W.S.O.I. (DN (...) e J.W.O.I. (DN (...)) contra decisão que determinou o de-
sacolhimento das crianças e sua entrega em guarda à tia paterna S.S.I.S., pelo
prazo de 180 dias (fls. 743/744 dos autos do proc. nº (...)).
2. Sustenta, em síntese, abusividade da decisão considerando a evolução
dos relatórios técnicos das visitas dos genitores; os cancelamentos reiterados
das visitas pela equipe da casa de acolhimento; inexistência de provas no tocan-
te a maus tratos; a mudança dos genitores para uma casa maior, providenciando
tudo que foi sugerido pela equipe técnica para receber as crianças; laudo do IML
mencionando a ausência de lesões corporais; o fato de a vizinha nunca ter sido
ouvida, pois era quem cuidava das crianças no dia em que foram acolhidas; a
tia paterna que está com a guarda das crianças reside em (...), a 100 km da casa
dos genitores. Pretendem, em liminar, a revogação da decisão que determinou
o desacolhimento das crianças (W. e J.W.) em favor da tia materna, para que as
crianças voltem à família natural; preventivamente, diante da iminência de que
os outros filhos (A.H., A., V.H. e R.) sejam acolhidos, a permanência na família
natural (fls. 01/32).
3. Depreende-se dos autos que em 2022 o Ministério Público ingressou
com ação de afastamento do convívio familiar, com pedido liminar de acolhi-
mento institucional para defesa do adolescente W.O.D. (...) e das crianças V.H.
C.S.L. (DN (...)) e W.S.O.I. (DN (...)).
876
Em março de 2023, estabilizadas as condições familiares, foram desaco-
lhidos e entregues à genitora e seu companheiro, pai da menina W.S.O.I., com
Jurisprudência - Câmara Especial determinação para que o CREAS e a Secretaria de Saúde dessem continuidade
aos acompanhamentos da família, bem como a Casa Belém encaminhasse re-
latórios mensais (fls. 82/84 e 367 e 381 todas dos autos do proc. nº (...)). Em
virtude da estabilização da situação do núcleo familiar, o Ministério Público pe-
diu a extinção do feito, o que não foi apreciado naquele momento (fls. 428/433,
435/436, 438/439, 441/442, 443 dos autos do proc. nº (...)).
Contudo, em março do presente ano, o Ministério Público informou o
acolhimento institucional dos filhos mais novos do casal P. e W. (W.S.O.I e
J.W.O.I.) (fls. 456/488 dos autos do proc. nº (...)), após o recebimento de denún-
cia anônima de abandono e maus tratos. Ao que se infere da documentação, os
menores V.H., W., J.W., R., A. e A.H. estavam sozinhos na residência quando
encontrados. Os pais alegaram que haviam ido entregar um trabalho de serralhe-
ria, ofício do genitor, e os deixaram aos cuidados de uma vizinha, que nunca foi
ouvida pelo MM. Juízo ou pelo Conselho Tutelar.
Diante da necessidade de resguardar os interesses das crianças, o Conse-
lho Tutelar, aos 25/04/2024, realizou o acolhimento institucional apenas de W.
e J.W. (fls. 529/553 dos autos do proc. nº (...)).
O Ministério Público requereu a manutenção do acolhimento (fls. 457/488
dos autos do proc. nº (...)), o que foi ratificado pelo juízo (fl. 489 dos autos do
proc. nº (...)).
O Plano Individual de Atendimento das crianças acolhidas foi elaborado
(fls. 497/540 dos autos do proc. nº (...)). A criança W.S.O.I. passou por consulta
médica e apresentava leve problema de pele.
Nos autos, os pais esclareceram que na data dos fatos, as crianças estavam
aos cuidados da vizinha e que ela tinha ido até a sua casa para desligar o fogo;
os policiais da guarda municipal foram acionados e, ao chegarem ao local, a vi-
zinha já estava retornando; as informações do plano individual de atendimento
não mencionam quaisquer maus tratos; as crianças acolhidas estão matriculadas
e há o monitoramento pelos órgãos competentes; quanto aos outros filhos da
genitora P., V. e R. estão aos cuidados do Sr. E.; A. e A.R., atualmente estão
com o genitor e W. sob cuidados maternos; requereram a realização de visitas e
a convivência aos finais de semana (fls. 514/529 dos autos do proc. nº (...)). Foi
juntado laudo toxicológico da genitora para corroborar as alegações de que ela
está abstinente do uso de entorpecentes (fls. 532/533 dos autos do proc. nº (...)).
A magistrada, conforme manifestação do Ministério Público e visando à
manutenção dos vínculos entre as crianças e os genitores, autorizou a visitação
dos genitores (nos dias e horas estabelecidos pela entidade) e determinou a vin-
da de relatórios quinzenais (fls. 551 dos autos do proc. nº (...)).
A equipe do acolhimento encaminhou relatório aos 10/07/2024, descre-
vendo a preocupação da tia paterna (Sra. S.) com as crianças e o deslocamento
877
semanal para visitá-las no abrigo (fls. 557/559 dos autos do proc. nº (...)).
No relatório da equipe do acolhimento, datado de 22/07/2024, constou
que os filhos se mostraram indiferentes à genitora, as crianças possuem uma
Jurisprudência - Câmara Especial
boa interação com o genitor e que, após algumas visitas, as crianças ficaram
chorosas e até agressivas com as outras crianças (fls. 594/596 dos autos do proc.
nº (...)).
Novo relatório encaminhado aos 05/08/2024, a equipe do acolhimento
pontuou a boa interação entre os genitores e as crianças (brincam, conversam e
pedem colo); informam que o genitor é proprietário de uma serralheria e, para
complementar a renda, trabalha como segurança em um supermercado; a geni-
tora está trabalhando numa lavanderia; há notícia de que a genitora deixou há
bastante tempo a drogadição, inclusive, tendo apresentado três exames toxico-
lógicos negativos; quanto ao ocorrido no dia acolhimento, a genitora esclareceu
que estavam indo até a serralheira para entrega de um serviço e que deixaram as
crianças aos cuidados da vizinha; que nunca deixou seus filhos sozinhos, pois
possui flexibilidade de horário e, por isso, pode ficar com eles quando necessá-
rio, e o sentimento de “perseguição” em virtude do primeiro acolhimento com
falsas acusações de uso de entorpecentes – fato que levou a genitora a realizar
três exames toxicológicos; a interação mais confortável entre os genitores e a
equipe; a preocupação da genitora em provar que não faz mais uso de substân-
cias entorpecentes (fls. 600/603 dos autos do proc. nº (...)).
Sobreveio o estudo psicossocial, realizado pela equipe técnica do juízo,
havendo informação que o genitor W. trabalha na serralheria própria e como
segurança em um supermercado, tendo renda mensal por volta de seis mil reais;
nunca deixou faltar nada para os filhos; não faz uso de substâncias psicoativas;
devido a denúncias contra a companheira e de que não levavam os filhos para
creche, mudaram para outra residência; a companheira foi liberada dos atendi-
mentos realizados pelo CAPS-AD; a vizinha era paga para auxiliar nos cuidados
com as crianças; na data dos fatos, as crianças foram deixadas com a vizinha;
quanto às marcas apresentadas pela filha (W.), relata que sempre teve problema
de pele; negou qualquer tipo de agressão; a companheira sempre cuidou bem
dos filhos; as crianças iam para escola e estavam com todas as vacinas em dia,
manifestado o desejo de ter os filhos de volta. A genitora ressaltou a inexistência
de motivos para o acolhimento dos filhos; o fato de estar há três anos sem usar
drogas; a grande responsabilidade decorrente de cuidar de sua prole numerosa
sem auxílio; reiterou que na data do acolhimento tinha deixado os filhos aos
cuidados da vizinha e que a vizinha só se dirigiu até a própria casa para preparar
a comida (fls. 606/615 dos autos do proc. nº (...)).
O relatório informativo encaminhado pela equipe do acolhimento aos
19/08/2024 mencionou a interação afetiva entre os genitores e as crianças (troca
de carinhos, beijos, brincadeiras), apontando que as brincadeiras da genitora
878
estimulam o aprendizado dos filhos; a mudança da família para uma casa maior,
com 05 cômodos, para receber todas as crianças; os brinquedos que são feitos
Jurisprudência - Câmara Especial pelo genitor na serralheria; apontou que os pais estão se empenhando para rea-
ver a guarda dos outros filhos (V. e R.) e empenharam esforços para fazer a festa
da filha W. no acolhimento.
Consta do relatório que: (...) “O casal mostra-se solicito em atender as
orientações, aceitando os encaminhamentos para se fortalecerem na função
protetiva de pais, em visita domiciliar encontramos uma casa limpa e organi-
zada. É uma família em processo de reestruturação.” (fls. 620/627 dos autos do
proc. nº (...)).
Neste interim, a advogada requereu permissão para retirada das crianças
para participar da festa de aniversário da filha W. ou, caso negativo, permissão
para que os irmãos participassem da festa dentro da casa de acolhimento (fls.
628/629 dos autos do proc. nº (...)).
O Ministério Público, a despeio de as visitas dos genitores estarem sendo
positivas e de estarem esforçando para modificar a dinâmica e situação familiar,
opinou pelo indeferimento da retirada das crianças para o aniversário da filha
(W.) com autorização para que os genitores e os demais irmãos participassem da
festa de aniversário a ser realizada no abrigo (fls. 633/634 dos autos do proc. nº
(...)). O magistrado, considerando que a família está em processo de reestrutu-
ração, indeferiu a retirada das crianças e autorizou a participação dos irmãos na
festa de aniversário (fl. 636 dos autos do proc. nº (...)).
A equipe de acolhimento encaminhou relatório aos 23/09/2024 destacan-
do a interação afetiva entre os genitores e os filhos durante todo o tempo de vi-
sita, o tempo restrito de cinco meses para efetivação da superação das questões
que levaram ao acolhimento das crianças com a necessidade de um período
maior para que fosse analisado se os genitores possuem condições de receber
os filhos; a preocupação do retorno das crianças ao convívio com os genitores e
irmãos; o fato de ser o segundo acolhimento da criança W.; a excepcionalidade
e brevidade do acolhimento e o fato da existência de membro da família extensa
interessada na guarda provisória das crianças (fls. 640/642 dos autos do proc.
nº (...)).
O Ministério Público, aos 26/09/2024, reputou ser prematura a entrega
dos irmãos à tia paterna, sobretudo considerando o estudo psicossocial e a pen-
dência da realização de estudo psicossocial na residência da tia paterna – Sra. S
(fl. 645 dos autos do proc. nº (...)).
O magistrado manteve o acolhimento até a conclusão das diligências so-
licitadas nos autos apensos nº (...) (fl. 647 dos autos do proc. nº (...) – guarda
promovida pela tia paterna S.).
A defesa peticionou requerendo o desacolhimento e mencionou os cance-
lamentos das visitas dos genitores nos dias 05/07, 30/08, 04/10 e ressaltou que
879
as visitas da tia paterna S. (que disputa a guarda das crianças) puderam ser rea-
lizadas (nestes mesmos dias); a Casa Belém não recepcionou bem os genitores
e os irmãos na data da festa da criança (W.); a alta da genitora do CAPS foi en-
Jurisprudência - Câmara Especial
caminhada à Casa Belém em agosto, porém não foi mencionada nos relatórios;
os laudos dos exames toxicológicos não foram anexados ou mencionados nos
relatórios anteriores e, assim, as informações do acolhimento não dão ciência
de que os genitores estão reestruturados física e emocionalmente. Ressaltou a
ausência de provas de maus tratos e de abandono, dizendo que todos os outros
filhos estão com a genitora (fls. 652/671 e docs. dos autos do proc. nº (...)).
Sobreveio relatório informativo da equipe do acolhimento aos 14/10/2024,
pontuando que durante toda visita os genitores interagiram com os filhos; a an-
siedade das crianças; e, diversamente do que ocorreu até então, mencionaram
os técnicos a resistência dos genitores a qualquer intervenção e orientação; o
comparecimento da genitora ao abrigo para saber o motivo de as visitas da tia
paterna não terem sido suspensas e a desconfiança dos genitores em relação à
conduta da equipe; a motivação da suspensão da visita foi devido ao fato de que
a presença dos pais no período de atividade prejudicaria a atividade (fls. 734/737
dos autos do proc. nº (...)).
O Ministério Público se manifestou favoravelmente ao desacolhimento
e a concessão de guarda indeterminada para a Sra. S. (fls. 738/739 dos autos
do proc. nº (...)). O magistrado acolheu o parecer do Ministério Público e de-
terminou o desacolhimento das crianças à Sra. S., pelo prazo de 180 dias. Daí
o agravo.
Para melhor elucidação dos fatos e apreciação da liminar, foram determi-
nadas providências urgentes, quais sejam: 1) a realização de estudo pela equipe
técnica do juízo de (...) junto aos genitores; 2) a realização de estudo com visita
domiciliar na comarca de (...) junto à tia paterna S. e às crianças W. e J.W., pela
equipe técnica do respectivo Juízo; 3) a realização de audiência concentrada do
caso pelo Juízo da Infância de (...); o resultado de todas as determinações acima
deveria ser enviado a estes autos tão logo concluídas.
O MM. Juízo determinou a realização de avaliação psicossocial com vi-
sita domiciliar à tia paterna e às crianças W. e J.W., e autorizou a realização de
visitas dos genitores aos filhos, semanalmente, aos sábados ou domingos, sem
pernoites e sob a supervisão da guardiã (fls. 514, da origem).
Documentos referentes às diligências determinadas foram trazidos a estes
autos. Laudo psicossocial produzido na comarca de (...) (processo nº (...)) relata
visita ao domicílio da tia paterna S., que detém a guarda das crianças W. e J.W.
Trata-se de viúva, pensionista, que coabita com um de seus três filhos, que é
funcionário público municipal, solteiro, sem filhos. Habitam imóvel próprio,
dispõem de condições materiais para garantia das necessidades das crianças,
além de contarem com rede de apoio. É guardiã das crianças desde 23.10.2024,
880
e relatou, em entrevista, que o genitor dos infantes, W., na iminência de acolhi-
mento dos filhos, solicitou a ela que requeresse a guarda a fim de evitar a institu-
Jurisprudência - Câmara Especial cionalização. Concluiu-se o estudo de forma favorável à manutenção da guarda,
com verificação de afeto, cuidado e preocupação da tia e do primo em relação
às crianças, que se encontram em excelente estado geral, com suas demandas
afetivas, materiais, educacionais e de saúde atendidas (fls. 269/277).
Estudo consistente em entrevistas conjuntas da psicóloga e da assistente
social, individualizadas com cada um dos componentes do núcleo familiar no
ambiente do fórum, além de visita domiciliar, indica que a família tem empe-
nhado esforços para sua reestruturação, com maior atenção aos cuidados com os
filhos e utilização da rede de apoio do Município (CREAS, CAPSIJ e UBS) para
atendimento de demandas clínicas, psiquiátricas e psicológicas. Também se evi-
denciou maior atuação quanto à disciplina dos filhos, tendo a genitora deixado
de trabalhar fora para se dedicar integralmente aos seus cuidados, permanecen-
do como principal responsável pelas tarefas cotidianas com o auxílio das suas
filhas adolescentes, ante a extensa jornada de trabalho do genitor; o filho W. não
vive no lar familiar, porém tem contato com a família. Em razão da situação de
W., as profissionais consideravam que não seria ainda adequado o retorno das
crianças ao lar (fls. 278/287).
Superado o descumprimento do § 1º do art. 19 do ECA, que impõe a
reavaliação trimestral das decisões tomadas, e do Provimento nº 118/2021 do
CNJ, que estabelece que a realização de audiências concentradas visa não so-
mente avaliar o desacolhimento, mas também se caracteriza como instrumento
de acompanhamento e reanálise periódica da medida de proteção aplicada, a au-
diência concentrada foi realizada em 10.1.2025 (termo às fls. 288/290). Na oca-
sião, a equipe técnica do fórum de (...) denotou preocupação com a adolescente
A.H., que havia iniciado acompanhamento psicológico em razão de episódios
de depressão e automutilação; quanto ao adolescente W., reside em companhia
desconhecida de sua genitora e há notícia de que estaria fazendo uso de entor-
pecentes e sem frequência à escola. Aguardavam avaliações mais atuais, uma
vez que o último atendimento com os genitores havia sido feito em novembro
de 2024, a fim de verificar a evolução. O CREAS informou que a família segue
em acompanhamento, com assiduidade desde o novo acolhimento dos filhos, e
bom relacionamento com os funcionários do órgão. A equipe de saúde informou
que a genitora realizou acompanhamento multidisciplinar por conta de sua dro-
gadição, de forma inconstante, durante um ano e oito meses, tendo recebido alta.
Testes recentes realizados constataram a ausência de substâncias químicas no
seu organismo. Por fim, a equipe do SAICA relatou que, durante o acolhimento
das Crianças W.J. e W.S., os genitores e a tia os visitaram com frequência; a
despedida com os genitores causava irritabilidade e choro nas crianças, ao passo
que com a tia as despedidas eram mais tranquilas. Ademais, questionamento do
881
Ministério Público quanto ao impacto da situação do adolescente W. no retorno
das crianças ao lar familiar foi respondido pela equipe técnica, que informou
não haver clareza quanto à proteção fornecida pelos genitores quanto aos tumul-
Jurisprudência - Câmara Especial
tos que o adolescente por vezes causa em visitas à família. Segundo informado
pela genitora na audiência, o guardião legal do adolescente é o seu genitor, que
reside em outro Município, e ela afirma que buscou ajuda do Ministério Público,
do Conselho Tutelar e do genitor quando ciente de que o filho estava em uso de
entorpecentes, não tendo sido negligente.
Houve ainda informação sobre a frequência e dinâmica das visitas às
crianças na cidade de (...), que ocorrem todos os sábados em uma praça da ci-
dade, onde se demonstrou ser o ambiente mais proveitoso do quando realizadas
na casa da tia.
Ao fim, a magistrada determinou a apresentação, pelo CREAS, de rela-
tório único sobre a evolução da família, entre os acolhimentos e após o último
desacolhimento (período de abril de 2024 até atualmente), quanto à periodicida-
de e frequência aos atendimentos, sobre o que se espera da família e se é neces-
sário aguardar nova avaliação para que se possa apreciar o pedido de guarda da
genitora, no prazo de 30 dias. Determinou, também, que a família apresente um
plano objetivo com a descrição das atividades da família, como se as crianças
menores estivessem sob sua guarda, no prazo de cinco dias, mantida a guarda
das crianças S.W. e J.W com a tia paterna até cumprimento das determinações
(fls. 288/290), o que foi atendido (fls. 351/396).
Ainda em cumprimento ao determinado neste writ, nos autos de origem
foi confeccionado relatório pelo setor técnico do juízo, com o objetivo de arti-
cular as diversas políticas de atendimento à família. Informa que em 7.2.2025
houve reunião para discussão do caso, que resultou em encaminhamentos di-
versos referidos nos autos de origem. Por fim, a equipe técnica considerou não
dispor de elementos para se posicionar quanto à reintegração, ao seio familiar,
das crianças sob guardiania da tia paterna, uma vez que a retomada dos atendi-
mentos e a elaboração do plano é recente (fls. 933/937 da origem).
O CREAS presta informação no sentido de que, após o segundo acolhi-
mento dos filhos, ocorrido em março de 2024, a genitora buscou a instituição
para retomada dos atendimentos. Naquele momento, mostraram-se abalados
quanto ao acolhimento, negaram as acusações feitas contra eles, ao que foram
orientados sobre suas responsabilidades e sobre a importância da participação
do genitor na rotina dos filhos. Após reunião com a rede de apoio municipal e
o setor técnico judicial, foram trabalhadas, com o casal, questões referentes a
saúde, educação, projeto psicossocial e dinâmica familiar. A equipe considera
que houve evolução e fortalecimento do casal ao longo do processo, além de
melhora no relacionamento familiar, tendo o núcleo se comprometido com o
processo. A genitora buscou emprego compatível com os horários e rotinas dos
882
filhos, e informa contar com o apoio de sua chefe para eventualidades que sur-
jam. A família tem se organizado para o retorno dos filhos, com planejamento de
Jurisprudência - Câmara Especial rotinas, lazer, organização escolar, entre outros aspectos.
Da referida reunião, foi elaborado o seguinte planejamento a ser seguido
junto à família:
1. Atendimentos psicossociais ao núcleo familiar, de forma quinzenal, com os
genitores neste CREAS por tempo mínimo de 6 (seis) meses;
2. Os genitores deverão estar atentos às consultas médicas, dialogando com este
CREAS sobre as datas agendadas, comparecimento e desdobramentos (a família
já vem realizando esse acompanhamento);
3. Quanto à questão escolar deverão realizar o devido acompanhamento e com-
parecimento nas reuniões escolares quando convocados (a família já vem reali-
zando esse acompanhamento);
4. Procurar atendimento psicológico e/ou psicoterapia para A.H. (já está passan-
do com psicólogo na rede particular de saúde);
5. Planejamentos de momentos de lazer e também que W. esteja mais presente
na dinâmica familiar, não se restringindo às questões financeiras (W. mostrou-se
disponível);
6. Acompanhamento do R. e da A.H. perante o CAPS-IJ, não faltar às consultas
(próxima consulta agendada para 12.3.2025);
7. Avaliação para A. no CAPS-IJ;
8. Dialogarem com CAPS-IJ sobre as questões de W. devido ao uso d SPA (subs-
tâncias psicoativas) (ocorrerá no mesmo dia 12.3.2025).
Fls. 401/403: A Procuradoria Geral da Justiça opina pela denegação da
segurança.
É o relatório.
Ainda que excepcional a cognição da matéria fática debatida nesta estrei-
ta via de habeas corpus, é caso de concessão da ordem.
Não se desconhece o interesse da tia paterna S. em obter a guarda dos
sobrinhos antes mesmo de seu acolhimento institucional. Do mesmo modo, é
sabido que o acolhimento é medida excepcional e deve ser breve.
De acordo com o ECA, é direito da criança ser criada em sua família na-
tural, sendo excepcional a colocação em família substituta (art. 19), dispondo o
parágrafo terceiro que a manutenção ou a reintegração de criança ou adolescente
à sua família terá preferência em relação a qualquer outra providência, caso em
que será incluída em serviços e programas de proteção, apoio e promoção.
O poder familiar é um múnus exercido em favor da criança e do adoles-
cente, de forma a se concretizar seu superior interesse. É o que se extrai da lição
de Rolf Madaleno1:
o conteúdo do poder familiar encontra sua gênese no artigo 229 da Constituição
Federal, ao prescrever como deveres inerentes aos pais os de assistirem, criarem
e educarem os filhos menores, nisso sendo secundado pelo artigo 22 do Estatu-
to da Criança e do Adolescente, quando estabelece ser incumbência dos pais o
883
dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores. (Curso de Direito de
Família, Ed. Forense, 2015, p. 722)
Nessa linha, os ensinamentos de Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade
Jurisprudência - Câmara Especial
Maciel, ao analisar esses aspectos do instituto, destaca:
ambos os pais (consanguíneos ou adotivos) têm o dever moral e a obrigação jurí-
dica de, conjuntamente, sobre os filhos “dirigir-lhes a criação e a educação” (art.
1.634, I), na esteira dos arts. 227 e 229 da CF. (In Curso de direito da criança
e do adolescente: aspectos teóricos e práticos. 9ª. ed. rev. e atual. São Paulo:
Saraiva, 2016, p. 153)
O legislador, nos arts. 1.630 e 1.634 do CC, e nos arts. 21 e 22 do ECA,
atribui aos pais o poder familiar sobre os filhos menores, arrola os direitos e
deveres que dele decorrem e prevê os casos em que, por abuso ou omissão no
desempenho do múnus, podem eles perder a prerrogativa, conforme disposição
dos arts. 1.638 do CC e 24 do ECA.
É direito da criança e do adolescente a criação e educação no seio de sua
família natural e, de forma excepcional, em família substituta, consoante o já
referido art. 19 do ECA. Neste panorama, ainda que a tia paterna S. integre a
família extensa das crianças, e que reúna condições para assumir a guarda dos
sobrinhos, a prioridade é que sejam mantidas junto aos pais; de todas as longas
informações que foram referidas, ficou evidenciado que os genitores empreen-
deram todos os esforços possíveis para receber seus filhos W.S. e J.W. nova-
mente, e que em todo o período de acompanhamento pelas equipes técnicas
do acolhimento e do juízo nada de grave ou impeditivo se comprovou que os
impossibilitasse de retomar a guarda de seus filhos pequenos.
Depreende-se do relatório encaminhado no dia 19.8.2024 que a família
estava em reestruturação; a existência de laços familiares entre os genitores e as
crianças; a possibilidade de a genitora ter se sentido sobrecarregada, com todos
os sete filhos sob a sua responsabilidade considerando a ausência do genitor das
crianças pequenas na maior parte do tempo em razão do trabalho; indicou-se
que o casal é solícito em atender as orientações, aceitando os encaminhamentos
para se fortalecer na função parental, tal como mencionado em outros relatórios
anteriores. Por esta razão, diante do quadro promissor e da possibilidade concre-
ta de reintegração familiar, em manifestação datada de 26.9.2024, o Ministério
Público opinou ser prematura a entrega das crianças à tia paterna.
Contudo, em menos de um mês, no relatório da equipe de acolhimento
acostado aos autos em 18.10.2024, foi destacada a excepcionalidade e brevidade
do acolhimento, a resistência dos genitores a qualquer intervenção e orientação
e a desconfiança dos genitores em relação à conduta da equipe em suposto favo-
recimento à tia paterna, que estava disposta a cuidar dos sobrinhos.
A propósito, quanto a este ponto, há que se considerar que os pais não
possuem conhecimento legal a respeito dos trâmites e regras relativas ao aco-
lhimento, o que torna compreensível que os pais estranhem o fato de a equipe
884
ter cancelado suas visitas por diversas vezes enquanto tomaram conhecimento
de que a tia paterna, nos mesmos dias, conseguiu visitar as crianças. Inclusive,
Jurisprudência - Câmara Especial competiria à equipe do acolhimento reformular o horário da visita para que o
direito dos pais fosse garantido, o que não aconteceu.
Constata-se da farta documentação juntada que as orientações feitas pela
equipe técnica e assistencial estão sendo seguidas e é evidente o esforço dos ge-
nitores para modificar a dinâmica e a situação familiar. Além disso, consideran-
do as informações contidas nos relatórios e as estratégias recentemente traçadas
junto à família, vislumbra-se efetiva ação dos genitores no sentido de modificar
o contexto que justificou, primeiramente, o acolhimento e, após, a concessão de
guarda das crianças à tia paterna. O casal aparenta estar em reestruturação quan-
to aos deveres familiares, com busca de soluções que possam a todos beneficiar
e principalmente com a finalidade de garantir proteção e cuidado aos filhos.
Quanto à situação do adolescente W., em que pese seja de relevante na
dinâmica familiar, é de se considerar que não é objeto da presente ação e, se o
caso, deve ser tratada em autos próprios, notadamente porque o guardião legal
do adolescente é o genitor. Em princípio, tal situação não retira da genitora os
seus deveres parentais – e há notícia nos autos de que ela tomou as medidas ao
seu alcance – porém, não pode ser utilizado como empecilho para a regulariza-
ção da situação das crianças J.W. e W.S., que se encontram há longo tempo em
convívio com a família extensa sem que remanesçam as supostas violações que
os afastou do poder familiar.
Desta forma, o conjunto das circunstâncias fáticas, aliadas ao primordial
objetivo da presente ação, qual seja, a proteção dos direitos das crianças, impos-
sibilitam que se mantenha a situação atual, em que as crianças estão, na maior
parte do tempo, privadas do convívio com sua família de origem sem justifica-
tiva suficiente para tanto.
Por fim, observo que o objeto desta ação é a mesma decisão atacada no
agravo de instrumento nº (...) (decisão proferida na ação de acolhimento institu-
cional nº (...) que determinou o desacolhimento das crianças W.S. e J.W. e sua
entrega em guarda à tia paterna). Portanto, todas as questões levantadas naquele
recurso foram aqui decididas.
O voto é pela concessão da ordem para devolução da guarda das crian-
ças J.W. e W.S. aos genitores, prosseguindo-se com as estratégias traçadas para
reestruturação familiar. Tão logo concluído o presente julgamento, dê-se ciência
aos MM. Juízos da Infância de (...) e de (...), para o cumprimento da ordem.
Traslade-se cópia do decidido para os autos do agravo supracitado, dando
ciência ao Juízo singular.
885
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Habeas Corpus Cível nº
Jurisprudência - Câmara Especial
3003968-16.2025.8.26.0000, da Comarca de São Paulo, em que é impetrante
DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO e paciente R.S.M.
(MENOR).
ACORDAM, em sessão permanente e virtual da Câmara Especial do
Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Concederam a
ordem. V.U.”, de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão.
(Voto nº 126.001)
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores BERE-
TTA DA SILVEIRA (VICE-PRESIDENTE) (Presidente), XAVIER DE AQUI-
NO (DECANO) e TORRES DE CARVALHO (PRESIDENTE DA SEÇÃO DE
DIREITO PÚBLICO).
São Paulo, 5 de maio de 2025.
BERETTA DA SILVEIRA, Vice-Presidente e Relator
Ementa: DIREITO DA INFÂNCIA E JUVENTUDE.
HABEAS CORPUS. MEDIDA SOCIOEDUCATIVA.
ORDEM CONCEDIDA.
I. Caso em Exame
1. Habeas corpus impetrado pela Defensoria Pública
em favor de jovem de 16 anos, em cumprimento de
medida socioeducativa de internação por ato infracio-
nal. Pedido de substituição da internação por liber-
dade assistida, alegando evolução positiva do jovem e
apoio familiar.
II. Questão em Discussão
2. A questão em discussão consiste em avaliar se a me-
dida socioeducativa de internação deve ser substituí-
da por liberdade assistida, considerando a evolução
do jovem e o princípio da atualidade.
III. Razões de Decidir
3. A gravidade do ato infracional não justifica, por si
só, a manutenção da internação, devendo-se conside-
rar as circunstâncias do caso concreto.
4. A equipe técnica da Fundação CASA recomendou
a substituição da medida, destacando a evolução do
jovem e o apoio familiar, além do cumprimento das
metas do Plano Individual de Atendimento.
IV. Dispositivo e Tese
886
5. Concede-se a ordem para substituir a medida so-
cioeducativa de internação por liberdade assistida.
Jurisprudência - Câmara Especial Tese de julgamento: 1. A substituição da medida so-
cioeducativa de internação por liberdade assistida
é justificada pela evolução do jovem e pelo cumpri-
mento das metas estabelecidas. 2. A manutenção da
internação sem justificativa excepcional contraria o
princípio da excepcionalidade.
Legislação Citada:
Lei nº 12.594/12, art. 35.
Lei nº 12.597/2012, art. 42, § 2º.
VOTO
Vistos.
Trata-se de habeas corpus impetrado pela Defensoria Pública do Estado
de São Paulo em favor de R.S.M. (d.n. – (...)), com pedido de medida liminar,
sob a alegação de que está sofrendo constrangimento ilegal por ato da MMª.
Juíza de Direito do Departamento de Execuções da Vara Especial da Infância e
Juventude da Capital, em razão da decisão proferida às fls. 96/98 dos autos nº
(...), que indeferiu, por ora, o pedido de substituição da medida socioeducativa
de internação.
Sustenta que o paciente, jovem de 17 anos, está em cumprimento da me-
dida socioeducativa de internação por conta de ato infracional ocorrido em julho
de 2024. Defende que, não obstante manifestação convergente do Parquet, o
Juízo de Execução houve por bem manter a intervenção. Alega que “a coação
ilegal decorre de decisão extra petita, ou seja, que decide além do que foi re-
querido pelas partes, contrariando o princípio da inércia e as garantias consti-
tucionais da ampla defesa e do devido processo legal” (fl. 03).
Aduz que a manutenção da internação contraria os princípios da legali-
dade, da excepcionalidade da intervenção judicial e da brevidade da medida.
Argumenta que “a finalidade socioeducativa da medida de internação foi inte-
gralmente alcançada no decorrer dos últimos meses e as metas estabelecidas no
PIA foram atingidas” (fls. 04/05).
Ressalta que a equipe técnica abordou adequadamente os antecedentes
infracionais do educando, de forma a promover reflexões sobre suas condutas
ilícitas. Aponta que “o adolescente se encontra internado por vários meses e as
medidas em meio fechado, como regra, devem ser breves e excepcionais.” (fl.
05).
Sustenta que a família do paciente acompanhou o processo socioeducati-
vo e respondeu de forma positiva às intervenções realizadas pela equipe.
Pretende, assim, a concessão da medida liminar para a substituição da
medida socioeducativa de internação pela medida de liberdade assistida e, ao
887
final, a concessão da ordem (fls. 01/07).
Deferida a medida liminar pleiteada (fls. 121/126), a douta Procuradoria
Geral de Justiça manifestou-se pelo não conhecimento do recurso (fls. 138/140).
Jurisprudência - Câmara Especial
É O RELATÓRIO.
De rigor a concessão da ordem.
Não se ignora que a medida socioeducativa de internação foi imposta
sobretudo em razão da prática de ato infracional gravíssimo, equiparado a roubo
majorado, ocorrido em julho de 2024.
Todavia, conforme dispõe o artigo 42, § 2º, da Lei 12.597/2012, a gravi-
dade do ato infracional não é, por si só, elemento que justifique a não substitui-
ção da medida de internação por outra menos grave, sendo mister a análise das
circunstâncias particulares do caso concreto.
