APELAçãO – APELAÇÃO. DEMANDA INICIALMEN- TE PROPOSTA COMO RECLAMAÇÃO TRABA- LHISTA. COMPETÊNCIA DECLINADA PARA A JUSTIÇA COMUM POR SE TRATAR DE RELA- Jurisprudência - Direito Privado ÇÃO COMERCIAL. SENTENÇA DE IMPROCE- DÊNCIA. TRANSPORTE AUTÔNOMO DE CAR- GAS. CABE À JUSTIÇA COMUM ESTADUAL EXAMINAR, À LUZ DOS REQUISITOS PREVIS- TOS NA LEI Nº 11.442/2007, SE O CONTRATO DE TRANSPORTE DE CARGAS POSSUI, OU NÃO, NATUREZA COMERCIAL. ENTENDIMENTO FIRMADO PELO STF NA ADC Nº 48 E PELO STJ NO AG.INT. NO CONFLITO DE COMPETÊNCIA Nº 180.647/SP. RELAÇÃO QUE SE AMOLDA À MODALIDADE DE CONTRATO REGIDA PELA LEI N° 11.442/2007. IMPROCEDÊNCIA MANTI- DA. RECURSO NÃO PROVIDO.(TJSP; Relator: CÉSAR ZALAF; Órgão Julgador: Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça; Data do Julgamento: 16 de julho de 2025)
, em 14ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça
de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento ao recurso.
V.U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. (Voto
nº 12.108)
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores CAR-
LOS ABRÃO (Presidente) e THIAGO DE SIQUEIRA.
São Paulo, 16 de julho de 2025.
CÉSAR ZALAF, Relator
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Ementa: APELAÇÃO. DEMANDA INICIALMEN-
TE PROPOSTA COMO RECLAMAÇÃO TRABA-
LHISTA. COMPETÊNCIA DECLINADA PARA A
JUSTIÇA COMUM POR SE TRATAR DE RELA-
Jurisprudência - Direito Privado
ÇÃO COMERCIAL. SENTENÇA DE IMPROCE-
DÊNCIA. TRANSPORTE AUTÔNOMO DE CAR-
GAS. CABE À JUSTIÇA COMUM ESTADUAL
EXAMINAR, À LUZ DOS REQUISITOS PREVIS-
TOS NA LEI Nº 11.442/2007, SE O CONTRATO DE
TRANSPORTE DE CARGAS POSSUI, OU NÃO,
NATUREZA COMERCIAL. ENTENDIMENTO
FIRMADO PELO STF NA ADC Nº 48 E PELO STJ
NO AG.INT. NO CONFLITO DE COMPETÊNCIA
Nº 180.647/SP. RELAÇÃO QUE SE AMOLDA À
MODALIDADE DE CONTRATO REGIDA PELA
LEI N° 11.442/2007. IMPROCEDÊNCIA MANTI-
DA. RECURSO NÃO PROVIDO.
VOTO
Trata-se de Ação de cobrança inicialmente ajuizada na justiça do Traba-
lho, por FERNANDO CESAR ORMENEZE em face de I.C. TRANSPOR-
TES LTDA, cuja competência foi declinada em favor desta Justiça Comum por
acórdão proferido por Desembargador do Tribunal Regional do Trabalho. Vindo
os autos, sobreveio sentença julgando improcedente os pedidos e condenando o
autor ao pagamento das custas, despesas processuais e honorários advocatícios
fixados em 10% sobre o valor atualizado da causa e multa por litigância de má-
fé, respeitada a gratuidade.
Inconformado, o autor apelante alega que foi contratado na função de
motorista carreteiro, utilizando-se do próprio veículo. Diz que a empresa não
efetuou o registro na CTPS e exigiu a constituição de uma empresa para rece-
ber seus proventos, a fim de descaracterizar o vínculo. Aduz que possuía todas
as características de empregado. Sustenta que não tinha cadastro na ANTT ou
outros órgãos e a constituição da empresa foi condição sine qua non para que
pudesse trabalhar para a ré. Aduz que está em busca do reconhecimento do vín-
culo empregatício. Requer seja afastada a multa por litigância de má-fé. Pleiteia
a reforma da sentença para que seja reconhecido o vínculo empregatício.