Na hipótese em tela, trata-se de jovem de 17 anos de idade, privado de
liberdade há cerca de um ano, recebendo acompanhamento estatal sistemático
por meio de intervenções multidisciplinares da equipe da Fundação Casa.
Como se sabe, comete ao Juízo da Execução a missão de avaliar a possi-
bilidade da internação substituição por medida menos gravosa, com prevalência
daquela mais adequada ao momento em que a decisão é tomada, em homena-
gem ao princípio da atualidade.
E, no caso, após acompanhamento do quadro do jovem, a equipe técnica
da Fundação CASA houve por bem sugerir a substituição da medida socioedu-
cativa de internação pela medida de liberdade assistida, diante da constatação de
que a medida lhe foi benéfica, cumprindo o papel ressocializador, pois o jovem
alcançou as metas estabelecidas em seu Plano Individual de Atendimento, estan-
do apto para o retorno ao meio aberto (fls. 79/85 da origem).
E o acolhimento do sugerido – embora se reconheça a desvinculação do
magistrado em relação aos termos dos estudos realizados à luz da Súmula nº 84
deste Tribunal – não configura infundada benevolência do Poder Público, mas
percepção de que o processo de ressocialização no interior da Fundação CASA
encontra-se concluído, podendo o adolescente ser submetido a intervenções
agora em liberdade, sem que o processo ressocializador seja prejudicado.
Isso porque, desde o Relatório de Diagnóstico Polidimensional, esta já
é a terceira manifestação da equipe técnica (fls. 12/18, 49/55, 68/73 e 79/85 da
origem), e, somente agora, há a sugestão para a substituição da medida socioe-
ducativa.
Com efeito, o último relatório conclusivo da Fundação CASA esmiúça
a evolução da paciente, destacando que o jovem demonstra compromisso e en-
volvimento com o cumprimento da medida, além da criação e fortalecimento
do seu senso crítico: “observamos que R. se empenhou em cumprir as metas
estabelecidas em seu PIA. Seu interesse e dedicação nas tarefas direcionadas
foram notáveis, o que resultou em um vínculo positivo com os profissionais que
888
o acompanharam durante a medida.” (fl. 82 da origem – g.n.).
A equipe de referência informou, ainda, que o jovem conta com respaldo
Jurisprudência - Câmara Especial de sua família, principalmente nas figuras da genitora e progenitora, está regu-
larmente matriculado na rede de ensino formal e participou do curso de Habi-
lidades Profissionais. Por fim, destaca que o educando “se destacou por sua
matrícula e frequência regulares, além de apresentar um bom desempenho na
escolarização formal. Ele participou ativamente das atividades pedagógicas,
demonstrando comprometimento e respeito às normas e regras institucionais.
Em suas reflexões, R. mostrou disposição para analisar sua trajetória anterior
e as escolhas que o levaram a essa situação, evidenciando um amadurecimen-
to significativo” (fl. 85 da origem – g.n.).
Tanto assim o é que o próprio Ministério Público de primeiro grau opi-
nou pela substituição da medida socioeducativa, observando que “não se pode
desconsiderar o fato de que esta é a primeira medida de internação imposta ao
educando, e de que este já se encontra privado de sua liberdade há cerca de
sete meses, sem submissão a avaliação disciplinar ao longo de toda a execução.
Portanto, o alicerce normativo e fático acima delineado aponta que a substi-
tuição da medida extrema e excepcional da internação deve ser aplicada no
caso” (fls. 89/90 da origem – g.n.).
No mais, não parece razoável deixar de acolher a sugestão muito bem
fundamentada de revogação da internação, ante as circunstâncias excepcionais
do caso concreto, sob o risco de transformar a realização das avaliações perió-
dicas em mera formalidade.
Como já dito, embora não haja vínculo entre a sugestão da equipe técni-
ca e a decisão do magistrado, tampouco existe cenário excepcional a justificar
decisão em sentido contrário, sobretudo quando o próprio titular da ação socioe-
ducativa concorda com o encerramento do acompanhamento estatal por meio da
privação de liberdade.
Logo, a progressão da medida socioeducativa de internação para a liber-
dade assistida está amparada na aplicabilidade dos princípios que norteiam a
execução das medidas socioeducativas previstos no art. 35 da Lei nº 12.594/12,
em especial da brevidade da medida em resposta ao ato cometido, da indivi-
dualização, considerando-se a idade, a capacidade e circunstâncias pessoais do
adolescente e da mínima intervenção, restrita ao necessário para a realização
dos objetivos da medida.
Diante desse cenário, não se justifica a manutenção da medida privativa
de liberdade.
As inequívocas demandas persistentes, por outro lado, podem ser resolvi-
das por meio de medida menos gravosa, a saber: a liberdade assistida.
Ante o exposto, CONCEDE-SE a ordem, para, ratificando a decisão li-
minar, substituir a medida socioeducativa de internação por liberdade assistida,
889
comunicando-se a origem com urgência.
Jurisprudência - Câmara Especial
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Habeas Corpus Cível nº
2121698-65.2025.8.26.0000, da Comarca de São Paulo, em que é impetrante
DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO e paciente R.A.V.
ACORDAM, em sessão permanente e virtual da Câmara Especial do Tri-
bunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “CONCEDERAM A
ORDEM de Habeas Corpus em favor de R.A.V., para EXTINGUIR a medida
socioeducativa de liberdade assistida. V.U.”, de conformidade com o voto do
relator, que integra este acórdão. (Voto nº 45254)
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores BERE-
TTA DA SILVEIRA (VICE-PRESIDENTE) (Presidente) e DAMIÃO COGAN
(DECANO).
São Paulo, 22 de maio de 2025.
CAMARGO ARANHA FILHO, Relator e Presidente da Seção de Direito
Criminal
Ementa. DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLES-
CENTE. HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO DE ME-
DIDA SOCIOEDUCATIVA. ORDEM CONCEDIDA.
I. CASO EM EXAME
1. Habeas corpus objetivando a extinção da medida
socioeducativa de liberdade assistida.
II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO
2. A questão em discussão consiste em saber se há
possibilidade de extinção da medida socioeducativa
imposta a jovem que atingiu a maioridade penal e os-
tenta envolvimento na Justiça Criminal.
III. RAZÕES DE DECIDIR
3. Critérios da utilidade, eficácia e atualidade da me-
dida socioeducativa que se esvaíram no tempo. Perda
do potencial ressocializador. Inteligência do art. 46, §
1º, da Lei nº 12.594/2012 (Lei do SINASE).
IV. DISPOSITIVO E TESE
4. Ordem concedida.
Tese de Julgamento: “1. A superveniência de proces-
so criminal e ingresso no sistema prisional esvaziam
a utilidade da medida socioeducativa. 2. A manuten-
890
ção da medida sem caráter ressocializador configura
constrangimento ilegal.”
Jurisprudência - Câmara Especial Dispositivos relevantes citados: ECA, art. 100, IV, V,
VII e VIII; Lei do SINASE, arts. 35 e 46, § 1º.
Jurisprudência relevante citada: TJSP, HC nº
3005066-70.2024.8.26.0000, Rel. Des. Jorge Quadros,
Câmara Especial, j. 28.6.2024; TJSP, HC nº 2329090-43.2023.8.26.0000, Rel. Des. Beretta da Silveira – Vice
-Presidente, Câmara Especial, j. 26.3.2024.
VOTO
Trata-se de habeas corpus, com pedido liminar, impetrado pela Defenso-
ria Pública do Estado de São Paulo, em favor de R.A.V., apontando ato coator do
MM. Juízo do Departamento de Execuções da Infância e Juventude da Comarca
da Capital, que indeferiu o pedido de extinção da medida socioeducativa de
liberdade assistida e determinou a busca e apreensão do paciente a fim de que
seja apresentado em juízo para ser ouvido.
Narra que o paciente, jovem adulto de 20 anos de idade, ostenta repre-
sentação julgada procedente por ato infracional equiparado ao crime de roubo,
praticado em janeiro de 2023, sendo-lhe imposta medida socioeducativa de in-
ternação, posteriormente substituída por liberdade assistida.
Iniciado o cumprimento da medida socioeducativa em meio aberto em
maio de 2024, aportaram relatórios dando conta de que o paciente apresenta-
va algumas faltas aos atendimentos e, mesmo sem a existência de relatório de
descumprimento, foi designada audiência de justificação. Contudo, poucos dias
antes da audiência, sobreveio a notícia da prisão em flagrante do paciente, por
crime de furto; o que motivou o pedido de extinção da medida socioeducativa,
indeferido pelo MM. Juízo a quo que, diante da ausência do paciente na audiên-
cia, determinou a expedição de mandado de busca e apreensão.
Sustenta que o acompanhamento do paciente pelo Sistema de Justiça Cri-
minal esvaiu o objetivo socioeducativo, não sendo razoável mantê-lo em acom-
panhamento também pela Justiça da Infância e da Juventude. Aponta, ainda,
violação aos princípios da legalidade, da brevidade, da individualização e da
mínima intervenção judicial.
Diante disso, requer, liminarmente, seja determinada a suspensão da exe-
cução da medida socioeducativa e, no mérito, sua extinção (fls. 01/07).
A liminar foi deferida para determinar a suspensão da execução da medi-
da socioeducativa (fls. 459/461).
A douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não conhecimento do
writ, ou, subsidiariamente, denegação da ordem (fls. 472/478).
É o relatório.
891
A hipótese é de concessão da ordem.
Cuida-se de execução de medida socioeducativa de liberdade assistida,
imposta em substituição à anterior internação, a paciente responsabilizado pela
Jurisprudência - Câmara Especial
prática de atos infracionais equiparados aos crimes previstos no artigo 157, §
2º, II, e § 2º-A, I, c. c. artigo 14, II, e artigo 180, caput, todos do Código Penal,
ocorridos em (...) e que, durante o curso da medida socioeducativa, completou a
maioridade penal e está sendo acusado da prática de crime doloso (fls. 414/415).
Bem verdade que a superveniência de processo criminal contra o paciente
não acarreta, automaticamente, a extinção da medida socioeducativa em execu-
ção, porquanto o artigo 46, § 1º, da Lei nº 12.594/12 (Lei do SINASE), relega
esse desfecho à autoridade judiciária, consideradas as particularidades de cada
caso, as quais, no caso, convergem para a inevitável conclusão da inutilidade da
medida imposta, a teor do artigo 35, incisos V e VIII, da Lei do SINASE, espe-
cialmente se observados os seus princípios norteadores da mínima intervenção,
da brevidade e da atualidade, consoante se verifica dos incisos IV, VII e VIII, do
artigo 100, do Estatuto da Criança e do Adolescente.
In casu, a par do já elastecido lapso temporal entre a prática do ato infra-
cional e a presente data, o paciente alcançou a maioridade penal e foi preso em
flagrante acusado da prática de furto qualificado, tendo sido concedida a liber-
dade provisória com a imposição de medidas cautelares nos autos nº (...) (fls.
414/415 dos autos de origem).
A inserção do paciente no Sistema de Justiça Criminal esvazia de uti-
lidade a execução da medida socioeducativa, especialmente o seu caráter pe-
dagógico, cuja constatação de sua inexistência implica o reconhecimento de
constrangimento ilegal, porque, ausente o escopo reeducador, remanesceria à
medida socioeducativa puramente o caráter punitivo, fugindo-se à ratio da res-
posta estatal, como tem entendido esta Colenda Câmara Especial, como se ex-
trai, e.g., dos seguintes arestos:
‘HABEAS CORPUS’ – Infância e Juventude – Execução de medida socioeduca-
tiva – Mandado de busca e apreensão expedido para que o paciente participe
de audiência no DEIJ – Maioridade atingida pelo jovem – Prisão em flagrante
do paciente pela prática de crime de tráfico de drogas e sua condenação, em
processo-crime, à pena de reclusão, pelo prazo de 1 ano e 8 meses – Ingresso no
sistema prisional – Art. 46, § 1º, da Lei do SINASE – Interpretação – Critérios
da utilidade, eficácia e atualidade da medida socioeducativa não mais presentes
– Perda do potencial ressocializador – ORDEM CONCEDIDA para extinção
da medida socioeducativa. (HC nº 3005066-70.2024.8.26.0000, Rel. Des. Jorge
Quadros, Câmara Especial, j. 28.6.2024)
‘HABEAS CORPUS’. INFÂNCIA E JUVENTUDE. Execução da medida socioe-
ducativa de liberdade assistida. Descumprimento com expedição e mandado de
busca e apreensão. Paciente maior de idade que responde a ação penal por
suposto cometimento de crime. Pedido de encerramento da medida na primeira
instância. Decisão que indeferiu o pleito de encerramento. Perda das finalidades
892
ressocializadora e educativa da medida socioeducativa. Paciente submetido à
persecução penal de maiores. Inteligência do art. 46, § 1º, da lei nº 12.594/2012
Jurisprudência - Câmara Especial Liminar cassada. Ordem concedida” (HC nº 2329090-43.2023.8.26.0000,
Relator Beretta da Silveira – Vice-presidente, j. 26.03.2024)
Em suma, as peculiaridades do caso concreto ensejam o acolhimento do
pedido veiculado no writ no sentido da extinção da medida socioeducativa de
liberdade assistida.
Ante o exposto, CONCEDO A ORDEM de Habeas Corpus em favor
de R.A.V., para EXTINGUIR a medida socioeducativa de liberdade assistida.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Habeas Corpus Cível nº
2034199-43.2025.8.26.0000, da Comarca de São Paulo, em que é impetrante
DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO e paciente S.L.V.
(MENOR).
ACORDAM, em sessão permanente e virtual da Câmara Especial do
Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Concederam a
ordem. V.U.”, de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão.
(Voto nº 37.343)
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores BERE-
TTA DA SILVEIRA (VICE-PRESIDENTE) (Presidente sem voto), TORRES
DE CARVALHO (PRESIDENTE DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) e HE-
RALDO DE OLIVEIRA (PRESIDENTE DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVA-
DO).
São Paulo, 13 de junho de 2025.
VICO MAÑAS, Decano e Relator
Ementa: “HABEAS CORPUS. INFÂNCIA E JU-
VENTUDE. ORDEM CONCEDIDA.
I. Caso em Exame
Habeas corpus impetrado pela Defensoria Pública do
Estado de São Paulo em favor de S.L.V. contra decisão
que indeferiu o pedido de extinção da medida socioe-
ducativa e determinou a renovação do mandado de
busca e apreensão, para justificar o descumprimento
de liberdade assistida, aplicada por ato infracional
equiparado a ameaça, dano e lesão corporal leve.
II. Questão em Discussão 2. A questão em discussão
consiste em verificar a legalidade da manutenção da
893
medida socioeducativa de liberdade assistida, consi-
derando o tempo decorrido desde os fatos e a ausência
de novos atos infracionais.
Jurisprudência - Câmara Especial
III. Razões de Decidir 3. A manutenção da medida
afronta os princípios da mínima intervenção, brevi-
dade e atualidade previstos no ECA, sendo indevida a
utilização do sistema da infância e juventude com fi-
nalidade exclusivamente punitiva. 4. Considerando o
tempo decorrido desde a prática dos atos infracionais
e a ausência de novos registros, a extinção da medida
se justifica.
IV. Dispositivo e Tese 5. Ordem concedida para extin-
guir a medida socioeducativa. Tese de julgamento: 1.
A execução de medida socioeducativa deve considerar
a atualidade, a brevidade, a efetividade e a interven-
ção mínima. 2. A manutenção de medidas sem efetivo
resultado esperado não se justifica.
Legislação Citada:
ECA, art. 100, § único, VIII; Lei do SINASE, art. 35,
V e VII.
Jurisprudência Citada:
TJSP, Habeas Corpus nº 2096827-05.2024, Rel. Des.
HERALDO DE OLIVEIRA, j. 03.05.2022.
TJSP, Habeas Corpus nº 2039763-03.2025.8.26.0000,
Rel. Des. TORRES DE CARVALHO, j. 21.3.2025.
VOTO
Trata-se de habeas corpus, com pedido de liminar, impetrado pela De-
fensoria Pública do Estado de São Paulo, em favor de S.L.V., nascida em (...),
insurgindo-se a paciente, em síntese, contra decisão proferida pelo MMº. Juiz
de Direito do Departamento de Execuções da Vara Especial da Infância e Ju-
ventude da Capital (Autos nº (...)) que, em razão do descumprimento de medida
socioeducativa de liberdade assistida, determinou a expedição de mandado de
busca e apreensão, para ser ouvida em audiência, oportunidade em que poderá
se justificar sobre sua conduta (fls. 278/279).
Segundo a impetrante, à paciente foi imposta a medida socioeducativa de
internação, substituída por liberdade assistida.
Em 20.04.2024, foi informado ao Juízo a falta de comparecimento da pa-
ciente em unidades de atendimento. Diante do paradeiro ignorado da educanda,
determinou-se a sua busca e apreensão, infrutífera, contudo.
Findo o prazo do mandado, o Ministério Público requereu a sua renova-
ção, e a Defensoria Pública, por sua vez, pediu a extinção da medida imposta.
894
O Juízo indeferiu o pleito de extinção e determinou a renovação do mandado de
busca e apreensão em desfavor da paciente, submetendo-a, portanto, a constran-
Jurisprudência - Câmara Especial gimento ilegal, em razão da inobservância do longo tempo decorrido em relação
aos fatos, bem como da ausência de contemporaneidade e atualidade da medida
socioeducativa imposta (fls. 1/5).
Requereu a impetrante, assim, a concessão liminar da ordem para se re-
colher o mandado de busca e apreensão, suspendendo-se a r. decisão coatora
até o julgamento final do habeas corpus, cassando-se a r. decisão impugnada de
primeiro grau para extinguir a medida socioeducativa aplicada (fls.1/5).
Indeferida a liminar (fls. 290/294), foram prestadas as devidas informa-
ções (fls. 302/305). Opinou a D. Procuradoria-Geral de Justiça pela denegação
da ordem (fls. 309/314).
É o relatório.
Da análise da questão de fundo, feita neste momento processual, melhor
se afigura a concessão da ordem.
Trata-se habeas corpus impetrado pela Defensoria Pública, em favor de
S.L.V., nascida em (...), contra a r. decisão que indeferiu o pleito de extinção
apresentado e determinou a renovação da expedição de mandado de busca e
apreensão da paciente, a fim dela justificar o descumprimento da medida socioe-
ducativa, aplicada pela prática de atos infracionais equiparados aos crimes de
ameaça, dano e lesão corporal leve, ocorridos em 26/10/2022.
Considerando o tempo decorrido desde a data dos fatos (26/10/2022),
a notícia de descumprimento da medida socioeducativa de liberdade assistida
por evasão da educanda, desde 14/05/2024, sem qualquer informações de seu
paradeiro, bem como a ausência de apontamento sobre novo envolvimento da
adolescente com a prática de atos infracionais, respeitado o entendimento con-
trário, com fundamento nos princípios da brevidade, atualidade, excepcionali-
dade e mínima intervenção judicial, é caso de extinção da execução da medida
socioeducativa imposta a paciente.
Acerca da proporcionalidade e atualidade da medida socioeducativa, a
intervenção deve ser necessária e adequada à situação de perigo em que o ado-
lescente se encontra no momento em que a decisão é proferida.
Nesta linha de raciocínio, é caso de extinção da execução pelo lapso entre
a data dos fatos, 26/10/2022, e a evasão da educanda, em 15/05/2024, no cum-
primento da medida em meio aberto, o que perdura até o presente momento, ul-
trapassado, aproximadamente, um ano, desde então, o que esvazia de atualidade
a medida socioeducativa.
Ademais, ausente informação nos autos da prática de novos atos infracio-
nais, a extinção da medida uma vez mais se justifica.
Destarte, examinados os autos, não há mais contemporaneidade e neces-
sidade no tratamento socializador adotado.
895
Não estão mais presentes, outrossim, os requisitos da brevidade e da mí-
nima intervenção, exigidos pelo artigo 35, incisos V e VII, da Lei do SINASE, o
qual estabelece que as medidas socioeducativas devem ser executadas no menor
Jurisprudência - Câmara Especial
tempo possível para que as intervenções pedagógicas tenham efetividade.
Imperiosa, portanto, a extinção da execução da medida socioeducativa,
conforme precedentes desta Colenda Câmara Especial deste Tribunal de Justiça:
“HABEAS CORPUS. INFÂNCIA E JUVENTUDE. Ato infracional ocorrido em
janeiro de 2020. Alcance da maioridade. Ausência de notícia do cometimento de no-
vos atos infracionais. Função pedagógica da medida socioeducativa. Aplicação dos
princípios da mínima intervenção, brevidade e da atualidade, consoante se verifica dos
incisos VII e VIII, do artigo 100 do Estatuto da Criança e do Adolescente. Ordem conce-
dida para declarar a extinção das medidas socioeducativas impostas ao adolescente”.
(Habeas Corpus nº 2096827-05.2024, Câmara Especial, Rel. Des. HERALDO
DE OLIVEIRA, julgado em 03.05.2022).
“EMENTA: DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. HABEAS
CORPUS. INFÂNCIA E JUVENTUDE. ORDEM CONCEDIDA. I. Caso em
Exame 1. Habeas corpus impetrado pela Defensoria Pública em favor de A.
S. de S., contra a r. decisão que determinou a expedição de mandado de bus-
ca e apreensão, para apresentação perante o Juízo do DEIJ com intuito de se
proceder à oitiva do jovem, a fim de justificar o descumprimento da medida de
liberdade assistida, aplicada pela prática de ato infracional equiparado tráfico
de entorpecentes (art. 33, “caput”, da Lei nº 11.343/06) a despeito da mani-
festação das partes pela extinção da medida. II. Questão em Discussão 2. A
questão em discussão consiste em verificar a legalidade da manutenção da me-
dida socioeducativa de liberdade assistida, considerando a ausência de novos
atos infracionais após a maioridade e o longo tempo de descumprimento. III.
Razões de Decidir 3. Não há ilegalidade na renovação do mandado de busca
e apreensão, pois a decisão foi motivada e baseada em elementos de prova. 4.
Particularidades do caso que apontam a possibilidade de extinção da medida.
Considerando a data dos fatos (janeiro de 2020), o tempo de descumprimento
da medida (abril de 2023), a primariedade do paciente e a ausência de novos
atos infracionais ou crimes, após a maioridade, a manutenção da medida não
se justifica, perdendo seu conteúdo pedagógico. 5. Parecer do Ministério Públi-
co atuante na execução que reforça a decisão. IV. Dispositivo e Tese 6. Ordem
concedida para extinguir a medida socioeducativa. Tese de julgamento: 1. A
execução de medida socioeducativa deve considerar a atualidade e efetividade.
2. A manutenção de medidas sem efetivo resultado esperado não se justifica.
Legislação Citada: ECA, art. 2º, § único e art. 100, § único, VIII; Lei do SI-
NASE, art. 35, V e VII. Jurisprudência Citada: TJSP, Habeas Corpus Cível
3005521-35.2024.8.26.0000, Rel. Egberto de Almeida Penido, j. 31.10.2024”.
(Habeas Corpus nº 2039763-03.2025.8.26.0000, votação unânime, Relator Des.
TORRES DE CARVALHO (Presidente da Seção de Direito Público, julgado
896
em 21.3.2025);
“Ementa: DIREITO DA INFÂNCIA E JUVENTUDE. HABEAS CORPUS. ME-
Jurisprudência - Câmara Especial DIDA SOCIOEDUCATIVA. EXTINÇÃO DA EXECUÇÃO. CONSTRANGIMENTO
ILEGAL CONFIGURADO I. CASO EM EXAME Trata-se de habeas corpus impetrado
pela Defensoria Pública em favor de G.M.C., alegando constrangimento ilegal por ato
do Juízo da Vara Especial da Infância e Juventude. O paciente, jovem adulto de 19
anos, questiona decisão que indeferiu a extinção da execução de medidas socioeduca-
tivas, determinando a renovação do mandado de busca e apreensão, por não ter com-
parecido para cumprimento das medidas. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO A questão
em discussão consiste em verificar se: (i) a manutenção das medidas socioeducativas é
adequada, considerando o tempo decorrido desde a prática do ato infracional; (ii) há
justificativa para a continuidade da intervenção judicial após o atingimento da maio-
ridade. III. RAZÕES DE DECIDIR O paciente não iniciou efetivamente o cumprimen-
to das medidas socioeducativas e está em paradeiro desconhecido desde setembro de
2022. A prática do ato infracional ocorreu há mais de dois anos, e não há notícias de
novos envolvimentos em delitos. A manutenção da medida socioeducativa se mostra
desprovida de conteúdo pedagógico e contraria os princípios da brevidade e atualida-
de, conforme disposto no ECA e no SINASE. IV. DISPOSITIVO E TESE Concede-se a
ordem para extinguir a execução das medidas socioeducativas aplicadas ao paciente.
Tese de julgamento: ‘1. A manutenção de medidas socioeducativas a jovens que atingi-
ram a maioridade é excepcional e, no caso concreto, se mostra inadequada diante do
tempo decorrido e da ausência de novos atos infracionais. 2. A intervenção deve res-
peitar os princípios da atualidade e mínima intervenção.’ Legislação e Jurisprudência
Relevantes Citadas: Legislação: ECA, arts. 100, parágrafo único, VII; 35, inciso V; Lei
nº 12.594/2012 (SINASE), art. 42, § 2º. Jurisprudência: TJSP, Habeas Corpus Cível
2308162-37.2024.8.26.0000, Rel. Campos Mello, j. 29.10.2024; TJSP, Habeas Corpus
Cível 3002184-38.2024.8.26.0000, Rel. Torres de Carvalho, j. 12.04.2024”. (Habeas
Corpus nº 3009862-07.2024.8.26.0000, Rel. Des. BERETTA DA SILVEIRA
(Vice-Presidente) votação unânime, julgado em 2.12.2024”;
“HABEAS CORPUS. INFÂNCIA E JUVENTUDE. Decisão que indeferiu a
extinção da execução de medida. Decisão que indeferiu a extinção da execução de
medida socioeducativa e determinou a renovação do mandado de busca e apreensão.
Alegação de ofensa aos princípios da atualidade e da contemporaneidade e de que
a medida socioeducativa carece de objetivos pedagógicos. Fatos que datam de 2022.
Descumprimento que se prolonga há mais de dois anos. Renovação do mandado de
busca e apreensão em três oportunidades. Jovem atualmente com dezenove anos de
idade. Ausência de notícias de envolvimento de outros atos infracionais ou crimes
praticados pelo paciente, após alcançada a maioridade penal. Perda da atualidade
configurada. Manutenção da execução perante o Juízo da Infância e Juventude que
não mais se justifica. Precedentes desta C. Câmara Especial. Extinção da execução.
ORDEM CONCEDIDA”. (Habeas Corpus nº 3013017-18.2024. 8.26.0000, Rel.
EGBERTO DE ALMEIDA PENIDO, julgado em 18.03.2025). (grifei)
Portanto, diante do cenário apresentado, considerando a perda da oportu-
nidade ressocializadora da medida, não há interesse na continuidade do proces-
897
so socioeducativo na Infância e Juventude, devendo a medida socioeducativa
ser extinta.
Pelo exposto, concede-se a ordem.
Jurisprudência - Câmara Especial
898
CÃMARA ESPECIAL DE PRESIDENTES
Jurisprudência - Câmara Especial de Presidentes
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo Interno Cível nº
1501487-20.2022.8.26.0014/50000, da Comarca de São Paulo, sendo agravante
ESTADO DE SÃO PAULO e agravado(a) HAMWORTHY INDÚSTRIA CO-
MÉRCIO E SERVIÇOS DE SISTEMAS TÉRMICOS LTDA.
ACORDAM, em sessão permanente e virtual da Câmara Especial de
Presidentes do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão:
“Não conheceram do recurso de fls. 149/154 e negaram provimento ao agravo
interno de fls. 1/6-50000, V.U.”, de conformidade com o voto do relator, que
integra este acórdão. (Voto AR-4561-CP)
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FER-
NANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA)
(Presidente), HERALDO DE OLIVEIRA (PRESIDENTE DA SEÇÃO DE DI-
REITO PRIVADO), CAMARGO ARANHA FILHO (PRESIDENTE DA SE-
ÇÃO DE DIREITO CRIMINAL) e BERETTA DA SILVEIRA (VICE-PRESI-
DENTE).
São Paulo, 1º de maio de 2025.
TORRES DE CARVALHO, Relator e Presidente da Seção de Direito Pú-
blico
Ementa: AGRAVO INTERNO – Decisão monocráti-
ca que nega seguimento ao recurso especial.
A questão sobre se a execução fiscal de créditos tri-
butários pode ser redirecionada à sociedade incor-
poradora sem necessidade de alteração da certidão
de dívida ativa, quando a sucessão empresarial por
incorporação não foi oportunamente informada ao
fisco, é matéria idêntica à tratada no rito dos recursos
repetitivos REsp nº 1.848.993 – TEMA 1049.
Nega-se provimento ao recurso.
– A interposição de mais de um recurso contra mesma
decisão inviabiliza o exame daquele por último inter-
posto, em face da ocorrência da preclusão consumati-
va e da aplicação do princípio da unirrecorribilidade
recursal.
Não conhecimento do segundo agravo interno em re-
curso especial.
899
VOTO
Trata-se de agravos internos interpostos com fundamento no artigo 1.030,
Jurisprudência - Câmara Especial de Presidentes
§ 2º, do Código de Processo Civil (fls. 149/154 e 1/6 – 50000) contra decisão
que em cumprimento ao artigo 1.030, inciso I, alínea ‘b’, do Código de Processo
Civil, negou seguimento ao recurso especial pela identidade da matéria decidida
no acórdão, à luz da orientação firmada no rito dos recursos repetitivos REsp nº
1.848.993.
Alegou o agravante, em síntese, equivocada aplicação do paradigma, ten-
do em vista que embora houvesse incorporação anotada na JUCESP, a respon-
sabilidade da incorporadora permaneceria, de modo que teria assumido todo o
passivo tributário da incorporada extinta. Ressaltou que não teria ocorrido co-
municação da incorporação ao ente público, de sorte que não se faria necessária,
para fins de prosseguimento do feito em face da incorporadora, a retificação do
lançamento ou da CDA que aparelha a execução.
É o relatório.
Inicialmente, o recurso de fls. 149/154 não merece conhecimento.
Isso porque contra a decisão de fls. 143/144 foram interpostos dois Agra-
vos Internos, sendo o primeiro protocolado em 07/03/2025 (fls. 1/6 – 50000) e
o segundo em 08/03/2025 (fls. 149/154).
Consigne-se que a interposição do recurso cabível contra a decisão guer-
reada impede o conhecimento do segundo recurso interposto, em decorrência do
princípio da unirrecorribilidade recursal e da preclusão consumativa.
Confira-se, por oportuno, o seguinte entendimento do Col. Superior Tri-
bunal de Justiça, verbis:
PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO.
AGRAVO REGIMENTAL. PRINCÍPIO DA UNIRRECORRIBILIDADE. PRE-
CLUSÃO CONSUMATIVA. 1. Interpostos dois recursos pela mesma parte con-
tra a mesma decisão, não se conhece daquele apresentado em segundo lugar, por
força do princípio da unirrecorribilidade e da preclusão consumativa. 2. Agra-
vo regimental não conhecido. (AgRg no AREsp 191.042/RS, Rel. Min. JOÃO
OTÁVIO DE NORONHA, Terceira Turma, DJe 25/6/14).
O recurso de fls. 1/6 – 50000 não merece provimento.
Com efeito, com o permissivo do artigo 1.030, inciso I, alínea b do Có-
digo de Processo Civil, a decisão agravada considerou que a decisão da Turma
Julgadora converge com o decidido no REsp nº 1.848.993 (Tema 1049), DJe de
09.09.20, do Col. Superior Tribunal de Justiça, quando se fixou a seguinte tese:
A execução fiscal pode ser redirecionada em desfavor da empresa sucessora
para cobrança de crédito tributário relativo a fato gerador ocorrido posterior-
mente à incorporação empresarial e ainda lançado em nome da sucedida, sem
a necessidade de modificação da Certidão de Dívida Ativa, quando verificado
que esse negócio jurídico não foi informado oportunamente ao fisco.
Não se avista desacerto na decisão ora agravada quanto ao REsp nº
900
1.848.993, sob a técnica de casos seriais, haja vista a questão abordada referente
à definição se, em casos de sucessão empresarial por incorporação não opor-
Jurisprudência - Câmara Especial de Presidentes tunamente informada ao fisco, a execução fiscal de créditos tributários pode
ser redirecionada à sociedade incorporadora sem necessidade de alteração da
certidão de dívida ativa.
Consigne-se, por oportuno, trecho do v. acórdão recorrido, convergente
ao tema aplicado na sistemática dos repetitivos:
É sabido que, nos termos da Súmula nº 392 do STJ, é vedada a modificação do
sujeito passivo da execução, conforme se observa abaixo:
A Fazenda Pública pode substituir a certidão de dívida ativa (CDA) até a prola-
ção da sentença de embargos, quando se tratar de correção de erro material ou
formal, vedada a modificação do sujeito passivo da execução.
Diante da discordância sobre a aplicação da súmula em casos de sucessão em-
presarial por incorporação, o Tema 1049, tendo o RE 1.848.993/SP como repre-
sentativo da controvérsia, e que transitou em julgado em 11/02/2021, firmou a
seguinte tese:
“A execução fiscal pode ser redirecionada em desfavor da empresa sucessora
para cobrança de crédito tributário relativo a fato gerador ocorrido posterior-
mente à incorporação empresarial e ainda lançado em nome da sucedida, sem a
necessidade de modificação da Certidão de Dívida Ativa, quando verificado que
esse negócio jurídico não foi informado oportunamente ao fisco”.
No presente caso a incorporação aconteceu antes da inscrição na dívida ativa e do
início da execução, como evidenciado nas Súmulas da JUCESP tanto da devedo-
ra incorporada (fls. 69) quanto da incorporadora (fls. 53). Isso significa que o fato
gerador não havia surgido ainda; portanto, a inscrição do débito na Dívida Ativa
e a propositura da execução fiscal ocorreram de maneira irregular, em nome de
uma empresa que já não existia, uma vez que o Fisco tinha conhecimento da
incorporação. (fls. 118/119)
Assim, não há como se proceder à modificação do decidido, pois está em
perfeita harmonia com o paradigma julgado pela Corte Superior.
Por derradeiro, sem avistar intuito protelatório no manejo do presente
recurso, deixa-se de infligir ao agravante a multa prevista no artigo 1.021, § 4º
do Código de Processo Civil.
Em face de tais razões, não se conhece do recurso de fls. 149/154 e nega-
se provimento ao agravo interno de fls. 1/6 – 50000.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo Interno Cível nº
1002050-32.2023.8.26.0048/50000, da Comarca de Atibaia, em que é agravante
BROOKFIELD SPE SP-24 LTDA., é agravado MARCO HENRIQUE PIGOLI.
ACORDAM, em sessão permanente e virtual da Câmara Especial de
901
Presidentes do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão:
“NEGARAM PROVIMENTO ao agravo, na parte conhecida. V.U.”, de confor-
Jurisprudência - Câmara Especial de Presidentes
midade com o voto do relator, que integra este acórdão. (Voto nº 70082)
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FER-
NANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA)
(Presidente), CAMARGO ARANHA FILHO (PRESIDENTE DA SEÇÃO DE
DIREITO CRIMINAL), BERETTA DA SILVEIRA (VICE-PRESIDENTE) e
TORRES DE CARVALHO (PRESIDENTE DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLI-
CO).
São Paulo, 9 de maio de 2025.
HERALDO DE OLIVEIRA, Relator e Presidente da Seção de Direito
Privado
Ementa: DIREITO CIVIL. AGRAVO INTERNO
EM RECURSO ESPECIAL. COMPROMISSO DE
COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. AVENÇA QUE
PREVÊ MULTA APENAS EM CASO DE INADIM-
PLEMENTO DO COMPRADOR. ATRASO NA EN-
TREGA DO BEM. NECESSIDADE DE CONSIDE-
RAR A MULTA CONTRATUAL AO ARBITRAR A
INDENIZAÇÃO EM FAVOR DO ADQUIRENTE.
DECISÃO EM CONSONÂNCIA COM O TEMA 971
DO E. STJ. LUCROS CESSANTES CUMULADOS
COM PAGAMENTO DE MULTA. AUSÊNCIA DE
QUESTIONAMENTO NO ACÓRDÃO RECORRI-
DO. DESPROVIMENTO, NA PARTE CONHECIDA
I. CASO EM EXAME
1. Agravo Interno contra decisão que negou segui-
mento a Recurso Especial, que versa sobre a indeniza-
ção devida ao adquirente em caso de descumprimento
do prazo de entrega de imóvel objeto de compromisso
de compra e venda.
II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO
2. Aplicação do regime de recursos repetitivos ao caso
concreto.
III. RAZÃO DE DECIDIR
3. Ao julgar o tema 971, o E. STJ assim decidiu: “No
contrato de adesão firmado entre o comprador e a cons-
trutora/incorporadora, havendo previsão de cláusula
penal apenas para o inadimplemento do adquirente,
deverá ela ser considerada para a fixação da indeni-
902
zação pelo inadimplemento do vendedor. As obrigações
heterogêneas (obrigações de fazer e de dar) serão con-
Jurisprudência - Câmara Especial de Presidentes vertidas em dinheiro, por arbitramento judicial”.
4. Acórdão em consonância com o entendimento fir-
mado sob o regime dos recursos repetitivos, ao decidir
sobre a indenização devida ao comprador pelo atraso
na entrega do imóvel, ante as peculiaridades do caso
concreto.
5. Agravo que não trouxe elementos aptos à reforma
da decisão.
6. De resto, ausente análise no Acórdão sobre a cumu-
lação de lucros cessantes com inversão de cláusula
penal.
IV. DISPOSITIVO
7. Agravo Interno a que se nega provimento, na parte
conhecida.
VOTO
Trata-se de Agravo Interno Cível interposto por Brookfield Spe Sp-24
Ltda. contra decisão que, em demanda cominatória, NEGOU SEGUIMENTO
a Recurso Especial, pois o V. Acórdão recorrido observou a orientação estabe-
lecida no E. Superior Tribunal de Justiça nos Recursos Especiais nos 1.614.721/
DF e 1.631.485/DF, julgados sob o regime dos recursos repetitivos. Alega, em
síntese, que, nos termos da cláusula 11 do contrato celebrado, o procedimento
para outorga da escritura é de responsabilidade exclusiva do adquirente/agrava-
do. Sustenta a impossibilidade de cumulação da indenização por inadimplemen-
to contratual com lucros cessantes, bem como a inaplicabilidade da inversão
da cláusula penal. Ressalta que os Temas 970 e 971 do STJ não se aplicam ao
presente caso, uma vez que o contrato estabelece obrigações distintas para cada
parte, com penalidades próprias e compatíveis com a natureza de cada obriga-
ção. Consigna que não pode ser penalizada com pagamento de multa diante da
ausência de culpa pela demora na outorga da escritura, sendo incabível a inver-
são da cláusula penal.
Houve apresentação de contrarrazões a fls. 09/20.
É O RELATÓRIO.
Anote-se, inicialmente, que o Agravo Interno está sujeito à competência
da Câmara Especial de Presidentes, nos termos do art. 33-A do Regimento Inter-
no do Tribunal de Justiça, incluído pelo Assento Regimental nº 565/2017.
O recurso apenas comportará provimento se o recorrente demonstrar que,
por ausência de similitude fática, a tese firmada no E. Superior Tribunal de Jus-
tiça sob o regime dos recursos repetitivos não se aplica ao caso concreto (dis-
903
tinguishing). Neste sentido, o REsp nº 1.885.384/RJ, Rel. Min. Paulo de Tarso
Sanseverino, Terceira Turma, DJe de 24.5.2021, e o AgInt no RE no AgRg
Jurisprudência - Câmara Especial de Presidentes
nos EREsp nº 1.039.364/ES, Rel. Min. Laurita Vaz, Corte Especial, DJe de
6.2.2018.
E este não é o caso dos autos.
A identidade fática e jurídica entre o V. Acórdão objeto do inconformismo
especial e os paradigmas apontados na decisão recorrida é evidente.
Com efeito, julgados nos Recursos Especiais nos 1.614.721/DF e
1.631.485/DF (tema 971), sob o regime dos recursos repetitivos, o E. Superior
Tribunal de Justiça decidiu que, em contrato de adesão firmado entre o compra-
dor e a construtora ou incorporadora, havendo cláusula penal contratada apenas
para o caso de inadimplemento do adquirente, ela deverá ser considerada para
a fixação da indenização pelo inadimplemento do vendedor. Confira-se a fls.
340/342.
Neste contexto, o V. Acórdão recorrido (fls. 292/297) está em perfeita
sintonia com a orientação superior, ao concluir pela possibilidade de inversão,
contra a construtora, da cláusula penal fixada em desfavor do consumidor.
Confira-se trecho do V. Acórdão: “A obrigação de retificar e assinar os
documentos é de natureza infungível, cabendo exclusivamente à requerida. O
requerente está adimplente com todas as suas obrigações, enquanto a requerida
está em mora, impedindo o requerente de usufruir plenamente do imóvel. Ou
seja, à apelante cabia a prova de que cumpriu com a obrigação de fornecer
os documentos retificados. Por sua vez, cabível a condenação da apelante ao
pagamento da multa contratual prevista na cláusula 11.5, ou seja, a inversão da
multa penal moratória para aplicação no caso de descumprimento da cláusula
11.2 e/ou 11.4, vez que em consonância com o Tema 971 do C. STJ.” (fls. 295).
Indiscutível, pois, a aplicação do regime dos recursos repetitivos.
As razões do recurso envolvendo a ausência de culpa pela demora na
outorga da escritura buscam a prevalência de tese já rejeitada no julgamento do
paradigma repetitivo supramencionado. Nesse sentido: “Quanto à fundamenta-
ção relativa à negativa de prestação jurisdicional, do agravo igualmente não se
pode conhecer, por ficar prejudicado. Isso porque a referida inadmissão é rela-
tiva ao exame de elementos sobre a correta aplicação do precedente firmado,
notadamente sobre a compatibilidade de rito, cuja pretensão recursal de refor-
ma não pode ser apreciada.” (AREsp nº 2043258/MG, Rel. Min. Raul Araújo,
DJe de 31.3.2022, g.n.). No mesmo sentido: AgInt no AREsp nº 1929387/SP,
Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, DJe de 17.8.2022; AgInt no
AREsp nº 2036404/SP, Rel. Min. Raul Araújo, Quarta Turma, DJe de 8.6.2022;
AgInt no AREsp nº 1932969/PR, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, Quarta
Turma, DJe de 26.5.2022; AgInt no AREsp nº 2008628/ES, Rel. Min. Marco
Buzzi, Quarta Turma, DJe de 13.5.2022; AgInt nos EDcl no AREsp nº 1926303/
904
DF, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJe de 9.12.2021; e AgInt no
AREsp nº 1717595/BA, Rel. Min. Ricardo Villas Boas Cueva, Terceira Turma,
Jurisprudência - Câmara Especial de Presidentes DJe de 18.12.2020.
Ainda, inaplicável o tema 970 ao caso em comento, uma vez que a cumu-
lação de lucros cessantes e inversão de multa contratual não foi objeto do V.
Acórdão hostilizado e desborda dos limites desta via.
De resto, incabível a imposição da multa prevista no art. 1.021, § 4º, do
CPC porque, conforme já decidido pelo E. STJ, “(...) esta Corte Superior tem
entendido que o mero não conhecimento ou a improcedência do agravo interno
não enseja a necessária imposição da sanção prevista no art. 1.021, § 4º, do
CPC/2015, tornando-se imperioso para tal que seja nítido o descabimento do
recurso.” (AgInt no AREsp nº 1.989.935/MG, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanse-
verino, Terceira Turma, DJe de 10.8.2022.) e, no caso concreto, não se verificou
o intuito protelatório do presente agravo interno.
No mesmo sentido: AgInt no REsp nº 1.912.142/SP, Rel. Min. Mar-
co Aurélio Bellizze, Terceira Turma, DJe de 28.10.2022; AgInt no AREsp nº
2.153.601/MA, Rel. Min. Moura Ribeiro, Terceira Turma, DJe de 26.10.2022;
REsp nº 2.015.440/PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJe de
21.10.2022; AgInt nos EDcl no REsp nº 1.632.482/DF, Rel. Min. Raul Araú-
jo, Quarta Turma, DJe de 13.10.2022; AgInt no AgInt no AREsp nº 1.971.450/
RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, DJe de 19.9.2022;
AgInt nos EDcl no REsp nº 1.883.465/MT, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti,
Quarta Turma, DJe de 19.9.2022; AgInt no AgInt no AREsp nº 2.010.728/SP,
Rel. Min. Marco Buzzi, Quarta Turma, DJe de 26.8.2022; e AgInt no AREsp
nº 2.059.266/SP, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, DJe de
18.8.2022.
Ante o exposto, NEGA-SE PROVIMENTO ao agravo, na parte conhe-
cida.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo Interno Criminal nº
0010240-68.2024.8.26.0564/50000, da Comarca de São Bernardo do Campo,
em que é agravante GUSTAVO DOS SANTOS MOTTA, é agravada COLEN-
DA CÂMARA ESPECIAL DE PRESIDENTES.
ACORDAM, em sessão permanente e virtual da Câmara Especial de
Presidentes do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão:
“NEGARAM PROVIMENTO AO AGRAVO INTERNO, DETERMINANDO
à Secretaria o cumprimento, oportunamente, da deliberação contida na parte fi-
nal do despacho de fl. 1403. V.U.”, de conformidade com o voto do relator, que
905
integra este acórdão. (Voto nº 44339)
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FER-
Jurisprudência - Câmara Especial de Presidentes
NANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA)
(Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE-PRESIDENTE), TORRES DE
CARVALHO (PRESIDENTE DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) e HE-
RALDO DE OLIVEIRA (PRESIDENTE DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVA-
DO).
São Paulo, 9 de maio de 2025.
CAMARGO ARANHA FILHO, Relator e Presidente da Seção de Direito
Criminal
Ementa: DIREITO PENAL E PROCESSUAL PE-
NAL. AGRAVO INTERNO. NEGATIVA DE SEGUI-
MENTO A RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TEMA
1068 DO STF. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO.
I. CASO EM EXAME
1. Agravo interno contra decisão monocrática que ne-
gou seguimento a recurso extraordinário, pela aplica-
ção do Tema 1068 do STF.
II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO
2. A questão em discussão consiste em saber se é o caso
de manter a negativa de seguimento ao recurso ex-
traordinário pela aplicação de precedente vinculante.
III. RAZÕES DE DECIDIR
3. Inexistência de argumentos aptos a desconstituir a
decisão agravada, que deve ser mantida.
4. A soberania dos veredictos do Tribunal do Júri au-
toriza a imediata execução de condenação imposta
pelo corpo de jurados, independentemente do total da
pena aplicada. (Tema 1068 do STF).
IV. DISPOSITIVO E TESE
5. Agravo interno desprovido, com determinação.
Tese de julgamento: “O recurso extraordinário não
cumpre os requisitos legais para admissibilidade”.
Dispositivos relevantes citados: CPC, art. 1.030, I, “a”;
CPP, art. 638; RITJSP, art. 33-A, § 1º, I.
Jurisprudência relevante citada: STF, Tema 1068.
VOTO
Trata-se de agravo interno (fls. 1384/1387) interposto contra a decisão
da Presidência da Seção de Direito Criminal (fls. 1368/1369) que, com funda-
906
mento no Tema 1068 do Excelso Supremo Tribunal Federal, negou seguimento
ao recurso extraordinário, nos termos dos artigos 1.030, I, “a”, do Código de
Jurisprudência - Câmara Especial de Presidentes Processo Civil e 638 do Código de Processo Penal.
A Defesa, em síntese, reafirma que a prisão preventiva do ora agravante
teria sido decretada sem a devida fundamentação e sem que estivessem presen-
tes os requisitos legais para tanto, em desrespeito ao princípio da presunção de
inocência e ao direito à liberdade. Pugna, assim, pelo provimento do agravo,
com o conhecimento do recurso extraordinário (fls. 1384/1387).
A Procuradoria Geral de Justiça opinou às fls. 1397/1401.
Registro, ademais, a determinação contida na parte final do despacho de
fl. 1403, para a remessa dos autos ao Colendo Superior Tribunal de Justiça,
diante do agravo intentado às fls. 1372/1382.
É o relatório.
Conheço do presente agravo interno, nos termos do artigo 33-A, § 1º, I,
do Regimento Interno deste Tribunal, o qual não merece, contudo, provimento.
No juízo de admissibilidade do recurso extraordinário, constatou-se a ne-
cessária aplicação do rito da sistemática de repercussão geral, em cumprimento
à expressa previsão legal (artigos 1.030, I, “a”, do Código de Processo Civil
e 638 do Código de Processo Penal – fls. 1368/1369), e agora, ponderando a
explanação defensiva trazida à baila no agravo, não vislumbro argumentos su-
ficientes a demonstrar a existência de distinção ou outra peculiaridade capaz de
afastar a incidência do Tema 1068 ao caso concreto.
Nesse sentido, o recurso extraordinário (fls. 1334/1336) pleiteou a revo-
gação da prisão preventiva do ora agravante, uma vez que decretada de forma
genérica e sem fundamentação.
Diante do teor do acórdão de fls. 1311/1318, em especial às fls. 1316/1318,
verifico que tal decisão está em conformidade com a interpretação fixada
pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do Recurso Extraordinário nº
1.235.340/SC (Tema 1068), no sentido de que: A soberania dos veredictos do
Tribunal do Júri autoriza a imediata execução de condenação imposta pelo
corpo de jurados, independentemente do total da pena aplicada.
Veja-se, inclusive, que a decisão apontou as circunstâncias concretas que
levam à conclusão de que estão presentes os requisitos autorizadores da prisão
preventiva, de modo que não há que se falar em decisão genérica e sem funda-
mentação.
Verifico, assim, que o Tema 1068 se ajusta perfeitamente à hipótese dos
autos, de forma que a manutenção da sistemática da repercussão geral aplicada
é de rigor.
Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO AO AGRAVO INTERNO,
DETERMINANDO à Secretaria o cumprimento, oportunamente, da delibera-
ção contida na parte final do despacho de fl. 1403.
907
ACÓRDÃO
Jurisprudência - Câmara Especial de Presidentes
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo Interno Cível nº
0007462-38.2013.8.26.0071/50002, da Comarca de Bauru, em que é agravante
FUNDO DE RECUPERAÇÃO DE ATIVOS – FUNDO DE INVESTIMENTO
EM DIREITOS CREDITÓRIOS NÃO PADRONIZADOS, é agravado CONS-
TANTINO MONDELLI.
ACORDAM, em sessão permanente e virtual da Câmara Especial de
Presidentes do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão:
“Negaram provimento ao recurso. V.U.”, de conformidade com o voto do rela-
tor, que integra este acórdão. (Voto nº 54937)
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FER-
NANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA)
(Presidente), CAMARGO ARANHA FILHO (PRESIDENTE DA SEÇÃO DE
DIREITO CRIMINAL), BERETTA DA SILVEIRA (VICE-PRESIDENTE) e
TORRES DE CARVALHO (PRESIDENTE DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLI-
CO).
São Paulo, 21 de maio de 2025.
ADEMIR BENEDITO, Relator e Presidente da Seção de Direito Privado
Ementa: DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AGRA-
VO INTERNO EM RECURSO ESPECIAL. CUM-
PRIMENTO DE SENTENÇA. ACOLHIMENTO
PARCIAL DA IMPUGNAÇÃO. HONORÁRIOS AD-
VOCATÍCIOS ARBITRADOS EM FAVOR DA PAR-
TE EXECUTADA. DECISÃO EM CONSONÂNCIA
COM O TEMA 410 DO E. STJ. DESPROVIMENTO.
I. CASO EM EXAME
1. Agravo Interno contra decisão que negou segui-
mento a Recurso Especial, que versa sobre o cabimen-
to de honorários advocatícios em caso de acolhimento
parcial da impugnação ao cumprimento de sentença.
II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO
2. Aplicação do regime de recursos repetitivos ao caso
concreto.
III. RAZÃO DE DECIDIR
3. Ao julgar o tema 410, o E. STJ assim decidiu: “O
acolhimento ainda que parcial da impugnação gerará
o arbitramento dos honorários, que serão fixados nos
termos do art. 20, § 4º, do CPC, do mesmo modo que o
acolhimento parcial da exceção de pré-executividade,
908
porquanto, nessa hipótese, há extinção também parcial
da execução”.
Jurisprudência - Câmara Especial de Presidentes 4. Acórdão em consonância com o entendimento fir-
mado sob o regime dos recursos repetitivos, ao con-
cluir pela condenação ao pagamento de honorários
advocatícios em benefício da parte executada.
5. Agravo que não trouxe elementos aptos à reforma
da decisão.
IV. DISPOSITIVO
6. Agravo Interno a que se nega provimento.
VOTO
Trata-se de Agravo Interno Cível interposto por Fundo de Recuperação
de Ativos – Fundo de Investimento Em Direitos Creditórios Não Padronizados
contra decisão que, em demanda declaratória c.c. indenização por danos morais,
em fase de cumprimento de sentença, NEGOU SEGUIMENTO a Recurso
Especial, pois o V. Acórdão recorrido observou a orientação estabelecida no
E. Superior Tribunal de Justiça no Recurso Especial nº 1.134.186/RS, julgado
sob o regime dos recursos repetitivos. Alega, em síntese, distinção entre o tema
repetitivo e o caso concreto, pois a execução foi extinta em razão do reconheci-
mento da satisfação da obrigação e não pelo acolhimento da exceção de pré-exe-
cutividade, sendo indevidos os encargos sucumbenciais pela exequente.
É O RELATÓRIO.
Anote-se, inicialmente, que o Agravo Interno está sujeito à competência
da Câmara Especial de Presidentes, nos termos do art. 33-A do Regimento Inter-
no do Tribunal de Justiça, incluído pelo Assento Regimental nº 565/2017.
O recurso apenas comportará provimento se o recorrente demonstrar que,
por ausência de similitude fática, a tese firmada no E. Superior Tribunal de Jus-
tiça sob o regime dos recursos repetitivos não se aplica ao caso concreto (dis-
tinguishing). Neste sentido, o REsp nº 1.885.384/RJ, Rel. Min. Paulo de Tarso
Sanseverino, Terceira Turma, DJe de 24.5.2021, e o AgInt no RE no AgRg
nos EREsp nº 1.039.364/ES, Rel. Min. Laurita Vaz, Corte Especial, DJe de
6.2.2018.
E este não é o caso dos autos.
A identidade fática e jurídica entre o V. Acórdão objeto do inconformismo
especial e o paradigma apontado na decisão recorrida é evidente.
Com efeito, julgado o Recurso Especial nº 1.134.186/RS (tema 410), sob
o regime dos recursos repetitivos, o E. Superior Tribunal de Justiça decidiu que
“1.1 São cabíveis honorários advocatícios em fase de cumprimento de sentença,
haja ou não impugnação, depois de escoado o prazo para pagamento voluntá-
rio a que alude o art. 475-J do CPC, que somente se inicia após a intimação do
909
advogado, com baixa dos autos e aposição do ‘cumpra-se’ (REsp. n. 940.274/
MS); 1.2 Não são cabíveis honorários advocatícios pela rejeição da impug-
Jurisprudência - Câmara Especial de Presidentes
nação ao cumprimento de sentença; 1.3 Apenas no caso de acolhimento da
impugnação, ainda que parcial, serão arbitrados honorários em benefício do
executado, com base no art. 20, § 4º, do CPC”. Confira-se a fls. 259/261.
Neste contexto, os Vv. Acórdãos recorridos (fls. 187/191 e 205/209) estão
em perfeita sintonia com a orientação superior, ao concluírem pela condenação
da agravante ao pagamento dos honorários advocatícios sucumbenciais, pois
prosseguiu na execução de dívida que não mais existia e, com isso, o executado
foi forçado a se manifestar nos presentes autos.
Confira-se trecho do V. Acórdão: “Diferentemente do alegado pela em-
bargante, a extinção da execução se deu em razão da obrigação já ter sido
satisfeita em outro processo, com a adjudicação de bem imóvel, e sendo assim,
no presente caso não mais havia débito a ser saldado e por isso ocorreu sucum-
bência da exequente, na medida em que não noticiou a satisfação da obrigação,
e deixou que o processo prosseguisse, provocando a parte executada à entrar
nos autos e informar o pagamento do débito em questão” (fls. 206, g.n.).
Indiscutível, pois, a aplicação do regime dos recursos repetitivos.
Ante o exposto, NEGA-SE PROVIMENTO ao agravo.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo Interno Cível nº
2094502-57.2024.8.26.0000/50001, da Comarca de São Paulo, em que é agra-
vante BANCO DO BRASIL S/A, é agravada MARIA SOLANGE DA SILVA.
ACORDAM, em sessão permanente e virtual da Câmara Especial de
Presidentes do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão:
“Negaram provimento ao recurso. V.U.”, de conformidade com o voto do rela-
tor, que integra este acórdão. (Voto nº 71004)
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FER-
NANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA)
(Presidente), CAMARGO ARANHA FILHO (PRESIDENTE DA SEÇÃO DE
DIREITO CRIMINAL), BERETTA DA SILVEIRA (VICE-PRESIDENTE) e
TORRES DE CARVALHO (PRESIDENTE DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLI-
CO).
São Paulo, 23 de maio de 2025.
HERALDO DE OLIVEIRA, Relator e Presidente da Seção de Direito
Privado
910
Ementa: DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO
INTERNO EM RECURSO ESPECIAL. DEPÓSITO
Jurisprudência - Câmara Especial de Presidentes JUDICIAL. ENCARGOS MORATÓRIOS PREVIS-
TOS NO TÍTULO EXECUTIVO. INCIDÊNCIA ATÉ
A EFETIVA DISPONIBILIZAÇÃO DA QUANTIA
EM FAVOR DO CREDOR. RESPONSABILIDADE
QUE DEPENDE DA NATUREZA DO DEPÓSITO.
DECISÃO EM CONSONÂNCIA COM O TEMA 677
DO E. STJ. DESPROVIMENTO.
I. CASO EM EXAME
1. Agravo Interno contra decisão que negou segui-
mento a Recurso Especial, que versa sobre o termo fi-
nal da responsabilidade do devedor sobre os encargos
moratórios devidos após efetivado o depósito judicial
do débito.
II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO
2. Aplicação do regime de recursos repetitivos ao caso
concreto.
III. RAZÃO DE DECIDIR
3. Ao julgar o tema 677 em 7.5.2014, o E. STJ assim
decidiu: “Na fase de execução, o depósito judicial do
montante (integral ou parcial) da condenação extingue
a obrigação do devedor, nos limites da quantia deposi-
tada”.
4. E, ao revisar o tema em 19.10.2022, a E. Corte Su-
perior estabeleceu que, “Na execução, o depósito efe-
tuado a título de garantia do juízo ou decorrente da
penhora de ativos financeiros não isenta o devedor do
pagamento dos consectários de sua mora, conforme
previstos no título executivo, devendo-se, quando da
efetiva entrega do dinheiro ao credor, deduzir do mon-
tante final devido o saldo da conta judicial”.
5. Acórdão em consonância com o entendimento fir-
mado sob o regime dos recursos repetitivos, ao decidir
a matéria da responsabilidade pelos consectários da
mora em caso de depósito judicial, ante as peculiari-
dades do caso concreto.
6. Agravo que não trouxe elementos aptos à reforma
da decisão.
IV. DISPOSITIVO
7. Agravo Interno a que se nega provimento.
VOTO
Jurisprudência - Câmara Especial de Presidentes
Trata-se de Agravo Interno Cível interposto por Banco do Brasil S/A
contra decisão que, em cumprimento de sentença, NEGOU SEGUIMENTO a
Recurso Especial, pois o V. Acórdão recorrido observou a orientação estabe-
lecida no E. Superior Tribunal de Justiça nos Recursos Especiais nos 1.348.640/
RS e 1.820.963/SP, julgado sob o regime dos recursos repetitivos. Alega a não
aplicação do novo entendimento sobre o tema 677, em razão da ausência de
trânsito em julgado. Afirma que o depósito judicial foi realizado antes do novo
entendimento, razão pela qual deve prevalecer o entendimento da época do ato.
Pontua que o novo entendimento do tema 677 não tem efeito retroativo.
É O RELATÓRIO.
Anote-se, inicialmente, que o Agravo Interno está sujeito à competência
da Câmara Especial de Presidentes, nos termos do art. 33-A do Regimento Inter-
no do Tribunal de Justiça, incluído pelo Assento Regimental nº 565/2017.
O recurso apenas comportará provimento se o recorrente demonstrar que,
por ausência de similitude fática, a tese firmada no E. Superior Tribunal de Jus-
tiça sob o regime dos recursos repetitivos não se aplica ao caso concreto (dis-
tinguishing). Neste sentido, o REsp nº 1.885.384/RJ, Rel. Min. Paulo de Tarso
Sanseverino, Terceira Turma, DJe de 24.5.2021, e o AgInt no RE no AgRg
nos EREsp nº 1.039.364/ES, Rel. Min. Laurita Vaz, Corte Especial, DJe de
6.2.2018.
E este não é o caso dos autos.
A identidade fática e jurídica entre o V. Acórdão objeto do inconformismo
especial e os paradigmas apontados na decisão recorrida é evidente.
Com efeito, julgado o Recurso Especial nº 1.348.640/RS (tema 677), sob
o regime dos recursos repetitivos, o E. Superior Tribunal de Justiça decidiu que,
na fase de execução, o depósito judicial do montante integral ou parcial da con-
denação extingue a obrigação do devedor, nos limites da quantia depositada.
Posteriormente, a E. Corte Superior, no Recurso Especial nº 1.820.963/
SP (tema 677), revisou a tese repetitiva para consignar que, “na execução, o de-
pósito efetuado a título de garantia do juízo ou decorrente da penhora de ativos
financeiros não isenta o devedor do pagamento dos consectários de sua mora,
conforme previstos no título executivo, devendo-se, quando da efetiva entrega
do dinheiro ao credor, deduzir do montante final devido o saldo da conta judi-
cial”. Confira-se a fls. 93/97.
Neste contexto, o V. Acórdão recorrido (fls. 38/43) está em perfeita sin-
tonia com a orientação superior ao concluir que o depósito inicial promovido
pelo banco agravante se deu em mera garantia e não tem natureza de pagamento.
Confira-se trecho do V. Acórdão: “Nesse contexto e diante do novo enten-
dimento da Corte Superior, não há como desconsiderar que o depósito inicial
912
promovido pelo banco agravante se deu em mera garantia e não tem natureza
de pagamento, sem afastar os consectários de sua mora, tudo sob pena desta C.
Jurisprudência - Câmara Especial de Presidentes Câmara ter de reanalisar seus julgados por determinar superior, com base no
art. 1.030, II, do CPC” (fl. 48).
Indiscutível, pois, a aplicação do regime dos recursos repetitivos, que
não pressupõe trânsito em julgado conforme manifestação da própria E. Corte
Superior:
“Nesse sentido, a Corte Especial orienta que ‘tanto os julgados do STJ quanto
os do STF já firmaram entendimento no sentido de ser desnecessário aguardar
o trânsito em julgado para a aplicação do paradigma firmado em recurso repe-
titivo ou em repercussão geral’ (EDcl nos EREsp n. 1.150.549/RS, relator Mi-
nistro Og Fernandes, Corte Especial, julgado em 7/3/2018, DJe de 23/3/2018).”
(AgInt no EREsp nº 1.842.390/SC, Rel. Min. Nancy Andrighi, Segunda Seção,
DJe de 2.6.2023).
Ante o exposto, NEGA-SE PROVIMENTO ao agravo.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo Interno Cível nº
1039777-43.2022.8.26.0506/50001, da Comarca de Ribeirão Preto, em que é
agravante DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO, é agra-
vado MUNICÍPIO DE RIBEIRÃO PRETO.
ACORDAM, em sessão permanente e virtual da Câmara Especial de
Presidentes do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão:
“Negaram provimento ao recurso. V.U.”, de conformidade com o voto do rela-
tor, que integra este acórdão. (Voto nº 126.315)
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FER-
NANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA)
(Presidente), TORRES DE CARVALHO (PRESIDENTE DA SEÇÃO DE DI-
REITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRESIDENTE DA SEÇÃO
DE DIREITO PRIVADO) e CAMARGO ARANHA FILHO (PRESIDENTE
DA SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).
São Paulo, 31 de maio de 2025.
BERETTA DA SILVEIRA, Vice-Presidente e Relator
Ementa: AGRAVO INTERNO. AÇÃO CIVIL PÚ-
BLICA. NEGATIVA DE SEGUIMENTO A RECUR-
SO EXTRAORDINÁRIO.
I. Caso em Exame 1. Agravo interno interposto pela
Defensoria Pública do Estado de São Paulo contra
decisão que negou seguimento a recurso extraordiná-
913
rio em ação civil pública, sob o fundamento de que o
acórdão recorrido observou a orientação do Supremo
Jurisprudência - Câmara Especial de Presidentes
Tribunal Federal no Tema 698.
II. Questão em Discussão 2. A questão em discussão
consiste em determinar se a decisão que negou segui-
mento ao recurso extraordinário afastou indevida-
mente o entendimento consolidado no Tema 698 da
repercussão geral.
III. Razões de Decidir 3. O agravo interno está sujei-
to à competência da Câmara Especial de Presidentes,
conforme o Regimento Interno do Tribunal de Justi-
ça. 4. O recurso apenas comporta provimento se de-
monstrada a ausência de similitude fática com a tese
firmada pelo Supremo Tribunal Federal, o que não se
verifica no caso concreto, dada a identidade fática e
jurídica com o paradigma.
IV. Dispositivo e Tese 5. Nega-se provimento ao agra-
vo interno. Tese de julgamento: 1. A decisão judicial
deve apontar as finalidades a serem alcançadas, sem
determinar medidas pontuais, respeitando o princípio
da separação dos poderes.
Legislação Citada:
CPC, art. 1.030, I, “a”.
Jurisprudência Citada:
STF, RE nº 684.612/RJ, Tema nº 698.
STF, Rcl nº 28.187/SP, Rel. Min. Alexandre de Moraes,
DJe de 18.12.2017.
STF, Rcl nº 28.223/SP, Rel. Min. Luiz Fux, DJe de
3.5.2018.
VOTO
Trata-se de agravo interno interposto pela Defensoria Pública do Estado
de São Paulo contra a decisão que, em ação civil pública, NEGOU SEGUI-
MENTO a Recurso Extraordinário, pois o V. Acórdão recorrido observou a
orientação estabelecida pelo E. Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraor-
dinário nº 684.612/RJ (Tema nº 698).