Recurso tempestivo e processado regularmente, sem preparo. Contrarra-
zões pelo improvimento.
É o relatório.
Não há questões que impeçam o conhecimento deste recurso, que, quanto
ao seu objeto, não merece provido.
Trata-se na origem de ação trabalhista por meio da qual o autor busca o
registro em CTPS, recolhimento de FGTS e INSS, cujo relatório da r. sentença
adoto para melhor compreensão da causa:
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Narra a inicial que o autor foi admitido pela ré para exercer a função
de motorista no período de dezembro de 2018 até julho de 2021, pres-
tando serviços de forma pessoal, exclusiva e habitual, mediante fretes
previamente ajustados pela ré para cada viagem. Sustenta que a relação
jurídica mantida com a ré possuía todos os requisitos caracterizadores
do vínculo de emprego, conforme previsto nos artigos 2º e 3º da CLT, com
pessoalidade, habitualidade, onerosidade e subordinação. Afirma que,
apesar da existência de documentos assinados, incluindo “contrato de
frete”, estes foram impostos pela ré de maneira arbitrária para fraudar
seus direitos trabalhistas. Requer o reconhecimento do vínculo emprega-
tício, anotação na CTPS, pagamento de verbas rescisórias trabalhistas
e a declaração de nulidade dos documentos elaborados pela ré (folhas
3/17). Juntou documentos (folhas 18/196). Em contestação, a ré arguiu,
preliminarmente, a incompetência material da Justiça do Trabalho, inép-
cia da inicial e impugnou o valor da causa. No mérito, sustentou a ine-
xistência de vínculo empregatício, alegando que a relação entre as partes
se deu sob a égide da Lei Federal n. 11.442/2007, configurando relação
de natureza comercial. Afirmou que o autor era transportador autônomo
de cargas (TAC), inscrito na ANTT, proprietário do veículo utilizado na
prestação dos serviços, com autonomia para recusar fretes e sem subor-
dinação à empresa. Juntou documentos para comprovar o caráter comer-
cial da relação, incluindo extrato bancário de 2021 demonstrando que
o autor recebia pagamentos de outras empresas de transporte. Acusou
o autor de litigância de má-fé e requereu a improcedência dos pedidos
(folhas 234/305). Juntou documentos (folhas 306/434). Declinada a com-
petência pela Justiça do Trabalho (folhas 449/499), o autor apresentou
réplica (folhas 505/509), reiterando os pedidos iniciais e refutando os ar-
gumentos da ré. Insistiu na existência de vínculo empregatício, afirmando
que os requisitos da Lei Federal n. 11.442/2007 não estariam presentes e
que trabalhava com exclusividade, pessoalidade e sob subordinação à ré
e reiterando o pedido de gratuidade de justiça.
Na ADC n° 48, o C. STF, ao analisar a constitucionalidade da Lei
11.442/07, reconheceu que compete à Justiça Comum verificar se os requisitos
legais estão preenchidos para definir a natureza da relação jurídica entre as par-
tes. Tal entendimento foi acompanhado pelo STJ, no julgamento do AgInt no
Conflito de Competência n° 180.647-SP, cuja ementa cito:
“AGRAVO INTERNO NO CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊN-
CIA. JUSTIÇA DO TRABALHO. JUSTIÇA COMUM ESTADUAL. LEI
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11.442/2007. AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDA-
DE Nº 48/DF. CONSTITUCIONALIDADE DECLARADA PELO STF.
DEMANDA DEVE SER INICIALMENTE AFORADA NA JUSTIÇA
COMUM. VERIFICAÇÃO DE REQUISITOS DA CONTRATAÇÃO.
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AFASTAMENTO PELO JUÍZO ESTADUAL. PEDIDO DE RECONHE-
CIMENTO DE VÍNCULO EMPREGATÍCIO. REMESSA À JUSTIÇA DO
TRABALHO. PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.
COMPETÊNCIA DO JUÍZO LABORAL. SUCEDÂNEO RECURSAL.