Alega, em síntese, que o V. Acórdão afastou indevidamente o entendi-
mento consolidado no julgamento do Tema 698 da repercussão geral, impon-
do-se a reforma da decisão que negou seguimento ao recurso extraordinário.
Requer, ao final, o conhecimento e provimento do presente agravo para “que,
inexistindo retratação, seja conhecido e provido o presente recurso, determi-
914
nando-se, por consequência, o recebimento e o regular processamento do re-
curso extraordinário” (fls. 1/12).
Jurisprudência - Câmara Especial de Presidentes Não houve oposição ao julgamento virtual, nos termos do artigo 1º da
Resolução nº 549/2011 desta Corte, com a redação dada pela Resolução nº
772/2017.
É O RELATÓRIO.
Anote-se, inicialmente, que o Agravo Interno está sujeito à competência
da Câmara Especial de Presidentes, nos termos do art. 33-A do Regimento Inter-
no do Tribunal de Justiça, incluído pelo Assento Regimental nº 565/2017.
O recurso apenas comportará provimento se o recorrente demonstrar que,
por ausência de similitude fática, a tese firmada no E. Supremo Tribunal Federal
sob a sistemática da repercussão geral não se aplica ao caso concreto (distin-
guishing). Neste sentido, a Rcl nº 28.187/SP, Rel. Min. Alexandre de Moraes,
DJe de 18.12.2017, e a Rcl nº 28.223/SP, Rel. Min. Luiz Fux, DJe de 3.5.2018.
E este não é o caso dos autos.
A identidade fática e jurídica entre o recurso interposto e o paradigma
apontado na decisão recorrida é absolutamente evidente.
Com efeito, apreciados os embargos de declaração opostos em face do V.
Acórdão proferido sob o Regime de Repercussão Geral no RE nº 684.612/RJ,
Tema nº 698, o E. Supremo Tribunal Federal definiu que “1. A intervenção do
Poder Judiciário em políticas públicas voltadas à realização de direitos fun-
damentais, em caso de ausência ou deficiência grave do serviço, não viola o
princípio da separação dos poderes. 2. A decisão judicial, como regra, em lugar
de determinar medidas pontuais, deve apontar as finalidades a serem alcan-
çadas e determinar à Administração Pública que apresente um plano e/ou os
meios adequados para alcançar o resultado; 3. No caso de serviços de saúde, o
déficit de profissionais pode ser suprido por concurso público ou, por exemplo,
pelo remanejamento de recursos humanos e pela contratação de organizações
sociais (OS) e organizações da sociedade civil de interesse público (OSCIP)”.
No ponto, observa-se que o r. Decisum impugnado enfrentou a temática
consolidada na tese de Repercussão Geral nº 698, apontando que “Sobre o tema,
o Supremo Tribunal Federal consolidou sua jurisprudência na Tese 698, con-
forme a qual cabe ao Poder Judiciário o dever de apontar as finalidades a se-
rem alcançadas e determinar à Administração Pública que apresente um plano
e os meios adequados para alcançar o resultado, em vez de determinar o cum-
primento de medidas pontuais. O entendimento visa assegurar a observância
ao princípio da separação dos poderes. Como bem observou a Suprema Corte,
cabe à decisão judicial determinar a finalidade a ser atingida, mas não o modo
como ela deverá ser alcançada. Após o estabelecimento da meta, diversos são
os meios com os quais se pode implementá-la, cabendo ao administrador optar
por aquele que considera mais pertinente e eficaz.”. E, depois, concluiu “No
915
caso dos autos, os apelantes pleiteiam a reforma da sentença para que seja de-
terminada a implementação, pelo poder executivo municipal, de medidas muito
Jurisprudência - Câmara Especial de Presidentes
específicas com o fim de reestruturar o Serviço de Acolhimento Institucional de
Ribeirão Preto (SAICA), tais como o fornecimento de mobiliário adequado, de
novos computadores, veículo próprio, serviço de limpeza e jardinagem, manu-
tenção do sistema hidráulico do imóvel, reparos na pintura, a desvinculação
de outros serviços alheios às atribuições do SAICA, a formação de um quadro
composto por 66 servidores, contratados sob o regime de estabilidade e com
plano de capacitação profissional. Contudo, essas medidas encontram-se inse-
ridas no âmbito do mérito administrativo, contra o qual não cabe a ingerência
do Poder Judiciário, sob pena de violação do princípio da separação dos pode-
res. Demonstrou-se, assim, acertada a decisão de primeiro grau que, ao cons-
tatar as irregularidades apontadas no parecer técnico de fls. 248/292, impôs
ao réu o cumprimento das medidas indicadas a fls. 438, sem anular o poder de
discricionariedade que dispõe do poder executivo na execução de sua política
pública.” (fls. 516/526).
Nesse contexto, verifica-se que o V. Acórdão recorrido está em confor-
midade com a aludida orientação firmada pelo E. Supremo Tribunal Federal,
pois manteve a condenação do Ente Público em reestruturar o Serviço de Aco-
lhimento Institucional de Ribeirão Preto determinando diversas providências.
A decisão agravada, nestes termos, apenas aplicou a sistemática da reper-
cussão geral, com fundamento no art. 1.030, I, “a”, do CPC.
Ante o exposto, NEGA-SE PROVIMENTO ao agravo interno.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo Interno Criminal nº
0005274-36.2018.8.26.0576/50001, da Comarca de São José do Rio Preto, em
que é agravante A.O.J., é agravado C. C. E. DE P.
ACORDAM, em sessão permanente e virtual da Câmara Especial de
Presidentes do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão:
“NEGARAM PROVIMENTO AO AGRAVO INTERNO, DETERMINANDO
à Secretaria o cumprimento, oportunamente, da deliberação contida na parte
final do despacho de fls. 607. V.U.”, de conformidade com o voto do relator, que
integra este acórdão. (Voto nº 44628)
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FER-
NANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA)
(Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE-PRESIDENTE), TORRES DE
CARVALHO (PRESIDENTE DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) e HE-
RALDO DE OLIVEIRA (PRESIDENTE DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVA-
916
DO).
São Paulo, 6 de junho de 2025.
Jurisprudência - Câmara Especial de Presidentes CAMARGO ARANHA FILHO, Relator e Presidente da Seção de Direito
Criminal
Ementa: DIREITO PENAL E PROCESSUAL PE-
NAL. AGRAVO INTERNO. NEGATIVA DE SEGUI-
MENTO A RECURSO ESPECIAL. TEMA 1202 DO
STJ. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO.
I. CASO EM EXAME
1. Agravo interno contra decisão monocrática que
negou seguimento, em parte, a recurso especial, pela
aplicação do Tema 1202 do STJ.
II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO
2. A questão em discussão consiste em saber se é o caso
de manter a negativa de seguimento ao recurso espe-
cial pela aplicação de precedente vinculante.
III. RAZÕES DE DECIDIR
3. Inexistência de argumentos aptos a desconstituir a
decisão agravada, que deve ser mantida.
4. No crime de estupro de vulnerável, é possível a
aplicação da fração máxima de majoração prevista
no art. 71, caput, do CP, ainda que não haja a delimi-
tação precisa do número de atos sexuais praticados,
desde que o longo período de tempo e a recorrência
das condutas permita concluir que houve 7 (sete) ou
mais repetições (Tema 1202 do STJ).
IV. DISPOSITIVO E TESE
5. Agravo interno desprovido, com determinação.
Tese de julgamento: “O recurso especial não cumpre
os requisitos legais para admissibilidade”.
Dispositivos relevantes citados: CPC, art. 1.030, I, “b”;
CPP, art. 638; CP, art. 71, caput; RITJSP, art. 33-A,
§ 1º, I.
Jurisprudência relevante citada: STJ, Tema 1202; STJ,
AgInt no AREsp nº 1.816.495/RS, Rel. Min. Assusete
Magalhães, Segunda Turma, j. 28.06.2021.
VOTO
Trata-se de agravo interno (fls. 576/582) interposto contra a decisão da
Presidência da Seção de Direito Criminal (fls. 556/558), que, com fundamento
917
no Tema 1202 do Colendo Superior Tribunal de Justiça, negou seguimento, em
parte, ao recurso especial, nos termos dos artigos 1.030, I, “b”, do Código de
Jurisprudência - Câmara Especial de Presidentes
Processo Civil e 638 do Código de Processo Penal e, no mais, não o admitiu.
A Defesa, em síntese, sustenta a inaplicabilidade do procedente vincu-
lante, consignando a ausência de análise profunda do caso concreto. Reitera os
argumentos aventados no recurso especial, asseverando a imprecisão quanto à
quantidade de delitos que teriam sido praticados pelo agravante, requerendo,
portanto, a aplicação da menor fração de aumento pela continuidade delitiva.
Pugna, assim, pelo provimento do agravo, com o processamento do recurso es-
pecial (fls. 576/582).
A Procuradoria Geral de Justiça opinou às fls. 604/606.
Registro, ainda, a determinação contida na parte final do despacho de fl.
607, para a remessa dos autos, oportunamente, aos Colendos Tribunais Superio-
res, competentes para a apreciação dos demais agravos intentados.
É o relatório.
Conheço do agravo, nos termos do artigo 33-A, § 1º, I, do Regimento
Interno deste Tribunal, o qual não merece, contudo, provimento.
Quando da análise do juízo de admissibilidade do recurso especial (fls.
495/514), constatou-se que parte das questões trazidas à baila já havia sido sub-
metida ao rito da sistemática de precedentes dos recursos repetitivos no Colendo
Superior Tribunal de Justiça, de forma que sua aplicação era de rigor, por ex-
pressa previsão legal (artigo 1.030, I, “b”, do Código de Processo Civil e artigo
638 do Código de Processo Penal – fls. 556/558) e não vislumbro, no agravo
agora em análise, a existência de distinção ou qualquer outra peculiaridade ca-
paz de afastar a referida aplicação do Tema 1202 do Superior Tribunal de Justiça
ao caso concreto.
Confrontando o teor do recurso especial, o qual postulou, entre outras te-
ses, a aplicação da continuidade delitiva em menor patamar (fls. 511/513), com
o teor do acórdão de fls. 444/461, especialmente às fls. 457/459, verifico que
este está em conformidade com o entendimento do Colendo Superior Tribunal
de Justiça, manifestado nos Recursos Especiais nos 2.029.482/RJ e 2.050.195/
RJ, no sentido de que: No crime de estupro de vulnerável, é possível a aplicação
da fração máxima de majoração prevista no art. 71, caput, do Código Penal,
ainda que não haja a delimitação precisa do número de atos sexuais praticados,
desde que o longo período de tempo e a recorrência das condutas permita con-
cluir que houve 7 (sete) ou mais repetições.
Destaco, ademais, diante das ponderações defensivas, que o Tema 1202
consignou a desnecessidade da delimitação precisa do número de atos sexuais,
bastando à justificativa da incidência da fração máxima pela continuidade de-
litiva, a ponderação do longo período e da recorrência das condutas, o que foi
expressamente considerado pelo acórdão.
918
Ressalto, de outro lado, que a análise da adequação do Tema ao caso foi
exercida dentro da competência legalmente definida para o exercício do juízo
Jurisprudência - Câmara Especial de Presidentes de admissibilidade por esta Presidência, que engloba a incidência imediata dos
precedentes vinculantes (artigo 1.030, I, do Código de Processo Civil).
Nessa linha, importante o escólio da E. Ministra Assusete Magalhães, no
julgamento do AgInt no AREsp nº 1.816.4951:
[...] na sistemática introduzida pelo art. 543-C do CPC/73 (art. 1.036 do
CPC/2015), incumbe ao Tribunal de origem, com exclusividade e em caráter
definitivo, proferir juízo de adequação do caso concreto ao precedente formado
em repetitivo, não sendo possível, daí em diante, a apresentação de qualquer
outro recurso dirigido a este STJ, sob pena de tornar-se ineficaz o propósito
racionalizador implantado pela Lei 11.672/2009. Essa conclusão pode ser ex-
traída da fundamentação constante da já citada QO no Ag 1.154.599/SP (Rel.
Ministro CESAR ASFOR ROCHA, DJe de 12/05/2011), submetida à apreciação
da Corte Especial, in verbis: “A edição da Lei n. 11.672, de 8.5.2008, decorreu,
sabidamente, da explosão de processos repetidos junto ao Superior Tribunal de
Justiça, ensejando centenas e, conforme a matéria, milhares de julgados idên-
ticos, mesmo após a questão jurídica já estar pacificada. O mecanismo criado
no referido diploma, assim, foi a solução encontrada para afastar julgamentos
meramente ‘burocráticos’ nesta Corte, já que previsível o resultado desses dian-
te da orientação firmada em leading case pelo órgão judicante competente. Não
se perca de vista que a redução de processos idênticos permite que o Superior
Tribunal de Justiça se ocupe cada vez mais de questões novas, ainda não re-
solvidas, e relevantes para as partes e para o País. Assim, criado o mecanismo
legal para acabar com inúmeros julgamentos desnecessários e inviabilizadores
de atividade jurisdicional ágil e com qualidade, os objetivos da lei devem, então,
ser seguidos também no momento de interpretação dos dispositivos por ela inse-
ridos no Código de Processo Civil e a ela vinculados, sob pena de tornar o es-
forço legislativo totalmente inócuo e de eternizar a insatisfação das pessoas que
buscam o Poder Judiciário com esperança de uma justiça rápida. (...) Da mesma
forma, manter a possibilidade de subida do agravo para esta Corte implica via-
bilizar a eternização do feito, obstaculizando o trânsito em julgado da sentença
ou acórdão e lotando novamente esta Corte de recursos inúteis e protelatórios,
o que não se coaduna com o objetivo da Lei n. 11.672/2008.
Portanto, resta demonstrado que o decisum impugnado foi preciso e indi-
vidualizado, pautando-se pelos elementos aduzidos no recurso especial e pelos
termos do aresto, os quais foram adequadamente ponderados com o precedente
qualificado do Colendo Superior Tribunal de Justiça.
Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO AO AGRAVO INTERNO,
DETERMINANDO à Secretaria o cumprimento, oportunamente, da delibera-
ção contida na parte final do despacho de fls. 607.
1 STJ, AgInt no AREsp nº 1.816.495/RS, Rel. Min. Assusete Magalhães, Segunda Turma, j.
28.06.2021, p. 30.06.2021.
919
ACÓRDÃO
Jurisprudência - Câmara Especial de Presidentes
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo Interno Criminal nº
0002147-08.2010.8.26.0597/50001, da Comarca de Sertãozinho, em que é agra-
vante FABIANO FIDELIS BEZERRA, é agravada COLENDA CÂMARA ES-
PECIAL DE PRESIDENTES.
ACORDAM, em sessão permanente e virtual da Câmara Especial de
Presidentes do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão:
“Negaram provimento ao agravo REGIMENTAL. V.U.”, de conformidade com
o voto do relator, que integra este acórdão. (Voto nº 53.160)
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FER-
NANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA)
(Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE-PRESIDENTE), TORRES DE
CARVALHO (PRESIDENTE DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) e HE-
RALDO DE OLIVEIRA (PRESIDENTE DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVA-
DO).
São Paulo, 6 de junho de 2025.
JOSÉ DAMIÃO PINHEIRO MACHADO COGAN, Relator, no impedi-
mento ocasional do Presidente da Seção de Direito Criminal
Ementa: DIREITO PROCESSUAL PENAL. AGRA-
VO REGIMENTAL. DECISÃO MONOCRÁTICA
QUE NÃO APRECIOU PEDIDO DE INDULTO OU
COMUTAÇÃO. AGRAVO REGIMENTAL DES-
PROVIDO.
I. CASO EM EXAME
1. Agravo regimental contra decisão monocrática que
deixou de apreciar pedido defensivo de indulto ou co-
mutação.
II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO
2. A questão em discussão consiste em saber se cabe à
Presidência da Seção de Direito Criminal a análise de
pleito para concessão de indulto ou comutação.
III. RAZÕES DE DECIDIR
3. Inexistência de argumentos aptos a desconstituir a
decisão agravada, que deve ser mantida.
4. Limites estritos da competência da Presidência da
Seção de Direito Criminal. Impossibilidade de apre-
ciação do pleito. Supressão de instância. Trânsito em
julgado no STJ.
IV. DISPOSITIVO E TESE
920
5. Agravo regimental desprovido.
Tese de julgamento: “O agravo regimental não cum-
Jurisprudência - Câmara Especial de Presidentes pre os requisitos legais para provimento”.
Dispositivos relevantes citados: Lei nº 8.906/94, art. 7º,
§ 2º-B, VI; RITJSP, arts. 33-A, § 2º, 45, IV, e 146, §
4º; TJSP, Resolução nº 903/2023; TJSP, Resolução nº
549/2011, art. 1º, § 2º.
Jurisprudência relevante citada: n/a.
VOTO
Trata-se de agravo regimental (fls. 1273/1278) interposto contra a deci-
são monocrática de fl. 1271, da Presidência da Seção de Direito Criminal, que
deixou de apreciar pedido defensivo para concessão de indulto ou comutação.
A Defesa busca, em síntese, a reforma da decisão ora agravada, asseve-
rando que a Presidência da Seção de Direito Criminal tem competência para
analisar o pedido de indulto ou comutação, sem importar a fase em que se en-
contra o processo, especialmente quando se refere à direito de benefício ao con-
denado. Ressalta que a concessão de indulto implica a extinção de punibilidade
e, sendo matéria de ordem pública, pode e deve ser analisada até mesmo por
ofício em qualquer juízo e instância. Pugna, assim, pelo provimento do agravo,
com a consequente apreciação do pedido defensivo (fls. 1273/1278). Manifesta,
ainda, oposição ao julgamento virtual, requerendo o direito de sustentação oral,
nos termos do artigo 7º, § 2º-B, VI, da Lei nº 8.906/94.
A Procuradoria Geral de Justiça opinou às fls. 1287/1288.
É o relatório.
Anoto, inicialmente, a inviabilidade do pedido de oposição ao julgamen-
to virtual, com a realização de sustentação oral (fls. 1281/1282), uma vez que,
nos termos do artigo 146, § 4º, do Regimento Interno do Tribunal de Justiça do
Estado de São Paulo, não haverá sustentação oral nos julgamentos de agravos e,
conforme a Resolução nº 903/2023, que alterou o artigo 1º, § 2º, da Resolução
nº 549/2011, ambas deste Tribunal de Justiça, o julgamento será virtual quando
incabível sustentação oral (salvo se for promovido destaque para julgamento em
sessão presencial, ou telepresencial, por integrante da turma julgadora, o que
não é o caso).
Ressalto, ainda, que a previsão contida no artigo 7º, § 2º-B, da Lei nº
8.906/94 não se aplica ao presente caso, uma vez que pronunciamento do Pre-
sidente da Seção ora impugnado não se confunde com as deliberações previstas
no aludido dispositivo, além de não atuar como relator, de forma que tal previ-
são legal não excepciona o mencionado artigo 146, § 4º, do Regimento Interno
deste Tribunal.
Feita essa observação, conheço do presente agravo regimental, nos ter-
921
mos do artigo 33-A, § 2º, do Regimento Interno deste Tribunal, não merecendo,
contudo, provimento.
Jurisprudência - Câmara Especial de Presidentes
Como constou da decisão ora impugnada, falecia competência à Presi-
dência da Seção de Direito Criminal para apreciar pedido de concessão de in-
dulto e comutação, visto que sua jurisdição se limitava ao processamento dos
recursos especial e extraordinário e à decisão de incidentes exclusivamente a
esses relativos, conforme dispõe o artigo 45, IV, do Regimento Interno deste
Tribunal de Justiça.
Além disso, a apreciação do pleito de indulto e comutação ensejaria a ve-
rificação de elementos fáticos, inviável na limitada cognição da Presidência da
Seção de Direito Criminal, além de ocasionar a indevida supressão de instância,
como já registrado.
Observo, ainda, que os recursos intentados neste feito pelo ora agravante,
devidamente remetidos ao Colendo Superior Tribunal de Justiça, já tiveram o
trânsito em julgado certificado naquele Sodalício (fls. 1243/1248 e 1255), de
forma que pedidos relacionados à execução poderão ser pleiteados junto ao Juí-
zo competente.
Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO AO AGRAVO REGIMEN-
TAL.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo Interno Cível nº
1003134-64.2019.8.26.0127/50003, da Comarca de Carapicuíba, em que é
agravante MUNICÍPIO DE CARAPICUÍBA, é agravado (...).
ACORDAM, em sessão permanente e virtual da Câmara Especial de
Presidentes do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão:
“Negaram provimento ao recurso. V.U.”, de conformidade com o voto do rela-
tor, que integra este acórdão. (Voto nº 126.324)
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FER-
NANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA)
(Presidente), TORRES DE CARVALHO (PRESIDENTE DA SEÇÃO DE DI-
REITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRESIDENTE DA SEÇÃO
DE DIREITO PRIVADO) e CAMARGO ARANHA FILHO (PRESIDENTE
DA SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).
São Paulo, 5 de junho de 2025.
BERETTA DA SILVEIRA, Vice-Presidente e Relator
Ementa: Agravo Interno. Ação de obrigação de fazer.
Recurso Extraordinário. Negativa de seguimento.
922
I. Caso em Exame 1. Agravo interno interposto pelo
Município de Carapicuíba contra decisão que negou
Jurisprudência - Câmara Especial de Presidentes seguimento a Recurso Extraordinário em ação de
obrigação de fazer, observando as orientações do Su-
premo Tribunal Federal no RE nº 566.471/RN (Tema
nº 6).
II. Questão em Discussão 2. A questão em discussão
consiste em determinar se o acórdão recorrido está
em conformidade com o Tema 793 do STF, especial-
mente quanto à responsabilidade solidária dos entes
federativos e ao direito de ressarcimento.
III. Razões de Decidir 3. O agravo interno está sujei-
to à competência da Câmara Especial de Presidentes,
conforme o art. 33-A do Regimento Interno do Tribu-
nal de Justiça. 4. O recurso apenas comporta provi-
mento se demonstrada a ausência de similitude fática
com a tese firmada pelo STF, o que não se aplica ao
caso concreto, pois o acórdão recorrido não se sujeita
ao Tema 6 do STF. 5. O acórdão recorrido, também,
está de acordo com a orientação do STF no Tema 793,
confirmando a responsabilidade solidária dos entes
federativos na prestação de serviços de saúde.
IV. Dispositivo e Tese 6. Recurso desprovido. Tese de
julgamento: 1. A decisão agravada aplicou correta-
mente a sistemática da repercussão geral, conforme
art. 1.030, I, “a”, do CPC. 2. Os entes federativos são
solidariamente responsáveis nas demandas de saúde.
3. A responsabilidade solidária não impede o ressar-
cimento entre entes conforme regras de competência.
Legislação Citada:
CF/1988, art. 198.
CPC, art. 1.030, I, “a”.
Jurisprudência Citada:
STF, RE nº 566.471/RN, Rel. Min. Alexandre de Mo-
raes, DJe de 18.12.2017.
STF, RE nº 855.178/SE, Tema nº 793, Rel. Min. Luiz
Fux, DJe de 3.5.2018
VOTO
Trata-se de agravo interno interposto pelo Município de Carapicuíba con-
tra a decisão que, em ação de obrigação de fazer, NEGOU SEGUIMENTO a
923
Recurso Extraordinário, pois o V. Acórdão recorrido observou as orientações
estabelecidas pelo E. Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário nº
Jurisprudência - Câmara Especial de Presidentes
566.471/RN (Tema nº 6).
Alega, em síntese, que o V. Acórdão não está totalmente em conformida-
de com o Tema 793, na medida em que não direcionou a responsabilidade pelo
fornecimento dos insumos ao ente público que efetivamente deve custeá-los,
tampouco quanto ao direito de ressarcimento, restringindo-se apenas ao reco-
nhecimento da responsabilidade solidária. Além disso, sustenta haver ofensa a
diversos artigos constitucionais e infraconstitucionais. Requer, ao final, o co-
nhecimento e provimento do presente agravo para anular a decisão agravada
para que outra seja proferida (fls. 1/12).
Não houve oposição ao julgamento virtual, nos termos do artigo 1º da
Resolução nº 549/2011 desta Corte, com a redação dada pela Resolução nº
772/2017.
É O RELATÓRIO.
Anote-se, inicialmente, que o Agravo Interno está sujeito à competência
da Câmara Especial de Presidentes, nos termos do art. 33-A do Regimento Inter-
no do Tribunal de Justiça, incluído pelo Assento Regimental nº 565/2017.
O recurso apenas comportará provimento se o recorrente demonstrar que,
por ausência de similitude fática, a tese firmada no E. Supremo Tribunal Federal
sob a sistemática da repercussão geral não se aplica ao caso concreto (distin-
guishing). Neste sentido, a Rcl nº 28.187/SP, Rel. Min. Alexandre de Moraes,
DJe de 18.12.2017, e a Rcl nº 28.223/SP, Rel. Min. Luiz Fux, DJe de 3.5.2018.
E este não é o caso dos autos.
O Colendo Supremo Tribunal Federal publicou em 28 de novembro de
2024, o acórdão de mérito do Recurso Extraordinário nº 566.471/RN, pro-
cesso-paradigma do Tema nº 6 – Medicamentos – Tratamento – Alto – Custo,
veiculando as seguintes teses:
“1. A ausência de inclusão de medicamento nas listas de dispensação do
Sistema Único de Saúde – SUS (RENAME, RESME, REMUME, entre outras)
impede, como regra geral, o fornecimento do fármaco por decisão judicial,
independentemente do custo.
2. É possível, excepcionalmente, a concessão judicial de medicamento
registrado na ANVISA, mas não incorporado às listas de dispensação do Sis-
tema Único de Saúde, desde que preenchidos, cumulativamente, os seguintes
requisitos, cujo ônus probatório incumbe ao autor da ação:
(a) negativa de fornecimento do medicamento na via administrativa, nos
termos do item ‘4’ do Tema 1.234 da repercussão geral;
(b) ilegalidade do ato de não incorporação do medicamento pela Coni-
tec, ausência de pedido de incorporação ou da mora na sua apreciação, ten-
do em vista os prazos e critérios previstos nos artigos 19-Q e 19-R da Lei nº
924
8.080/1990 e no Decreto nº 7.646/2011;
(c) impossibilidade de substituição por outro medicamento constante das
Jurisprudência - Câmara Especial de Presidentes listas do SUS e dos protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas;
(d) comprovação, à luz da medicina baseada em evidências, da eficácia,
acurácia, efetividade e segurança do fármaco, necessariamente respaldadas
por evidências científicas de alto nível, ou seja, unicamente ensaios clínicos
randomizados e revisão sistemática ou meta-análise;
(e) imprescindibilidade clínica do tratamento, comprovada mediante lau-
do médico fundamentado, descrevendo inclusive qual o tratamento já realizado;
e
(f) incapacidade financeira de arcar com o custeio do medicamento.
3. Sob pena de nulidade da decisão judicial, nos termos do artigo 489, §
1º, incisos V e VI, e artigo 927, inciso III, § 1º, ambos do Código de Processo
Civil, o Poder Judiciário, ao apreciar pedido de concessão de medicamentos
não incorporados, deverá obrigatoriamente:
(a) analisar o ato administrativo comissivo ou omissivo de não incorpo-
ração pela Conitec ou da negativa de fornecimento da via administrativa, à luz
das circunstâncias do caso concreto e da legislação de regência, especialmente
a política pública do SUS, não sendo possível a incursão no mérito do ato ad-
ministrativo;
(b) aferir a presença dos requisitos de dispensação do medicamento, pre-
vistos no item 2, a partir da prévia consulta ao Núcleo de Apoio Técnico do
Poder Judiciário (NATJUS), sempre que disponível na respectiva jurisdição, ou
a entes ou pessoas com expertise técnica na área, não podendo fundamentar a
sua decisão unicamente em prescrição, relatório ou laudo médico juntado aos
autos pelo autor da ação; e
(c) no caso de deferimento judicial do fármaco, oficiar aos órgãos compe-
tentes para avaliarem a possibilidade de sua incorporação no âmbito do SUS”.
Ocorre que mencionado tema não tem repercussão sobre o caso, na medi-
da em esta ação foi ajuizada anteriormente à publicação do acórdão paradigma.
Desta feita, verificado que o V. Acórdão recorrido não se sujeita ao Tema
6 do C. STF e que, mesmo assim, está em conformidade com o entendimento
vigente à época, resta evidente a impossibilidade de se dar prosseguimento ao
recurso extremo.
No que se refere ao Tema 793, a identidade fática e jurídica entre o re-
curso interposto e o paradigma apontado na decisão recorrida é absolutamente
evidente.
Com efeito, apreciados os embargos de declaração opostos em face do
v. acórdão proferido sob o Regime de Repercussão Geral no RE nº 855.178/
SE, Tema nº 793, o E. Supremo Tribunal Federal definiu que os entes da fede-
ração, em decorrência da competência comum, são solidariamente responsáveis
925
nas demandas prestacionais na área da saúde, competindo à autoridade judicial
direcionar o cumprimento conforme as regras de repartição de competências e
Jurisprudência - Câmara Especial de Presidentes
determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro, à vista dos crité-
rios constitucionais de descentralização e hierarquização.
Nesse contexto, verifica-se que o V. Acórdão recorrido está de acordo
com a aludida orientação firmada pelo E. Supremo Tribunal Federal, porque
confirmou a responsabilidade solidária dos entes federativos para prestar aten-
dimento na área da saúde.
A propósito, cabe sublinhar que a ação foi proposta contra o Estado de
São Paulo e o Município de Carapicuíba, ora agravante, não havendo, diante do
teor do Tema 793, que se falar em ilegitimidade passiva, chamamento ao pro-
cesso ou denunciação à lide, bem como direcionar o cumprimento da obrigação
a outro ente federativo, nada impedindo, ademais, ao recorrente buscar eventual
ressarcimento pelos demais meios legais.
Ademais, verifica-se que a referida matéria já foi objeto do agravo inter-
no anteriormente interposto (fls. 491/506), tendo, ao final, decidido a Colenda
Câmara Especial de Presidentes, à unanimidade, pelo não provimento do men-
cionado recurso (fls. 518/523).
A decisão agravada, nestes termos, apenas aplicou a sistemática da reper-
cussão geral, com fundamento no art. 1.030, I, “a”, do CPC.
Ante o exposto, NEGA-SE PROVIMENTO ao agravo interno.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo Interno Cível nº
1005933-59.2014.8.26.0223/50001, da Comarca de Guarujá, sendo agravante
FAZENDA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO e outro e agravada A.
C.S.E.S.
ACORDAM, em sessão permanente e virtual da Câmara Especial de
Presidentes do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão:
“Negaram provimento ao recurso. V.U.”, de conformidade com o voto do rela-
tor, que integra este acórdão. (Voto nº AR-5110-CP)
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FER-
NANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA)
(Presidente), HERALDO DE OLIVEIRA (PRESIDENTE DA SEÇÃO DE DI-
REITO PRIVADO), CAMARGO ARANHA FILHO (PRESIDENTE DA SE-
ÇÃO DE DIREITO CRIMINAL) e BERETTA DA SILVEIRA (VICE-PRESI-
DENTE).
São Paulo, 5 de junho de 2025.
TORRES DE CARVALHO, Relator e Presidente da Seção de Direito Pú-
926
blico
Jurisprudência - Câmara Especial de Presidentes Ementa: – AGRAVO INTERNO – Decisão monocrá-
tica que negou seguimento ao recurso extraordinário.
– O direito, ou não, de gestante, contratada pela Ad-
ministração Pública por prazo determinado ou ocu-
pante de cargo em comissão demissível ad nutum, ao
gozo de licença-maternidade e à estabilidade provi-
sória, desde a confirmação da gravidez até cinco me-
ses após o parto é matéria idêntica àquela examinada
pela Suprema Corte na sistemática dos recursos repe-
titivos nos autos do RE n. 842.844/SC – TEMA 542/
STF.
Nega-se provimento ao recurso.
VOTO
Trata-se de agravo interposto com fundamento no artigo 1.021, do Có-
digo de Processo Civil (fls. 1/8), contra decisão que negou seguimento (CPC,
artigo 1.030, inciso I, b) a recurso extraordinário por reconhecida identidade de
matéria com orientação firmada pela Suprema Corte em julgados sob a técnica
dos recursos seriais, nos autos do RE 842.844/SC.
Alegou a agravante, em síntese, que a servidora, Policial Militar, não teria
direito à licença-gestante por exercer seu trabalho em regime temporário, con-
soante Temas 1114/STF e 551/STF.
É o relatório.
O recurso não comporta provimento.
Em cumprimento ao art. 1.030, Inciso I, b do Código de Processo Civil, a
decisão agravada considerou estar o v. Acórdão da Turma Julgadora convergen-
te ao decidido no RE 842.844/SC (Tema 542/STF), Dje de 06.12.2023, do Col.
Supremo Tribunal Federal, quando se fixou a seguinte tese:
A trabalhadora gestante tem direito ao gozo de licença-maternidade e à estabili-
dade provisória, independentemente do regime jurídico aplicável, se contratual
ou administrativo, ainda que ocupe cargo em comissão ou seja contratada por
tempo determinado.
Não se avista desacerto na decisão ora agravada, eis que o v. Acórdão
da Eg. Turma Julgadora harmoniza-se com o julgamento do RE 842.844/SC
referentes à possibilidade gestante, contratada pela Administração Pública por
prazo determinado ou ocupante de cargo em comissão demissível ad nutum, ao
gozo de licença-maternidade e à estabilidade provisória, desde a confirmação da
gravidez até cinco meses após o parto.
A propósito, vejam-se trechos do v. Acórdão da Col. Turma Julgadora
que demonstram a subsunção da matéria em análise aos temas indicados pelo
927
E. STF – verbis:
Portanto, no vertente caso, depreende-se que a impetrante possui direito
Jurisprudência - Câmara Especial de Presidentes
líquido e certo à concessão da licença gestante, todavia por 120 dias, razão pela
qual, reforma-se a r. sentença para limitar o alcance da ordem concedida.
Consigne-se que tal ordem não implica em direito à reintegração à fun-
ção, ou mesmo extensão indefinida do vínculo com a Administração Pública,
senão à garantia da continuidade do recebimento do auxílio, durante o prazo da
licença-gestante. (Fls. 151)
E, mais adiante:
Ressalte-se que a causa versou sobre manutenção do vínculo de PM
temporária somente e durante a licença-gestante, o que foi resolvido à luz do
que dispõe o art. 7º, inc. XVIII, da Constituição Federal e o art. 10, inc. II, alínea
“b”, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, assegurando o direito
à licença-gestante e à estabilidade provisória, como direitos sociais mínimos da
mãe e sobretudo do recém-nascido. (fls. 226).
Quanto à alegação de que deveriam ser aplicados os Temas 1114/STF e
551/STF, ressalte-se que o Tema 1114/STF estabelece que o trabalho de servi-
dor auxiliar da Polícia Militar não gera vínculo empregatício nem obrigação de
natureza trabalhista, previdenciária ou afim. Já o Tema 551/STF diz respeito
à impossibilidade de concessão dos direitos a décimo terceiro salário e férias
remuneradas acrescidas do terço constitucional aos Servidores temporários. To-
davia, a hipótese dos autos é de requerimento de licença-gestante por servidora
temporária.
Diante da inexistência de erro na subsunção do caso concreto aos leading
cases paradigmas, fica mantida a decisão.
Por derradeiro, sem avistar intuito protelatório no manejo do presente
recurso, deixa-se de infligir à agravante a multa prevista no art. 1.021, § 4º, do
Código de Processo Civil.
Em face de tais razões, nega-se provimento ao agravo interno.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo Interno Cível nº
1006299-41.2018.8.26.0132/50000, da Comarca de Catanduva, em que é agra-
vante UNIMED DE CATANDUVA – COOPERATIVA DE TRABALHO MÉ-
DICO, é agravada B.B.L. (JUSTIÇA GRATUITA).
ACORDAM, em sessão permanente e virtual da Câmara Especial de
Presidentes do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão:
“Negaram provimento ao recurso. V.U.”, de conformidade com o voto do rela-
tor, que integra este acórdão. (Voto nº 71830)
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FER-
928
NANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA)
(Presidente), CAMARGO ARANHA FILHO (PRESIDENTE DA SEÇÃO DE
Jurisprudência - Câmara Especial de Presidentes DIREITO CRIMINAL), BERETTA DA SILVEIRA (VICE-PRESIDENTE) e
TORRES DE CARVALHO (PRESIDENTE DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLI-
CO).
São Paulo, 18 de junho de 2025.
HERALDO DE OLIVEIRA, Relator e Presidente da Seção de Direito
Privado
Ementa: DIREITO DO CONSUMIDOR. AGRAVO
INTERNO EM RECURSO ESPECIAL. PLANO
DE SAÚDE. PACIENTE PÓS-CIRURGIA BARIÁ-
TRICA. DEVER DE COBERTURA DE CIRURGIA
PLÁSTICA REPARADORA OU FUNCIONAL. DE-
CISÃO EM CONSONÂNCIA COM O TEMA 1069
DO E. STJ. DESPROVIMENTO.
I. CASO EM EXAME
1. Agravo Interno contra decisão que negou segui-
mento a Recurso Especial, que versa sobre o dever
de custeio, por parte da operadora de plano de saúde,
de cirurgia plástica após a realização de cirurgia ba-
riátrica.
II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO
2. Aplicação do regime de recursos repetitivos ao caso
concreto.
III. RAZÃO DE DECIDIR
3. Ao julgar o tema 1069, o E. STJ assim decidiu: “(i) é
de cobertura obrigatória pelos planos de saúde a cirur-
gia plástica de caráter reparador ou funcional indicada
pelo médico assistente, em paciente pós-cirurgia bariá-
trica, visto ser parte decorrente do tratamento da obe-
sidade mórbida, e, (ii) havendo dúvidas justificadas e
razoáveis quanto ao caráter eminentemente estético da
cirurgia plástica indicada ao paciente pós-cirurgia ba-
riátrica, a operadora de plano de saúde pode se utilizar
do procedimento da junta médica, formada para dirimir
a divergência técnico-assistencial, desde que arque com
os honorários dos respectivos profissionais e sem pre-
juízo do exercício do direito de ação pelo beneficiário,
em caso de parecer desfavorável à indicação clínica do
médico assistente, ao qual não se vincula o julgador”.
929
4. Acórdão em consonância com o entendimento fir-
mado sob o regime dos recursos repetitivos, ao decidir
Jurisprudência - Câmara Especial de Presidentes
a matéria acerca da responsabilidade da operadora
pelo custeio da cirurgia plástica, ante as peculiarida-
des do caso concreto.
5. Agravo que não trouxe elementos aptos à reforma
da decisão.
IV. DISPOSITIVO
6. Agravo Interno a que se nega provimento.
VOTO
Trata-se de Agravo Interno Cível interposto por Unimed de Catanduva –
Cooperativa de Trabalho Médico contra decisão que, em demanda cominatória
cumulada com pedido indenizatório, NEGOU SEGUIMENTO o Recurso Es-
pecial, pois o V. Acórdão recorrido observou a orientação estabelecida no E. Su-
perior Tribunal de Justiça nos Recursos Especiais nos 1.870.834/SP e 1.872.321/
SP, julgados sob o regime dos recursos repetitivos. Alega violação aos arts. 10 e
35 da Lei nº 9.656/98 e ao art. 17 da RN nº 465/21 da ANS, pois os procedimen-
tos pleiteados não constam no Rol de Cobertura obrigatória e possuem natureza
meramente estética, expressamente excluída pelas referidas normas. Sustenta
que a demanda foi julgada com base exclusiva em prescrição médica unilateral,
sem realização de perícia técnica ou observância ao contraditório, em afronta ao
art. 355, I, do CPC e ao princípio da ampla defesa. Destaca que, conforme en-
tendimento do E. STJ, apenas procedimentos com finalidade reparadora e fun-
cional devem ser custeados, sendo imprescindível a perícia médica para aferição
do caráter do procedimento e da consequente obrigação da operadora.
É O RELATÓRIO.
Anote-se, inicialmente, que o Agravo Interno está sujeito à competência
da Câmara Especial de Presidentes, nos termos do art. 33-A do Regimento Inter-
no do Tribunal de Justiça, incluído pelo Assento Regimental nº 565/2017.
O recurso apenas comportará provimento se o recorrente demonstrar que,
por ausência de similitude fática, a tese firmada no E. Superior Tribunal de Jus-
tiça sob o regime dos recursos repetitivos não se aplica ao caso concreto (dis-
tinguishing). Neste sentido, o REsp nº 1.885.384/RJ, Rel. Min. Paulo de Tarso
Sanseverino, Terceira Turma, DJe de 24.5.2021, e o AgInt no RE no AgRg
nos EREsp nº 1.039.364/ES, Rel. Min. Laurita Vaz, Corte Especial, DJe de
6.2.2018.
E este não é o caso dos autos.
A identidade fática e jurídica entre o V. Acórdão objeto do inconformismo
especial e os paradigmas apontados na decisão recorrida é evidente.
Com efeito, julgados os Recursos Especiais nos 1.870.834/SP e 1.872.321/
930
SP (tema 1069), sob o regime dos recursos repetitivos, o E. Superior Tribunal
de Justiça decidiu que “(i) é de cobertura obrigatória pelos planos de saúde
Jurisprudência - Câmara Especial de Presidentes a cirurgia plástica de caráter reparador ou funcional indicada pelo médico
assistente, em paciente pós-cirurgia bariátrica, visto ser parte decorrente do
tratamento da obesidade mórbida; e (ii) havendo dúvidas justificadas e razoá-
veis quanto ao caráter eminentemente estético da cirurgia plástica indicada
ao paciente pós-cirurgia bariátrica, a operadora de plano de saúde pode se
utilizar do procedimento da junta médica, formada para dirimir a divergência
técnico-assistencial, desde que arque com os honorários dos respectivos profis-
sionais e sem prejuízo do exercício do direito de ação pelo beneficiário, em caso
de parecer desfavorável à indicação clínica do médico assistente, ao qual não
se vincula o julgador”. Confira-se a fls. 466/468.
Neste contexto, o V. Acórdão recorrido (fls. 391/398) encontra-se em per-
feita sintonia com a orientação superior, ao concluir pela obrigatoriedade da
cobertura da cirurgia pós-bariátrica em questão.
Confira-se trecho do V. Acórdão: “Assentada tal premissa, agiu correta-
mente o Magistrado a quo ao condenar a ré-apelante a oferecer cobertura para
os procedimentos cirúrgicos prescritos à apelada, que não têm natureza estéti-
ca, ao contrário, representam a continuidade do tratamento de emagrecimento
iniciado pela paciente com a realização da cirurgia bariátrica. Tal assertiva
foi comprovada pela prova documental que instrui a demanda, especialmente o
relatório médico (fl. 77). Portanto, inexiste dúvida justificada e razoável sobre
o caráter das cirurgias, de modo que desnecessária a instauração de junta mé-
dica ou a realização de prova pericial, medidas estas que só retardariam ainda
mais o desfecho da demanda (que ficou paralisada, devido à suspensão deter-
minada pela Eg. Corte Superior, por mais de dois anos e meio). Irrelevante,
ademais, o fato de os procedimentos não estarem no rol da ANS, pois a Lei nº
14.454/2022 modificou o artigo 10, § 13, da Lei nº 9.656/98, para fim de admi-
tir a cobertura de tratamentos e procedimentos com comprovação científica de
eficácia não inseridos no rol da ANS. A eficácia científica dos procedimentos é
incontroversa, pois sequer impugnada pela requerida. É de rigor, portanto, a
cobertura das cirurgias, nos termos da r. sentença (fls. 394/395).
Indiscutível, pois, a aplicação do regime dos recursos repetitivos.
De resto, as razões do recurso envolvendo a violação aos arts. 10 e 35
da Lei nº 9.656/98; art. 17 da RN nº 465/21 da ANS e 355, I, do CPC, quanto
à taxatividade do rol da ANS e à finalidade dos procedimentos pleiteados bus-
cam a prevalência de tese já rejeitada no julgamento do paradigma repetitivo
supramencionado, cabendo à D. Turma Julgadora a análise final deste aspecto.
Nesse sentido: “Quanto à fundamentação relativa à negativa de prestação ju-
risdicional, do agravo igualmente não se pode conhecer, por ficar prejudicado.
Isso porque a referida inadmissão é relativa ao exame de elementos sobre a
931
correta aplicação do precedente firmado, notadamente sobre a compatibilidade
de rito, cuja pretensão recursal de reforma não pode ser apreciada.” (AREsp
Jurisprudência - Câmara Especial de Presidentes
nº 2043258/MG, Rel. Min. Raul Araújo, DJe de 31.3.2022, g.n.). No mesmo
sentido: AgInt no AREsp nº 1929387/SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze,
Terceira Turma, DJe de 17.8.2022; AgInt no AREsp nº 2036404/SP, Rel. Min.
Raul Araújo, Quarta Turma, DJe de 8.6.2022; AgInt no AREsp nº 1932969/PR,
Rel. Min. 1.932.969/PR, Quarta Turma, DJe de 26.5.2022; AgInt no AREsp nº
2008628/ES, Rel. Min. Marco Buzzi, Quarta Turma, DJe de 13.5.2022; AgInt
nos EDcl no AREsp nº 1926303/DF, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Tur-
ma, DJe de 9.12.2021; e AgInt no AREsp nº 1717595/BA, Rel. Min. Ricardo
Villas Boas Cueva, Terceira Turma, DJe de 18.12.2020.
Ante o exposto, NEGA-SE PROVIMENTO ao agravo.
932
CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA
ACÓRDÃO
Jurisprudência - CSM
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1019042-71.2024.8.26.0068, da Comarca de Barueri, em que é apelante E.J.S.L., é apela-
do OFICIAL DO REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE
BARUERI.
ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Jus-
tiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento ao recurso de
apelação para julgar a dúvida improcedente, v.u.”, de conformidade com o voto
do Relator, que integra este acórdão. (Voto nº 43.781)
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FER-
NANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA)
(Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE-PRESIDENTE), XAVIER DE
AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO (PRESIDENTE DA SE-
ÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRESIDENTE
DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) e CAMARGO ARANHA FILHO (PRE-
SIDENTE DA SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).
São Paulo, 5 de maio de 2025.
FRANCISCO LOUREIRO, Corregedor Geral da Justiça e Relator
Ementa: DIREITO REGISTRAL. APELAÇÃO.
REGISTRO DE IMÓVEIS. PARTILHA EXTRAÍ-
DA DE INVENTÁRIO EXTRAJUDICIAL QUE
TRANSMITE O IMÓVEL APENAS AO HERDEI-
RO, EXCLUINDO A EX-ESPOSA, COM A QUAL
ERA CASADO SOB REGIME DE COMUNHÃO
UNIVERSAL DE BENS PORQUE DELA SEPARA-
DO DE FATO AO TEMPO DO ÓBITO DA AUTORA
DA HERANÇA. PROCEDÊNCIA DA DÚVIDA QUE
NÃO PREVALECE. RECURSO PROVIDO.
I. Caso em Exame
1. Apelação interposta para afastar a exigência ao re-
gistro de escritura pública de inventário extrajudicial
no fólio real. Alegação de que o bem imóvel herdado
pelo requerente não se comunicou à ex-esposa porque
já separados de fato quando do falecimento da autora
da herança, como reconhecido em juízo.
II. Questão em Discussão
933
2. A questão em discussão consiste em determinar se
o imóvel adquirido por apenas um dos cônjuges, após
a separação de fato do casal, deve ser comunicado ao
outro cônjuge, e se o acordo homologado em juízo na
ação de divórcio quanto à não comunicabilidade deve
Jurisprudência - CSM
ser considerada para afastar o óbice registrário.
3. Também se discute se a qualificação do herdeiro
como divorciado por ocasião da lavratura da escritu-
ra pública de inventário extrajudicial deve prevalecer.
III. Razões de Decidir
4. A separação de fato do herdeiro foi reconhecida em
acordo homologado judicialmente na ação de divór-
cio, estabelecendo a incomunicabilidade dos bens ad-
quiridos por sucessão, de modo a não subsistir o óbice
registrário.
5. A qualificação do herdeiro como divorciado está
condizente com a realidade no momento da lavratura
da escritura de inventário extrajudicial.
IV. Dispositivo e Tese
5. Recurso provido.
Tese de julgamento: 1. Reconhecido judicialmente,
em ação de divórcio, que o casal estava separado de
fato ao tempo da abertura da sucessão da genitora do
cônjuge varão e havendo concordância da ex-cônjuge
quanto à não comunicação do bem imóvel a seu patri-
mônio, o título deve ingressar no fólio real, afastada a
exigência. 2. A qualificação do herdeiro como divor-
ciado ao tempo da lavratura da escritura pública de
inventário e partilha corresponde à realidade existen-
te à época.
Legislação Citada:
Código Civil, art. 1.784.
Jurisprudência Citada:
Parecer nº 119/2024-E, Recurso Administrativo nº
1007613-07.2023.8.26.0048, aprovado em 28/02/2024.
VOTO
Trata-se de recurso de apelação (fls. 471/482) interposto por E.J.S.L. con-
tra a r. sentença (fls. 465/466) proferida pela MMª Juíza Corregedora Permanen-
te do Oficial de Registro de Imóveis Títulos e Documentos e Civil de Pessoas
Jurídicas da Comarca de Barueri/SP, que julgou procedente a dúvida suscitada e
934
manteve o óbice registrário ao ingresso, no fólio real, do formal de partilha dos
bens deixados pelo falecimento de M.C.J.L.
Nas razões de recurso, o apelante insiste no registro do formal de partilha
para a transferência do imóvel de matrícula nº (...) do Oficial de Registro de
Imóveis de Barueri para seu nome, alegando que, por ocasião da abertura da
Jurisprudência - CSM
sucessão de sua genitora, já estava separado de fato de sua ex-mulher, como
reconhecido pelo ex-casal em acordo judicialmente homologado.
Requer, portanto, seja julgada a dúvida improcedente, determinando-se,
em consequência, o imediato registro da escritura pública de inventário extraju-
dicial do Espólio de M.C.J.L., Livro (...), fls. (...), na matrícula nº (...).
A Douta Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso
(fls. 544/546).
É o relatório.
No caso concreto, o título cujo registro se pretende é a escritura públi-
ca de inventário e partilha do Espólio de M.C.J.L., de fls. 32/39, lavrada pelo
Tabelião de Notas de Itaquaquecetuba/SP em 23/04/2024, referente à partilha
dos bens deixados pela de cujus, em especial do imóvel de matrícula nº (...) do
Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Barueri /SP.
Apresentado a registro (fls. 13/18), o título foi objeto de prenotação, sob o
nº (...) (fl. 09/11) em 12/07/2024 e, por fim, foi qualificado de maneira negativa.
O Oficial emitiu, então, a Nota Devolutiva de fls. 29/30, em 26/07/2024,
nos seguintes termos:
“Da escritura acima solicitada (de Inventário e Partilha dos bens dei-
xados pelo falecimento de M.C.J.L.), verifica-se que o herdeiro E.J.S.L.
consta qualificado com o estado civil de divorciado. No entanto diante
da sua certidão de casamento, consta ter este contraído matrimônio aos
07/10/2017, sob o regime da comunhão universal de bens, com A.G.P.J.,
os quais se divorciaram por sentença proferida aos 21/07/2023 (poste-
riormente ao falecimento de sua mãe). Para atendimento ao princípio
da saisine (art. 1.784 do Código Civil Brasileiro vigente), os herdeiros
constarão do registro da partilha com o estado civil que possuíam à
época da abertura da sucessão, sendo que as alterações em seu estado
civil serão averbadas na sequência do registro da partilha.” (fls. 02/03,
g.N.)
Em 30/07/2024, o título foi reapresentado, com pedido de que o estado
civil do herdeiro supracitado constasse, então, como “separado de fato”, rei-
terando o pedido de registro. Subsidiariamente, foi requerida a suscitação da
dúvida (fls. 13/18).
Sob o entendimento de que as exigências persistiam – mesmo porque o
estado civil de “separado de fato” não existe – o Oficial manteve o óbice e sus-
citou a Dúvida (fls. 01/06).
935
O ora recorrente, por sua vez, ofertou a impugnação de fls. 419/425 rei-
terando suas razões.
Após, veio a manifestação do Oficial, em que ratificou seu entendimento
de que impossível o registro da partilha nos termos apresentados, porque “sepa-
ração de fato” não é estado civil e porque necessária a anuência da ex-cônjuge
Jurisprudência - CSM
do ora recorrente, A.G., “declarando que a proporção do imóvel adquirida em
razão da sucessão não importa em comunicabilidade com a mesma, tratando-se
de bem particular (visto que ainda possuíam o estado civil de casados, sob o
regime da comunhão universal de bens, vindo a se divorciarem posteriormente),
ou, o que poderia ser suprido pela apresentação de ordem judicial específica,
que reconheça por afastar a comunicabilidade do referido bem, o que não foi
procedido” (fls. 458/459).
O Ministério Público também se manifestou (fls. 462/463) e a r. sentença
de fls. 465/466, então, julgou procedente a Dúvida.
O apelante alega, em síntese, que as exigências devem ser afastadas por-
que: (i) embora tenha se casado em 07/10/2017 com A.G.P., sob o regime da
comunhão universal de bens, ocorreu a separação de fato do casal em 13 de
novembro de 2022; (ii) sua genitora faleceu em 22/04/2023 e deixou, entre ou-
tros, um bem imóvel de matrícula nº (...) no Registro de Imóveis de Barueri
a partilhar; (iii) sua ex-esposa renunciou aos direitos sucessórios que possuía,
em razão do regime de bens adotado no casamento e por conta do falecimento
da genitora do recorrente, em termo de acordo juntado nos autos do Divórcio,
que, posteriormente, foi homologado por sentença em 26/01/2024; (iv) não há
nenhum prejuízo quanto à qualificação do apelante como “divorciado” na escri-
tura de inventário dos bens deixados por sua genitora, eis que não envolve mais
nenhum bem em comum dos ex-cônjuges, apenas seus direitos sucessórios; (v)
a separação de fato do casal constou, inclusive, na escritura de partilha (fl. 33);
(vi) caso assinasse o documento com a informação de que era casado na data da
lavratura da escritura de inventário extrajudicial, estaria cometendo o crime de
falsidade Ideológica, previsto no artigo 299 do Código Penal; (vii) a negativa
de registro da escritura de inventário e partilha dos bens deixados por sua ge-
nitora não encontra respaldo legal nem mesmo na jurisprudência atual aplicada
(fls. 471/482). Pede a reforma integral da r. sentença para que seja registrada a
escritura apresentada.
O recurso comporta provimento.
A sentença que decretou o divórcio do apelante e de A.G.P.J. (fls. 502/503)
foi expressa ao estabelecer que o divórcio seria regido pelas “cláusulas e condi-
ções fixadas no acordo de fls. 218/221”.
Por sua vez, o termo de acordo mencionado na r. sentença contém expres-
so reconhecimento dos ex-cônjuges de que a separação de fato do casal ocorreu
em 13/11/2022, dia em que E.J.S.L., ora apelante, foi afastado do lar, assim
936
como há expresso reconhecimento da cônjuge de “não possuir direitos suces-
sórios decorrentes do falecimento da Sra. M.C.J.L. (ex-sogra da requerente,
genitora de E.), ocorrido no dia 22 de abril de 2023”. Tendo ela, inclusive, se
comprometido a assinar, se necessário, Termo de Renúncia da Herança.
Analisando-se a redação da sentença lançada na ação de divórcio, à luz do
Jurisprudência - CSM
acordo firmado pelas partes, fica claro que a data de 13/11/2022 foi fixada como
termo inicial para a incomunicabilidade do bem adquirido por sucessão, eis que,
embora ainda formalmente casados quando a genitora do ora recorrente faleceu,
já estavam separados de fato.
Não foi por outra razão que na escritura do inventário dos bens deixados
pelo falecimento da genitora do ora recorrente constou a seguinte observação
junto à sua qualificação:
“À época do óbito era casado com A.G.P.J., sob o regime da comunhão
universal de bens, porém estava separado de fato da mesma conforme
adiante mencionado.” (fl. 33)
A fl. 36 também constou:
“...k) – pelo herdeiro E.J.S.L., foi declarado e comprovado que se encon-
trava separado de fato de A.G.P., desde 13 de novembro de 2022, confor-
me consta da sentença proferida em 21 de julho de 2023, transitada em
julgado, processo nº (...), do Juízo de Direito da Segunda Vara de Família
e Sucessões da Comarca de Barueri; ...”
Então, embora o divórcio das partes tenha sido homologado somente em
julho de 2023, quando a genitora do ora recorrente faleceu (em abril de 2023),
o casal já estava separado de fato, o que foi expressamente reconhecido pela
ex-cônjuge do ora recorrente em novembro de 2023, conforme o acordo de fls.
433/436.
E mais, do termo de acordo constou também o reconhecimento de A. em
relação ao afastamento de seus direitos sucessórios quanto aos bens a ser inven-
tariados pelo falecimento da genitora de seu ex-cônjuge.
Revelada, pois, a ausência de litigiosidade das partes com relação à não
comunicação do bem havido por sucessão de um dos cônjuges ao outro, a exi-
gência não se sustenta.
Nesse sentido, destaca-se trecho do parecer nº 119/2024-E, de autoria da
MMª Juíza Assessora da Corregedoria, Maria Isabel Romero Rodrigues Henri-
ques, nos autos do Recurso Administrativo nº 1007613-07.2023.8.26.0048, por
mim aprovado em 28/02/2024:
“A conclusão no sentido de que a titularidade do imóvel é de ser atri-
buída exclusivamente à autora pode ser extraída da leitura do trecho
da sentença disciplinando a partilha dos bens, fundada na mera inter-
pretação lógica ou sistemática da cláusula, ainda no limite da legalida-
de. Neste ponto, a redação da sentença, ao estabelecer uma espécie de
937
‘segunda cláusula’ (prevendo que os bens ‘adquiridos apenas pelo réu,
no qual conste apenas a qualificação dele como casado com a autora,
ficarão excluídos da partilha’) apenas exemplificou a lógica estabelecida
na cláusula geral, sem contraria-la ou modifica-la, no sentido de que
os bens adquiridos após o termo inicial de 1990 seriam de titularidade
Jurisprudência - CSM
exclusiva do cônjuge adquirente, ainda que qualificado como casado sob
o regime da comunhão universal, pois a separação de fato do casal já
era uma realidade desde o ano de 1990 e o divórcio foi decretado muito
tempo após a separação de fato. Não se trata de aplicação de analogia,
tampouco de interpretação extensiva pelo Registrador. Ainda que não
utilizando expressamente tal nomenclatura, a sentença de divórcio esta-
beleceu a exclusividade da titularidade dos bens adquiridos por apenas
um dos cônjuges após março de 1990, excluindo-os da partilha, revelan-
do inexistir litigiosidade a respeito da incomunicabilidade, em razão da
coisa julgada já operada.”
Por fim, a qualificação do ora recorrente aposta na escritura de inventário
e partilha de fls. 32/39, lavrada em 23/04/2024, só poderia ser mesmo como “di-
vorciado” como, de fato, constou, já que, naquela data, era este seu estado civil.
Deste modo, é caso de afastar as exigências mencionadas, a fim de que o
título ingresse no fólio real, como postulado.
Ante o exposto, pelo meu voto, DOU PROVIMENTO ao recurso de
apelação para julgar a dúvida improcedente.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1001782-45.2025.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que é apelante FACAM IMÓ-
VEIS S/A, são apelados JORGE ANOVICH e 3º OFICIAL DE REGISTRO DE
IMÓVEIS DA COMARCA DA CAPITAL.
ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Jus-
tiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento à apelação
e, portanto, determinaram ao Oficial a extinção do processo e o cancelamento da
correspondente prenotação, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que
integra este acórdão. (Voto nº 43.772)
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FER-
NANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA)
(Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE-PRESIDENTE), XAVIER DE
AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO (PRESIDENTE DA SE-
ÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRESIDENTE
DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) e CAMARGO ARANHA FILHO (PRE-
938
SIDENTE DA SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).
São Paulo, 5 de maio de 2025.
FRANCISCO LOUREIRO, Corregedor Geral da Justiça e Relator
Ementa: DIREITO CIVIL – COMPROMISSO DE
Jurisprudência - CSM
VENDA E COMPRA – NEGADO SEGUIMENTO
À ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA REQUERIDA
NA VIA EXTRAJUDICIAL – ACOLHIMENTO DA
IMPUGNAÇÃO OPOSTA PELO PROPRIETÁRIO
– APELO DESPROVIDO.
I. Caso em Exame. 1. Apelação interposta contra sen-
tença que manteve a recusa do Oficial em dar regular
seguimento ao processo de adjudicação compulsória
extrajudicial. 2. A apelante, promitente compradora
do imóvel, alega que a impugnação do proprietário,
promitente vendedor, não se sustenta e tem natureza
protelatória; pede, assim, sua rejeição.
II. Questão em Discussão. 3. A controvérsia diz res-
peito à eficácia inibitória da impugnação, de sua força
para obstar o prosseguimento do processo de adjudi-
cação compulsória extrajudicial.
III. Razões de Decidir. 4. A impugnação oposta, ver-
sando sobre a validade do negócio jurídico, repor-
tando-se então a defeitos de consentimento, a vícios
congênitos do contrato, a ilicitudes ocultadas pelo
compromisso de venda e compra, qualifica-se como
fundada, é, nessa senda, obstativa da via extrajudi-
cial; remete o dissenso às vias ordinárias; a controvér-
sia, assim, deve ser solucionada por meio de processo
contencioso.
IV. Dispositivo. 5. Recurso desprovido.
Tese de julgamento: 1. A impugnação fundada impede
o seguimento do processo de adjudicação compulsó-
ria extrajudicial. 2. Questões de mérito da impugna-
ção devem ser resolvidas na via judicial, em processo
contencioso.
Legislação citada: Lei nº 6.015/73, art. 216-B, caput
e § 1.º, IV; Provimento n.º 149/2023 da Corregedoria
Nacional de Justiça, arts. 440 AB; NSCGJ, t. II, item
471 do Cap. XX.
Jurisprudência citada: CSM/SP, Apelação Cível n.º
939
1179578-57.2024.8.26.0100, rel. Des. Francisco Lou-
reiro, j. 10.4.2025.
VOTO
A interessada/recorrente, Facam Imóveis S/A, requereu, na posição de
Jurisprudência - CSM
promitente compradora, fazendo alusão à plena satisfação do preço ajustado
e instruindo o seu pedido com os documentos pertinentes, a adjudicação com-
pulsória extrajudicial do bem imóvel matriculado sob o n.º 52.357 do 3.º RI
desta Capital (fls. 6-10), pedido, contudo, impugnado pelo proprietário Jorge
Anoviche.
De acordo com a impugnação, o proprietário, promitente vendedor, foi
enganado, o contrato mascara empréstimo com cobrança de juros exorbitantes
(a prática de agiotagem), o bem imóvel jamais esteve à venda, a anuência de sua
esposa não foi obtida, o preço corresponde a 1/3 do valor de mercado da coisa
e nenhum pagamento recebeu, aliás, os desembolsos foram realizados em favor
de terceiras pessoas (fls. 81-85).
Frustrada a conciliação, a impugnação foi acolhida pelo Oficial, porque
controvertida a validade da promessa de compra e venda (fls. 104).
A interessada/recorrente não se conformou (fls. 107-115), por isso a ques-
tão foi submetida ao MM Juízo Corregedor Permanente, que, por meio da r.
sentença de fls. 123-126, confirmou a decisão do Oficial, o acolhimento da im-
pugnação e, assim, negou seguimento ao processo de adjudicação compulsória
extrajudicial.
Irresignada, a interessada apelou. Em suas razões de fls. 133-144, argu-
mentou: os fatos alegados não estão comprovados; o negócio jurídico é válido,
o instrumento contratual foi subscrito pelo impugnante, assistido por advogada,
e os pagamentos foram efetivados; nada indica a invalidade e a ilicitude agita-
das; o impugnante sequer desistiu do contrato dentro do prazo de noventa dias,
restituindo os pagamentos recebidos; o preço é compatível com o valor venal
do imóvel; a condição de casado do impugnante não consta da matrícula do
imóvel; em suma, a impugnação é protelatória, logo, o processo de adjudicação
compulsória extrajudicial deve ter prosseguimento.
O impugnante, ao apresentar suas contrarrazões, afirmou existir confli-
to substancial de interesses, alegou a indispensabilidade da via contenciosa, a
necessidade de garantir o contraditório e a ampla defesa e que a impugnação
está devidamente fundamentada, não podendo, assim, ser afastada de plano, em
suma, aguarda o desprovimento do recurso (fls. 150/155).
A d. Procuradoria Geral de Justiça, em seu parecer de fls. 174-176, mani-
festou-se pelo não provimento da apelação.
É o relatório.
A interessada, ora recorrente, a promitente compradora Facam Imóveis
940
S/A, requereu, na via extrajudicial, com fundamento no art. 216-B da Lei n.º
6.015/1973, e nos arts. 440-A e seguintes do Provimento n.º 149/2023 da Cor-
regedoria Nacional de Justiça, exibindo os documentos exigidos, a adjudicação
compulsória do imóvel matriculado sob o n.º 52.357 do 3.º RI desta Capital (fls.
6-10), prometido-lhe à venda por Jorge Anovich (fls. 21-27), proprietário (fls.
Jurisprudência - CSM
58-63), que, entretanto, impugnou o pedido.
Em sua impugnação, o proprietário, promitente vendedor, questionou a
higidez de sua declaração negocial, a regularidade de sua formação, a integrida-
de de sua vontade, arguindo erro e lesão, defeito de consentimento, vício congê-
nito; levantou, ainda, embora não textualmente, a ocorrência de simulação obje-
tiva, a prática disfarçada de agiotagem, o encobrimento de negócio jurídico com
conteúdo ilícito, então sob a capa de promessa de venda e compra, negócio com
causa ilícita, por esconder aí juros exorbitantes, prática de usura, e pacto co-
missório (o bem imóvel seria a garantia do cumprimento de mútuo feneratício).
Ou seja, o proprietário, promitente vendedor, impugna, de forma articula-
da e fundamentada, a validade do contrato.
Dentro desse contexto, o acolhimento da impugnação era, e é, inarredá-
vel. As questões suscitadas pelo impugnante, proprietário do imóvel, não com-
portam resolução na seara administrativa, exigem solução na via jurisdicional,
por meio de processo contencioso, daí a remessa do dissenso às vias ordinárias.
Enfim, o processo extrajudicial instaurado por iniciativa da promitente vende-
dora, interessada/recorrente, foi oportuna e corretamente travado. Ao negar se-
guimento ao processamento do pedido, o Oficial (primeiro) e o Juízo Correge-
dor Permanente (depois) acertaram.