IMPOSSIBILIDADE. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. 1. Na ori-
gem, a controvérsia cinge-se em determinar o Juízo competente para
analisar demanda em que a parte interessada requer o reconhecimento
de vínculo trabalhista, em que pese a celebração de contrato de transpor-
te rodoviário de cargas por conta de terceiros e mediante remuneração,
o qual é regido pela Lei n° 11.442/2007. 2. O Supremo Tribunal Federal
- STF, no âmbito da ADC n° 48/DF reconheceu a constitucionalidade da
Lei n° 11.442/2007 que prevê o transporte rodoviário de cargas por conta
de terceiros e mediante remuneração. 3. O STF vem decidindo que a dis-
cussão sobre a presença dos pressupostos e requisitos legais inerentes à
contratação sob a égide da Lei n° 11.442/2007 deve iniciar-se na Justiça
Comum e constatado que não foram preenchidos os requisitos dispostos
na lei supracitada, a competência passaria a ser da Justiça do Trabalho.
4. No caso sob análise, a demanda foi inicialmente proposta no Juízo
laboral que declinou de sua competência, remetendo o feito à Justiça
estadual que reconheceu não estarem presentes os requisitos caracteri-
zadores do contrato de transporte rodoviário de cargas por conta de ter-
ceiros e mediante remuneração regido Lei n° 11.442/2007 5. Ademais, se
a parte agravante não concorda com os fundamentos exarados pelo Juízo
estadual, que afastou a incidência da Lei n° 11.442/2007, deveria se va-
ler dos recursos pertinentes para a reforma do julgado, ao passo que o
presente conflito de competência não pode ser utilizado como sucedâneo
recursal sob pena de supressão de instâncias, conforme o pacífico enten-
dimento desta Corte Superior. 6. Agravo interno não provido.
Os requisitos, por sua vez, estão elencados no artigo 2º, I, § 1°, da Lei nº
11.442/07, que dispõe:
“A atividade econômica de que trata o art. 1º desta Lei é de natureza co-
mercial, exercida por pessoa física ou jurídica em regime de livre concor-
rência, e depende de prévia inscrição do interessado em sua exploração
no Registro Nacional de Transportadores Rodoviários de Cargas RNTR
-C da Agência Nacional de Transportes Terrestres ANTT, nas seguintes
categorias:
I Transportador Autônomo de Carga TAC, pessoa física que tenha no
transporte rodoviário de cargas a sua atividade profissional;
II Empresa de Transporte Rodoviário de Cargas ETC, pessoa jurídica
constituída por qualquer forma prevista em lei que tenha no transporte
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rodoviário de cargas a sua atividade principal.
§ 1º - O TAC deverá: I comprovar ser proprietário, co-proprietário de,
pelo menos, 1 (um) veículo automotor de carga, registrado em seu nome
no órgão de trânsito, como veículo de aluguel; II comprovar ter expe-
riência de, pelo menos, 3 (três) anos na atividade, ou ter sido aprovado
em curso específico.”
Como visto, a atividade de que trata o artigo 1º depende de registro no
Registro Nacional de Transportadores Rodoviários de Cargas RNTR-C, da
comprovação da propriedade do veículo e experiência de três anos na atividade.
Ao contrário do que afirma, o autor apelante possui registro na ANTT,
sob o número 050387433, conforme é possível constatar por simples ao com-
provante de fls. 433.
Incontroverso, ainda o fato de o veículo utilizado no transporte é de sua
propriedade, observando-se por meio das notas fiscais de fls. 407/432 que sua
remuneração era variável conforme os fretes realizados.
Ainda, é de se notar que o autor cumpria o requisito da experiência, haja
vista a data dos registros na ANTT (2007 e 2011).
Destaco que as notas fiscais denotam que o autor prestava o serviço como
autônomo, desde o início, conforme notas fiscais juntadas (fls. 407/432).
O conjunto probatório é desfavorável ao autor apelante, porque preen-
chidos os requisitos da Lei 11.442/07 a caracterizar a relação comercial entre as
partes, afastando-se a alegação de vínculo empregatício
Quanto a multa por litigância de má-fé a renitência em prosseguir com te-
ses insustentáveis, apenas comprovam e justificam sua manutenção por utilizar
o processo para conseguir objetivo ilegal (art. 80, III, CPC).
A r. sentença, portanto, deve ser mantida por seus fundamentos e os ora
acrescidos, majorando a verba honorária para 12% do valor da causa, ressalva-
do, no que couber, a gratuidade da justiça.
Ante o exposto, nego provimento ao recurso.