A impugnação é fundada, detalha as razões da oposição manifestada, não
trata de matéria estranha à adjudicação compulsória, é relacionada ao dever de
outorga da escritura de venda e compra, logo, ao cumprimento de obrigação re-
sultante do compromisso de venda e compra, à prestação exigida pela promiten-
te compradora, enfim, não se reveste de caráter protelatório, não se subsume a
qualquer uma das situações tratadas no art. 440-AB do Provimento n.º 149/2023
da Corregedoria Nacional de Justiça.
In casu, a r. sentença atacada encontra amparo normativo no item 471 do
Cap. XX das NSCGJ, t. II, de acordo com o qual o pedido de adjudicação com-
pulsória será indeferido, caso fundada a impugnação.
Não é dado ao Oficial de Registro nem mesmo, no âmbito de processo ad-
ministrativo, ao MM Juízo Corregedor Permanente, apreciar o mérito da impug-
nação, in concreto, então, valorar e decidir a respeito da controvertida validade
da promessa de venda e compra. Nesta seara, de fato, cabe-lhes apenas analisar
se o alegado goza de mínimo fundamento. Por conseguinte, não se justifica,
aqui, a pretendida reforma da r. sentença de fls. 123-126.
Nesse sentido, é sintomática a regra do art. 216-B, § 1.º, IV, da Lei n.º
941
6.015/1973, listando, entre os documentos indispensáveis ao requerimento de
adjudicação compulsória extrajudicial, as “certidões dos distribuidores forenses
da comarca da situação do imóvel e do domicílio do requerente que demonstrem
a inexistência de litígio envolvendo o contrato de promessa de compra e venda
do imóvel objeto da adjudicação”.
Jurisprudência - CSM
Ora, se a existência de disputa judicial sobre a promessa de venda e com-
pra impede a adjudicação compulsória extrajudicial, é evidente que a impug-
nação apresentada pelo proprietário do bem também é impeditiva da utilização
da via administrativa, é determinante da extinção do processo extrajudicial ins-
taurado com vistas à adjudicação compulsória. Nessa linha, aliás, recentemen-
te deliberou este C. Conselho Superior da Magistratura, na Apelação Cível n.º
1179578-57.2024.8.26.0100, de minha relatoria, j. 10.4.2025.
Em arremate, calha ressalvar, a r. sentença questionada, ao contrário do
alegado pela interessada/recorrente, não analisou o mérito da impugnação, a
validade do negócio jurídico, quer dizer, não avançou sobre a controvérsia a ser
decidida em processo contencioso. A propósito, em seu trecho final, destaca que
a discussão suscitada pelo impugnante “deve ser dirimida na via ordinária com
contraditório e ampla defesa ...” (fls. 126).
Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento à apelação e, portanto,
determino ao Oficial a extinção do processo e o cancelamento da correspon-
dente prenotação.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1001678-39.2024.8.26.0019, da Comarca de Americana, em que é apelante VILLAGIO
020102 EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS SPE LTDA, é apelado OFI-
CIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE AME-
RICANA.
ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de
Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento à apela-
ção para julgar improcedente a dúvida, determinando o registro da escritura de
venda e compra de fls. 16/21 na matrícula nº 102.984 do Registro de Imóveis
de Americana, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este
acórdão. (Voto nº 43.786)
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FER-
NANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA)
(Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE-PRESIDENTE), XAVIER DE
AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO (PRESIDENTE DA SE-
ÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRESIDENTE
942
DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) e CAMARGO ARANHA FILHO (PRE-
SIDENTE DA SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).
São Paulo, 23 de maio de 2025.
FRANCISCO LOUREIRO, Corregedor Geral da Justiça e Relator
Jurisprudência - CSM
Ementa: DIREITO REGISTRAL. APELAÇÃO. RE-
GISTRO DE IMÓVEIS. RECURSO PROVIDO.
I. Caso em Exame
1. Apelação interposta contra sentença que manteve
o óbice ao registro de escritura pública de compra e
venda, devido a indisponibilidades em nome de ter-
ceiros.
II. Questão em Discussão
2. A questão em discussão consiste em determinar se
as indisponibilidades em nome de terceiros impedem
o registro da escritura pública de compra e venda.
III. Razões de Decidir
3. As indisponibilidades não afetam a legitimidade da
vendedora para dispor do imóvel, pois não lhe dizem
respeito nem estavam averbadas na matrícula.
4. As ordens de indisponibilidade são supervenientes
à cessão contratual intermediária realizada em 2016,
não afetando a aptidão registral do título aquisitivo.
IV. Dispositivo e Tese
5. Recurso provido.
Tese de julgamento: 1. As indisponibilidades superve-
nientes à cessão de direitos não impedem o registro da
escritura pública de compra e venda. 2. A exigência
de cancelamento das indisponibilidades para registro
deve ser afastada.
Jurisprudência Citada:
– Apelação nº 0043598-78.2012.8.26.0100, rel. Des.
Renato Nalini, j. 26.9.2013.
VOTO
Trata-se de apelação interposta por Villagio 020102 Empreendimentos
Imobiliários SPE Ltda. contra a r. sentença de fls. 66/69, proferida pela MM.
Juíza Corregedora Permanente do Registro de Imóveis de Americana, que, em
suscitação de dúvida, manteve o óbice ao registro de escritura pública de com-
pra e venda na matrícula nº 102.984 daquela serventia.
Defende a recorrente, em síntese, que as indisponibilidades em nome de
943
Renato de Caroli e Eliana Aparecida Botasso de Caroli, terceiros em relação
à compra e venda, não obstam o registro da escritura pública correspondente.
Pede, ao final, a reforma da sentença de primeiro grau, julgando-se a dúvida
improcedente (fls. 75/88).
A Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls.
Jurisprudência - CSM
126/128).
É o relatório.
Caso idêntico, também de Americana, envolvendo a mesma parte e re-
lativo a imóvel cujo número de matrícula antecede imediatamente a matrícu-
la do bem ora analisado (matrículas nºs 102.983 e 102.984), foi julgado por
este Conselho Superior da Magistratura em 10 de outubro de 2024 (autos nº
1001677-54.2024.8.26.0019). Em votação unânime, decidiu-se que, não obs-
tante as indisponibilidades, o registro da escritura era possível, precedente que
será observado no julgamento do presente feito.
O dissenso versa a respeito da registrabilidade da escritura pública de
venda e compra de fls. 16/21, lavrada no dia 6 de outubro de 2023, contrato
ajustado entre a proprietária tabular, a vendedora Anagro Agropecuária Ltda, e a
suscitada/recorrente, então adquirente do bem imóvel identificado na matrícula
n.º 102.984 do RI de Americana.
O Oficial, ao suscitar a dúvida, condicionou o registro ao cancelamento
das indisponibilidades em nome de Renato de Caroli e Eliana Aparecida Botas-
so de Caroli (fls. 1/5), ambos indicados, na escritura, ao lado de outros terceiros,
como cedentes de direitos.
As indisponibilidades arroladas pelo Oficial não atingem a situação jurí-
dica da vendedora, pessoa em nome de quem registrado o imóvel, quer dizer,
não afetam sua legitimidade para dele dispor; sob outro prisma, em atenção ao
histórico negocial detalhado no título, inexistiam ao tempo da cessão de direi-
tos concluída pelos cedentes Renato de Caroli e Eliana Aparecida Botasso de
Caroli.
Considerada a realidade tabular, enfim, as condições registrais vigentes
por ocasião da prenotação, as ordens judiciais de indisponibilidade, não averba-
das na matrícula nº 102.984 do RI de Americana, estranhas à proprietária tabu-
lar, não obstam a inscrição constitutiva pretendida, que está em conformidade
com o princípio do trato sucessivo e a disponibilidade registral (tabular).
O registro requerido tem respaldo na titularidade de direito inscrita na
matrícula, preservando a integridade da cadeia de titularidade de direitos reais;
por outro lado, a aptidão registral do título aquisitivo não é afetada pelas indis-
ponibilidades enumeradas pelo Oficial, desprovidas de força, in concreto, para
obstar o acesso da escritura de venda e compra ao álbum imobiliário.
Ao outorgar a escritura pública de venda e compra, a proprietária tabular,
retendo, à época, um domínio formal, conservando uma propriedade nua, vazia,
944
apenas cumpriu um dever seu, escorada em sua titularidade formal e em sua
autonomia privada, não alcançada pelos comandos de indisponibilidade.
O título formaliza um negócio jurídico vinculado, devido, “o negócio
jurídico é, aí, pagamento”1, e sua inscrição realiza o princípio da segurança
jurídica, concorrendo para a estabilização das relações jurídicas; ajusta-se, ade-
Jurisprudência - CSM
mais, ao princípio tempus regit actum, conforma-se com a legislação vigente e
as normas registrais; ao tempo da prenotação, não havia obstáculos ao registro.
Negócios jurídicos extrínsecos ao registro, então alheios à matrícula, ex-
tratabulares, em particular, aqui, as cessões de posições contratuais menciona-
das na escritura de venda e compra, cessões intermediárias, lá descritas apenas
para contextualizar a cadeia de sucessões, e melhor justificar a outorga do título,
não se prestam, na hipótese vertente, a bloquear o registro.
O controle dessas cessões, não levadas a registro, não submetidas à qua-
lificação registral, não compete ao Oficial. No que interessa, apenas se, à luz da
cadeia de transmissões extratabulares no título exposta em perspectiva histórica,
apurasse, em consulta à Central Nacional de Indisponibilidade de Bens, cessões
contratuais contrárias às ordens de indisponibilidades, caber-lhe-ia recusar o re-
gistro, no entanto, caso tivessem sido decretadas anteriormente aos negócios
jurídicos dispositivos que as afrontariam.
Prevalece, nessa situação, relacionada a títulos não enviados a registro,
abordados en passant, circunstancialmente, apenas para revelar a cadeia de
transmissões, a diretriz tempus regit factum. Assim, sobre o tema, ajusta-se a
compreensão deste C. Conselho Superior da Magistratura, expressa, origina-
riamente, na Apelação nº 0043598-78.2012.8.26.0100, rel. Des. Renato Nalini,
j. 26.9.2013, para limitar o controle registral da disponibilidade, em relação às
cessões contratuais intermediárias não levadas a registro, que deve considerar as
datas das contratações, e não a da prenotação.
Ocorre que as ordens listadas na nota devolutiva são, todas, supervenien-
tes à cessão e transferência de direitos e obrigações aperfeiçoada entre, de um
lado, Renato de Caroli e Eliana Aparecida Botasso de Caroli (aqueles a quem
se referem as ordens de indisponibilidade) e, de outro, Rodrigo Mascarenhas
Machado e Helen Ostan dos Santos Machado.
Trata-se de negócio jurídico datado de 13 de maio de 2016, antecedido
pela promessa de venda e compra que pactuaram, no dia 22 de novembro de
2012, com a vendedora, proprietária tabular, e sucedido pelas cessões contra-
tuais ajustadas (por Rodrigo Mascarenhas Machado e Helen Ostan dos Santos
Machado) com a LTB Incorporadora de Imóveis Ltda., no dia 6 de abril de 2017,
e por esta, em 8 de agosto de 2023, com a suscitada/recorrente.
Já as indisponibilidades nºs 202108.2611.00923608-IA-220,
1 Antonio Junqueira de Azevedo. Negócio jurídico e declaração negocial: noções gerais e forma-
ção da declaração negocial. Tese de titularidade – Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São
Paulo, 1986, p. 218-219.
945
202108.2611.00923614-IA-700, 202003.0210.01078426-IA-220,
202004.2910.01131911-IA-070 e 202311.1614.03035652-IA-190, então rela-
tivas, as duas primeiras, ao processo nº 1004081-59.2016.8.26.0019, as outras
duas, ao processo nº 1012324-95.2016.8.26.0114, e, a última, ao processo nº
0010070-33.2020.5.15.0099, foram todas comandadas a partir de 2019.
Jurisprudência - CSM
Nessa senda, ao cederem os seus direitos sobre o bem imóvel descri-
to na matrícula nº 102.984 do RI de Americana, no ano de 2016, Renato de
Caroli e Eliana Aparecida Botasso de Caroli não estavam privados do poder
(da faculdade) de alienação, não lhes faltava legitimidade, legitimação, esta
entendida, conforme escólio de Antonio Junqueira de Azevedo, como poder de
dispor, “uma condição de eficácia dos negócios de disposição2”.
Titulares dos direitos cedidos, deles, ao tempo da cessão contratual, Re-
nato de Caroli e Eliana Aparecida Botasso de Caroli podiam dispor, portanto, a
exigência apresentada pelo Oficial, condicionando o registro da escritura pública
de venda e compra ao cancelamento das indisponibilidades, deve ser afastada.
Diante do exposto, pelo meu voto, dou provimento à apelação para julgar
improcedente a dúvida, determinando o registro da escritura de venda e compra
de fls. 16/21 na matrícula nº 102.984 do Registro de Imóveis de Americana.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1014686-53.2023.8.26.0590, da Comarca de São Vicente, em que é apelante MATHEUS
SALA RIGUETTI, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANE-
XOS DA COMARCA DE SÃO VICENTE.
ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Jus-
tiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Anularam a sentença proferida,
v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. (Voto
nº 43.797)
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FER-
NANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA)
(Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE-PRESIDENTE), XAVIER DE
AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO (PRESIDENTE DA SE-
ÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRESIDENTE
DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) e CAMARGO ARANHA FILHO (PRE-
SIDENTE DA SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).
São Paulo, 23 de maio de 2025.
FRANCISCO LOUREIRO, Corregedor Geral da Justiça e Relator
2 Negócio jurídico e declaração negocial ..., op. cit., p. 155-157.
946
Ementa: DIREITO REGISTRAL. APELAÇÃO. RE-
GISTRO DE IMÓVEIS. ANULAÇÃO DE SENTEN-
ÇA.
I. Caso em Exame
1. Apelação interposta contra sentença de procedên-
Jurisprudência - CSM
cia de dúvida. Alegação de inexistência de óbice ao re-
gistro da escritura pública de cessão de direitos rela-
tivos a imóvel. Sentença que julga a dúvida com base
em título diverso do apresentado a registro.
II. Questão em Discussão
2. A questão em discussão está em saber se a sentença
deve ser anulada porque o título apresentado a regis-
tro é diverso do considerado na r. decisão.
III. Razões de Decidir
3. O título apresentado a registro é Escritura Pública
de Cessão de Direitos sobre imóvel, e não a carta de
arrematação dos referidos direitos, como a sentença
equivocadamente entendeu. A carta de arrematação
já teve ingresso no fólio real, como consta do R. 39 da
matrícula. 4. Anulação da sentença que se impõe, a
fim de que a Corregedoria Permanente julgue a dúvi-
da em consideração ao título apresentado a registro.
IV. Dispositivo e Tese
5. Recurso provido. Sentença anulada.
Tese de julgamento: “1. A sentença que nega o registro
de um título já registrado deve ser anulada. 2. A Cor-
regedoria Permanente deve julgar a dúvida em consi-
deração ao título apresentado”.
VOTO
Trata-se de apelação interposta por MATHEUS SALA RIGUETTI con-
tra a r. sentença de fls. 105/108, que julgou procedente a dúvida e manteve
a recusa do Oficial do Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de
Pessoa Jurídica da Comarca de São Vicente em registrar o título apresentado ao
fólio real que, ao ver do MM. Juiz Corregedor Permanente, seria uma carta de
arrematação extraída dos autos de execução de título extrajudicial, que tramitou
perante a 5ª Vara Cível de São Vicente, sob nº 1008220-19.2018.8.26.0590, re-
ferente aos direitos sobre o imóvel de matrícula nº 113.595 daquela serventia.
Alega o recorrente, em suma, que adquiriu os direitos sobre o imóvel em
apreço em leilão judicial realizado nos autos de nº 1008220-19.2018.8.26.0590,
os quais foram registrados na matrícula do imóvel em 08/12/2021 (R. 39), mas,
947
ao proceder à alienação dos mencionados direitos, conforme escritura de ces-
são (fls. 12/15) e acatando anterior nota devolutiva do Oficial de Registro (nº
506850, fls. 153), foi surpreendido com nova nota devolutiva (nº 521992, fls.
158/159), em que o Registrador passa a alegar que a arrematação já registrada
estaria incompleta e desprovida das informações necessárias para proceder à
Jurisprudência - CSM
transmissão de direitos do imóvel. Por isso, pede a reforma da sentença para
possibilitar o registro da cessão e alternativamente, que sejam apontados e sana-
dos os vícios para a realização do registro e, por fim, a condenação do Cartório
ao pagamento de indenização por danos morais e honorários advocatícios (fls.
147/151).
A Procuradoria Geral de Justiça opina pelo não provimento do recurso
(fls. 197/202).
É o relatório.
Cuida-se de registro de Escritura Pública de Cessão de Direitos re-
ferente ao imóvel objeto da matrícula nº 113.595 (fls. 12/15), que foi obstado
pelo Oficial do Cartório de Registro, conforme nota devolutiva de nº 521.992,
a seguir transcrita:
“Segundo consta da matrícula, o imóvel era de titularidade PAUL AL-
BERT BROMBERG casado com IRMA BROMBERG, o qual compro-
missou unidades para a empresa BARBOSA, BERNARDES & CIA (Insc.
2.246). Houve, posteriormente, o cancelamento da inscrição e a venda
do terreno para MOZART ANTONIO FRANÇA, desde que este cumpris-
se com as obrigações da empresa (sendo restabelecida a inscrição nº
2.246).
Com relação à unidade desta matrícula, constata-se que existe condomí-
nio simples entre os cessionários (R. 2 ao R. 36), cujos registros foram
determinados pelo MM. Juízo Corregedor à época, Dr. Nazario Guirao.
Tem-se, portanto, a propriedade em nome de MOZART, como compro-
missário compradora a empresa BARBOSA, e como cessionários todos
aqueles mencionados entre o R. 2 ao R. 36.
O CONDOMÍNIO EDIFÍCIO PRESIDENTE propôs ação de cobrança
de despesas condominiais em face de JOSÉ RICARDO CHELES DE
LIMA, o qual era possuidor do imóvel. Tratando-se de dívida propter
rem o possuidor foi executado, e posteriormente os direitos foram arre-
matados por Matheus Sala Righetti (R. 39).
Faz-se necessária, contudo, a definição exata dos títulos arrematados
por Matheus, com sua cadeia de continuidade, identificados os caracte-
rísticos do contrato preliminar, de forma a permitir a cessão posterior a
terceiro de direito especificamente determinado e devidamente caracte-
rizado.
A definição poderá se dar por:
948
a) determinação do Juízo da arrematação de que a arrematação se refere
à propriedade propriamente dita, ocasião em que será feita a averbação
desta circunstância e os próximos registros levarão em consideração a
propriedade do imóvel;
b) identificação, pelo Juízo da arrematação, dos direitos arrematados,
Jurisprudência - CSM
apontando origem da dívida, o valor, as prestações correspondentes,
ocasião em que será feita a averbação desta circunstância, e levar-se-á
em consideração a transmissão dos direitos;
c) que seja determinado o registro dos títulos anteriores, inclusive com
aquele que deu origem à arrematação dos direitos, mantendo-se o R. 39,
e trazendo os títulos anteriores a registro, podendo o Juízo, se o caso,
expressamente determinar o registro independentemente de análise de
requisitos formais ou registrais.
d) promoção, pelo interessado, de medidas judiciais cabíveis no intuito
de haver para si a propriedade do imóvel (ex.: adjudicação compulsó-
ria, usucapião, ação declaratória do conteúdo dos direitos arrematados,
etc.);
Até a definição exata dos direitos arrematados por Matheus, não se mos-
tra possível o registro da cessão”.
Sobreveio a sentença de procedência da dúvida, “negando, nesse mo-
mento, o registro do título consistente na Carta de Arrematação, extraída
dos autos da Ação de Execução de Título Extrajudicial, sob o nº 1008220-19.2018.8.26.0590, que tramitou perante a 5ª Vara Cível local, por intermédio
do qual o interessado objetiva o registro da arrematação dos direitos do imóvel
objeto da matrícula nº 113.595, do Cartório de Registro de Imóveis de São Vi-
cente, nos termos da fundamentação supra” (grifei) (fls. 107).
Salvo melhor Juízo de Vossa Excelência, é o caso de anular a r. sentença.
O título apresentado ao fólio real consiste na Escritura Pública de Cessão
de Direitos sobre o imóvel de matrícula nº 113.595 do Oficial de Registro de
Imóveis de São Vicente (fls. 12/15), em que o ora apelante figurou como ceden-
te.
Os direitos em pauta foram havidos pelo cedente em decorrência de arre-
matação judicial, cuja carta de arrematação foi registrada na matrícula do imó-
vel.
Com efeito, da certidão de matrícula a fls. 63/79, consta que, por carta de
arrematação expedida em 27 de setembro de 2021, pelo Juízo de Direito da 5ª
Vara Cível de São Vicente, São Paulo, extraída dos autos de execução de título
extrajudicial, processo nº 1008220-19.2018.8.26.0590, os direitos relativos ao
compromisso de compra e venda do imóvel foram arrematados por Matheus
Sala Riguetti (R. 39, fls. 77/78).
No entanto, o Corregedor Permanente proferiu sentença de procedência
949
da dúvida para obstar o ingresso da carta de arrematação extraída dos autos
de nº 1008220-19.2018.8.26.0590, olvidando-se de que tal título já ingressou no
fólio real, conforme se verifica no R. 39 da matrícula (fls. 77/78).
A propósito, em embargos de declaração, a questão foi abordada, quando
o recorrente postulou a retificação da sentença porque o pedido formulado refe-
Jurisprudência - CSM
riu-se ao registro da cessão de direitos sobre o imóvel, e não da carta de arrema-
tação, a qual já estava registrada desde 08 de dezembro de 2021.
Não obstante, a sentença foi mantida pela decisão a fls. 144, sob alegação
de ausência de qualquer uma das hipóteses previstas no artigo 1.022 do Código
de Processo Civil.
Como a sentença funda-se em premissa equivocada, a de que o título
apresentado a registro é a carta de arrematação extraída de execução judicial,
quando, na verdade, tal título já teve ingresso no fólio real e a pretensão é a de
registrar título outro, qual seja a escritura pública de cessão dos direitos havi-
dos pela arrematação registrada, impõe-se a anulação da sentença para que a
Corregedoria Permanente proceda ao julgamento da dúvida em consideração à
realidade dos fatos.
Ante o exposto, pelo meu voto, anulo a sentença proferida.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 0001068-16.2019.8.26.0035, da Comarca de (...), em que é apelante J.M.F.G., é apelado
OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE (...).
ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Jus-
tiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Receberam o recurso interposto
como apelação e a ele deram provimento, v.u.”, de conformidade com o voto do
Relator, que integra este acórdão. (Voto nº 43.798)
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FER-
NANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA)
(Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE-PRESIDENTE), XAVIER DE
AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO (PRESIDENTE DA SE-
ÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRESIDENTE
DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) e CAMARGO ARANHA FILHO (PRE-
SIDENTE DA SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).
São Paulo, 3 de junho de 2025.
FRANCISCO LOUREIRO, Corregedor Geral da Justiça e Relator
Ementa: REGISTRO DE IMÓVEIS. CARTA DE
SENTENÇA. PARTILHA EM DIVÓRCIO. CASA-
950
MENTO PELO REGIME DA SEPARAÇÃO CON-
SENSUAL DE BENS. ACORDO RECONHECENDO
AQUISIÇÃO DE BENS POR ESFORÇO COMUM.
DECLARAÇÃO SUFICIENTE PARA AFASTAR
PRESUNÇÃO DE PROPRIEDADE EXCLUSI-
Jurisprudência - CSM
VA. PARTILHA PARITÁRIA. INEXISTÊNCIA DE
DOAÇÃO. NÃO INCIDÊNCIA DO ITCMD. EXI-
GÊNCIAS AFASTADAS. RECURSO PROVIDO.
I. Caso em exame
1. Trata-se de apelação interposta contra sentença
que manteve recusa de registro de carta de sentença
de divórcio litigioso por ausência de comprovação do
recolhimento do ITCMD e apresentação de certidão
de homologação da Secretaria da Fazenda do Estado
de São Paulo.
II. Questão em discussão
2. A questão em discussão consiste em determinar se
o reconhecimento do esforço comum na aquisição de
bem partilhado em acordo de divórcio que põe fim a
casamento pelo regime da separação convencional de
bens permite a descaracterização da doação e o afas-
tamento da respectiva tributação.
III. Razões de decidir
3. A homologação judicial da partilha consensual
afasta a presunção de aquisição exclusiva derivada
do regime de bens, permitindo o reconhecimento da
comunhão admitida pelos ex-cônjuges. 4. Partes que
reconheceram por negócio jurídico a existência de so-
ciedade de fato entre o casal para aquisição do bem.
Partilha paritária que é suficiente para afastar a ca-
racterização de doação, ressalvada a possibilidade de
a Fazenda do Estado cobrar, pela via própria, o tribu-
to que considerar devido.
IV. Dispositivo e Tese
5. Recurso provido.
Tese de julgamento: “1. O reconhecimento da aquisi-
ção por esforço comum de bens partilhados consen-
sualmente afasta a presunção da propriedade exclusi-
va derivada do regime da separação de bens. 2. Nesta
hipótese, a partilha paritária afasta a caracterização
de doação e, consequentemente, a incidência do IT-
951
CMD. 3. Homologação pelo fisco que somente é devi-
da nas hipóteses de transmissão causa mortis”.
Legislação e jurisprudência citadas:
– Lei Complementar n. 1.320/2018 (CAT 89/2020).
– TJSP, Apelação Cível n. 4005082-33.2013.8.26.0019,
Jurisprudência - CSM
Rel. Des. Carlos Alberto Garbi, 10ª Câmara de Direi-
to Privado, j. 09/05/2017.
VOTO
Trata-se de apelação interposta por J.M.F.G. contra a r. sentença de fls.
65/67, que julgou procedente dúvida suscitada pelo Oficial de Registro de Imó-
veis e Anexos da Comarca de (...) e manteve a recusa de registro de carta de
sentença extraída da ação de divórcio de autos n. (...), a qual envolve o imóvel
da matrícula nº (...) daquela serventia, porque não foi apresentada a guia de re-
colhimento do Imposto de Transmissão “Causa Mortis” e Doação de Quaisquer
Bens e Direitos – ITCMD nem a certidão de homologação da Secretaria da
Fazenda do Estado de São Paulo, conforme Lei Complementar n. 1.320/2018.
A MM. Juíza Corregedora Permanente concluiu que não houve comu-
nicação do bem imóvel à mulher, pois registrado exclusivamente em nome do
cônjuge varão enquanto casados pelo regime da separação de bens, de modo que
a partilha consensual com atribuição do bem exclusivamente à virago configura
doação passível de tributação pelo ITCMD.
A parte apelante alega que o imóvel foi adquirido com esforço comum
juntamente com os demais bens arrolados e igualmente partilhados no acordo
do divórcio (fls. 70/80).
O feito foi originariamente distribuído à Corregedoria Geral da Justiça,
que declinou da competência, o que ensejou posterior redistribuição a este Con-
selho Superior da Magistratura (fls. 92/94).
A Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fl.
116/118).
É o relatório.
De início, é importante confirmar que, como o ato registral buscado é
o de registro em sentido estrito, o recurso interposto deve ser recebido como
apelação.
No mérito, trata-se de carta de sentença extraída da ação de divórcio do
casal J. e L. (autos n. (...)), apresentada para registro na matrícula nº (...) do Re-
gistro de Imóveis da Comarca de (...).
Consta do Registro n. 4 da referida matrícula, fl. 47, que o imóvel foi ar-
rematado por L. em hasta pública realizada em 10 de outubro de 2018, enquanto
casado com J. pelo regime da separação de bens.
Na época da arrematação, tramitava ação de divórcio litigioso proposta
952
em junho de 2018 por J. (fls. 13/29), a qual se encerrou em 26 de julho de 2019
por sentença que homologou acordo entabulado pelas partes e decretou o seu
divórcio, com trânsito em julgado em 08 de agosto de 2019 (fls. 40/42).
Embora o casal tenha optado pelo regime da separação convencional de
bens, houve reconhecimento expresso acerca da aquisição de patrimônio com
Jurisprudência - CSM
esforço comum, incluindo três imóveis, quotas sociais de uma empresa, além de
dinheiro em espécie, sendo tudo avaliado e consensualmente partilhado, com
respeito à meação que cabia a cada parte (fls. 35/37).
A homologação judicial da partilha consensual é suficiente para afastar a
presunção de aquisição exclusiva derivada do regime de bens e permitir o reco-
nhecimento, para efeito de registro, da comunhão admitida pelos ex-cônjuges, a
fim de se evitar o enriquecimento ilícito.
Nesse sentido v. acórdão prolatado pela C. 10ª Câmara de Direito Privado
do E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, de que foi relator o Desem-
bargador Carlos Alberto Garbi (destaques nossos):
“APELAÇÃO. PARTILHA DE BEM IMÓVEL. REGIME DE BENS PAC-
TUADO. SEPARAÇÃO CONVENCIONAL. DIVISÃO QUE RECLAMA
PROVA DA PARTICIPAÇÃO CONJUNTA NA AQUISIÇÃO DO BEM
AQUESTO. 1. Partilha dos bens. Na hipótese dos autos, as partes se
casaram sob o regime da separação de bens, de modo que não há que
se falar em divisão dos aquestos. Ainda mais no caso dos autos, em que
as partes expressamente dispuseram em pacto antenupcial sobre a proi-
bição de comunicação dos aquestos. 2. Não se desconhece, entretanto,
que, para evitar o enriquecimento ilícito dos cônjuges, a doutrina e a
jurisprudência têm admitido mesmo no regime da separação de bens a
comunicação daqueles adquiridos com esforço comum do casal e em
benefício da entidade familiar. Tal possibilidade, vale dizer, não decorre
do quanto disposto na súmula 377 do Egrégio Supremo Tribunal Fede-
ral, que somente se aplica ao regime da separação obrigatória de bens,
que difere da separação convencional de bens por resultar de imposição
legal, e não da autonomia da vontade das partes. Apenas em face da
prova da participação conjunta do casal na aquisição do bem é que pode
ser autorizada a sua partilha entre os cônjuges ao final de casamento
celebrado sob o regime da separação convencional de bens. 3. Não se
identificam no caso em exame razões suficientes para admitir a partilha
do imóvel objeto do litígio, negando vigência ao acordo celebrado na
ação de divórcio, em favor do documento de fls. 39, de duvidosa higidez
e que contraria a vontade manifestada pelas partes no curso e no rompi-
mento do casamento outrora havido entre elas 4. Recurso provido para
decretar a improcedência do pedido” (TJSP; Apelação Cível 4005082-33.2013.8.26.0019; Relator: Carlos Alberto Garbi; 10ª Câmara de Direito
953
Privado; Julgamento: 09/05/2017; Registro: 11/05/2017).
No precedente acima, a partilha somente não foi autorizada devido à exis-
tência de controvérsia acerca da comunhão e à ausência de prova do esforço
comum para aquisição do bem.
No caso concreto, todavia, há consenso entre os cônjuges e expresso re-
Jurisprudência - CSM
conhecimento da comunhão, de modo que a declaração de partilha paritária é
suficiente para afastar a caracterização de doação e a exigência pela compro-
vação de recolhimento do ITCMD, ressalvada a possibilidade da Fazenda do
Estado, pela via própria, cobrar eventual imposto que considerar devido.
Não faria o menor sentido obrigar as partes ao ajuizamento de ação ju-
dicial de reconhecimento de sociedade de fato sem lide, uma vez que há decla-
ração consensual da contribuição direta de ambos os cônjuges. Tal declaração,
feita em juízo, tem natureza de transação e produz efeitos jurídicos que não
podem ser ignorados pelo Registrador.
Observe-se, por fim, que a Lei Complementar n. 1.320/2018, que institui
o Programa de Estímulo à Conformidade Tributária “Nos Conformes”, trata es-
pecificamente das relações tributárias envolvendo o ICMS e não traz qualquer
previsão relacionada à homologação da partilha em divórcio.
Os procedimentos a serem observados pelas serventias extrajudiciais em
relação à tributação pelo ITCMD foram regulados pela Secretaria Estadual da
Fazenda e Planejamento por meio da portaria CAT 89/2020, a qual, por sua vez,
somente impõe a apresentação de certidão de homologação para as transmissões
“causa mortis” (artigos 2º, 7º, 12 e 18).
Nesse contexto, a exigência pela apresentação de certidão de homologa-
ção da Secretaria da Fazenda também deve ser afastada porque impertinente.
E não há que se falar em prejudicialidade da dúvida por impugnação par-
cial, uma vez que o afastamento da exigência de obrigação acessória (homolo-
gação da declaração do tributo) está essencialmente vinculado ao afastamento
da obrigação tributária principal, cuja incidência foi impugnada.
Ante o exposto, pelo meu voto, recebo o recurso interposto como apela-
ção e dou provimento a ele.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 0008082-34.2024.8.26.0566, da Comarca de São Carlos, em que é apelante A.P.P., é ape-
lado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA
DE SÃO CARLOS.
ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Jus-
tiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento à apelação
954
para julgar improcedente a dúvida e determinar o registro do formal de partilha,
v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. (Voto
nº 43.816)
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FER-
NANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE JUSTI-
Jurisprudência - CSM
ÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE-PRESIDENTE), VICO
MAÑAS (DECANO), TORRES DE CARVALHO (PRESIDENTE DA SEÇÃO
DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRESIDENTE DA
SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) e CAMARGO ARANHA FILHO (PRESI-
DENTE DA SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).
São Paulo, 11 de junho de 2025.
FRANCISCO LOUREIRO, Corregedor Geral da Justiça e Relator
Ementa: DIREITO CIVIL. APELAÇÃO EM DÚ-
VIDA REGISTRÁRIA. REGISTRO DE IMÓVEIS.
PROVIMENTO.
I. Caso em Exame
1. Apelação interposta contra sentença que manteve
o óbice ao registro de formal de partilha. O apelante
sustenta que não há cláusula resolutiva no contrato de
compra e venda que deu origem ao registro anterior e
pede a improcedência da dúvida.
II. Questão em Discussão
2. A questão em discussão consiste em determinar se é
possível registrar o formal de partilha.
III. Razões de Decidir
3. Diferentemente do sustentado pelo registrador, não
há cláusula resolutiva nem nos registros das matrícu-
las, nem nas escrituras públicas que lhes deram ori-
gem.
4. Mesmo que houvesse cláusula resolutiva, o registro
do título translativo deveria ser efetuado, dele cons-
tando menção à cláusula.
IV. Dispositivo e Tese
5. Recurso provido.
Tese de julgamento: “1. A cláusula resolutiva de con-
trato de compra e venda (pacto comissório) deve ser
enunciada de forma clara. 2. A existência de cláusula
resolutiva não impede o registro do título subsequen-
te, conforme art. 1.359 do Código Civil”.
Legislação Citada:
955
– Código Civil, art. 1.359.
VOTO
Trata-se de apelação interposta por A.P.P. contra a r. sentença de fls. 77/79,
proferida pela MM. Juíza Corregedora Permanente do Registro de Imóveis e
Jurisprudência - CSM
Anexos de São Carlos, que, em suscitação de dúvida, manteve o óbice ao regis-
tro de formal de partilha nas matrículas nºs 7.343 e 175.570 daquela serventia.
Alega o apelante, em síntese, que não há propriedade resolúvel na espé-
cie, pois não houve previsão de cláusula comissória no contrato de compra e
venda. Sustenta, ainda, que a menção à forma de pagamento do preço no regis-
tro não dá origem, por si só, à clausula resolutiva. Pede, ao final, o provimento
do apelo para que o formal de partilha seja registrado (fls. 82/93).
A Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls.
101/103).
Por meio da decisão de fls. 104, o processo foi remetido da Corregedoria
Geral da Justiça a este Conselho Superior da Magistratura.
É o relatório.
Discute-se neste procedimento de dúvida a possibilidade de se registrar
nas matrículas nºs 7.343 e 175.570 do Registro de Imóveis e Anexos de São
Carlos formal de partilha extraído dos autos de arrolamento dos bens deixados
por N.P.
A aquisição da propriedade do imóvel matriculado sob nº 175.570 pelo
falecido se deu da seguinte forma, consoante R.1:
“Por escritura pública de Venda e Compra, datada de 04/06/1980, (...) o
proprietário L.M. (...) vendeu para N.P. (...) este IMÓVEL pelo valor de
Cr$ 150.000,00, que será pago por intermédio de 15 notas promissórias,
de Cz$ 10.000,00 cada uma, vencendo-se a 1ª em 03/11/1981 e as demais
nos mesmos dias dos meses subsequentes, até final liquidação, as quais
ficam vinculadas à presente e, valendo-se como comprovantes dos aludi-
dos pagamentos, a entrega dos respectivos títulos quitados” (fls. 17/18).
Com conteúdo semelhante, consta o que segue no R.3 da matrícula nº
7.343:
“Por escritura datada de 04/06/1980, (...) os proprietários J.S.Z. (...) e
sua mulher C.D.S.Z. (...) venderam para N.P. (...) este IMÓVEL pelo va-
lor de Cr$ 150.000,00, importância que será paga por intermédio de 15
notas promissórias, de Cr$ 10.000,00 cada uma, de emissão do compra-
dor, à favor do vendedor varão, sem juros e correção monetária, vencen-
do-se a 1ª em 3 de agosto de 1980, os quais ficam vinculadas à presente
e, valendo-se como comprovante dos aludidos pagamentos, a entrega dos
respectivos títulos quitados” (fls. 19/20).
O Oficial, cujo entendimento foi chancelado pela MM. Juíza Corregedora
956
Permanente, desqualificou o título, forte no argumento da necessidade do prévio
cancelamento do pacto comissório constante no registro (fls. 3).
Em outros termos, registrador e Corregedora Permanente entenderam que
os atos de registro acima transcritos, por conterem cláusula resolutiva expressa,
não podem ser modificados até a comprovação do pagamento integral do preço
Jurisprudência - CSM
acertado no início da década de oitenta.
Sem razão, contudo.
Em primeiro lugar, porque no R.1 da matrícula nº 175.570 e no R.3 da
matrícula nº 7.343 não houve previsão de cláusula resolutiva. É certo que ambos
os registros mencionados, a exemplo das escrituras que lhes deram causa, se re-
ferem à forma de pagamento do preço, inclusive com alusão às parcelas respec-
tivas e aos títulos de crédito representativos da dívida. Ainda assim, não decorre
dos registros acima transcritos que o não pagamento de alguma das parcelas da-
ria ensejo à resolução do contrato, com o retorno das partes aos status quo ante.
E a mesma conclusão acima – ou seja, de que as partes não convenciona-
ram cláusula resolutiva – é obtida pela leitura das escrituras públicas que origi-
naram os registros, pois não há uma única menção que indique a possibilidade
de desfazimento da venda pelo inadimplemento do preço (fls. 64/67 e 68/70).
Ausente cláusula resolutiva nas escrituras registradas há mais de quarenta
anos, não pago o preço ajustado, caberia ao vendedor tão somente cobrar o valor
inadimplido.
Washington de Barros Monteiro, em comentário ao art. 1.163 do Código
Civil de 19161, o qual não foi repetido no Código Civil atual, enaltece a neces-
sidade de o pacto comissório ser expressamente convencionado pelas partes:
“O pacto comissório tem de resultar de convenção expressa; de outro
modo, ou em caso de dúvida, a resolução contratual obedecerá à regra
geral e comum2”.
Mas não é só.
Caso houvesse cláusula resolutiva expressa – que não há, repita-se –, o re-
gistro da transferência da propriedade não seria inviável. Apenas e tão somente
deveria constar do registro a menção à existência de cláusula resolutiva expressa
(art. 474 CC) que não se confunde, como é elementar, com condição resolutiva.
Ou seja, mesmo se houvesse cláusula resolutiva, o registro do título
translativo deveria ser efetuado. Nesse caso, o novo proprietário, em virtude da
inscrição constante da matrícula, estaria plenamente ciente da possibilidade de
resolução do negócio anterior. E na hipótese de inadimplemento do preço por
parte do proprietário anterior, o novo proprietário seria despojado do direito que
1 Art. 1.163. Ajustado que se desfaça a venda, não se pagando o preço até certo dia, poderá o ven-
dedor, não pago desfazer o contracto ou pedir o preço.
Parágrafo único. Se, em dez dias de vencido o prazo, o vendedor, em tal caso, não reclamar o preço, ficará
de pleno direito desfeita a venda.
2 Curso de Direito Civil: Direito das Obrigações: 2ª Parte: Contratos, Declarações Unilaterais da
Vontade; Obrigações por Atos Ilícitos, 28. ed., rev. São Paulo, Saraiva, 1995, p. 108.
957
obteve, uma vez que informado de que a propriedade era resolúvel.
É o que ensina Ruy Rosado de Aguiar Júnior:
“Sendo a resolução negocial (ou convencional) porque inserida no con-
trato cláusula resolutória por incumprimento, levado o contrato ao re-
gistro de imóveis, incide o art. 1.359; nesse caso, a resolução produz
Jurisprudência - CSM
efeitos reais quanto à contraparte e também relativamente ao terceiro
subadquirente; isto é, desfaz-se o negócio também quanto a terceiro3”.
A cláusula comissória expressa levada ao registro imobiliário, portanto,
não torna o bem inalienável. Ao contrário, na forma do art. 1.359 do CC, o
imóvel pode ser normalmente transferido, ficando o adquirente ciente de que a
perda da propriedade pode ocorrer pelo inadimplemento de obrigação anterior.
Finalmente, há de se destacar que o título cuja inscrição se pretende no
caso concreto é mero formal de partilha (fls. 25 e seguintes). Não haverá, dessa
forma, transferência de propriedade por força de alienação, mas mera regulari-
zação formal em virtude do falecimento do proprietário do bem.
Destarte, mesmo que houvesse cláusula resolutiva expressa – que não
há – e não existisse a previsão do art. 1.359 do CC, não haveria motivo para se
impedir o ingresso de título judicial, que simplesmente transfere o imóvel de
Nelson Peruzzi a seus herdeiros.
Razão assiste, portanto, ao apelante, cujo recurso deve ser integralmente
provido.
Ante o exposto, pelo meu voto, dou provimento à apelação para julgar
improcedente a dúvida e determinar o registro do formal de partilha.
3 Extinção dos contratos por incumprimento do devedor, 2. ed. Rio de Janeiro, Aide, 2003, p. 262.
958
NOTICIÁRIO
HELOÍSA HELENA FRANCHI NOGUEIRA LUCAS (Juíza de Direito)
Discurso proferido por ocasião da Inauguração do “Fórum Antonio Al-
berto Alves Barbosa”, nova sede do Judiciário da Comarca de Boituva (Cerimô-
nia realizada em 27.05.2025).
Noticiário
EXCELENTÍSSIMO SENHOR PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE
JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO DR. FERNANDO ANTONIO TOR-
RES GARCIA,
EXCELENTÍSSIMO SENHOR GOVERNADOR DO ESTADO DE
SÃO PAULO TARCÍSIO DE FREITAS,
EXCELENTÍSSIMO SENHOR PRESIDENTE DA ASSEMBLEIA LE-
GISLATIVA DE SÃO PAULO DEPUTADO ANDRÉ DO PRADO,
em nome de Vossas Excelências cumprimento as demais nobres autorida-
des desta Mesa, assim como as autoridades assentadas na plateia, já nominadas
pela cerimonialista, e a todo o público que nos prestigia nesta data.
SENHORAS E SENHORES:
Hoje é um dia que foi sonhado.
Eu cheguei em Boituva no ano de 2007, para instalar a 2ª Vara.
Na época, se minha memória não me trai, Dra. Karla Peregrino Sotilo,
minha colega e amiga, então diretora do fórum de Boituva e hoje juíza diretora
da nossa 20ª circunscrição judiciária de Itú, havia tido a notícia de que este
terreno aqui, onde pisamos, seria o novo local escolhido para a construção do
fórum, por decisão da então prefeita Professora Assunta Maria Labronici Go-
mes, e por indicação e projeção do empresário Paulo Guerini, responsável por
este loteamento e por tantos empreendimentos, que têm aberto o progresso para
esta cidade.
Naquele tempo, aqui era um enorme pasto, cortado por uma pequena es-
trada vicinal. E no projeto do loteamento, era uma área institucional, que se
tornou a promessa de doação do Município de Boituva ao Estado de São Paulo
com a destinação específica de se construir o fórum.
Recebi das mãos de Dra. Karla a diretoria do fórum, no ano de 2009 e,
mercê dos colegas que passaram pela 1ª Vara, continuei diretora do fórum ao
longo de todos esses anos.
Viemos trabalhando com o apoio das prefeituras de Boituva e Iperó, do
Ministério Público e da OAB, para que esta obra acontecesse. Em 2014 ou 2015,
também se minha memória não falha, a escritura pública de doação fora assi-
nada e realizada a licitação. A obra chegou a ser alicerçada, mas meses depois
959
fora paralisada.
Nossas buscas nunca cessaram e nem poderiam, porque nossa condição
de habitabilidade nos prédios antigos era insalubre. Juntamente com a colega
Dra. Liliana Regina de Araújo Heidorn Abdala, que esteve por 14 anos judican-
do na 1ª Vara, visitávamos a Secretaria de Justiça com frequência, mais de uma
vez por ano, quando, no 2021, pela competência e trâmite político do prefeito
Edson José Marcusso, conseguiu-se a necessária emenda orçamentária que per-
mitiu a retomada das obras. Entrou em cena a empresa de engenharia DAMO,
Noticiário
que levou adiante e concluiu esta construção, de forma muito solícita, nos deu
ampla abertura para acompanhar e conhecer a execução do projeto, projeto que
é idealizado e executado pela Secretaria da Justiça, Dr. Fábio Prieto.
E aqui estamos, ocupamos o prédio em março deste ano, com muitos
esforços conjugados, carregando móveis, fazendo limpezas, cuidando de todos
os detalhes desta que é nossa sonhada casa, mas também que é um patrimônio
da população de Boituva.
Pelo Assento n° 437/2014 o Órgão Especial do Tribunal de Justiça atri-
buiu ao prédio a denominação “Desembargador Antônio Alberto Alves Barbo-
sa”, que, por uma feliz coincidência para mim é tio da Desembargadora Coor-
denadora da Infância e Juventude Dra. Gilda Cerqueira Alves Barbosa Amaral
Diodatti, com quem tenho a honra de trabalhar e muito aprender na Coordena-
doria da Infância e Juventude, através do Nippi, o Núcleo da Primeira Infância,
do qual faço parte.
Sou cidadã boituvense, sou cidadã iperoense, títulos que recebi dos edis
dessas cidades. Esta comarca é minha casa, casa da minha família. Cuidarei
deste prédio, com responsabilidade e amor.
Quero agradecer às prefeituras municipais de Boituva e Iperó, pelo diá-
logo institucional respeitoso, e por sempre nos ajudarem na manutenção dos
serviços judiciários, pagando os aluguéis dos prédios antigos e nunca colocando
óbices à celebração dos convênios que nos garantem apoio de recursos humanos
e materiais. O diálogo institucional respeitoso é uma marca importante desta
Comarca. Em especial, neste momento da mudança física do prédio, as prefei-
turas nos auxiliaram com o transporte, carregamento e depósito dos mobiliários.
E a prefeitura de Boituva, desde que aqui nos instalamos, vem prestando todo
o apoio para este evento, para as limpezas pesadas, para a manutenção da área
verde, inclusive obtendo apoio de parceiros empresários locais para a realização
do paisagismo da entrada e interno ao prédio.
Presidente, mas a celebração de hoje não termina por aqui. Peço descul-
pas pelo discurso longo, porque se dá na medida da extensão dos acontecimen-
tos desta data.
Hoje também celebramos a instalação da 3ª vara de Boituva e da Unidade
de Processamento Judicial das três Varas.
960
Como disse, em 2007, eu instalei a 2ª Vara de Boituva, então em entrância
inicial. Em 2015, a Comarca fora elevada a entrância intermediária.
Já no ano de2016, o Projeto de Lei Complementar Estadual nº44, reduzin-
do a proposta de um projeto anterior, de 2013, manteve Boituva entre as 18 Co-
marcas prioritárias para criação de varas novas, porque, conforme a justificativa
do projeto: dentre as comarcas do Estado as “que ocupam os primeiros lugares
no ranking do movimenta judiciária, devido ao congestionamento processual
muito além da média das demais unidades do Poder Judiciário do Estado de São
Noticiário
Paulo, efeito direto do aumento demográfico e da atividade econômica de cada
município”.
Com efeito, Boituva é uma das comarcas de entrância intermediária da
nossa Regional de Sorocaba que recebe as maiores distribuições de processos.
A título de comparação, quando fizemos as pesquisas para pedir a criação da 3ª
vara, verificamos que Boituva tinha distribuição equivalente a comarcas como
Salto e São Roque, que são de entrância intermediária também, mas já possuem
quatro varas. Ou Votorantim, que já tem três varas. Boituva é uma cidade que só
cresce. O censo de 2022 do IBGE indicou que Boituva liderara o crescimento
populacional na região desde 2010.
Assim, a 3ª vara não é só medida de justiça em relação a outras comarcas,
é medida necessária, já que o movimento judiciário cresce junto com a comarca,
lembrando que a comarca de Boituva abriga, ainda, como observado, o muni-
cípio de Iperó.
A nova vara ampliará o espaço de atendimento às demandas, implicando
maior celeridade nas soluções processais e maior apoio às estruturas judiciais
da comarca.
Nesta jornada, eu e a colega Dra. Liliana, ficávamos pensando em argu-
mentos, dados e estratégias para convencer nosso Tribunal acerca da necessida-
de da instalação de mais uma vara. Nossos esforços também foram afiançados
pelo colega e amigo Dr. Alexandre de Mello Guerra, Diretor da nossa RAJ,
sempre prestativo e atencioso aos nossos desafios.
E eis que, pela mão de Vossa Excelência, Presidente, enquanto Correge-
dor Geral de Justiça, em dezembro de 2023 conseguimos a aprovação para a
criação da 3ª vara por remanejamento de outra vara criada e não instalada.
O cargo foi provido pelo colega Dr. Renato Hasegawa Lousano, que che-
gou em Boituva em março e já compartilhou conosco muitas lutas e responsa-
bilidades.
Renato, eu desejo que seu tempo em Boituva seja de paz, aprendizagem
e satisfação. Você ouviu o hino de Boituva, “quem chegou ficou, quem partiu
chorou e não te esquece nunca mais”. Realmente, o povo de Boituva é feito de
manifesta hospitalidade, não por acaso está assim estampado na sua bandeira.
Seja bem-vindo!
961
Com relação a nossa UPJ mista, somos a segunda no Estado nessa qua-
lidade, seguindo a comarca de Paulínia, recém-instalada. Presidente, estamos
um pouco temerosos com o novo, não podemos negar, porém confiamos que a
proposta de trabalho dinamizará os serviços, reduzindo os congestionamentos
de processos e a morosidade, sem que se perca de vista a qualidade da prestação
jurisdicional. Esteja certo de que nos dedicaremos com entusiasmo, para os me-
lhores resultados possíveis.
Noticiário
Senhores e senhores, já me encaminho para o final.
Agradeço a Deus por me conceder a oportunidade de exercer a magistra-
tura, e por me permitir falar a pessoas as mais importantes do nosso Estado em
nome de toda uma Comarca.
Agradeço a minha família, em especial ao meu esposo, Luciano Nogueira
Lucas, por compreender as exigências do meu cargo e caminhar ao meu lado,
me apoiando, e hoje vibrando comigo essas vitórias, frutos de verdadeira devo-
ção.
Agradeço a todos aqueles que torceram por nós e de um modo ou outro
colaboraram conosco.
Agradeço aos juízes colegas de Comarca e a parceria dos funcionários
deste fórum, especialmente da equipe da Administração e da 2ª Vara. Agora nos
congregaremos em uma UPJ. Nessa missão, caros servidores, contem sempre
comigo e com a nossa Coordenadora, Sra. Andreia Cristina Gomes Candiotto.
Para encerrar, Presidente, Governador, quero dizer que fiquei à procura
de uma palavra que pudesse levar comigo por hoje e representasse um pouco do
que estamos vivendo como Comarca.
E a palavra que encontrei foi dignidade.
Muito obrigada.
SILVIA ROCHA (Desembargadora)
Discurso proferido por ocasião do 2º Encontro dos Núcleos Permanentes
de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos – NUPEMECS, da Região
Sudeste do Fórum Nacional da Mediação e Conciliação – FONAMEC. (Evento
realizado em 12.06.2025).
Excelentíssimo Senhor Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de
São Paulo, Desembargador FERNANDO ANTÔNIO TORRES GARCIA, em
nome de quem cumprimento todas as autoridades presentes, antes nominadas.
Excelentíssimos senhores Desembargadores e senhoras Desembarga-
doras;
962
Excelentíssimas senhoras Juízas e
Excelentíssimos Senhores Juízes, especialmente os valorosos integran-
tes do NUPEMEC;
Senhoras e senhores funcionárias e funcionários deste Tribunal, em es-
pecial os muito eficientes funcionários do NUPEMEC de São Paulo;
Senhoras e senhores,
A primeira edição do FONAMEC ocorreu em 2015, aqui em São Paulo.
Desde então são realizados encontros nacionais, praticamente em todos os
Noticiário
semestres.
Para maior integração, são promovidos encontros regionais, como os de
hoje. Esta é a segunda edição do Encontro dos Nupemecs da Região Sudeste e
tivemos o prazer de sediar também a primeira edição, em 2023.
São Paulo, que tem 322 Cejuscs e dois especializados, um em confli-
tos da Fazenda Pública e outro, o Cejuscom, especializado em superendivida-
mento, faz, portanto, questão de estar presente e de se consorciar a todos os
Tribunais de Justiça do país, para prestigiar o estudo e o aprimoramento dos
métodos adequados de solução de conflitos.
É, assim, uma honra receber os representantes dos
Nupemecs de todos os Tribunais do país.
Os Métodos Adequados de Solução de Conflitos já foram vistos como
alternativa à jurisdição tradicional.
Houve evolução, porém. Eles passaram a ser estudados por acadêmicos,
juristas, magistrados e até por cientistas sociais. Foram tão aprimorados que
hoje são considerados área autônoma da Ciência Jurídica.
Nas últimas décadas, foram aos poucos sendo cada vez mais reconheci-
dos e inseridos no ordenamento jurídico nacional, a tal ponto que ocupam hoje
capítulo de destaque no Código de Processo Civil.
A propósito, há poucos dias, conversava com o Professor Kazuo Wata-
nabe, pioneiro defensor da implantação dos métodos consensuais de solução
de conflito, que hoje nos honra com sua presença, e dele ouvi que a conciliação
precisa ser vista como primeiro, fundamental e inafastável meio de solucionar
litígios, antes de eles chegarem ao Judiciário.
E isto não apenas para diminuir a excessiva e muitas vezes desarrazoada
distribuição de processos e a sobrecarga dos serviços judiciários, mas, também
e principalmente, para que os interessados, os litigantes, tenham a oportu-
nidade de participar ativamente da busca de solução que os atenda e de
identificar que o acordo é sempre a melhor solução para qualquer conflito, já
que eles mesmos podem, de modo célere, definir os seus termos, conforme as
suas possibilidades e o que lhes parecer mais justo e conveniente, o que sempre
conforta.
Os inúmeros benefícios da solução consensual são conhecidos de todos:
963
celeridade; adequação da resposta estatal; menor custo; maior eficiência; acei-
tação e credibilidade.
Além de solucionar de modo rápido e eficiente os litígios individuais,
os métodos consensuais passaram a configurar verdadeira política pública de
acesso à Justiça, espraiando-se para setores extraprocessuais e inspirando tam-
bém a moderna e mais eficaz gestão empresarial.
Há, efetivamente, inerente envolvimento de diversos integrantes da so-
Noticiário
ciedade civil e profícua participação de outros profissionais, na solução dos
conflitos, para além dos da área jurídica, como psicólogos, assistentes sociais,
educadores, líderes comunitários, policiais, empresários, o que fortalece o que
se consolidou como Sistema autônomo de realização da Justiça, e essa multi-
disciplinariedade confere a ele maior credibilidade.
Por estes e muitos outros motivos os métodos adequados de solução de
conflitos passaram a ter protagonismo na gestão processual, judicial e empre-
sarial. Nos pronunciamentos dos administradores responsáveis, é frequente a
menção à busca de implantação de iniciativas e de ferramentas que incentivem
e implantem soluções consensuais e medidas de inibição à crescente judicia-
lização.
Eventos como o de hoje alinham-se à consecução dos objetivos desta
fundamental política pública, porque reitera o reconhecimento de que a
conciliação representa o método mais desejado e adequado de solução de con-
flitos e, mais profundamente, modo de conscientização da responsabilidade
social em obter o pleno exercício da cidadania.
O NUPEMEC de São Paulo saúda a todos e os recebe de braços abertos,
desejando que as palestras e os trabalhos que serão apresentados durante o dia
informem, auxiliem e estimulem novas ideias e novos projetos, para fortalecer
a conciliação.
Afinal, nada está terminado, mas tudo está sempre mudando, está por fa-
zer, por melhorar, e nisso reside a importância do trabalho do juiz e o nosso
aprendizado.
Muito obrigada pela presença de todos!
HERMANN HERSHANDER (Desembargador)
Discurso proferido em nome do Tribunal de Justiça, por ocasião da ou-
torga do Colar do Mérito Judiciário ao Ministro Luiz Edson Fachin (Solenidade
realizada em 23.06.2025).
Excelentíssimo Senhor Desembargador Fernando Antonio Torres Garcia,
964
Digníssimo Presidente deste Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo;
Excelentíssimo Senhor Doutor Tarcísio de Freitas, Digníssimo Governa-
dor do Estado de São Paulo;
Excelentíssimo Senhor Deputado André do Prado, Digníssimo Presidente
da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo;
Excelentíssimo Senhor Doutor Luiz Edson Fachin, Digníssimo Ministro,
Vice-Presidente e próximo Presidente do Supremo Tribunal Federal;
Peço vênia, para, nas pessoas de Vossas Excelências, saudar todas as de-
Noticiário
mais Autoridades já declinadas pelo Cerimonial, que prestigiam e abrilhantam
esta cerimônia.
Nosso Tribunal de Justiça de São Paulo hoje se reúne, nesta sessão solene
e festiva, para outorgar o Colar do Mérito Judiciário ao Eminente Ministro Luiz
Edson Fachin.
Inicio agradecendo a generosidade do nosso Presidente, Desembargador
Fernando Antonio Torres Garcia, pela enorme honra que me concedeu, de ser,
nesta tarde, o porta-voz do nosso Tribunal, nesta que é uma das mais justas e
merecidas homenagens que esta Corte já prestou.
Dentre as tarefas com que me honrou Vossa Excelência, Senhor Presiden-
te Fernando Antonio Torres Garcia, esta é por certo das mais descomplicadas e
agradáveis, pois dispensa qualquer justificativa; ela se fundamenta por si mes-
ma, já que o Brasil todo conhece o merecimento ímpar do homenageado.
Permito-me, então, apenas relembrar alguns marcos de sua notável tra-
jetória, de modo forçosamente abreviado, pois uma narrativa mais detalhada
exigiria horas incontáveis.
Nascido no então Distrito de Rondinha, no Estado do Rio Grande do Sul,
e formado na Universidade Federal do Paraná, o Ministro Fachin construiu uma
carreira jurídica e acadêmica de enorme destaque. É Mestre em Direito das Re-
lações Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Doutor pela
mesma Universidade, Membro da Academia Brasileira de Letras Jurídicas, do
IAB – Instituto dos Advogados Brasileiros – e do IAP – Instituto dos Advogados
do Paraná.
Além disso, Sua Excelência, Professor do Mestrado e Doutorado do Cen-
tro Universitário de Brasília, já foi Advogado, Procurador do Estado do Paraná,
Professor Titular de Direito Civil da Faculdade de Direito da Universidade Fe-
deral do Paraná, realizou Pós-Doutorado pelo Ministério das Relações Exterio-
res do Canadá, integrou a Comissão do Ministério da Justiça sobre a reforma do
Poder Judiciário e participou da elaboração do atual Código Civil.
O Ministro Edson Fachin foi, ainda, Pesquisador do Instituto Max-Plan-
ck, de Hamburgo, e Professor visitante da Dickson Poon Law School, do King’s
College London.
Sua Excelência é Autor de vasta e conhecida obra doutrinária, com mais
965
de uma centena de artigos e livros publicados – expressão de um espírito com-
prometido com o conhecimento jurídico e com a evolução do pensamento cons-
titucional brasileiro.
Em 16 de junho de 2015, ou seja, há dez anos – marco que também come-
moramos nesta solenidade –, Sua Excelência tomou posse no Egrégio Supremo
Tribunal Federal. Desde então, vem desempenhando, com reconhecido equilí-
brio e senso de responsabilidade institucional, um papel relevante na mais alta
Corte do país.
Noticiário
Durante essa década, o Ministro Fachin recebeu nada menos do que
53.600 processos, proferindo mais de 74.300 decisões, sobre temas da maior
relevância.
Se tudo isso não bastasse, Sua Excelência em breve assumirá a Presidên-
cia do Supremo Tribunal Federal e, por consequência, do Conselho Nacional de
Justiça — cargos que exigem, não apenas conhecimento jurídico e imensa ca-
pacidade de trabalho, mas também sensibilidade institucional, espírito público
e, sobretudo, coragem.
Essa simples enumeração de algumas das virtudes que tais funções pres-
supõem traz à baila, imediatamente, o nome do Ministro Fachin, como o homem
certo e predestinado ao seu exercício.
Aliás, Ministro Fachin, talvez não seja coincidência que esta homenagem
anteceda esse novo desafio. Esta outorga do Colar do Mérito Judiciário quer,
também, exprimir nosso voto público de confiança de que Vossa Excelência,
como já demonstrou por sua trajetória, saberá liderar, com serenidade e firmeza,
tanto a mais alta Corte do país quanto o órgão de controle e planejamento estra-
tégico do Judiciário nacional.
Essa transição dará continuidade à exitosa gestão do Ministro Luís Rober-
to Barroso, cuja atuação à frente do STF vem sendo marcada pelo compromisso
com a democracia, a liberdade e o bom senso. O Ministro Barroso não apenas
reafirmou os valores constitucionais em tempos de inquietação, como também
destacou, com serenidade e brilho intelectual, a importância da Suprema Corte
na proteção da cidadania.
Sua atuação deixa um legado de firmeza institucional; sua sucessão pelo
Ministro Fachin nos permite olhar com confiança para o futuro.
Não há dúvida alguma de que, sob a liderança do Ministro Fachin, o Su-
premo Tribunal Federal continuará a ser guardião firme dos direitos fundamen-
tais, da legalidade e da democracia; e que o Conselho Nacional de Justiça se-
guirá aprimorando a gestão, a transparência e a efetividade do Poder Judiciário.
Além da brilhante trajetória profissional, é digno de nota o lado humano
do homenageado: o Ministro Fachin é esposo da Desembargadora Rosana Ama-
ra Girardi Fachin – cuja presença muito nos honra –; pai da Doutora Camila
Fachin, Médica e Vice-Reitora da Universidade Federal do Paraná; e da Jurista
966
e Professora da mesma Universidade, Doutora Melina Fachin; bem como avô
dedicado.
Na sabatina perante o Senado, que se seguiu à sua indicação para o cargo
de Ministro do STF, afirmou o Ministro Fachin:
“Sou um sobrevivente. Não me recuso aos desafios. Sobrevivi à infância,
contrabalançando o zelo materno e as privações. Sobrevivi a uma adolescência
difícil e enriquecedora. Não me envergonho; ao contrário, orgulho-me de ter
vendido laranjas na carroça de meu avô pelas ruas onde morávamos; orgulho-
Noticiário
me de ter começado como pacoteiro de uma loja de tecidos; orgulho- me de ter
vendido passagens em uma estação rodoviária. Creio nos valores da família
porque os pratico. Perdi o pai cedo e sobrevivi com a mão firme de minha famí-
lia. As vidas familiar e acadêmica me acudiram e aqui sou resultado de 57 anos
de vida, firme nas minhas convicções democráticas.”
É a esta personalidade de reconhecida integridade, que une o saber
jurídico à sensibilidade humana, que o Tribunal de Justiça de São Paulo entrega
hoje o Colar do Mérito Judiciário.
Criado no ano de 1973, o Colar se destina a distinguir personalidades
que, por seus méritos e relevantes serviços prestados à Justiça, ao Direito e à
sociedade brasileira, dignificam e engrandecem as instituições públicas – seja
no exercício da Magistratura, seja na atividade acadêmica ou na promoção dos
valores fundamentais consagrados por nossa Constituição.
Ao concedê-lo ao Ministro Edson Fachin, este Tribunal não apenas enal-
tece a sua trajetória, como reafirma a importância de homenagearmos, em vida,
aqueles que dedicam seus talentos e valores à construção de um país mais justo.
O Ministro Fachin é conhecido, em nosso meio, pelo respeitoso trata-
mento que dispensa a este Tribunal. Seja como palestrante na Escola Paulista da
Magistratura, seja em reuniões de trabalho, Sua Excelência sempre assegurou a
harmoniosa relação entre nossa Corte Suprema e esta Justiça Estadual Paulista.
Receba, pois, o nosso Colar do Mérito Judiciário, Senhor Ministro, como
expressão do reconhecimento, do respeito e da admiração que esta Corte lhe
dedica.
E conte com nosso apoio em todos os desafios que se avizinham.
Guimarães Rosa disse que “o correr da vida embrulha tudo. A vida é as-
sim: esquenta e esfria, aperta e afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela
quer da gente é coragem.”
Coragem, sabemos todos, não lhe falta, para enfrentar qualquer desafio.
Que ela continue sendo bússola firme neste novo ciclo que se abre.
Muito obrigado.
967
LUIZ EDSON FACHIN (Ministro do supremo Tribunal Federal - STF)
Discurso de agradecimento, proferido por ocasião da outorga do Colar do
Mérito Judiciário recebido (Solenidade realizada em 23.06.2025).
Soubesse eu 10% do que ouviria, do que acabei de ouvir, teria pedido ao
Governador para providenciar uma ambulância de UTI cardíaca, para socorrer-
me nessas horas de altas emoções. E, também, tivesse eu a celeridade na voz que
Noticiário
tem o competente cerimonial desse Tribunal, Presidente, a saudação que faço de
agradecimento seria rápida. Mas, como dentre as várias deficiências, não tenho
essa celeridade, obviamente peço-lhes um pouco de paciência para dizer, de
início, que declaro que aqui venho como quem recebe sementes e deveres, mais
do que homenagem. E o faço tocado pelo sentido que sabe à responsabilidade
de sermos semeadores da fé na Justiça e da capacidade humana de cultivar a
generosidade.
Saúdo, com esse espírito de comunhão, Sua Excelência, o Presidente do
Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo, Desembargador Fernando Antonio
Torres Garcia, e as Desembargadoras e os Desembargadores desta Casa, assim
como Juízas e Juízes que atuam no Estado de São Paulo. Meus respeitos, igual-
mente, a integrantes do Poder Judiciário de outras unidades da Federação.
Quero também saudar, honrado com a presença de Sua Excelência, o Go-
vernador Tarcísio de Freitas, Governador desse importante Estado da Federa-
ção; o Senhor Presidente da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, a
quem muito agradecemos, Deputado André do Prado. Quero pedir licença para
uma saudação, de coração, especial, aos Presidentes dos dois Tribunais que me
deram a cidadania na vida: a cidadania da nascença, ao Tribunal de Justiça do
Estado do Rio Grande do Sul, Desembargador Alberto Delgado Neto, Presi-
dente aqui presente; e a cidadania do coração, aonde me fiz e aonde crescemos
todos nós, que é o Estado do Paraná, a Presidente e Desembargadora Lídia Mae-
jima, Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, a primeira mulher
a presidir o Tribunal das Araucárias. Quero, de um modo especial, agradecer a
presença. Permito-me, também, cumprimentar o Senhor Presidente do Tribunal
Regional Federal aqui da Terceira Região, os nossos sinceros cumprimentos,
Desembargador Carlos Muta.
Eu, que vim da Advocacia, não posso deixar de cumprimentar o Doutor
Leonardo Sica, Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil Seccional de São
Paulo, aqui representando o Presidente Beto Simonetti. Cumprimento também
a briosa Defensora Pública-Geral do Estado de São Paulo, Doutora Luciana
Jordão, os nossos especiais cumprimentos. Cumprimento, portanto, todas as Au-
toridades do Ministério Público do Estado de São Paulo, as Autoridades do Exe-
cutivo Estadual e Municipal. Minha saudação, portanto, a todos os integrantes
968
do Legislativo, do Ministério Público, da Defensoria, de modo especial também
à Procuradoria do Município e à Procuradora do Estado, Doutora Inês Coimbra.
Minha saudação especial à Advocacia. Às Servidoras e Servidores desse Tribu-
nal, assim como aos amigos e amigas aqui presentes; que nesta segunda-feira,
de coração quente e de temperatura fria, vieram solidariamente nos aquecer nes-
se momento de muita emoção e muita honraria.
Digo-lhes que o Tribunal de Justiça de São Paulo, o maior Tribunal do
país, mostra que, para além do número de Juízes, Desembargadores, Servidores
Noticiário
e processos, é também grande em generosidade ao nos acolher com esta distin-
ção.
Sei que me dirijo a mentes e corações comprometidos com a Justiça, com
as instituições e com a democracia constitucional.
É grande, portanto, a nossa admiração por este Tribunal e por sua
capacidade de julgar tantos casos com qualidade e em tempo cada vez mais
curto. A admiração é genuína, porque, quem a faz, nesta semana, participará,
no Supremo Tribunal Federal, de mais uma sessão (já são dez) que estamos a
dedicar a decidir um único tema: a constitucionalidade do Art. 19 do Marco
Civil da Internet.
Eu serei o próximo a votar, mas, evidentemente, não tratarei desse tema
aqui. Sem embargo, há um liame entre esse fato jurisdicional e o que pretendo
aqui refletir como oração de agradecimento.
Eis a nossa premissa: precisamos plantar comedimento, semear limites e
colher deveres: a responsabilidade, a ética e a integridade antes de tudo.
Por isso, nesta ocasião, como breve reflexão de agradecimento, que faço
também na presença do meu sempre colega de Pós-Graduação da PUC de São
Paulo, o Ministro Paulo Moura Ribeiro, com quem compartilhamos estudos, à
luz dos ensinamentos do Professor José Manuel de Arruda Alvim Neto, e que
também aqui registro o meu agradecimento, e gostaria, com Sua Excelência e
com este auditório qualificado, de compartilhar o que entendo ser o fio condutor
em problemas comuns enfrentados por julgamento como esse que o Supremo
está em vias de concluir, e que acabo de mencionar; e os julgamentos que se
passam em grande número de casos em todos os tribunais do país, com os quais
tenho lidado cotidianamente.
Entendo que nós estamos diante de um problema verdadeiramente moral,
que nos desafia.
Há uma questão estrutural no Brasil que salta aos olhos. Não me refiro
aos processos complexos, multifacetados e denominados de estruturais, com os
quais todos nós, Magistrados, nos vemos às voltas no dia de hoje. Refiro-me,
isso sim, às razões objetivas pelas quais estamos compelidos a cuidar desses
problemas de imediato, catapultando para a jurisdição graves questões que atra-
vessam a sociedade brasileira.
969
Começo essa reflexão por uma obviedade: a cultura brasileira vai se for-
jando como litigiosa, demasiadamente litigiosa. Para alguns, talvez a causa seja
a omissão política; para outros, uma alegada abundância de direitos constitucio-
nais, ou ainda a ineficiência crônica dos governos, quiçá a inaceitável pobreza
da população, a injustiça tributária ou a oscilação jurisprudencial, ou mesmo
alguma cupidez em face dos consumidores e trabalhadores.
Seja a causa que for, ou, multifatorialmente, estas sejam todas as causas,
Noticiário
o certo é que, a cada ano, cerca de 40 milhões de processos ingressam, no Brasil,
no sistema de Justiça. Somos cerca de 18 mil Juízas e Juízes, atuando com 280
mil Servidoras e Servidores, a lidar, aproximadamente, nos dias de hoje, com 84
milhões de processos.
Há, evidentemente, um custo elevado para isso, frequentemente destaca-
do pelos jornais - e o fazem bem, cumprindo o seu legítimo papel na promoção
da transparência. Porém, este custo retrata apenas uma parte dessa história.
Ele não computa a ineficiência vivenciada pelos credores durante os pro-
longados processos de execução, nem os danos sofridos diariamente pelos con-
sumidores, muitas vezes sem condições de recorrer à Justiça; tampouco esse
custo revela o impacto para quem não consegue retornar ao trabalho após uma
disputa judicial.
Raramente se menciona, apesar de pesquisas recentes começarem a lan-
çar certa luz sobre isso, os custos decorrentes da desigualdade de acesso ao
Judiciário: ou seja, o baixo custo inicial para ingressar com uma ação, a rigor,
esconde uma realidade de quem não possui recursos suficientes para participar
efetivamente do processo, estudar o caso ou se preparar adequadamente. À ex-
ceção, possivelmente, das ações previdenciárias e penais, não são todos e, espe-
cialmente, não são os mais pobres que têm acesso pleno à Justiça.
Chegará então o momento, olhando para este quadro, no Brasil, em que
precisaremos discutir uma reforma tributária para o acesso à Justiça, garantindo
que as taxas reflitam efetivamente a capacidade contributiva: isentando os mais
pobres, definindo valores acessíveis para aqueles com menos recursos e aumen-
tando progressivamente os valores para quem pode pagar.
Chegará também o momento de discutirmos sanções aos grandes litigan-
tes, seja por meio de ações nacionais, seja pelo reconhecimento de danos cole-
tivos e punitivos.
Além disso, teremos de debater sobre a produção judicial de provas,
buscando soluções criativas que possam envolver tanto serviços extrajudiciais
quanto a permissão para produção privada de provas, semelhantes ao modelo já
adotado em alguns países.
Enquanto não alcançarmos essas e tantas outras discussões necessárias,
quiçá precisemos compreender essa estrutura que conecta a atuação do Plená-
rio do Supremo Tribunal Federal, que emprega mais de 10 sessões para julgar
970
uma única ação, que conecta este fato jurisdicional ao cotidiano dos processos
individuais nos gabinetes do Judiciário de todo o país. É que eu vejo entre esses
dois fatos uma ponte que liga esses fenômenos. A conexão parece-me clara: a
própria judicialização, no Brasil, tornou-se um problema estrutural, que acaba
gerando paradoxos e contradições e, ainda, beneficiando determinadas classes e
mantendo afastada da legalidade uma parcela significativa da população.
E notemos: dos 5.570 municípios brasileiros, 2.496, ou seja, 44,8% são
sedes de comarca na Justiça Estadual e esse percentual abrange 88% da popula-
Noticiário
ção brasileira, o que revela que o Judiciário é um dos serviços públicos que tem
a maior capilaridade no país, com maior presença na vida das pessoas.
E, se isso é certo, e parece-me que o é, também parece correto afirmar que
esses dados se inserem em um contexto que precisa ser mais bem elucidado. E
é relevante, creio, que assim se proceda.
É que estamos diante do que poderíamos designar de um problema
regulatório: a nossa sociedade apostou que a solução judicial poderia dar conta
das inúmeras decisões de políticas públicas, como a regulação da liberdade de
expressão na internet (é o debate da pauta deste momento, ao qual me referi),
como as questões de saúde, de educação e outros direitos sociais.
E é esta reflexão que aporto a esse importante Tribunal da Federação e
ao próprio sistema de Justiça do Brasil. Antes de tudo, entendo que o tempo é
de contenção, o tempo é de limites, à luz da harmonia e independência entre os
poderes. E é certo que não vivemos em cavernas analógicas, mas a Magistratura
não deve ser formada por atores da sociedade do espetáculo que se converteu
nessa colmeia digital contemporânea.
E acresço uma preocupação a mais. A crítica sobre a falta de legitimidade
dos tribunais nem deve animar alguns e nem deve prosperar. Individualmente, é
certo, o acesso ao Judiciário é, em última instância, a garantia da legitimidade do
próprio sistema político. Tampouco, por outro lado, nos ajudam as discussões, já
ultrapassadas, sobre separação de poderes, uma vez que a própria Constituição
cidadã atribuiu a todos nós, juízes e ao Judiciário tais competências.
No entanto, dada a profunda desigualdade de nossa sociedade, devemos
considerar seriamente os riscos distributivos dessa escolha institucional. Refiro-
me, especialmente, à persistente dificuldade de acesso ao Judiciário, à confiança
quase exclusiva na discricionariedade judicial e aos riscos decorrentes da falta
de transparência e de mecanismos eficazes de accountability.
Precisamos, urgentemente, avaliar a seletividade do nosso sistema. Pre-
cisamos, com seriedade, responder por que temos tantos presos provisórios, em
sua maioria pobres; por que somos o país com o maior número de ações contra
empresas; e por que a população precisa recorrer ao Judiciário para garantir
vagas em creches, hospitais e escolas; e, por fim, por que o governo, em todas
as suas esferas, necessita de uma espécie de mora constitucionalizada por meio
971
do sistema de precatórios, que é, a rigor, um atestado da ineficiência para adim-
plir decisões transitadas em julgado. Precisamos, enfim, questionar por que a
litigância dos direitos sociais nos tornou, a cada um e a todos nós, guardiões
diuturnos desse edifício constitucional de bem-estar.
É certo, e não se pode negar, que este arranjo funciona; porém, cabe a
pergunta: “cui prodest?”, a quem aproveita? A quem aproveita esse Estado
como ele se encontra? Como Juízes, nós desenvolvemos muitas habilidades;
Noticiário
somos capazes de identificar danos civis com precisão, reconhecendo que danos
sofridos pelas vítimas afetam profundamente sua dignidade e determinamos a
sua reparação. A reparação civil, nesse contexto, restaura o equilíbrio social
ao reposicionar a vítima e o agressor. Nada obstante, creio que, numa reflexão
sobre princípios, podemos ir além. Em um mundo competitivo como o nosso,
pode parecer vantajoso – e esta foi a escolha moral feita pela sociedade brasilei-
ra –, pode parecer vantajoso considerar interesses individuais como promotores
do bem coletivo. É uma espécie de opção regulatória, via Judiciário, como uma
mão invisível social. Indivíduos, por esta via, buscam seus benefícios e, inad-
vertidamente, de modo quase acidental, promovem interesses coletivos, utili-
zando-se aqui o conhecido método da mão invisível.
Creio que precisamos ter abertura da alma para, olhando para o nosso
Brasil e olhando para o espelho, nós, diante deles, termos abertura de alma para
perguntas incômodas a serem escrutinadas com serenidade e comedimento.
Mentes e corações que desejam um país melhor, mais justo, mais livre e mais
solidário, vivificam no desassossego que resiste à senectude da alma e à atrofia
da esperança.
Mais transparência e melhores dados certamente nos ajudarão a avaliar
melhor os benefícios desta escolha e desta abordagem. Mas aqui, como disse e
repito, parece-me existir um desafio moral: não alcançaremos Justiça social ape-
nas pela sede de retribuição. A ira, embora justificada, não nos levará tão longe.
Precisamos, de fato, sublimá-la.
E há momentos em que a história nos convoca a transformar instrumentos
de embates em ferramentas de construção. O que antes servia para o confronto
direto deve ser convertido em energia produtiva. Somos chamados a fazer da
indignação uma força construtiva, redirecionando o sentimento menor da cólera
para o cultivo maior da Justiça social. Onde havia destruição, devemos promo-
ver reconstrução. Onde havia a ponta da lança, deve haver o corte preciso que
favorece o florescimento.
Se queremos transformar esse quadro, não basta apenas mais administrar
o acervo ou responder ao próximo recurso, é preciso um reposicionamento de
propósitos. Compreendo que devemos estar atentos aos números, às quantida-
des, aos cálculos e, também, ao justo mérito.
Todavia, compreendo ainda melhor as preocupações com a dimensão
972
qualitativa, acima da lógica da retribuição simétrica, e vejo que atravessa a cul-
tura da aparência quem veste a toga de Magistrado com discrição, com respeito
aos limites de suas atribuições, e se faz juiz no mundo real e concreto por meio
de comportamentos que devem ser fonte de vida, paz e construção, e não semear
a morte, a guerra e a destruição.
Vivemos tempos desconcertantes e esses tempos desconcertantes pare-
cem-me estar numa corrida sem limites – sem limites não há liberdade nem há
responsabilidade. Esses tempos demandam também para nós, Magistrados, afir-
Noticiário
mar que não estamos cegos diante de tantas interpelações do sistema de Justiça
e que o futuro possível sabe à impossibilidade de um único modo de ser, de uma
única língua e de uma concepção unitária de bem.
Por isso mesmo, sigamos em busca de respostas possíveis, plurais e dia-
lógicas, que respeitem as singularidades, sem respostas mágicas, como alguns
países estão procurando encontrar, haja vista a recente experiência ocorrida no
México.
Esses desafios não podem ser enfrentados com soluções isoladas. Exigem
um olhar sistêmico, uma interlocução permanente entre o Poder Judiciário e os
demais poderes, entre o Judiciário e as instâncias nacionais de planejamento.
O Brasil, como sociedade, precisa construir políticas públicas que fortaleçam o
acesso à Justiça, promovam a inclusão digital, incorporem práticas sustentáveis
e enfrentem diretamente, com seriedade, a redução das desigualdades estrutu-
rais.
Nada disso é novo. Relembro aqui a imagem bíblica que nos diz: “Vamos
converter espadas em arados”. E, para tanto, é preciso cultivar e semear. Não
é, evidentemente, de uma maneira primordial, a tarefa do Judiciário, mas cabe
a nós, como cidadãs e cidadãos, agirmos também como parte integrante e ativa
da sociedade.
Ao mesmo tempo, reafirmarmos nosso compromisso como promotores
da segurança jurídica, defensores do Estado de Direito e da Democracia. Que
não nos falte disposição para transformar a prática de nossas instituições e que
tenhamos discernimento para escolher entre a escuta ativa e a ação, entre a pa-
ciência e a coragem, é essa escolha que nos fará sermos geradores da paz.
Renovo, Presidente, nessa singela oração, meus agradecimentos ao Egré-
gio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. De modo especial, estou grato
à Vossa Excelência, Presidente Fernando Antonio Torres Garcia. E, para Vossa
Excelência, tomo emprestado o verso da poesia portuguesa, para reconhecer
em Vossa Excelência o que, na Coimbra, o Professor de Direito Civil, que lá
ele também foi, Orlando de Carvalho, designava, quem sabe designando-se a
si próprio: “alma de montanha e de condor”. Vossa Excelência é possuidor de
uma alma de montanha e de condor, cuja envergadura faz altos voos e vê a
tudo e a todos com lentes de lucidez e de largo alcance. Enquanto viver, Senhor
973
Presidente, guardarei emocionado a lembrança desses momentos, inebriados,
eu e Rosana, pelas lindíssimas e amáveis palavras, imerecidas, que nos foram
dirigidas.
Ao concluir esta oração de agradecimento, quanto a mim, cumpre reco-
nhecer-me apenas como operário de um canteiro de obras conhecido por Di-
reito, como partícipe das grandezas e, também, de algumas das misérias pelas
quais são feitas as nossas fundações institucionais. Posso dizer que estou entre
aqueles que conhecem satisfatoriamente esse senhor, o Direito, e a sua irmã
Noticiário
siamesa, a Ordem Jurídica, a ponto de compreender com alguma razoabilidade,
como todos nós percebemos, as suas virtudes, os seus defeitos e, especialmente,
nos dias atuais, a perceber e a praticar os seus limites.
Espero estar sempre à altura da Justiça para honrá-la, jamais titubeando
para defendê-la quando for injustamente atacada.
Nunca é demais, nesta conclusão, lembrarmo-nos novamente do clamor
indignado de Rui Barbosa, que afirmava aos moços: “Vinte anos há que eu me
mato”, escreveu Rui, “clamando os meus concidadãos contra a imoralidade e a
baixeza da força, apostolando-lhes à nobreza e à santidade da lei. Outra coisa
não sou eu, se alguma coisa tenho sido, senão o mais irreconciliável inimigo do
governo do mundo pela violência e o mais fervoroso predicante do governo do
homem pelas leis”.
Que esta cerimônia seja mesmo vincada pelo semear do respeito à lega-
lidade constitucional, como deve ser a própria prestação jurisdicional. É que,
se a Magistratura, ao julgar os casos que lhe são apresentados cotidianamente,
realmente fizer Justiça e realizar segurança jurídica, ela entregará sementes. O
tempo de hoje nos conclama a não cruzar os braços diante dessa missão de se-
meadores. O que faremos?
O tempo e a história, que são os derradeiros juízes, darão o testemunho
de nossas ações.
Muito obrigado pela distinção que me defere e pela vossa atenção.
FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA (Presidente do Tribunal de
Justiça)
Discurso de encerramento proferido por ocasião da outorga do Colar
do Mérito Judiciário ao Ministro Luiz Edson Fachin (Solenidade realizada em
23.06.2025).
Renovo o meu boa tarde. Aliás, já um boa noite a todas e a todos!
Inicio cumprimentando o Excelentíssimo Senhor Tarcísio de Freitas, Go-
974
vernador do Estado de São Paulo; e o Deputado Estadual André do Prado, Pre-
sidente da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo. Na aula magna que
acaba de ser proferida pelo nosso Ministro Fachin, longe de uma singela oração,
Vossa Excelência ressaltou a necessidade de entrelaçamento entre os Poderes.
Saiba, Senhor Ministro, que, aqui em São Paulo, os Poderes convivem de ma-
neira extremamente independente, porém, da maneira mais harmônica possível.
Prova disso é a presença do Chefe do Poder Executivo e do Chefe do Poder Le-
gislativo à homenagem que hoje o Tribunal de Justiça presta à Vossa Excelência;
Noticiário
Cumprimento o Desembargador Arthur Cesar Beretta da Silveira, Emi-
nente Vice-Presidente desta Corte; O Desembargador Francisco Eduardo Lou-
reiro, Corregedor-Geral da Justiça;
O Desembargador Carlos Vico Mañas, Decano em exercício do Tribunal
de Justiça de São Paulo, assim como o Desembargador Ricardo Cintra Torres
de Carvalho, Presidente da Seção de Direito Público; o Desembargador Heraldo
de Oliveira Silva, Presidente da Seção de Direito Privado; e o Desembargador
Adalberto José Queiroz Telles de Camargo Aranha Filho, Presidente da Seção
de Direito Criminal desta Corte;
Um cumprimento muito especial ao Ministro Paulo Dias de Moura Ri-
beiro, Ministro do Superior Tribunal de Justiça, porém Desembargador eterno
desta Corte de Justiça;
Cumprimento o Desembargador Hermann Herschander e digo à Vossa
Excelência que sua fala foi extremamente certeira, objetiva e com um conteúdo
imenso. Vossa Excelência bem ressaltou que se fosse descrever o currículo do
nosso homenageado passaríamos aqui horas e horas, mas Vossa Excelência o fez
de maneira pontual, objetiva e absolutamente contundente. Muito obrigado por
ter orado em nome desse Tribunal!;
Cumprimento o Ministro André Ramos Tavares, Ministro do Tribunal Su-
perior Eleitoral;
Cumprimento a Chefe do Poder Judiciário Paranaense, Desembargadora
Lídia Maejima, assim como a Desembargadora Cynthia Maria Pina Resende,
Presidente do Tribunal de Justiça da Bahia;
Cumprimento meu colega e amigo, Desembargador Alberto Delgado
Neto, Chefe do Poder Judiciário do Estado do Rio Grande do Sul;
Cumprimento o Desembargador Federal Luiz Carlos Hiroki Muta, Pre-
sidente do Tribunal Regional Federal da 3ª Região; O Desembargador Valdir
Florindo, Presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região;
O Desembargador Silmar Fernandes, Presidente do Tribunal Regional
Eleitoral de São Paulo;
O Desembargador Militar Enio Luiz Rossetto, Presidente do Tribunal de
Justiça Militar do Estado de São Paulo; O Desembargador José Antônio Encinas
Manfré, Vice-Presidente do TRE e Corregedor Regional Eleitoral;
975
A Doutora Inês Maria dos Santos Coimbra, Procuradora-Geral do Estado
de São Paulo, assim como a Doutora Luciana Jordão da Motta Armiliato de
Carvalho, Defensora Pública-Geral do Estado de São Paulo;
Cumprimento o Doutor Marlon Machado da Silva Fernandes, Promotor
de Justiça, que neste ato representa o Procurador- Geral de Justiça, Doutor Paulo
Sérgio Oliveira e Costa;
Cumprimento o Doutor Fábio Prieto, Secretário de Estado da Justiça e
Noticiário
Cidadania;
O Coronel Marcello Streifinger, Secretário de Estado da Administração
Penitenciária; O Doutor Gilberto Kassab, Secretário de Estado de Governo e
Relações Institucionais;
O Desembargador Gilson Delgado Miranda, Diretor da Escola Paulista
da Magistratura;
O Juiz de Direito Thiago Elias Massad, Presidente da nossa Associação
Paulista de Magistrados;
A Juíza de Direito Vanessa Ribeiro Mateus, Coordenadora da Justiça Es-
tadual da Associação dos Magistrados Brasileiros e que, neste ato, representa o
seu Presidente;
O Doutor Pedro Eduardo de Camargo Elias, Promotor de Justiça e Pri-
meiro Tesoureiro da Associação Paulista do Ministério Público, representando
o seu Presidente;
Cumprimento a Doutora Isabelle Maria Verza, Secretária-Geral da Asso-
ciação dos Procuradores do Estado, representando o seu Presidente;
Cumprimento o Doutor Leonardo Sica, Presidente da Ordem dos Advo-
gados do Brasil Seção São Paulo, que neste ato também representa o Presidente
do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil;
Cumprimento o Doutor Diogo Leonardo Machado de Melo, Presidente
do Instituto dos Advogados de São Paulo; A Doutora Renata Castelo Branco
Mariz de Oliveira, Presidente da Associação dos Advogados de São Paulo;
O Coronel Marcio Luiz Passos Tibério, Assessor de Relações Institucio-
nais do Comando Militar do Sudeste, representando o seu Comandante;
O Coronel Marco Antonio Pimentel Pires, Chefe da Assessoria Policial
do Tribunal de Justiça de São Paulo;
O Doutor Antonio Carlos Ortola Jorge, Delegado de Polícia Chefe em
exercício da Assessoria Policial Civil deste Tribunal; A Doutora Marina Brito
Battilani, Presidente da São Paulo Previdência (SPPrev);
Senhoras e Senhores, Desembargadores, Juízas e Juízes de Direito, Mem-
bros do Ministério Público, Defensores Públicos, Advogados, Autoridades Ci-
vis e Militares, especialmente os nossos queridos e valorosos Servidores;
Minhas Senhoras e meus Senhores.
976
A mim coube a fala mais fácil deste evento. Depois das palavras do De-
sembargador Hermann Herschander e da verdadeira aula que nos foi ministrada
pelo Ministro Edson Fachin, só me resta agradecer o privilégio deste Tribunal
ter podido outorgar à Vossa Excelência, Ministro Fachin, nossa maior Comenda,
que é o Colar do Mérito Judiciário. Este Colar é reservado àqueles que, como
Vossa Excelência, se destacam no cenário nacional, e, também, àqueles que as-
cendem ao 2º Grau de Jurisdição, depois de anos e anos de carreira, quando
chegamos ao Tribunal de Justiça.
Noticiário
Nós, Desembargadores, também recebemos o Colar do Mérito Judiciário,
que outorgamos com muito orgulho, porque foi uma longa carreira, uma longa
labuta para que chegássemos a ter esse Colar, e é com esse carinho e dedicação
que outorgamos à Vossa Excelência essa láurea.
Vossa Excelência tem muita ligação com o Estado de São Paulo, não só
por ter um neto paulista e paulistano, mas também por ter feito toda a sua gra-
duação superior na Pontifícia Universidade Católica, onde se graduou Mestre
e Doutor em Direito. Essa ligação de Vossa Excelência com o Estado e toda a
lhaneza que sempre teve com o Tribunal de Justiça de São Paulo e essa proximi-
dade de Vossa Excelência com os brasileiros de São Paulo é que nos levaram à
proposta e à outorga, nesta data, da nossa condecoração máxima.
Sinta-se, doravante, Ministro, com muita satisfação para nós paulistanos,
paulistas, um Desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo.
Muito obrigado por ter aceitado esta honraria, o que nos deixou muito
engrandecidos e felizes.
É um dia muito feliz para o Poder Judiciário Bandeirante.
Muito obrigado e declaro encerrada a presente solenidade.
Obrigado pela presença de todos.
OSVALDO DE OLIVEIRA (Desembargador)
Discurso proferido por ocasião de sua aposentadoria do cargo de Desem-
bargador do Tribunal de Justiça (Sessão realizada em 25.06.2025).
Excelentíssimo Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São
Paulo, Desembargador Fernando Antônio Torres Garcia
Vice-Presidente: Artur César Beretta da Silveira Corregedor Geral
da Justiça: Francisco Eduardo Loureiro
Sessão de Direito Criminal: Adalberto José Queiroz Telles de Ca-
margo Aranha Filho
Sessão de Direito Privado: Heraldo de Oliveira Silva
977
Sessão de Direito Público: Ricardo Cintra Torres de Carvalho órgão
Especial: Luciana Almeida Prado Bresciani
Hoje é dia de despedida e como em toda despedida devemos lem-
brar da trajetória percorrida, dos eventos relevantes, dos momentos felizes
e dos amigos que tornaram a jornada mais agradável e proveitosa.
Eu ingressei no Tribunal de Justiça do estado de São Paulo no dia 1°de
fevereiro de 1978, quando tomei posse no cargo de Oficial de Justiça e
Noticiário
passei a trabalhar na 5ª Vara Criminal
Central, que estava instalada neste Palácio da Justiça.
Na época, eu cursava direito na Faculdade de Direito do Largo
de São Francisco e passei a cultivar o sonho de ingressar na Magistratura
Paulista. Esse sonho tornou-se realidade no dia 07 de março de 1983, quan-
do tomei posse no cargo de Juiz de Direito Substituto e, por ordem do então
Presidente Francisco Thomaz de Carvalho Filho, passei a judicar, no dia
seguinte, na Comarca de Ribeirão Preto. Trinta dias depois fui removido
para a Comarca de Guarulhos e, na região, judiquei nas Comarcas de Mai-
riporã, Santa Isabel e Poá, até ser promovido ao cargo de Juiz de Direito
Titular da Comarca de Bananal. Minha próxima promoção foi para o
cargo de Juiz de Direito
Titular do Foto Distrital de Arujá. Em 1985, fui promovido ao cargo
de Juiz de Direito Auxiliar da Capital. Em dezembro de 1993, fui promo-
vido ao cargo de Juiz de Direito Titular na 2ª Vara Criminal do Tatuapé. No
dia 09 de maio de 2007, fui promovido ao cargo de Desembargador e passei
a integrar esta 12ª Câmara de Direito Público.
Hoje, também é dia de agradecimento. Em primeiro lugar, agra-
deço a Deus pelo dom da vida. Agradeço aos meus pais Euclides José
de Oliveira e Sebastiana Maria de Oliveira, os quais, onde quer que es-
tejam, com certeza, estão felizes que o filho seguiu seus exemplos de
trabalho e honestidade. Quando estudava no colégio em Bragança Pau-
lista escrevi alguns poemas que foram publicados no Jornal Cidade de
Bragança, entre os quais se encontra o poema intitulado “Mãe”, que
recebeu menção honrosa em um concurso de poesias e foi publicado em
uma coletânea de poesias. Porém, independentemente de eventual valor li-
terário, o que eu considero importante é o fato de ter escrito esse poema
em homenagem a minha mãe e a todas as mães que servem de exemplo
para seus filhos. Vou ler o poema:
“Devemos, neste mundo de ilusão,
Reservar no âmago do coração
Um perene lugar
A nossa mamãezinha tão querida,
978
Que, desde o despontar da nossa vida,
Sofre para nos criar.
Quando (como acontece comumente)
A linda criancinha fica doente,
Ela preocupada,
A noite inteira ao lado do bebê,
Passa tão absorvida que não vê
Quando chega a alvorada.
Noticiário
Assim (se for preciso) dias a fio,
Quer seja inverno, primavera ou estia,
Sem canceira e torpor,
Constantemente a lago do filhinho,
Fica dando-lhe o maternal carinho
Que lhe ameniza a dor.
O tempo vai passando e a criança cresce;
Para engatinhar do berço desce
E logo beija o chão;
Assusta-se, contudo curiosa,
Prossegue a examinar as misteriosas
Peças da habitação.
As pernas fortalecem dia a dia,
Até que tenta, com grande ousadia,
Dar os primeiros passos;
Consegue, porém, cai pouco adiante;
É socorrida, então, no mesmo instante,
Pelos maternos braços.
Por tudo isso a criança reconhece,
Sem dizer, nessa criatura que a esquece
Um ser superior,
E realmente a mãe que a toda hora,
Ao lado do filhinho, ri ou chora,
É a expressão do criador.»
Agradeço também a minha esposa Euridice Mari, que desde quan-
do eu era estudante de direito, sempre me apoiou e incentivou. Agradeço
ainda ao meu filho João Paulo Villela Nunes de Oliveira, que nasceu para
completar a felicidade da nossa família. Ele sempre compreendeu as mi-
nhas ausências enquanto me dedicava ao estudo dos infindáveis autos de
processo. Ele me deu a maior alegria quando decidiu seguir uma carreira
jurídica, tendo, após cursar direito na Pontifícia Universidade Católica,
fundado, juntamente com sua esposa, Ora. Pamela Graziela Aloise de Oli-
veira, o escritório de advocacia Aloise e Oliveira Advogados Associados.
979
Quando tomei posse no cargo de Desembargador, recebi um acervo
de mais de 1.700 processos e hoje devolvo a cadeira sem acervo. O bom
resultado desse trabalho eu devo ao trabalho eficiente e dedicado dos meus
assistentes Douglas Nomura, Márcia Faria Franco, Nívea Maria Lino San-
tos e Andréia Ueda, bem como das escreventes Susana Uemura e Regi-
na Reiko Kawakami. Tenho grande carinho pela 12ª Câmara de Direito
Público e estou feliz em permutar com o Excelentíssimo Desembargador
Jayme Martins de Oliveira Neto, que com sua grande cultura jurídica, virá
Noticiário
valorizar ainda mais esta Câmara. Já começo a sentir saudade das sessões
de julgamento desta Câmara, ocasiões em que, às vezes, surgiram
divergências que iniciaram debates de alto nível entre os Eminentes De-
sembargadores Edson Ferreira da Silva, José Orestes de Souza Nery, José
Manoel Ribeiro de Paula, que é meu colega do Concurso 148, e José
Roberto de Souza Meirelles. Esses debates sempre enriqueceram nossos
conhecimentos jurídicos e foram ainda mais proveitosos quando ocorre-
ram nas sessões dos 6° Grupo de Câmaras, com a participação dos Emi-
nentes Desembargadores integrantes da 13ª Câmara de Direito Público,
Ricardo Mair Anafe, que foi Presidente deste Tribunal no biênio de 2022
e 2023, Dimas Borelli Thomaz Júnior, Flora Maria Nesi Tossi Silva, Ma-
ria Isabel Caponero Cogan, Djalma Rubens Lofrano Filho e Julio Cesar
Spoladore Domingues.
Nesses 42 anos e alguns meses de magistratura, acredito que cumpri
a difícil missão de entregar a cada um aquilo que lhe pertence, con-
tribuindo, assim, com a pacificação social e com o fortalecimento do
Estado Democrático de Direito. Levo comigo o orgulho de ter integrado
este Tribunal, que é o maior do Brasil, talvez, do mundo, não só pela
quantidade de processos, mas, principalmente, pela qualidade de seus
magistrados. Levo, também, a certeza de que, como consta da letra do Hino
do Tribunal de Justiça, de autoria do saudoso poeta Paulo Bomfim,
entre salas, vitrais e colunas, sempre surgiram e surgirão togas cobertas
de glória.